Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3481/17.0T8BRG.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
NOÇÃO DE JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1 - A justa causa para despedimento é uma noção complexa e para averiguá-la deve recorrer-se ao entendimento de um “bonus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, em face do condicionalismo de cada caso concreto.

2 - E, para a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho como critério básico de “justa causa”, é necessário uma prognose sobre a inviabilidade das relações contratuais concluindo-se pela inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica.

3- Estamos perante justa causa de despedimento o comportamento da trabalhadora que é operadora de caixa e disso se aproveita no âmbito de uma campanha de fidelização de clientes para se apropriar de selos a entregar aos clientes da empregadora aquando o pagamento de produtos que adquiriam e os utiliza em beneficio próprio.

3 - A antiguidade da trabalhadora e a inexistência de antecedentes disciplinares não afectam a adequação e a proporcionalidade do despedimento ao comportamento da mesma, desde que tenha sido irremediavelmente quebrada a relação de confiança que deve estar subjacente a vínculo laboral subordinado.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Elisabete intentou a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra X - Hipermercados, Sa que apresentou articulado de motivação do despedimento alegando, em suma, matéria, em seu entender, integrante da prática de várias infracções disciplinares constituintes de justa causa de despedimento e, em caso de procedência da acção, no sentido da compensação ser deduzida das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da propositura da presente acção e das importâncias que se tenha obtido com a cessação do contrato e que seriam recebidas se não ocorresse o despedimento.

Deduziu-se oposição. Alegou-se, em síntese, no sentido da impugnação dos factos alegados pela empregadora e optando-se pela indemnização em substituição da reintegração.

Pediu-se, nomeadamente em reconvenção:

a) Ser julgada procedente, por provada, a presente ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento e, consequentemente,

1. Ser declarada a ilicitude do despedimento da Autora;
2. Ser condenada a Ré a pagar à Autora as retribuições que deixou de auferir desde 9/05/2017 até ao trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo do disposto no art.º 390.º n.º 2 do Código do Trabalho.
3. Ser condenada a Ré a pagar a Autora uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, decorrido desde a data do início do contrato até ao trânsito em julgado da decisão judicial.

b) Ser julgada procedente, por provada, a reconvenção e, consequentemente:

1. Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de €10.000 (dez mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, desde a citação até efectivo e integral pagamento no pagamento de indemnização pelo despedimento ilícito, das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final e de indemnização no valor de 10.000,00€ por danos não patrimoniais.”.
Deduziu-se reposta quanto à reconvenção.
Elaborou-se saneador sem se seleccionar factualidade.
Realizou-se audiência de julgamento.

Proferiu-se sentença pela qual:

1. Julgar a presente acção integralmente improcedente e, em consequência, declaro a ilicitude do despedimento da autora;
2. Julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar à autora:
A indemnização pelo despedimento ilícito devida desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, calculada com referência a trinta dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade;
À indemnização que é devida à autora acrescem juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o trânsito em julgado da presente decisão até integral pagamento;
As retribuições que a autora deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, devendo descontar-se nestas retribuições o subsídio de desemprego, o qual deverá ser entregue pela ré à segurança social;
Às retribuições que são devidas à autora acrescem juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o vencimento de cada retribuição até integral pagamento.”.

A empregadora recorreu e concluiu:

1. A recorrente não pode conformar-se com a decisão que recaiu sobre este processo, a qual fez uma incorrecta interpretação da prova e dos factos, bem como uma errada aplicação da lei, o que conduziu a uma solução totalmente injusta e sem qualquer respaldo na efectiva prova produzida.
2. A recorrente não pode conformar-se com uma decisão que reconhecendo que a “conduta da autora, embora tenha alguma gravidade que não pode ser ignorada (…) violou os deveres de obediência e lealdade, previstos no art. 128º al. e) e f) do Cód. do Trabalho”, não seja passível da decisão de despedimento que lhe foi aplicável porque, no entender do mesmo tribunal, “a conduta da autora refere-se a valores especialmente diminutos” e, se trata de uma trabalhadora com 20 anos de antiguidade e sem passado disciplinar.
3. Tal decisão, na opinião da recorrente, além de um contrassenso em si mesmo abre ainda um inconcebível precedente na avaliação da justa causa de despedimento, na medida em que se afigura ser uma ser uma decisão contrária à unanimidade da jurisprudência decisão quando conclui não ser passível de justa causa o comportamento de uma trabalhadora que considera desleal (seja, desonesto).
4. Os factos apurados levaram o tribunal a quo à mesma interpretação que a aqui recorrente já lhes tinha dado. Isto é, os selos que a recorrida apresentou nas cadernetas tinham-lhe sido entregues para que esta os entregasse aos clientes que atendeu quando esteve ao serviço na caixa e em face das compras que aqueles fizessem, o que, na verdade, não aconteceu. Isto porque a recorrida ficou com os selos para si mesma.
5. O tribunal a quo entende que por um lado a conduta grave da recorrida é violadora do dever de lealdade, porém, conclui que o despedimento é excessivo porque em causa estavam valores diminutos e a trabalhadora não tem qualquer sanção disciplinar no passado.
6. Por via deste raciocínio, o tribunal a quo vem-nos dizer que pese embora a conduta da recorrida tenha sido desonesta para com o seu empregador, atenta a antiguidade da relação laboral e a inexistência de passado disciplinar a decisão do despedimento é, contudo, exagerada. Ora,
7. Verificada que está a violação do dever de lealdade, não é possível admitir que a possibilidade de manutenção do vínculo laboral não se esgotou.
8. Verificando-se a deslealdade num comportamento de um trabalhador, está invariavelmente quebrada a necessária confiança para a manutenção de um contrato de trabalho.
9. É unânime o entendimento que o dever de lealdade é um dever absoluto, tal como o dever de honestidade que lhe é intrínseco. Sempre que violado tal dever, não é minimamente exigível que o empregador mantenha confiança no trabalhador que praticou tais factos.
Acórdão STJ de 02.12.2013, processo 1445/08.3TTPRT.P2.S1
Acórdão do TRP, de 29.03.2017, processo 5948/15.5T8OAZ
10. Incumbia ao tribunal a quo fazer o necessário juízo de prognose que impõe a avaliação do comportamento à luz dos requisitos para verificação da justa causa de despedimento.
11. É precisamente nesta ponderação de interesses imposta pelo artigo 351º do Código do Trabalho, que é indubitável concluir que, mercê do comportamento desleal da trabalhadora, a relação de trabalho ficou irremediavelmente comprometida.
Acórdão TRL de 24.11.2017 no processo 40/16.8T8FNC.L1
12. Errou o tribunal a quo quando referiu que o comportamento tido pela recorrida foi um erro isolado, não relevando que se tratou de um comportamento reiterado.
13. Como resulta da matéria probatória apurada, os selos acumulados pela recorrida na sua caderneta foram-lhe entregues em dois dias distintos de trabalho: 14 e 22 de Fevereiro.
14. Os selos em causa são um crédito concedido pela Recorrente aos seus clientes para aquisição de copos a título gratuito ou a preço diminuto, tal como ficou provado.
15. Ao fazer seus os selos que lhe tinham sido entregues para fazer chegar aos clientes da Recorrente, a Recorrida foi desonesta para com o seu empregador e traiu, de forma irreversível, a confiança que estava em si depositada.
16. Tal factualidade apurada e provada, faz demonstrar que a conduta da recorria não foi tida num impulso ou momento único, mas sim de modo premeditado e reiterado no tempo.

Por conseguinte,

17. O comportamento da A. consubstanciou uma violação muito grave e intolerável dos deveres de zelo, diligência, obediência e sobretudo lealdade, violando as alíneas a), c), e), f) do nº1 do artigo 128º do Código do Trabalho.
18. Integrando ainda os mesmos factos justa causa para o despedimento que veio a ocorrer, a o abrigo do disposto no artigo 351º nº1 e nº2 alíneas a), d) e e) do Código do Trabalho.
Sem prescindir e caso assim não se entendesse, o que apenas por mera cautela de patrocínio se invoca,
19. No seu articulado, a recorrente fez prever de forma expressa no ponto 56 que no caso de vir a ser declarado ilícito o despedimento “Do mesmo modo e nessa hipótese, teriam ainda de ser deduzidas as importâncias que a A. tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, nomeadamente a título de subsídio de desemprego. (artigo 390º n.º 2 do Código do Trabalho).”
20. Na sentença proferida, o tribunal a quo faz menção apenas e só ao desconto daquilo que a Recorrida tiver auferido a título de subsídio de desemprego, sem fazer qualquer menção a outras quantias que a Recorrida tenha auferido após o despedimento. Aliás,
21. A esse propósito, havia a recorrente requerido no seu articulado, in fine, que antes de proferida Sentença fossem oficiados os serviços da Segurança Social para informar se, após o despedimento a recorrida tinha auferido qualquer montante proveniente do trabalho.
22. Optou o tribunal por não fazer essa notificação, não obstante, tinha obrigatoriamente que fazer menção a esse desconto da mesma forma que fez a respeito do subsídio de desemprego.”

Termina, em síntese conclusiva: “julgar procedente por provado o presente recurso, substituindo a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” por outra que julgue lícito e regular o despedimento da Recorrida. Sem prescindir e caso assim não se entendesse, o que apenas por mera cautela de patrocínio se invoca,
Às retribuições que a recorrida deixou de auferir após o despedimento, devem ser descontadas não apenas aquelas que eventualmente auferiu a titulo de subsídio de desemprego, mas também outras que tenha auferido e que não auferiria se não fosse o despedimento.”.

Contra-alegou-se.

Conclusões:

1- A decisão recorrida não merece qualquer reparo, tendo o Meritíssimo Juiz “a quo” feito uma prudente e criteriosa valoração da prova e dos factos e uma adequada subsunção dos mesmos ao direito.
2- Pois que, não obstante a Autora tenha cometido uma infracção disciplinar, a sanção aplicar está vinculada ao cumprimento de um critério de proporcionalidade, em relação à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator.
3- O grau de perturbação provocada no vínculo laboral, a organização e imagem da empresa; a afectação dos interesses da empresa; a possibilidade de reincidência; nos efeitos produzidos; o comportamento habitual dos restantes trabalhadores - critérios a ter em conta na avaliação da gravidade da infracção - não justificam a aplicação da sanção de despedimento.
4- Ainda, a conduta da Recorrida refere-se a valores diminutos, devendo ter-se em conta que apenas que os selos seriam, de todo modo, atribuídos aos clientes, que apenas não quiseram usufruir dos mesmos;
5- A Recorrida exercia as mesmas funções de operadora de caixa há quase 20 anos, ao longo dos quais nunca teve qualquer problema com as quantias que receba dos clientes e com os valores com que lidava diariamente;
6- Não teve qualquer processo disciplinar, nem tão pouco lhe foi aplicada qualquer sanção.
7- Por outro lado, acresce que, a conduta da Recorrida, não tornou imediatamente impossível a subsistência da relação laboral;
8- A relação de confiança entre Recorrente e Recorrida não seria seriamente afectada apenas por aquela conduta isolada, que em 20 anos de antiguidade lidou com dinheiro e outros valores da Recorrente, sem que tivesse havido qualquer incidente, ou violação de qualquer dever laboral.
9- Assim, nestes termos, e face a todo o argumentário aduzido, seria suficiente a aplicação de sanção disciplinar de índole conservatória, possibilitando a permanência da relação laboral, não se configurando comportamento da Recorrida como integrador de justa causa de despedimento, o que determina a ilicitude do mesmo.
10- Deve, pois ser mantida a decisão do tribunal “a quo”.”.

Termina: “ deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, conformando-se na íntegra a decisão recorrida”.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de merecer provimento o recurso.
Indagar-se-á da existência de justa causa para o despedimento e, em caso contrário, das deduções a efectuar à compensação.

Na sentença considerou-se assente:

1. A ré dedica-se à exploração de hipermercados e estabelecimentos comerciais congéneres;
2. No dia 5 de Maio de 1997, a autora foi admitida ao serviço da ré, como sua trabalhadora;
3. A autora tinha a categoria profissional de operadora especializada e auferia a quantia mensal de € 3.590,00, a título de retribuição base;
4. A autora exercia as suas funções no estabelecimento comercial da ré em Braga;
5. A ré instaurou um processo disciplinar contra a autora;
6. Neste processo disciplinar, a ré elaborou a nota de culpa que consta de fls. 29 a 31 e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
7. No dia 8 de Maio de 2017, a ré proferiu a decisão final que consta de fls. 203 a 206 e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
8. A ré procedeu ao despedimento por justa causa da autora;
9. A autora foi notificada da decisão final no dia 9 de Maio de 2017;
10. A autora exercia as funções de operadora de caixa;
11. Estas funções consistiam em registar os produtos que os clientes adquiriam e receber o respectivo pagamento;
12. A ré tinha em vigor nas suas lojas uma campanha de fidelização de clientes denominada SZ;
13. Nesta campanha, a ré facultava aos clientes uma caderneta em que eram colocados selos;
14. Estes selos eram entregues pelas operadoras de caixa quando os clientes procediam ao pagamento dos produtos que adquiriam;
15. Os clientes recebiam um selo por cada € 20,00 em produtos adquiridos;
16. Os clientes que completassem dezasseis selos colocados na caderneta podiam receber dois copos gratuitamente;
17. Os clientes podiam igualmente optar por completar apenas oito selos colocados na caderneta e receber os dois copos mediante o pagamento da quantia de € 2,99;
18. Para este efeito, os clientes deviam apresentar a caderneta e proceder à sua troca pelos copos;
19. No início de cada dia de trabalho, as operadoras de caixa recebiam um rolo de selos para entregarem aos clientes;
20. Este rolo era registado num mapa específico, no qual constava o número do primeiro e do último selo que havia sido entregue a cada operadora de caixa e a quantidade de selos que cada operadora de caixa devolvida no final do dia de trabalho;
21. As operadoras de caixa estavam obrigadas a devolver todos os selos que não fossem entregues aos clientes;
22. As operadoras de caixa não podem receber qualquer gratificação dos clientes;
23. No dia 23 de Fevereiro de 2017, a autora dirigiu-se ao estabelecimento comercial que a ré explorava na Quinta P.;
24. A autora procedeu à aquisição de produtos, como qualquer cliente;
25. Após, a autora entregou duas cadernetas para receber os respectivos copos;
26. Nestas cadernetas estavam colocados vinte e um selos que faziam parte de dois rolos que haviam sido entregues à autora nos dias 14 e 22 de Fevereiro de 2017;
27. O número dos selos que constavam das cadernetas era sequencial, correspondendo a selos seguidos dos rolos que haviam sido entregues à autora;
28. A autora não entregou estes selos aos clientes e não os devolveu no final dos dias de trabalho;
29. Para que pudesse receber vinte e um selos, a autora teria que ter adquirido produtos no valor de € 420,00, o que não ocorreu;
30. No dia 3 de Março de 2017, a autora foi confrontada com estes factos pelo director do estabelecimento comercial que a ré explorava em Braga, no qual exercia as suas funções;
31. Nesta reunião estava presente o director do estabelecimento comercial, a coordenadora dos recursos humanos e um segurança;
32. A autora começou por negar os factos, mas acabou por admitir que correspondiam à verdade;
33. No final da reunião, a autora comunicou à ré que aceitava a cessação do contrato de trabalho, com efeitos imediatos;
34. No dia 7 de Março de 2017, através de carta, a autora comunicou à ré que revogava a cessação do contrato de trabalho;
35. As operadoras de caixa não estavam impedidas de participar na campanha de fidelização de clientes denominada SZ;
36. A autora entregou os selos aos clientes que pretendiam recebê-los;
37. A autora exercia as funções de operadora de caixa há quase vinte anos quando ocorreram os factos;
38. Ao longo do período em que exerceu funções como trabalhadora da ré, a autora nunca teve qualquer problema relacionado com as quantias que recebia dos clientes ou com os valores com os quais lidava diariamente;
39. A autora não teve qualquer processo disciplinar anterior e não lhe foi aplicada qualquer sanção disciplinar;
40. Em consequência do processo disciplinar que foi instaurado pela ré e da sanção disciplinar de despedimento por justa causa que a ré aplicou, a autora sentiu-se humilhada e com vergonha e ficou com depressão, ansiedade e insónias.”.
Seguros que estamos da factualidade a questão principal a decidir é a natureza lícita do despedimento, ou seja, se não foi uma sanção desproporcional na medida ainda que não estava em causa a impossibilidade da subsistência do vínculo laboral.

Na sentença fundamentou-se e concluiu-se pela ilicitude:

“A autora exercia as funções de operadora de caixa no estabelecimento comercial que a ré explorava em Braga. Estas funções consistiam em registar os produtos que os clientes adquiriam e receber o respectivo pagamento. A ré tinha em vigor nas suas lojas uma campanha de fidelização de clientes denominada SZ. Nesta campanha, a ré facultava aos clientes uma caderneta em que eram colocados selos. Estes selos eram entregues pelas operadoras de caixa quando os clientes procediam ao pagamento dos produtos que adquiriam. Os clientes recebiam um selo por cada € 20,00 em produtos adquiridos. Os clientes que completassem dezasseis selos colocados na caderneta podiam receber dois copos gratuitamente. Os clientes podiam igualmente optar por completar apenas oito selos colocados na caderneta e receber os dois copos mediante o pagamento da quantia de € 2,99. Para este efeito, os clientes deviam apresentar a caderneta e proceder à sua troca pelos copos. No início de cada dia de trabalho, as operadoras de caixa recebiam um rolo de selos para entregarem aos clientes. Este rolo era registado num mapa específico, no qual constava o número do primeiro e do último selo que havia sido entregue a cada operadora de caixa e a quantidade de selos que cada operadora de caixa devolvida no final do dia de trabalho. As operadoras de caixa estavam obrigadas a devolver todos os selos que não fossem entregues aos clientes. As operadoras de caixa não podem receber qualquer gratificação dos clientes. No dia 23 de Fevereiro de 2017, a autora dirigiu-se ao estabelecimento comercial que a ré explorava na Quinta P.. A autora procedeu à aquisição de produtos, como qualquer cliente. Após, a autora entregou duas cadernetas para receber os respectivos copos. Nestas cadernetas estavam colocados vinte e um selos que faziam parte de dois rolos que haviam sido entregues à autora nos dias 14 e 22 de Fevereiro de 2017. O número dos selos que constavam das cadernetas era sequencial, correspondendo a selos seguidos dos rolos que haviam sido entregues à autora. A autora não entregou estes selos aos clientes e não os devolveu no final dos dias de trabalho. Para que pudesse receber vinte e um selos, a autora teria que ter adquirido produtos no valor de € 420,00, o que não ocorreu.
Atendendo a esta factualidade, entendemos que a autora cometeu uma infracção disciplinar. A conduta da autora violou os deveres de obediência e lealdade, previstos no art. 128º al. e) e f) do Cód. do Trabalho.

Porém, entendemos que a sanção de despedimento por justa causa é excessiva, o que implica o seu afastamento por não respeitar o princípio da proporcionalidade a que está sujeito o exercício do poder disciplinar do empregador, nos termos do art. 330º nº 1 do Cód. do Trabalho.

A conduta da autora refere-se a valores especialmente diminutos, uma vez que estavam em causa selos que pressupunham a aquisição de produtos no valor de € 420,00 e dois copos, o que não pode deixar de ser atendido. A isto acresce que a autora exercia as funções de operadora de caixa há quase vinte anos quando ocorreram os factos. Ao longo do período em que exerceu estas funções, a autora nunca teve qualquer problema relacionado com as quantias que recebia dos clientes e com os valores com os quais lidava diariamente. Finalmente, a autora não teve qualquer processo disciplinar anterior e não lhe foi aplicada qualquer sanção disciplinar.

Neste contexto, entendemos, por um lado, que a conduta da autora não tornou imediatamente impossível a subsistência do vínculo laboral e, por outro lado, que existiam outras sanções menos gravosas do que o despedimento por justa causa, ainda que de natureza pecuniária ou suspensivas do trabalho e da retribuição, que podiam restabelecer a normalidade da relação laboral. Como se afirma no Ac. da Relação de Coimbra de 2 de Março de 2006, 'apenas se deverá concluir pela impossibilidade prática de subsistência da relação laboral quando os interesses legítimos do empregador forem mais importantes que a estabilidade do vínculo laboral, não sendo de admitir, razoavelmente, outra qualquer sanção' . A autora tinha um longo percurso laboral - de quase vinte anos - em que lidava diariamente com quantias que recebia dos clientes e outros valores, sem que tivesse ocorrido qualquer problema. A conduta da autora, embora tenha alguma gravidade que não pode ser ignorada, traduziu-se numa situação isolada que não tinha correspondência com a sua postura anterior. Cremos, assim, que bastava outra sanção menos gravosa para a punição da autora e, fundamentalmente, para que esta pudesse consciencializar-se dos deveres laborais a que estava obrigada, retomando-se a normalidade da relação laboral, tal como tinha acontecido nos anteriores quase vinte anos.”.

Julgamos, no entanto, que se deve dar acolhimento à posição da recorrente nos termos percepcionados no parecer, que se subscrevem:

“Com efeito, a conduta da trabalhadora Recorrida que se mostra evidenciada na factualidade apurada pelo tribunal a quo é reveladora, em nosso entender, da violação por parte da mesma dos deveres estabelecidos no art.º 128.º, n.º 1, alíneas c) [dever de zelo e diligência], e) [dever de obediência] e f) [dever de lealdade] do CT (cfr. os factos vertidos nos pontos 12. a 29. do elenco dos factos dados como provados), o que manifestamente legitima a aplicação de uma sanção disciplinar.

Resulta, também, da matéria fáctica provada que esse comportamento assumiu uma gravidade muito intensa, quer em si mesmo, quer nas suas consequências e revelaram um elevado grau de culpa.

Cumpre, ainda, salientar que, em nosso entendimento, a antiguidade da trabalhadora Recorrida (cerca de 20 anos) e o seu bom comportamento anterior, traduzido num passado disciplinar impoluto (evidenciado na inexistência de qualquer procedimento disciplinar ou sanção disciplinar enquanto perdurou a relação laboral que mantinha com a Recorrente - cfr. ponto 39 do elenco dos factos provados), embora sejam elementos relevantes a ponderar no caso sub judice, a verdade é que tais elementos não podem sobrepor-se à gravidade do acto praticado pela trabalhadora Recorrida, sendo certo que a sua antiguidade permitia-lhe ter plena consciência do impacto que a violação dos deveres supra evidenciados, maxime do dever de lealdade, iria provocar no contexto organizacional da Recorrida, assim como o seu bom comportamento anterior não a desonerava do cumprimento dos deveres a que estava adstrita, antes exigiam, pelo menos, o mesmo zelo, respeito e lealdade na execução das obrigações inerentes ao respectivo posto de trabalho que ocupava.

Assentando o contrato de trabalho numa base de recíproca confiança entre as partes, a acima evidenciada conduta ilícita da trabalhadora Recorrida destruiu, a nosso ver, de forma indelével essa mesma confiança, a qual no caso em apreço postulava uma redobrada necessidade na sua manutenção, atentas as especificidades inerentes às concretas funções desempenhadas pela trabalhadora Recorrida.

Mostrando-se quebrada essa confiança deixou de existir, em nosso entender, o suporte mínimo para a manutenção da respectiva relação laboral.

Assim sendo, salvaguardado o devido respeito, a nosso ver e ao invés do decidido na sentença sob recurso, a aplicação in casu por parte da Recorrente da sanção disciplinar de despedimento não se mostra excessiva nem desproporcionada relativamente à gravidade da infracção e ao grau de culpa da trabalhadora Recorrida.

Em suma, entendemos que no caso dos autos e conforme propugnado pela Recorrente, mostra-se verificada a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, porquanto, tendo em consideração a factualidade apurada, a continuidade da relação laboral representaria uma insuportável e injusta imposição à entidade empregadora, ora Recorrente, estando, por isso, demonstrada in casu a justa causa de despedimento (cfr. art.º 351.º do CT) e, consequentemente, a sua licitude.

Para além dos arestos citados pela Recorrente nas suas alegações, que reflectem o entendimento dominante da jurisprudência dos nossos tribunais superiores a propósito da verificação de justa causa de despedimento, em razão da violação do dever de lealdade, aduz-se, ainda, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23.05.2013, proc.º n.º 6/11ATTFAR.EI (disponível em www.dgsi.pt; onde, numa situação com contornos fácticos muito similares aos ora em apreço nos presentes autos, se decidiu o seguinte:

"( ... )Constitui justa causa de despedimento, a actuação de uma trabalhadora, que, sendo operadora de caixa, se aproveita da sua posição funcional para se apropriar de talões de desconto destinados a clientes da empregadora, no âmbito de campanhas promocionais e os utiliza em benefício próprio, havendo uma regra na empresa que proíbe que, em qualquer circunstância, os colaboradores fiquem com os talões de desconto que os clientes não queiram ou se esqueçam na loja.

Tal comportamento da trabalhadora viola os deveres de obediência e de lealdade, destruindo irremediavelmente a relação de confiança que tem de existir numa relação laboral. ( ... )".

Face ao exposto, somos de parecer que no segmento em análise merecem provimento as conclusões das alegações do recurso da Recorrente e, em consequência, procedência o recurso, mostrando-se, por isso, prejudicado o conhecimento da questão recursória pela mesma formulada em termos subsidiários.”.

Vejamos ainda, na perspectiva conjugada dos artºs 328º, 330º e 351º maxime nº 3, do CT e do princípio constitucional da segurança no emprego consagrado no artº 53º da CRP, que por tão consabido e enunciado o seu teor se prescinde da sua citação.

Como se mencionou no acórdão deste tribunal de 19.04.2018 (procº 931/17.9T8VRL, www.dgsi.pt):

“Resulta assim que só em casos culposos e particularmente graves é admissível o despedimento do trabalhador. Todavia, tanto a culpa como a gravidade do comportamento (em si mesmo e nas suas consequências) e o decorrente juízo de prognose da aludida impossibilidade estruturam-se em critérios objetivos e de razoabilidade de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal em face das circunstâncias de cada caso em concreto.

Na apreciação da justa causa – em concreto – atender-se-á ao comportamento do trabalhador no quadro de gestão da empresa, tendo em conta os danos resultantes da conduta censurada, as funções exercidas na empresa, sem olvidar os reflexos da sua conduta nos seus companheiros e/ou subordinados e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

A justa causa traduz-se, assim, numa situação de impossibilidade prática, de inexigibilidade no confronto dos interesses opostos das partes – essencialmente o da urgência da desvinculação do empregador e o da conservação do vínculo por parte do trabalhador.

E de tal sorte que, face à vocação de perenidade subjacente à relação de trabalho, apenas se justifica o recurso à sanção expulsiva ou rescisória que o despedimento configura, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou corretivas, representando a continuidade do vínculo laboral uma insuportável e injusta imposição ao empregador em função do princípio da proporcionalidade.

Por outro lado, sempre que a exigência da manutenção contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele pressupõe sejam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador, não poderá deixar de concluir-se pela impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho.

Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato, com a subsistência das relações pessoais e patrimoniais que isso implica, venha a ferir, de modo exagerado e violento (e por isso injusto), a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador.

Conclui-se assim que releva aqui particularmente a exigência geral da boa-fé na execução dos contratos (art. 762.º do Código Civil), atenta a específica natureza deste tipo de vínculo obrigacional, caracterizado pela sua vocação duradoura e pessoal das relações dele emergentes, sendo por isso necessário que o comportamento do trabalhador se apresente caracterizado como susceptível de destruir ou abalar seriamente a confiança, ou de criar no espírito do empregador dúvidas ou reservas sobre a idoneidade futura da sua conduta.

A ruptura da relação laboral terá sempre de ser irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual aberta por aquele comportamento culposo.
(…)
O dever de obediência é um dos deveres que se destaca no âmbito da relação laboral, sendo considerado pela jurisprudência como “a pedra angular do contrato de trabalho”. Este dever respeita ao cumprimento das ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e à disciplina do trabalho e estende-se às directivas emanadas do empregador e dos superiores hierárquicos, no âmbito da estrutura organizativa a que o empregador tenha procedido.

O incumprimento deste dever constitui infracção disciplinar a sancionar nos termos previstos nos arts. 328.º e seguintes do CT.

Relativamente ao dever de lealdade importa salientar que é um dos deveres acessórios autónomos da prestação principal e que onera o trabalhador no contexto da relação de trabalho, já que no seu sentido mais amplo é o dever orientador geral da conduta do trabalhador no cumprimento do contrato num duplo sentido que se materializa no envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo e na componente organizacional do contrato.

Como se refere a este propósito no Acórdão do STJ de 19-11-2014, proferido no Proc. n.º 525/07.7TTFUN.L2.S1(relator António Leones Dantas):

“O elemento «da pessoalidade explica que a lealdade do trabalhador no contrato seja, até certo ponto, uma lealdade pessoal, cuja quebra grave pode constituir motivo para a cessação do contrato. É este elemento de pessoalidade, traduzido na lealdade pessoal, que justifica por exemplo, o relevo de condutas extra-laborais do trabalhador graves para efeito de configuração de uma situação de justa causa de despedimento, bem como o relevo da perda da confiança pessoal do empregador no trabalhador para o mesmo efeito».

Por outro lado, «a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correcto do ponto de vista dos interesses da organização», dependendo, nesta segunda dimensão, o grau de intensidade do dever de lealdade e as consequências do seu incumprimento «do tipo de funções do trabalhador e da natureza do seu vínculo de trabalho em concreto».

No dizer de MONTEIRO FERNANDES, «o que pode dar-se por seguro é que o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)», sendo necessário «que a conduta do trabalhador não seja em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele», sendo certo que «este traço do dever de lealdade é tanto mais acentuado quanto mais extensa for a (eventual) delegação de poderes no trabalhador e quanto maior for a atinência das funções exercidas à realização final do interesse do empregador».”

De qualquer modo, quanto ao dever de lealdade, principalmente, o respectivo cumprimento é enquadrado pela necessidade de existir numa organização laboral uma estreita relação de confiança entre as partes em que se acentua o elemento fiduciário das relações laborais, pelo que a conduta do trabalhador não a pode por em crise criando no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura do seu.

Tendo em mente o predito logo se perceberá que a conduta visada deverá estar exposta à irremediável censura disciplinar máxima da recorrente em prol da coesão do seu modelo organizacional e em detrimento da subsistência da relação laboral assim como dos consequentes interesses pessoais e patrimoniais que por ela premeiam a trabalhadora.

Estamos perante uma conduta voluntária cuja execução exige clara premeditação quanto ao objectivo e ao conjunto de processos até ele, havendo aproveitamento de posição funcional com indiferença pelo património da empregadora.

Com efeito, o incumprimento das regras ditadas pela empregadora quanto ao modo de proceder para a prossecução da campanha de fidelização (nas duas cadernetas para receber os respectivos copos estavam colocados vinte e um selos que faziam parte de dois rolos que haviam sido entregues em dois dias) desdobra-se por dois dias espaçados já no tempo.

Agrava, a circunstância de estarem em causa selos seguidos dos rolos entregues porquanto o seu número era sequencial, deste modo revelando a superior intensidade da volição da conduta.

Sendo seguro que esses selos não foram entregues a clientes não se pode concluir tão pouco que estavam na posse da recorrida por que ao serem atendidos os clientes estes os recusaram ou os ofereceram. De resto, nem tal é alegado na oposição (cfr nºs 24 a 28, 34, 43, 46 e 54).

Não se poderá dizer que “a conduta da autora refere-se a valores especialmente diminutos”, porquanto ao benefício económico que lhe foi ilegítimo obter directamente (os dois copos) acrescia por seu turno a não oneração do seu património com a aquisição de produtos no valor de 420,00€, a frustração de ganhos para a empregadora com a venda correspondente a essa aquisição, bem como a desvalorização nos seus objectivos da campanha e dos inerentes compromissos comerciais de marca.

Assim, tão pouco, como a recorrida afirma que “os interesses da empresa, nomeadamente patrimoniais, não podem considerar-se seriamente lesados, porquanto a trabalhadora apenas não devolveu os selos que os clientes não tinham aceite, mas a que tinham direito”, “Finalmente, e não menos importante, note-se que era comportamento habitual de todos os trabalhadores da Recorrente, a aceitação de selos por parte dos clientes, como consta da motivação da sentença recorrida” e “sendo certo que aquele era comportamento padrão das operadoras de caixa da Recorrente”.

São asserções que não tem acolhimento na factualidade assente e a fundamentação da decisão sobre a mesma não lhes dá respaldo, constando antes que:

“Nas declarações de parte, a autora não negou os factos que lhe eram imputados, tendo-se limitado a afirmar que não se recordava como havia obtido os selos que estavam colocados nas duas cadernetas que apresentou. A este propósito, a autora referiu que, por vezes, os clientes afirmavam que não pretendiam os selos ou ofereciam-nos a outros clientes ou às operadoras de caixa. Porém, a autora reconheceu que não podia ficar com estes selos e que estava a obrigada a proceder à sua devolução no final do dia de trabalho. Além disso, não tinha sido isto que se passou com a autora porque a numeração dos selos que estavam colocados nas duas cadernetas era sequencial, o que implicava que era necessário que, no dia 22 de Fevereiro de 2017, um cliente tivesse adquirido produtos no valor de € 360,00 para que tivesse direito aos selos, sendo certo que tal não havia ocorrido. A outra hipótese consistia em terem existido vinte e um clientes seguidos que tinham oferecido os selos à autora, o que, como bem se compreende, era altamente improvável.

As testemunhas indicadas pela ré confirmaram integralmente os factos que eram imputados à autora, o que fizeram por forma que se afigurou sincera e isenta. Estas testemunhas descreveram a campanha de fidelização de clientes denominada SZ que a ré tinha em vigor e afirmaram que a única possibilidade de a autora ter aqueles vinte e um selos - cuja numeração era sequencial - consistia em não os ter entregue aos clientes, porque não tinham direito ou os recusaram, e não os ter devolvido no final do dia de trabalho.

As testemunhas indicadas pela autora eram antigas funcionárias da ré. Estas testemunhas confirmaram que que, por vezes, os clientes afirmavam que não pretendiam os selos ou ofereciam-nos a outros clientes ou às operadoras de caixa.”.
A gravidade do ilícito disciplinar encontra-se, pois, evidenciada na vertente objectiva e subjectiva quanto aos deveres acima especificados.

Acresce que as circunstâncias da recorrida exercer as suas funções há quase vinte anos e de nunca ter antes qualquer problema relacionado com as quantias que recebia dos clientes ou com os valores com os quais lidava diariamente ou qualquer processo disciplinar anterior se podem ser avaliadas em primeira análise como factor atenuativo geral, nunca poderão ser consignadas como diminuidoras da ilicitude, da culpa ou do desvalor da conduta.

Inclusivamente, aquela visão atenuativa é sobejamente anulada por estarmos perantes circunstâncias nas quais necessariamente também assentava a confiança da empregadora e foram amplificadoras do grau de frustração sofrido com a violação dos deveres laborais em causa.

Doutro passo temos que a recorrida certamente teve consciência da perigosidade da sua conduta, e mesmo assim não a evitou, para a desvalorização extrema dessa consideração revelada na confiança da entidade patronal e que é de especial relevância quanto à sua actividade económica em que é uma constante o facilitamento do transaccionar de bens de consumo.

É certo que o despedimento apresenta-se como a sanção disciplinar mais grave, que só deve ser aplicada quando outras medidas se revelarem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção de situações similares e para os interesses fundamentais da empresa.
Ademais a justa causa para despedimento é uma noção complexa e para averiguá-la deve recorrer-se ao entendimento de um “bonus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, em face do condicionalismo de cada caso concreto.

E, para a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho como critério básico de “justa causa”, é necessário uma prognose sobre a inviabilidade das relações contratuais concluindo-se pela inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica.

No entanto importa salientar também que a recorrida não logrou provar qualquer facto com vista a diminuir ou excluir a ilicitude ou a culpa ou do qual resultassem sensivelmente diminuídas as razões de prevenção geral ou especial, sendo certo que o respectivo ónus de prova lhe incumbia em exclusivo (artº 342º, nº 2 do CC).

Não se vislumbram bens jurídicos igualmente merecedores de tutela constitucional e legal a favor da recorrida concorrentes ou conduta posterior de que resultasse reconhecimento cabal do mal que se causou. Pelo contrário provou-se que na reunião de 03.03.2017, sendo confrontada com a sua conduta a recorrida começou por negar os factos, se bem que acabasse por admitir que correspondiam à verdade.

Logo, apenas se pode concluir que a gravidade e consequências do seu comportamento, suscitaria um fundado prognóstico segundo o qual a respectiva conduta futura não iria desenvolver-se em conformidade com os padrões de idoneidade inerentes ao normal e são desenvolvimento da relação laboral consistente, pela sua natureza, na inequívoca vontade de observar ordens e instruções legítimas da empregadora e de adopção de lisura de condutas.

Estamos, portanto, perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e a trabalhadora de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta mesmo que defronte do dever de protecção do emprego.

Dever não negligenciável, de resto cabendo também à recorrida contribuir para o seu cumprimento evitando o seu comportamento.

Pelo exposto este comportamento da recorrida padece a todos os títulos da antijuridicidade exigível, sendo inquestionável, pois, que na factualidade assente encontram-se reunidos os requisitos tendentes a considerar reunidos elementos objectivos e subjectivos para aplicação da sanção de despedimento por ser esta proporcional, adequada e necessária à gravidade da conduta censurada e sem que se belisquem os termos conjugados dos artºs 328º, 330º e 351º do CT e 53º da CRP.

Ficando prejudicada qualquer outra questão levantada no recurso, é de concluir desde já que o mesmo procederá.

Sumário, da única responsabilidade do relator

1 - A justa causa para despedimento é uma noção complexa e para averiguá-la deve recorrer-se ao entendimento de um “bonus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, em face do condicionalismo de cada caso concreto.
2 - E, para a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho como critério básico de “justa causa”, é necessário uma prognose sobre a inviabilidade das relações contratuais concluindo-se pela inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica.
3- Estamos perante justa causa de despedimento o comportamento da trabalhadora que é operadora de caixa e disso se aproveita no âmbito de uma campanha de fidelização de clientes para se apropriar de selos a entregar aos clientes da empregadora aquando o pagamento de produtos que adquiriam e os utiliza em beneficio próprio.
3 - A antiguidade da trabalhadora e a inexistência de antecedentes disciplinares não afectam a adequação e a proporcionalidade do despedimento ao comportamento da mesma, desde que tenha sido irremediavelmente quebrada a relação de confiança que deve estar subjacente a vínculo laboral subordinado.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar procedente o recurso, pelo que sendo licito o despedimento revoga-se a decisão recorrida e absolve-se a recorrente de todos os pedidos.
Custas pela recorrida.
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O acórdão compõe-se de 20 folhas, com os versos não impressos.
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10.07.2018