Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | NAZARÉ SARAIVA | ||
Descritores: | PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA ERRO DE JULGAMENTO PRINCÍPIO DA ORALIDADE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/08/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I – Entende o recorrente que o tribunal a quo errou porquanto alicerçou a sua convicção, quanto à autoria do disparo, com base exclusivamente no depoimento do ofendido, sem atribuir qualquer relevância às suas próprias declarações, negando o crime. II – Porém, de nada vale ao recorrente insurgir-se contra a convicção do tribunal no sentido em que se formou. III – Com efeito, é ao julgador que compete apreciar da credibilidade dos veículos transmissores dos factos, a ele cabendo a espinhosa missão de apreciar, em obediência ao disposto no artº 127° do CPP, quais os depoimentos que merecem credibilidade. IV – Na verdade, a actividade judicatória na valoração dos depoimentos =m de atender a uma multiplicidade de factores que tem a ver, designadamente, com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, as coincidências, as contradições, a linguagem gestual, etc. V – Ora, conforme decorre da fundamentação constante da sentença recorrida, o tribunal a quo, que usufruiu das vantagens da imediação e da oralidade, atribuiu credibilidade, não às declarações do recorrente, mas ao depoimento do ofendido, e, observando o disposto no artº 374°, n° 2 do CPP, o mesmo tribunal fornece a razão de ser dessa atribuição de credibilidade, quando refere, «Este depoimento atenta a sua consistência intrínseca, infirmou em absoluto a negação dos arguidos relativamente à autoria do disparo – referiu ele em audiência reconhecer o arguido como sendo a pessoa que efectuou o disparo». VI – Ou seja, nenhum erro patente de julgamento se detecta, pois o tribunal a quo avaliou a prova segundo a sua livre convicção, sem que tivessem sido violadas quaisquer regras da experiência comum ou sido utilizados meios de prova proibidos. VII – Por outro lado, não tinha o tribunal recorrido que lançar mão do princípio “in dubio pro reo” uma vez que não teve dúvidas de que o recorrente foi o autor do disparo que atingiu o ofendido, tendo assim decidido em favor de uma versão dos actos, explicando e fundamentando tal opção. VIII – No caso, o colectivo de juízes não atribuiu credibilidade às declarações do ofendido na parte em que referiu que o arguido se encontrava alcoolizado quando efectuou o disparo. E, lida a transcrição do respectivo depoimento bem se compreende essa não atribuição de credibilidade, face à forma inconsistente como o ofendido justifica tal afirmação. De qualquer modo, ainda que fosse de atribuir credibilidade ao depoimento do ofendido quanto a tal aspecto - e não é -, a verdade é que do depoimento do mesmo não se extra! de forma alguma a conclusão de que o arguido estivesse privado da sua liberdade de querer e entender quando efectuou o disparo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em audiência, os Juízes da Relação de Guimarães. Na Vara de Competência Mista, do Tribunal Judicial da comarca de Braga, procº nº 604/03.0JABRG.5, os arguidos Joaquim X... e Ângela D..., ambos com os demais sinais dos autos, foram submetidos a julgamento, em processo comum e com intervenção do tribunal colectivo, tendo a final sido proferido acórdão, constando do respectivo dispositivo, o que se segue (transcrição): “Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este tribunal colectivo: 1- em absolver a arguida Ângela D... dos crimes de homicídio qualificado na forma tentada e dano pelos quais vinha acusada; 2- em absolver o arguido Joaquim X...s do crime de dano pelo qual vinha acusado; 3- em absolver o arguido Joaquim X...s do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131º, 132º, nº 1 e 2, g) e 22º do C.P. pelo qual vinha acusado; 4- em condenar o arguido Joaquim X...s, como autor de um crime de homicídio simples, na forma tentada, previsto e punido pelos art. 22º, n.º 1 e 2º, b), 23º, n.º 2, 73º, n.º 1, a) e b) e 131º do C.P., na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão. Mais se condena o arguido Joaquim na taxa de justiça que se fixa em quatro UC e nas demais custas do processo crime, fixando-se a procuradoria em metade da taxa de justiça devida, além de dever ainda o arguido pagar a quantia de 1% da taxa de justiça devida, nos termos do art. 13,º nº 3 do DL 423/91, de 30/10.” *** Inconformado com o acórdão, interpôs o arguido Joaquim X... o presente recurso, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:“ 1- Face aos depoimentos tão contraditórios do arguido e ofendido transcritos na própria decisão ora sob censura, impunha-se a absolvição do arguido por força do princípio da presunção da sua inocência e, portanto, da aplicação do universalmente aceite princípio de que in dubio pro reo. 2 - Mas a atender-se, exclusivamente, ao depoimento do ofendido para efeitos de prova, como decidiu o tribunal a quo, tal depoimento deverá ser considerado integralmente e, portanto, também na pare em que beneficie o recorrente. 3 - Assim, deverão considerar-se, a favor do arguido, as declarações supra transcritas do ofendido na parte em que afirma que a conduta daquele só tem por justificação o ele, arguido, não ter percebido o que se passava e encontrar-se bêbado. 4 - Estas declarações, entendidas correctamente, só podem significar e significam que o ofendido não tem dúvidas de que não houve qualquer intenção, por parte do arguido, de o matar ou molestar na sua integridade física, quando terá disparado o tiro que lhe é imputado. 5 - Em consequência deverão considerar-se não provados os factos constantes dos nºs 12º, 18º e 19º da rubrica do douto Acórdão, e provada a embriaguês do arguido, quando efectuou o disparo. 6 - Provado se deverá considerar, também, que o recorrente em virtude do seu estado de embriaguês, se não encontrava em condições psíquico-volitivas de atentar na sua conduta nem nas respectivas consequências. 7 - Porque o recorrente, com o imputado disparo, atingiu o ofendido na sua integridade física, embora e felizmente sem qualquer gravidade, apenas deveria ser punido pela prática do crime de ofensas à integridade física do ofendido por negligência, p. p. pelo disposto no artº 148º do C. Penal, e determinada a respectiva pena tendo em atenção as atenuantes atinentes ao facto de o recorrente ser primário, ter poucas habilitações literárias, serem despiciendas as ofensas à integridade física do ofendido, encontrar-se embriagado. 8 - Vem erradamente qualificada, sob o ponto de vista jurídico-criminal, a conduta do recorrente que, erradamente, também, foi punido pelo Tribunal a quo pela prática de um crime de homicídio simples na forma tentada, crime este que não cometeu. 9 - Violou o douto Acórdão recorrido os art. 22º, nº 1 e 2, al. b), 23º, nº 2, 73º, nº 1, al. a) e b) e 131º, todos do C. Penal.” *** O recurso foi admitido. *** Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido opinando no sentido da improcedência do recurso.*** Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.*** Foi cumprido o artº 417º, nº 2 do CPP, tendo o arguido apresentado resposta. *** Colhidos os vistos legais, e realizada a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, cumpre decidir.Decisão fáctica constante da decisão recorrida (transcrição): “Factos provados 1º- No dia 4 de Outubro de 2003, cerca das 22 horas, Artem ...., distribuidor de encomendas, deslocou-se à residência sita no Bairro Social de Santa Tecla, bloco 3, entrada 3, 1º Dtº, nesta cidade e comarca de Braga, para entregar a encomenda n.º 2670059455, correspondente ao artigo Lar constante da Guia de transporte n.º 0524138, proveniente da empresa ‘La Redoute Portugal S.A.’ à destinatária daquela guia Juliana ...;2º- A Juliana, porque não tinha dinheiro, solicitou ao Artem ... que lhe entregasse a encomenda dois dias depois, pela mesma hora; 3º- No dia 6 de Outubro de 2003, cerca das 22 horas, o Artem voltou aquela residência a fim de efectuar a entrega mencionada; 4º- Porque a Juliana não se encontrava em casa foi o Artem atendido pela mãe desta, à porta do apartamento, que afirmava que a filha não encomendara nada pelo que não recebia a encomenda nem a pagava; 5º- Entretanto chegou o arguido Joaquim C... que, ao aperceber-se da discussão, mandou a arguida Ângela entrar ao mesmo tempo que, em tom exaltado, perguntou ao ofendido Artem o que queria; 6º- O Artem, mais uma vez explicou que pretendia receber o correspondente à encomenda destinada à Juliana acrescentando que ia embora e voltava noutro dia; 7º- De imediato o arguido Joaquim disse-lhe que já não saía dali sem explicar o que queria começando a agredi-lo voluntária e corporalmente com socos; 8º- Para se defender o Artem agarrou o arguido Joaquim pelos braços, evitando, desta forma ser socado, ao mesmo tempo que a arguida Ângela saiu de casa e agarrou o Artem pelo pescoço; 9º- Aflito com o rumo dos acontecimentos o ofendido largou a encomenda e fugiu para a carrinha, Ford Transit, de matrícula X...-97-44, no valor de 3000€, trancando a porta; 10º- No momento em que se preparava para arrancar com a carrinha surgiu-lhe pessoa cuja identidade não se apurou que lhe atirou com um vaso ao pára-brisas da carrinha, partindo-o; 11º- Entretanto o arguido Joaquim surgiu junto da carrinha e tentou abrir a porta do lado do condutor; 12º- Como não o conseguiu fazer, munido de uma pistola, levantou o braço à altura do vidro e direccionando-a ao Artem, que se mantinha sentado no interior, efectuou um disparo na direcção deste que o atingiu na zona do tórax, lado esquerdo, partindo ao mesmo tempo o vidro daquela janela; 13º- Em seguida um indivíduo que não foi possível identificar, munido de um ferro, desferiu com o mesmo na porta da carrinha amolgando-a; 14º- No exame ao local foi encontrado o projéctil que atingiu a vítima e que ficou no interior da cabine do veículo, em cima do tapete no lado do ‘pendura’, concluindo-se desse a tal projéctil que o mesmo é de calibre 6,35mm Browning (.25ACP ou .25Auto); 15º- Na busca realizada à residência do arguido Joaquim foram apreendidas várias munições de pistola, de calibre 6,35mm, no bolso de um casaco pertencente ao arguido; 16º- Em consequência daquele disparo o Artem ...., sofreu os ferimentos descritos nos autos de exame de fls. 11, 115 e 128 (designadamente escoriação circular com cerca de 1 cm de diâmetro com hematoma base hemitórax esquerdo anterolateral), que foram causa directa e necessária de 15 dias de doença com afectação da capacidade de trabalho geral e com afectação da capacidade de trabalho profissional; 17º- Com os factos acima referidos foram provocados prejuízos na viatura de matrícula XX-97-44, cuja reparação orça em 500,00€; 18º- Ao proceder do modo acima descrito, o arguido Joaquim agiu de forma livre e consciente, actuando com a directa intenção de tirar a vida a Artem Byelovolov, o que só não conseguiu por factos alheios à sua vontade, bem sabendo que a sua conduta era juridico-penalmente proibida; 19º- Tinha o arguido Joaquim plena consciência de que a sua conduta era proibida; 20º- Os arguidos vivem em união de facto, têm dois filhos e têm como rendimentos, além dos proventos que retiram da actividade de feirante do Joaquim, a da arguida, no montante de 150,00€, e o rendimento social de inserção, no montante de 350,00€; 21º- A arguida é analfabeta e o arguido Joaquim tem como habilitações literárias a 2ª classe da instrução primária; 22º- Ambos os arguidos são primários. Factos não provados Resultou não provada a demais matéria constante do libelo acusatório e acima não expressamente referida, designadamente: 1º- não provado que foi a arguida Ângela quem actuou como referido no facto provado n.º 10; 2º- não provado que a reparação dos prejuízos provocadas na viatura XX-97-44 orce em 600,00€; 3º- não provado que a arguida Ângela tenha actuado de comum acordo e em conjugação de esforços com o arguido Joaquim, agindo de forma livre e consciente, e que tenha actuado com a directa intenção de tirar a vida a Artem Byelovolov, o que só não conseguiu por factos alheios à sua vontade, bem sabendo que a sua conduta era juridico-penalmente proibida e que utilizava para a realização dos seus objectivos um meio particularmente perigoso; 4º- não provado que os arguidos quiseram, actuando em livre manifestação de vontade, e no seguimento de um propósito comum, destruir e causar danos na viatura XX-97-44, sabendo que com tal conduta iriam produzir prejuízo patrimonial ao ofendido, e que este nisso não consentia. * A convicção do tribunal. Ambos os arguidos negaram a prática dos factos, admitindo apenas a existência de uma discussão com o ofendido quando este se deslocou à sua residência com vista (como o referiu a arguida Ângela) a fazer a entrega de uma encomenda destinada a Juliana ... (pessoa essa que não residia na local, pois que além dos arguidos, na residência moravam os filhos de ambos, um rapaz e uma rapariga, cujo nome completo é Juliana Ximenes Dias Maia). Ambos os arguidos referiram a existência de uma discussão/altercação com o ofendido, tendo mesmo existido agressões por parte do ofendido ao arguido Joaquim, sendo certo que o ofendido abandonou o local em fuga, não se tendo os arguidos deslocado à rua, não sabendo então o que ali se veio a passar. Por sua vez, o ofendido Artem ...., prestou depoimento seguro, preciso, desapaixonado e rico de pormenores, referindo que se havia deslocado à residência em questão dois dias antes dos factos objecto dos autos, sendo atendido por pessoa que lhe solicitou fosse a entrega feita dois dias depois, ao que ele acedeu e que tendo voltado novamente à residência na data e hora combinada, foi atendido por uma mulher que se recusou a receber a encomenda com a alegação de que ela não se destinava a ninguém da casa, tendo entretanto chegado o arguido que pretendeu inteirar-se do que se passava, sendo que logo após o agrediu com socos, tendo-se o ofendido defendido, agarrando o arguido e porque a mulher veio em auxílio do arguido, fugiu do local em direcção à sua carrinha, trancando-se no interior. Mais referiu que quando pretendia arrancar, alguém que não conseguiu identificar (não sabendo o ofendido se foi ou não a arguida) atirou com um vaso ao pára-brisas da carrinha, sendo certo que o arguido tentou abrir a porta do lado do condutor, o que não conseguiu por estar trancada, tendo então efectuado o disparo que o veio a atingir na zona esquerda do tórax (sendo certo que conseguiu pôr o veículo em andamento e abandonar o local, não sem que antes um indivíduo não identificado tenha desferido com um ferro uma pancada na porta da carrinha). Este depoimento, atenta a sua consistência intrínseca, infirmou em absoluto a negação dos arguidos relativamente à autoria do disparo – referiu ele em audiência reconhecer o arguido como sendo a pessoa que efectuou o disparo. Atendeu ainda o tribunal ao depoimento do ofendido no que se refere aos estragos sofridos no veículo (que afirmou ser sua propriedade) e ao montante da sua reparação (referiu ele em audiência que a reparação do veículo ascende a 500,00€). Além destes elementos de prova (e sendo certo que nenhuma outra prova testemunhal minimamente relevante foi produzida, já que a testemunha Fernando X... não revelou qualquer conhecimento pessoal e directo sobre os factos e a testemunha Juliana M... se recusou validamente a depôr – é filha de ambos os arguidos), atendeu ainda ao tribunal à prova documental e pericial existente nos autos, designadamente ao auto de exame directo de fls. 11, aos relatórios de perícia médica de fls. 115 a 117 e fls. 127 e 128 e à informação clínica prestada pelo Hospital de S. Marcos a fls. 19 e 20 (donde resultam as lesões sofridas pelo ofendido Artem em consequência do disparo), ao exame de balística de fls. 74 e 75 (a munição foi encontrada pelo ofendido), às fotos de fls. 51 e 51, ao documento de fls. 35 (cópia da guia de transporte relativa à encomenda que o ofendido pretendia entregar na residência dos arguidos – estes admitiram em audiência que ao tempo dos factos tinham residência no local, tendo entretanto mudado para o local referido acima no relatório deste acórdão) e ao auto de busca de fls. 68. Relativamente à participação da arguida nos factos submetidos a julgamento (e exceptua-se aqui a discussão mantida no interior do prédio, pois que a própria arguida admitiu ter nela participado), o ofendido referiu não saber se foi ou não ela quem atirou o vaso à sua carrinha, nada sabendo sobre qualquer eventual acordo no que respeita à agressão com arma de fogo de que foi vítima. Quanto à intenção do arguido de pretender tirar a vida do ofendido, o tribunal conjugou, de acordo com as regras da normalidade e da experiência da vida, a distância a que foi efectuado o disparo e a zona do corpo atingida pelo disparo – o arguido encontrava-se a poucos metros do ofendido (note-se que tentou abrir a porta do lado do condutor veículo em cujo interior se encontrava, ao volante, o ofendido e, não o conseguindo, munido de uma pistola, direccionou-o ao ofendido, efectuando o disparo) e é sabido que um disparo direccionado para a zona torácica vai, em termos de probabilidade, atingir órgãos vitais. No que concerne às circunstâncias pessoais, sociais e profissionais dos arguidos, atendeu o tribunal às suas declarações a este propósito, tendo ainda valorado os certificados de registo criminal de fls. 85 e 86 quanto à ausência de antecedentes criminais.” * O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da respectiva motivação – cfr. artº 412º, nº 1 do CPP.In casu, conforme decorre claramente das conclusões, o recurso versa apenas sobre matéria de facto. Para o recorrente o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao dar como provada a factualidade constante dos pontos 12), 18) e 19) do acórdão recorrido. Vejamos… É sabido que o recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas antes constitui um mero remédio para corrigir erros patentes de julgamento sobre tal matéria. Na verdade, como elucidativamente, se escreve no acórdão do STJ de 21/03/2003, proc. 02ª4324, relator Conselheiro Afonso Paiva, “ A admissibilidade da respectiva alteração (referência à matéria de facto) por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação. Assim, por exemplo: a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada; b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram ) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado. c) Apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas.” Perseguindo o ensinamento vertido neste aresto, com o qual concordamos plenamente, é, desde logo, manifesto que a impugnação apresentada pelo recorrente está votada ao fracasso. Com efeito, para o recorrente, o tribunal a quo errou porquanto alicerçou a sua convicção, quanto à autoria do disparo, com base exclusivamente no depoimento do ofendido, sem atribuir qualquer relevância às suas próprias declarações, negando o crime. Porém, de nada vale ao recorrente insurgir-se contra a convicção do tribunal no sentido em que se formou. Com efeito, é ao julgador que compete apreciar da credibilidade dos veículos transmissores dos factos. A ele cabe a espinhosa missão de apreciar, em obediência ao disposto no artº 127º do CPP, quais os depoimentos que merecem credibilidade. Na verdade, a actividade judicatória na valoração dos depoimentos tem de atender a uma multiplicidade de factores que tem a ver, designadamente, com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, as coincidências, as contradições, a linguagem gestual, etc. Ora, conforme decorre da fundamentação constante da sentença recorrida, o tribunal a quo, que usufruiu das vantagens da imediação e da oralidade, atribuiu credibilidade, não às declarações do recorrente, mas ao depoimento do ofendido. E, observando o disposto no artº 374º, nº 2 do CPP, o mesmo tribunal fornece a razão de ser dessa atribuição de credibilidade, quando refere, «Este depoimento, atenta a sua consistência intrínseca, infirmou em absoluto a negação dos arguidos relativamente à autoria do disparo – referiu ele em audiência reconhecer o arguido como sendo a pessoa que efectuou o disparo». Ou seja, nenhum erro patente de julgamento se detecta. O tribunal a quo avaliou a prova segundo a sua livre convicção, sem que tivessem sido violadas quaisquer regras da experiência comum ou sido utilizados meios de prova proibidos. Por outro lado, não tinha o tribunal recorrido que lançar mão do princípio in dubio pro reo uma vez que não teve dúvidas de que o recorrente foi o autor do disparo que atingiu o ofendido. Decidiu em favor de uma versão dos factos, explicando e fundamentando tal opção. Acresce que nenhum erro de julgamento se detecta quanto aos factos firmados sob os pontos 18) e 19). Com efeito, contrariamente ao que parece entender o recorrente (vd conclusão 2ª), o julgador não tem que aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe a missão – difícil – de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece crédito. Como aliás, já há muito ensinava o prof. Enriço Altavilla “ o interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à critica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras” – Psicologia Judiciária, vol. II, 3º ed. pág. 12. No caso, o colectivo de juízes não atribuiu credibilidade às declarações do ofendido na parte em que referiu que o arguido se encontrava alcoolizado quando efectuou o disparo. E lida a transcrição do respectivo depoimento bem se compreende essa não atribuição de credibilidade, face à forma inconsistente como o ofendido justifica tal afirmação. De qualquer modo, ainda que fosse de atribuir credibilidade ao depoimento do ofendido quanto a tal aspecto - e não é -, a verdade é que do depoimento do mesmo não se extrai de forma alguma a conclusão de que o arguido estivesse privado da sua liberdade de querer e entender quando efectuou o disparo. Concluindo, não se detecta nenhum erro de julgamento ou qualquer um dos vícios prevenidos nas alíneas do nº 2 do artº 410º, do CPP, e, por isso, tem-se por definitivamente estabilizada a matéria de facto provada, a qual permite o juízo subsuntivo operado no acórdão recorrido. Improcede, pois, o recurso. * Decisão:Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em, negando provimento ao recurso, confirmar o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC (Texto processado em computador e revisto pela primeira signatária – artº 94º, nº 2 do CPP) |