Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2649/21.9T8VCT.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: ALIMENTOS
DIVÓRCIO
EX-CÔNJUGE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, por via do princípio da autossuficiência consagrado no n.º 1, do art. 2016º do CC, os ex-cônjuges devem prover à sua própria subsistência, pelo que, o princípio geral vigente em sede de alimentos, é no sentido de que os ex-cônjuges não têm direito a receber alimentos um do outro em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens.
2- O direito do ex-cônjuge necessitado de alimentos de receber alimentos do ex-cônjuge que disponha de condições para lho proporcionar, quando exista, tem natureza excecional, subsidiária e é tendencialmente temporário e funda-se na recíproca solidariedade pós-conjugal que existe entre cônjuges (art. 2009º, al. a) do CC), encontra-se submetido a uma dupla proporcionalidade: necessidades do alimentando e possibilidades do obrigado, com o limite da possibilidade do alimentando de prover à sua própria subsistência, e a prestação alimentação a arbitrar ao alimentando cinge-se ao que for estritamente indispensável à sua subsistência condigna.
3- Na fixação da prestação alimentar devida a ex-cônjuge subsequente a divórcio ou separação judicial de pessoas e bens não tem aplicação a jurisprudência do TC, segundo a qual a quantia equivalente ao salário mínimo nacional contém em si a ideia de que se está perante o mínimo dos mínimos, imposta pela sobrevivência digna do trabalhador, e que, por isso, não pode ser reduzida, qualquer que seja o motivo, sob pena de violação da dignidade da pessoa humana que o art. 1º da CRP elege como elemento axial da ordem jurídica nacional.
4- É sobre o ex-cônjuge, requerente de alimentos, que impende o ónus da alegação e da prova dos factos essenciais integrativos dos requisitos legais de que depende o reconhecimento àquele desse direito a alimentos sobre o ex-cônjuge demandado, isto é: a) a sua incapacidade para prover à sua própria subsistência; b) a sua necessidade de alimentos; e c) em como o ex-cônjuge por si demandado dispõe de possibilidades económicas suficientes para lhe prestar os alimentos de que se encontra necessitado.
5- Por sua vez, cabe ao ex-cônjuge demandado o ónus da alegação e da prova dos factos impeditivos do direito à prestação alimentar que dele é reclamada pelo demandante, ou seja: a) a sua impossibilidade de prestar alimentos ao demandante em face da sua condição económica e/ou de se encontrar obrigado a prestar alimentos a filhos e de não dispor de condições económicas que lhe permitam satisfazer a prestação alimentar devida aos filhos e a reclamada pelo ex-cônjuge demandante, e/ou b) a manifesta iniquidade em que se traduziria ser obrigado a prestar alimentos ao ex-cônjuge demandante.
6- Contando a demandante, à data da instauração da ação em que pede que o demandado, seu ex-marido, seja condenado a prestar-lhe alimentos, setenta anos de idade, é de presumir judicialmente que esta se encontra impossibilitada, em razão da idade, de prover ao seu próprio sustento.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., freguesia ..., ... ..., instaurou a presente ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra BB, residente na mesma morada, pedindo que se declarasse extinto, por divórcio, o casamento de ambos.
Para tanto alegou, em síntese, ter contraído casamento com a Ré em 19/07/2012, sob o regime imperativo da separação de bens, não existindo desta relação descendentes.
A Ré é uma pessoa extremamente controladora e exigia que o Autor não saísse de casa sem ser com ela, e quando este o fazia sozinho, exigia que previamente lhe dissesse para onde ia e com quem iria estar, e quando o Autor regressava a casa exigia saber por onde andou, o que fez e com quem esteve.
Quando alguém ligava ao Autor a Ré exigia logo saber quem era e o que desejava e proibiu-o de contactar com os vizinhos, com quem se dava.
Recentemente a Ré ameaçou o Autor que lhe incendiava a casa, deixando-o receoso de que concretizasse esse intento face ao tom com que lho comunicou, o que fez com não mais dormisse descansado, levando a que apresentasse queixa crime contra a Ré, a qual, por sua vez, apresentou queixa crime contra o Autor.
Face aos descritos comportamentos da Ré deixou de existir qualquer relacionamento entre ambos.
Desde há vários meses, Autor e Ré deixaram de ter comunhão de mesa, cama, trato sexual e vida afetiva, não nutrindo o Autor qualquer amor pela Ré e não existindo da parte daquele qualquer vontade de reestabelecer vida em comum com a Ré.
Realizou-se a tentativa de conciliação entre Autor e Ré a que alude o art. 931º do CPC, a qual se frustrou pois não foi possível obter o acordo dos cônjuges no sentido de se converter a presente ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento, pelo que se ordenou a notificação da Ré para contestar, querendo, a presente ação.
A Ré contestou impugnando parte da facticidade alegada pelo Autor.
Concluiu pedindo que se julgasse a ação improcedente e que se fixasse um regime provisório de alimentos e, a final, um regime definitivo de alimentos a seu favor.
Para tanto alegou, em síntese, contar 70 anos de idade, enquanto o Réu conta 71 anos de idade, estando ambos reformados.
A Ré recebe uma pensão mensal de reforma de 325,00 euros, enquanto o Réu afirma receber uma pensão mensal de reforma de 3.000,00 euros.
A Ré não tem carta de condução nem automóvel, pelo que, sempre que necessita de se deslocar, tem de o fazer de táxi, dada a inexistência de transportes públicos a horários consentâneos.
A Ré sofre de doença oncológica e psiquiátrica e necessita de tomar diariamente medicamentos, cujo custo mensal ascende a 100,00 euros.
Durante o matrimónio a Ré ocupou-se das lides domésticas e agrícolas, sendo as despesas suportadas com a pensão de reforma daquela e com o dinheiro que o Autor lhe dava, pelo que não teve qualquer hipótese de efetuar poupanças, contrariamente ao que sucedeu com o Autor.
A Ré não é proprietária nem arrendatária de casa de habitação.
Desde final de agosto/início de setembro de 2021, o Autor deixou de entregar qualquer quantia monetária à Ré, pelo que, para além da sua pensão de reforma, esta não dispõe de quaisquer rendimentos para fazer face às suas despesas correntes.
Em alimentação a Ré despende um quantitativo mensal de 300,00 euros, em vestuário despende pelo menos 50,00 euros mensais, em artigos de higiene pelo menos 40,00 euros mensais, em transportes pelo menos 60,00 euros mensais e em renda, água e luz pelo menos 450,00 euros mensais.
Acresce que a Autora necessita de pelo menos 200,00 euros mensais de dinheiro de bolso para enfrentar encargos ocasionais e pelo menos 200,00 euros mensais para satisfazer despesas com cabeleireiro, lazer, ofertas a netos e filhos, prendas de casamento e refeições em restaurantes.
Concluiu que para lhe ser garantida uma vida minimamente condigna necessita de pelo menos 1.300,00 euros mensais.
Por despacho proferido em 11/11/2021 convidou-se a Ré a deduzir reconvenção no que respeita à pensão de alimentos que peticiona.
Acatando esse convite, a Ré apresentou contestação corrigida em que pediu, a título principal, que se julgasse a ação improcedente, e deduziu pedido reconvencional subsidiário pedindo a condenação do Autor no “pagamento de uma pensão de alimentos, a título provisório à Ré, no valor mensal de 975,00 euros, e a final condenar o Autor ao pagamento de uma pensão de alimentos, a título definitivo à Ré, no valor mensal de 975,00 euros”.
O Autor-reconvindo replicou alegando que a Ré-reconvinte não alegou factos suficientes necessários à fixação da pensão de alimentos que peticiona a título provisório, e impugnando praticamente toda a facticidade alegada pela Ré-reconvinte em sede de reconvenção, alegando que logo a seguir ao casamento doou à Ré a quantia de 40.000,00 euros, que tem depositada numa conta aberta no Banco 1..., e que a mesma vendeu a casa de morada de família do primeiro matrimónio, tendo arrecadado para si o preço dessa venda, além de que, quando casou com a Ré, esta já contava sessenta anos de idade e, por isso, já tinha o seu percurso de vida realizado, não podendo ao Autor ser assacada qualquer responsabilidade pelo facto daquela não ter tido uma trajetória profissional que a fizesse, na velhice, receber uma pensão de valor superior à que recebe.
Concluiu como na petição inicial e pediu que se julgasse a reconvenção improcedente e se absolvesse o mesmo do pedido reconvencional.
Por despacho proferido em 12/12/2021, indeferiu-se “por ora, a fixação provisória de alimentos” pedida pela Ré-reconvinte, admitiu-se a reconvenção deduzida pela Ré, fixou-se o valor da presente causa em 88.500,01 euros, dispensou-se a realização de audiência prévia, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram objeto de reclamação, conheceu-se dos requerimentos de prova apresentadas pelas partes e designou-se data para a realização da audiência final.
Realizada a audiência final, em 09/05/2022, proferiu-se sentença em que se julgou procedente a ação e parcialmente procedente a reconvenção, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, decido julgar:
a) A ação procedente e, em consequência, dissolvo por divórcio o casamento celebrado entre CC e BB;
b) A reconvenção parcialmente procedente e condenar o autor a pagar à ré a quantia de € 170,00 (cento e setenta euros) mensais, a título de alimentos, a pagar até ao dia 8 de cada mês e desde o primeiro dia do mês subsequente à data da dedução do pedido.
Custas da ação pela ré e da reconvenção por autor e ré na proporção do decaimento”.

Inconformado com o decidido quanto ao pedido reconvencional, que o condenou a pagar à Ré-reconvinte uma pensão alimentar definitiva de 170,00 euros mensais, o Autor-reconvindo interpôs o presente recurso de apelação em que formulou as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença de fls., que julgou a reconvenção parcialmente procedente e, assim decidiu condenar o autor a pagar à ré a quantia de € 170,00 (cento e setenta euros) mensais, a título de alimentos, a pagar até ao dia 8 de cada mês e desde o primeiro dia do mês subsequente à data da dedução do pedido.
B. Foram dados como factos provados, além de outros, os que se destacam:
1. Autor e ré casaram-se civilmente, sob o regime imperativo de separação de bens, no dia .../.../2012 – certidão de casamento junta com a p.i.
8. A ré aufere uma pensão de reforma de € 329,00 mensais e o autor uma reforma de ... no valor mensal de € 1.486,00.
9. A ré faz-se deslocar de táxi.
C. À data da celebração do casamento, o recorrente tinha 62 anos de idade e a recorrida 60, conforme demonstra a certidão de casamento junta com a p.i.
D. Ou seja, grande parte da vida profissional ativa da recorrida já havia passado e passado sem a companhia do recorrente, não tendo este contribuído para as escolhas de vida que a recorrida tomou, designadamente a opção por determinada atividade profissional, que culminou no final da sua vida ativa, na reforma de 329,00€.
E. O recorrente discorda do julgamento da matéria de facto quanto ao ponto 10 dos factos provados, pois, a recorrida não fez prova de que despenderá todos os meses um valor aproximado a 50,00€ em medicamentos.
F. Com efeito, o documento junto que configura uma declaração de uma farmácia, datada de 30 de dezembro, que informa que a recorrida adquire medicamentos no valor médio mensal de 50€ (cinquenta euros), não provando que no presente esteja a despender aquele valor e, mais, até quando irá despender.
G. Esta indeterminação factual não permite ao Tribunal, de forma segura, manter como provado que no presente e para futuro a recorrida gastará o valor médio mensal de 50,00€ em medicação.
H. A recorrida sequer se provou em que medicamentos é gasto aquele valor, que doenças detém para gastar aquele valor.
I. Pelo que não pode o tribunal dar como provado que a recorrida gasta em média 50,00€ por mês.
J. Pelo que, quando se lê nos factos provados 10. A ré despende, em média, cerca de € 50,00 mensais para adquirir medicamentos, deverá este facto ingressar na matéria dos factos dados como não provados, sendo retirada da matéria provada.
K. Também, in casu, o tribunal a quo subsumiu de forma incorreta a factualidade provada ao Direito.
L. Depois do divórcio, cada cônjuge deve prover à sua subsistência (cfr. art.º 2016º, n.º 1, do CC).
M. A Lei 61/2008 introduziu alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, consagrado nos art.ºs 2016º e 2016-Aº do Código Civil, optando-se por aderir ao chamado princípio da autossuficiência, conferindo, como regra, ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e subsidiário.
N. O direito a alimentos entre ex-cônjuges depende da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art.º 2004º do Código Civil, sendo que o conceito de necessidade está longe da manutenção do estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial, como decorre expressamente do texto do nº 3 do art.º 2016-A do Código Civil.
O. A obrigação de prestar alimentos deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (cfr. art.º 2003º, n.º 1, do Código Civil), procurando assegurar uma existência digna ao cônjuge economicamente carenciado depois da rutura do vínculo do casamento, mas sem ter por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal.
P. A lei afastou-se, inequivocamente, da possibilidade de o cônjuge carecido de alimentos vir a usufruir posição idêntica, do ponto de vista financeiro, àquela de que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido.
Q. Destacamos alguns exemplos da jurisprudência relativa aos arts.º 2016º e 2016-Aº do CC: Ac. do STJ de 23/10/2012, proc. 320/10.6TBTMR.C1.S1: “I- O princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, que decorre da sequência dispositiva do art.º 2016.º do CC, é o do seu carácter excecional, expressamente, limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”.
(…)
III - A obrigação alimentar genérica, na situação de dissolução ou de interrupção do vínculo conjugal, aferia-se, com a Reforma de 1977, tão-só, pelo que era indispensável ao sustento, habitação e vestuário, não abrangendo já o dever de assegurar um nível de vida correspondente à condição económica e social da respetiva família, com a mesma extensão que teria, se os cônjuges continuassem a viver em comum, e nem sequer se baseava na medida necessária para manter a sociedade conjugal, de acordo com o padrão de vida social próprio de cada casal.
IV - Esta obrigação alimentar genérica já não apresentava uma feição indemnizatória, pois que já não tinha subjacente o dever recíproco e simultâneo de assistência de um dos cônjuges para com o outro, na constância do matrimónio, nem sequer a existência da culpa, única ou principal, do ex-cônjuge, representando apenas um direito de crédito da pessoa carente, de carácter alimentar, sobre outra pessoa, sujeita a um critério de dupla proporcionalidade, em função dos meios do que houver de prestá-los, e da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
V - O cônjuge divorciado não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, o que significa que o dever de assistência, enquanto existir comunhão duradoura de vida, tem uma extensão muito maior do que o cumprimento do mero dever de alimentos, quando essa comunhão tiver cessado, pelo que o fator decisivo para a concessão e a medida dos alimentos não resulta da eventual deterioração da situação económica e social do carecido, após o divórcio. (…)
R. Também os acórdãos do STJ de 03/03/2016, proc. 2836/13.3TBCSC.L1.S1 e de 06/06/2019, proc. 3608/07.0TBSXL-B.L1.S1: “I - A Lei n.º 61/2008, de 31-10 – que introduziu alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento do divórcio – aderiu ao chamado princípio da autossuficiência, conferindo, em regra, ao direito a alimentos entre cônjuges caráter temporário e natureza subsidiária (art. 2016.º do CC).
II - Neste novo modelo, desligado do conceito de culpa, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art. 2004.º do CC, cingindo-se a obrigação de os prestar ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário do cônjuge economicamente carenciado de forma a assegurar-lhe uma existência condigna depois da rutura do vínculo do casamento, sem ter, porém, por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal (arts. 2003.º, n.º 1, e 2016.º-A, n.º 3, do CC).
III - Não se verificará o dever de solidariedade pós-conjugal na vertente do direito a alimentos se «razões manifestas de equidade» o levarem a negar – o que acontecerá se for chocante onerar o outro com a obrigação correspondente (art. 2016.º, n.º 3, do CC). (…)”
Igualmente o acórdão do STJ de 27/04/2017, proc. 1412/14.8T8VNG.P1.S1: “I - A Lei n.º 61/2008, de 31-10 – inspirada nos Princípios de Direito da Família Europeu Relativos a Divórcio e Alimentos entre ex-cônjuges publicados em 2004 – veio introduzir alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, tendo esse direito passado a ter cariz excecional.
II - Ao ter optado, claramente, por aderir ao princípio da autossuficiência, o legislador passou a conferir ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária, características estas que estão bem evidenciadas no art. 2016.º do CC.
III - Neste novo modelo – associado, em grande medida, ao divórcio desligado do conceito de culpa – o referido direito depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art. 2004.º do CC (sendo que o primeiro, como decorre expressamente do texto do n.º 3 do art. 2016.º-A do CC, já não é aferido pelo estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial) e deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (art. 2003.º, n.º 1, do CC), não se verificando, contudo, se “razões manifestas de equidade” levarem a negá-lo.
IV - Na fixação do montante dos alimentos, deve o tribunal tomar em conta: (i) a duração do casamento; (ii) a colaboração prestada à economia do casal; (iii) a idade e o estado de saúde dos cônjuges; (iv) as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego; (v) o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns; (vi) os seus rendimentos e proventos; (vii) um novo casamento ou união de facto; e (viii) todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que os recebe e as possibilidades do que os presta (art. 2016.º-A do CC). (…)”
S. Mais, o acórdão do STJ de 19/06/2019, proc. 3589/15.6T8CSC-A.L1.S1: “III. A obrigação alimentar entre ex-cônjuges na decorrência de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens funda-se no chamado princípio da recíproca solidariedade pós-conjugal induzido pela anterior comunhão plena de vida e justificado pelo desequilíbrio que a rutura dessa comunhão possa provocar nas condições de vida de um dos ex-cônjuges em relação ao outro.
IV. O atual regime de alimentos entre ex-cônjuges, alicerçado como está nas regras de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”, assume natureza excecional, temporária e subsidiária.
V. Sendo agora a obrigação alimentar em referência independente do tipo de divórcio (art.º 2016.º, n.º 2, do CC), para o que deixou de relevar a violação culposa dos deveres conjugais, e não assistindo ao cônjuge credor de alimentos o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiava na constância do matrimónio (art.º 2016.º-A, n.º 3, do CC), tal obrigação deve cingir-se ao que se mostre indispensável para a manutenção das condições essenciais de vida do alimentando, como são o sustento, a habitação e o vestuário.”
T. In casu, importa verificar, em primeiro lugar, se os factos assentes se reconduzem à existência de uma obrigação de alimentos, ou seja, se se provou a necessidade da ré, por não dispor do rendimento indispensável ao seu sustento, habitação e vestuário, e a possibilidade do autor.
U. Ora, os factos assentes são suficientes para que se conclua que a ré não necessita de alimentos.
V. Vejamos que, a ré, ora recorrida tem de rendimentos mensais 329,00€, a recorrida casou em junho de 2012 já com 60 anos de idade, já construiu a sua vida ativa profissional muito antes de conhecer o autor, sendo que as opções académicas e profissionais foram exclusivamente responsabilidade sua.
W. Ora, o investimento que a recorrida fez na sua vida profissional vem, agora, em contribuições, no exato valor do seu tributo durante a vida.
X. Além disso, não é o recorrente obrigado a manter o nível de vida que a recorrida mantinha durante o casamento, nem a recorrida o poderá fazer às expensas do ex-cônjuge, o recorrente, por não ser devido àquele suportar com tais despesas.
Y. O recorrente não tem de suportar as prerrogativas que a recorrida manteve durante o casamento, pois seria injusto, incoerente e contrário à lei.
Z. Por fim, não têm filhos em comum.
AA. Acontece que, o raciocínio do Tribunal a quo para decidir pelos alimentos à ré assentou no facto de a ré/reconvinte logrou provar a necessidade de receber uma pensão de alimentos, apesar de reconhecer a parca factualidade dada como provada.
BB. Discorda-se desta decisão, que além do mais, sequer estabeleceu a duração do direito que arroga a recorrida ter a receber 170,00€, decidindo pelo ad eternum.
CC. Quanto a esta questão sempre se citará o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proc. n.º 4992/15.7T8BRG.G1, de 09.03.2017 “1 – Com a redação dos n.ºs 1 e 3 do art.º 2016º e 2016-A do CC, introduzido pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, é o do ser carácter excecional, limitado e de natureza subsidiária. 2 – Este direito a alimentos entre ex-cônjuges tem a natureza temporária, não deve perdurar para sempre e, no espírito da nova lei, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.”
DD. Pelo que, não há dúvida que, com maior ou menor dificuldade, a recorrida pode prover à sua subsistência, pelo que deve o recorrente ser desobrigado da prestação alimentar.
EE. Violou o Tribunal a quo os art.ºs 2003º, 2004º, n.ºs 1 e 3 do art.º 2016º e 2016-A do CC.
Nestes termos e nos mais de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve a douta sentença recorrida ser revogada, substituindo-se por Douto Acórdão que julgando em conformidade com as precedentes conclusões.

A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação e deduzindo recurso subordinado em que formulou as conclusões que se seguem:
1. A recorrente declara concordar com toda a argumentação que consta da douta sentença, em especial com aquela que respeita à reconvenção.
2. A discordância da recorrente respeita unicamente ao montante atribuído a título de pensão mensal (Tudo ponderado, entende-se que o valor proporcional e adequado a atribuir à ré/reconvinte, a título de alimentos – e para prover às suas estritas necessidades vitais – deve situar-se no valor de € 170,00 (cento e setenta) mensais, valor que se considera razoável ….).
3. Na verdade, entende a recorrente, e parece ser o sentimento geral, que o valor mínimo para qualquer pessoa adulta poder ter uma vida minimamente condigna é o equivalente ao salário mínimo nacional, atualmente no montante de 705,00€.
4. Acresce que a recorrente é uma pessoa que necessita regularmente de medicação e que, dada a sua idade (72 anos), não tem condições para prover à sua subsistência após o divórcio.
5. Pelo que a douta sentença recorrida deveria julgar a reconvenção parcialmente procedente e condenar o autor a pagar à ré a quantia de 376,00€ mensais, a título de alimentos.
Ao assim não entender, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 1.675º, 1.676º, 1.672º, 2.009º, 2.015º, 2.016º e 2.017º todos do Código Civil.
Pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando nesta parte a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue a reconvenção parcialmente procedente e condene o autor a pagar à ré a quantia de 376,00€ mensais, a título de alimentos. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações pelo apelante quanto ao recurso subordinado interposto pela apelada.
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A 1ª Instância admitiu os recursos (principal e subordinado) como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Após observância do contraditório mediante a notificação de ambas as partes nos termos e para os efeitos do disposto no art. 654º, n.º 1 do CPC, por despacho proferido pelo aqui Relator em 20/11/2022, transitado em julgado, alterou-se o efeito atribuído pela 1ª Instância a ambos os recursos, fixando-se ao recurso principal e ao subordinado efeito meramente devolutivo.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante (quanto ao recurso principal) e pela apelada (quanto ao recurso subordinado), não podendo esta Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento do que se acaba de dizer, as questões que se encontram submetidas à apreciação do tribunal ad quem resumem-se ao seguinte:
Recurso principal interposto por CC:
a- se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto ao nela julgar-se como provada a facticidade do ponto 10º e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova dessa concreta facticidade;
b- se a decisão de mérito constante dessa sentença, em sede de reconvenção, ao condenar o apelante a pagar à apelada a quantia de 170,00 euros mensais, a título de pensão alimentar definitiva devida por aquele à última, padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe revogar essa decisão e absolver o apelado do pedido reconvencional.
Recurso subordinado interposto por BB:
c- se a decisão de mérito constante da sentença recorrida, em sede de reconvenção, ao condenar o apelante a pagar à apelada (recorrente subordinada) a quantia de 170,00 euros mensais, a título de pensão alimentar definitiva devida por aquele à última, padece de erro de direito, por insuficiência para garantir uma subsistência minimamente condigna à apelada e se, em consequência, se impõe elevar essa prestação alimentar para 376,00 euros mensais.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
           
A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
1. Autor e Ré casaram-se civilmente, sob o regime imperativo de separação de bens, no dia .../.../2012 – certidão de casamento junta com a p.i.
2. Recentemente a Ré ameaçou o Autor que incendiava a casa onde moram, ficando este receoso de que a mesma concretizasse o seu intento.
3. Entre Autor e Ré deixou de existir qualquer relação entre ambos, como se de marido e mulher se tratassem.
4. Há cerca de um ano que não existe qualquer união de ternura ou bem-querer entre ambos e o Autor já não nutre qualquer amor pela Ré.
5. O Autor não tem vontade de restabelecer a vida em comum com a Ré.
6. Deixou de haver comunhão de mesa, cama, trato sexual e de vida afetiva entre ambos.
7. Autor e Ré não andam juntos e não fazem vida social juntos.
8. A Ré aufere uma pensão de reforma de € 329,00 mensais e o Autor uma reforma de ... no valor mensal de € 1.486,00.
9. A Ré faz-se deslocar de táxi.
10. A Ré despende, em média, cerca de € 50,00 mensais para adquirir medicamentos.
11. A Ré despende ainda quantia não concretamente apurada para se alimentar, vestir, calçar, em água, luz, para se deslocar e em artigos de higiene.
*
E julgou não provados os factos que se seguem:
a- A Ré proibiu o Autor de contactar com os vizinhos com quem tinha boas relações;
b- A Ré não tem carta de condução ou automóvel e desloca-se de táxi uma vez que não existem transportes públicos com horários consentâneos;
c- A Ré tem problemas de saúde (oncológicos e do foro psiquiátrico) necessitando diariamente de medicação, cujo custo mensal ascende a € 100,00;
d- No decurso do matrimónio, foi a Ré que sempre se ocupou das lides domésticas e agrícolas, cultivando alguns produtos agrícolas para consumo;
e- Era a Ré que com a sua reforma adquiria alimentação e fazia outras despesas para a casa, não tendo possibilidades de efetuar poupanças;
f- A ré não é proprietária ou arrendatária de qualquer casa de habitação;
g- Desde final de agosto de 2021, que o Autor deixou de entregar qualquer quantia à Ré como até ali o fazia;
h- Em alimentação, a Ré necessita, pelo menos, de € 10,00/dia;
i- Em vestuário e calçado necessita de despender € 50,00 mensais; j- Em artigos de higiene, a Ré despende, pelo menos, € 40,00 mensais;
k- Em transportes, porque tem que socorrer de transportes públicos, despende pelo menos € 60,00;
l- Em renda de casa, água, luz despenderá, pelo menos, € 450,00;
m- Para outras despesas ocasionais, a Ré necessita de € 200,00 por mês;
n- Para despesas como cabeleireiro, lazer, ofertas aos netos e filhos, prendas para casamentos, uma refeição em restaurante/mês necessita de € 200,00;
o- Antes de casar com o Autor, a ré não tinha emprego;
p- O Autor deu à Ré € 40.000,00 logo a seguir ao casamento;
q- A Ré vendeu a casa de morada de família, do 1º matrimónio e aforrou o dinheiro que recebeu pela venda.
*
IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
1- Da impugnação do julgamento da matéria de facto – ponto 10º dos factos julgados provados.
(…)
Termos em que, sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo apelante quanto ao ponto 10º dos factos julgados provados na sentença, que assim se mantém inalterado.

2- Do Direito.
A 1ª Instância julgou procedente a ação e, em consequência, declarou dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado entre apelante e apelada em .../.../2012, e julgou parcialmente procedente a reconvenção deduzida pela apelada-reconvinte BB, condenando o apelante-reconvindo a pagar-lhe a quantia mensal de 170,00 euros, a título de prestação alimentar.
Imputa o apelante erro de direito à decisão de mérito assim proferida em sede de pedido reconvencional, sustentando que a apelada-reconvinte tem rendimentos mensais de 329,00 euros, casou com o apelante quando contava 60 anos de idade, numa altura em que já tinha construído a sua vida profissional, sendo as opções académicas e profissionais da apelada da sua exclusiva responsabilidade e  daí que, atento os princípios da autossuficiência, excecionalidade e subsidiariedade da obrigação dos ex-cônjuges de prestarem alimentos àquele que deles se encontre carecido em caso de divórcio, e da ausência do direito dos ex-cônjuges a manterem o nível de vida que tinham na constância do matrimónio, contrariamente ao decidido, não assista à apelada o direito de dele receber alimentos, nem sequer esta deles se encontra necessitada uma vez que dispõe de recursos económicos suficientes para prover ao seu próprio sustento e de prover a esses meios, pretendendo que se revogue essa decisão e se absolva o mesmo do pedido reconvencional.
Por sua vez, em sede de recurso subsidiário, a apelada-reconvinte BB imputa erro de direito à sentença recorrida quando condenou o apelante-reconvindo a pagar-lhe uma prestação alimentar mensal de 170,00 euros, reputando-a de insuficiente para lhe garantir uma subsistência minimamente condigna, a qual, na sua perspetiva, passa por lhe ser garantido um rendimento equivalente ao salário mínimo nacional, pretendendo que se eleve para 376,00 euros mensais a prestação alimentar a que se arroga titular perante o apelante-reconvindo.

Quid iuris?
A Lei n.º 61/2008, de 31/10, entrada em vigor em 31/11/2008, introduziu alterações profundas no regime jurídico do divórcio e respetivos efeitos, quer em termos substantivos, quer adjetivos.
Na verdade, para além de ter eliminado do ordenamento jurídico nacional a vertente do denominado “divórcio sanção”, assente na violação culposa dos deveres conjugais, em que apenas o cônjuge inocente ou mais inocente dispunha de legitimidade ativa para instaurar a ação de divórcio e em que o decretamento do divórcio surgia como sanção infligida ao cônjuge declarado único ou principal culpado pelo divórcio, sujeitando-o a uma série de consequências jurídicas negativas, no que ao caso dos autos interessa, a mencionada Lei procedeu à eliminação da apreciação da culpa como fator relevante em sede de alimentos a serem prestados entre ex-cônjuges, com o fito de reduzir a questão alimentar ao seu núcleo essencial – a assistência de quem precisa porque tem necessidades -, dispondo-se nesta linha, no n.º 2, do art. 2016º do CC, que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo divórcio”.
Acresce que o mencionado diploma introduziu o princípio de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio (n.º 1, do art. 2016º); estabeleceu que, por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado ao ex-cônjuge que deles se encontre carecido (n.º 3, do mesmo art. 2016º), lendo-se, a este propósito na exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 509/X que: “… casos especiais, que os julgadores facilmente identificarão, em que o direito a alimentos deve ser negado ao ex-cônjuge necessitado, por ser chocante onerar o outro com a obrigação correspondente”; afirmou o princípio de que o credor de alimentos não tem direito a exigir a manutenção do padrão de vida de que gozou enquanto esteve casado (n.º 3, do art. 2016º-A do CC); quanto à fixação do montante de alimentos entre ex-cônjuges, determinou que, na respetiva fixação, deve o tribunal tomar em consideração a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influem sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta (n.º 1, do art. 2016º-A) e, finalmente, estabeleceu a prevalência de qualquer obrigação de alimentos devidos a filhos do devedor de alimentos, relativamente à obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge, ao estabelecer no n.º 2, do mesmo art. 2016º-A, que: “O tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge”.
Dir-se-á, assim, que na sequência da revisão do regime jurídico do divórcio e dos seus efeitos, operada pela Lei n.º 61/2008, a obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges, na sequência de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, desligou-se do conceito de culpa, deixando de assumir uma feição indemnizatória, assente no dever recíproco de assistência que impende sobre ambos os cônjuges na constância do matrimónio, conforme decorre do disposto nos arts. 2015º, 1675º e 1672º do CC, dever de assistência esse que, por ter sido colocado em crise com a dissolução ou interrupção do vínculo conjugal, reclamava que se indemnizasse o cônjuge inocente ou mais inocente por essa rutura pela perda desse direito subjetivo assistencial.
Na verdade, muito embora o art. 2016º, n.º 2 do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 61/2008, estatua que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio”, o que é bem ilustrativo que a obrigação de prestar alimentos a ex-cônjuge que deles se encontra necessitado, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, não assenta no dever conjugal de assistência que intercede entre os cônjuges na constância do matrimónio, e é independente de qualquer culpa na rutura do vínculo matrimonial, uma vez que a obrigação de prestar alimentos ao ex-cônjuge que deles se encontre necessitado se impõe mesmo ao cônjuge inocente ou mais inocente pela rutura do casamento (sem prejuízo de, nos termos do n.º 3, do art. 2016º, “por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos” que assiste ao ex-cônjuge que deles se encontra necessitado, poder ser-lhe negado), logo no n.º 1, daquele art. 2016º, estabelece-se, como princípio geral, que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, o que demonstra que, em sede de alimentos entre ex-cônjuges, depois do divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, o legislador aderiu ao denominado princípio da autossuficiência, nos termos do qual, uma vez dissolvido o vínculo matrimonial, independentemente das causas dessa dissolução, cumpre a cada ex-cônjuge prover ao seu próprio sustento.
Ou seja, em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, a regra é a de que não são devidos alimentos entre os ex-cônjuges, e que a concessão desse direito alimentar ao ex-cônjuge que deles se encontre necessitado tem cariz excecional, subsidiário e é tendencialmente temporário.
Tem natureza excecional e subsidiária, na medida em que, conforme acabado de demonstrar, a regra vigente nesta matéria é a de que cada ex-cônjuge deve prover à sua própria subsistência, só podendo esse princípio regra ser afastado em condições verdadeiramente excecionais e na estrita medida em que o ex-cônjuge necessitado de alimentos não consiga prover ao seu próprio sustento.
Acresce que, ainda que essas condições excecionais que conferem ao ex-cônjuge necessitado de alimentos a obtê-los do ex-cônjuge que tenha condições económicas para lhos proporcionar se encontrem preenchidas, ainda assim, essa obrigação alimentar poderá ser afastada por razões de manifesta equidade (n.º 3, do art. 2016º do CC) e terá de ceder quando o ex-cônjuge obrigado a prestá-los esteja também obrigado a prestar alimentos a filhos e não disponha de recursos económicos suficientes para satisfazer as duas prestações alimentares, situação em que a prestação alimentar devida aos filhos do obrigado terá de prevalecer sobre a obrigação alimentar devida ao seu ex-cônjuge (art. 2016º-A, n.º 2).
E essa obrigação alimentar tem, conforme antedito, natureza tendencialmente temporária, não devendo, em princípio, perdurar para sempre, na medida em que, “no espírito da nova lei, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”[1].
Neste sentido expende Tomé d´Almeida Ramião que: “O direito a alimentos não deve perdurar para sempre, competindo ao ex-cônjuge providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência e não ficar dependente do outro ex-cônjuge e, este, por sua vez, eternamente vinculado a essa obrigação, assumindo natureza temporária, com vista a permitir-lhe o mínimo de condições para reorganizar a sua vida”[2].
Na mesma linha pronuncia-se Cristina Araújo Dias, ao ponderar que: “… os alimentos servem apenas para auxiliar o cônjuge necessitado no momento da dissolução do casamento, sendo o critério da sua atribuição precisamente a necessidade”[3].
Apesar de subscrevermos esta posição, já dissentimos quando se sustenta que a prestação alimentar devida ao ex-cônjuge que dela se encontre necessitado, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens tem, necessária e impreterivelmente, caráter limitado no tempo, na medida em que não se pode descurar que a natureza da necessidade de alimentos do ex-cônjuge possa assumir caráter definitivo (vg. impossibilidade deste de, por razões de idade ou de saúde, de prover ao seu próprio sustento) que forcem o obrigado a ter de os prestar a título definitivo, pelo que em vez de afirmarmos que essa obrigação, quando existente, é temporária, diremos que a mesma é tendencialmente (em princípio) temporária[4].
Note-se que a obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges, na sequência de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, embora constitua um efeito jurídico que radica na dissolução do casamento, conforme resulta do que se vem dizendo, não assenta no dever conjugal de assistência que impende sobre os cônjuges durante a constância do matrimónio, nem na ideia de culpa na dissolução ou interrupção do vínculo conjugal, mas, conforme é entendimento jurisprudencial e doutrinal uniforme, deriva da recíproca solidariedade pós-conjugal que deve interceder entre ex-cônjuges e que leva a que o art. 2009º, al. a) do CC, imponha aos ex-cônjuges um dever genérico de prestar alimentos àquele que deles se encontre necessitado.
Neste novo modelo, desligado do conceito de culpa, o direito de alimentos entre ex-cônjuges não assume, pois, caráter indemnizatório, nem assenta na existência de culpa, única ou principal, do obrigado a prestar alimentos na rutura do vínculo matrimonial, em que, na sequência desta, se visa colocar o ex-cônjuge inocente ou mais inocente por essa rutura numa posição idêntica, do ponto de vista financeiro, àquela que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido, mas antes filia-se num dever humanitário de solidariedade e socorro mútuos que deve interceder entre ex-cônjuges em virtude da relação matrimonial anterior que entre eles existiu e que os obriga a ter de prover ao sustento mútuo sempre que qualquer um deles, após o termo da relação conjugal, se veja confrontado com uma situação económica tal que coloque em crise o mínimo existencial indispensável à sobrevivência digna como ser humano de qualquer um deles, obrigando o ex-cônjuge que disponha de condições económicas suficientes a ter de contribuir para a subsistência do outro de modo a garantir-lhe uma existência condigna[5]
Aliás, conforme se pondera no acórdão do STJ, de 23/10/2012, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, a obrigação alimentar entre ex-cônjuges, em resultado da reforma do Código Civil de 1977, introduzida pelo D.L. n.º 496/77, de 25/11, “posterior à Constituição de 1976, já não assumia uma feição indemnizatória, pois que já não tinha subjacente o dever recíproco e simultâneo de assistência de ambos os cônjuges para com o outro, na constância do matrimónio, nem sequer a existência de culpa, única ou principal, do ex-cônjuge, mas apenas um direito de crédito da pessoa carente, de caráter alimentar, sujeita a um critério de dupla proporcionalidade, quer em função dos meios do que houver de prestá-los, quer da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”, não assegurando, por isso, essa obrigação alimentar entre ex-cônjuges um padrão e um estilo de vida correspondente ao que usufruía na constância do matrimónio, mas destinando-se apenas a proporcionar-lhe “o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”[6].
A obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, funda-se, assim, no chamado princípio da recíproca solidariedade pós-conjugal, estando a existência dessa prestação alimentar, de carácter excecional e subsidiário e, em princípio, de duração temporária, sujeita à verificação dos pressupostos gerais do art. 2004º, isto é, às necessidades económicas do ex-cônjuge de lhe serem proporcionados alimentos e  às disponibilidades financeiras do seu ex-cônjuge em lhos proporcionar (n.º 1, do art. 2004º do CC), a que acresce o requisito adicional imposto pelo n.º 1, do art. 2016º do mesmo Código, da impossibilidade do alimentando prover à sua própria subsistência, cingindo-se a obrigação alimentar ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário do alimentando (art. 2003º do CC), em que é propósito do legislador garantir aos ex-cônjuges que se encontrem numa situação de necessidade um nível de subsistência necessário para uma existência condigna.
Resulta do exposto, em suma, que, face ao quadro legal decorrente dos arts. 2016º e 2016º-A do CC, emergente da Lei n.º 61/2008, de 31/10, em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, cada um dos ex-cônjuges deverá prover ao seu próprio sustento (n.º 1, do art. 2016º do CC); se a um deles não for de todo possível prover à sua subsistência, por razões de solidariedade humana, individualizada em termos de imputação subjetiva passiva pela existência anterior do vínculo matrimonial (recíproca solidariedade pós-conjugal entre cônjuges), assiste ao ex-cônjuge necessitado de alimentos um direito subjetivo e genérico a receber alimentos do seu ex-cônjuge, não estando esse direito dependente do tipo de divórcio, ou seja, da responsabilidade de cada um dos ex-cônjuges na extinção do vínculo matrimonial (arts. 2016º, n.º 2 e 2009º, al. a) do CC), mas esse direito tem caráter excecional, subsidiário e é tendencialmente temporário, encontrando-se sujeito a dois critérios de proporcionalidade fundamentais: as necessidades económicas do alimentando e as disponibilidades financeiras do obrigado a prestá-los (art. 2004º, n.º 1 do CC), a que acresce a impossibilidade do alimentando de prover à sua própria assistência (art. 2016º, n.º 1 do CC), em que o montante da prestação alimentar se cingirá ao indispensável ao sustento, habitação e vestuário do ex-cônjuge economicamente carenciado de forma a assegurar-lhe uma existência minimamente condigna (art. 2003º do CC). Mas essa prestação alimentar será afastada se, por manifestas razões de equidade, o tribunal assim decidir ou quando o obrigado a prestá-la se encontre vinculado a prestar alimentos a filhos e não disponha de condições económicas que lhe permitam satisfazer ambas as prestações alimentares a que se encontra adstrito (a devida aos filhos e ao ex-cônjuge), porquanto, nesse caso, o tribunal deverá dar prevalência à prestação alimentar devida aos filhos do ex-cônjuge devedor (art. 2016º-A, n.ºs 2 e 3 do CC)[7].
Finalmente, cumpre notar que, em sede de obrigação alimentar genérica, estando a obrigação alimentar devida ao ex-cônjuge necessitado de alimentos do ex-cônjuge por ele demandado dependente da incapacidade do demandante de prover ao seu próprio sustento e da sua necessidade em ser-lhe prestado alimentos e das possibilidades do ex-cônjuge por ele demandado em lhos proporcionar, nos termos do disposto no art. 5º, n.º 1 do CPC, é sobre o demandante que incumbe o ónus da alegação e da posterior prova (art. 342º, n.º 1 do CC) dos factos essenciais integrativos da verificação desses requisitos legais.
Daí que seja sobre o ex-cônjuge requerente de alimentos que impende o ónus da alegação e da prova dos factos essenciais demonstrativos: a) da sua incapacidade para prover à sua subsistência (v.g., por força da sua idade, saúde, impossibilidade de iniciar o exercício de uma qualquer atividade profissional para prover à sua subsistência, etc.); b) das suas necessidades de alimentos; e c) de o requerido ter possibilidade de os prestar.
Por sua vez, caberá ao ex-cônjuge demandado, alegar (art. 5º, n.º 1, in fine, do CPC) e provar (art. 342º, n.º 2 do CC), os factos impeditivos da sua obrigação de prestar alimentos ao ex-cônjuge demandante, designadamente: a) a sua impossibilidade de prestar alimentos em face da sua condição económica, ou perante a circunstância de se encontrar obrigado a prestar alimentos a filhos e de não dispor de condições económicas para satisfazer ambas as prestações (n.º 2, do art. 2016º-A do CC); e/ou b) a manifesta iniquidade em que se traduziria ser obrigado a prestar alimentos ao ex-cônjuge demandante (n.º 3, do art. 2016º do mesmo Código)[8].
Revertendo ao caso dos autos, entendeu a 1ª Instância que, “apesar da escassa factualidade dada como provada”, a apelada (Ré-reconvinte) “logrou provar a necessidade de receber uma pensão de alimentos, se bem que em montante diferente do peticionado”, posto que, “ficou demonstrado que a Ré aufere uma reforma de 329,00 euros, o que é claramente insuficiente para fazer face às despesas normais com alimentação, higiene e vestuário para uma senhora da sua idade (cujo montante se situará perto dos 300,00 euros), a que acrescem outras despesas com transporte, água, luz (que se situarão perto dos 80,00 euros) e, ainda, a despesa mensal com medicamentos, que ascende a 50,00 euros, e outras despesas do dia a dia”, concluindo que, “a Ré provou a sua situação de carência que decorre da conjugação dos factos relativos ao rendimento e às despesas tidas como normais do ponto de vista de um juízo de experiência comum”. E tendo em consideração a pensão de reforma recebida pelo apelante (Autor-reconvindo), no montante mensal de 1.486,00 euros, concluiu que este “tem capacidade económica para prestar alimentos à Ré”. Levando em consideração o montante da pensão de reforma da apelada, no montante de 329,00 euros mensais, e as despesas que tem de suportar para satisfazer as “suas estritas necessidades vitais”, condenou o apelante a pagar-lhe uma pensão alimentar de 170,00 euros mensais.
Dissente o apelante do assim decidido, sustentando que, contrariamente ao decidido pela 1ª Instância, a apelada não fez prova do requisito da necessidade de obter alimentos daquele, porquanto, perante a facticidade apurada, esta não se encontra necessitada de dele receber alimentos, na medida em que tem rendimentos mensais de 329,00 euros, casou com o mesmo quando já contava sessenta anos de idade e quando, consequentemente, já tinha construída a sua vida profissional, sendo as opções académicas e profissionais desta da sua responsabilidade, opções essas que apenas lhe conferem o direito a uma pensão de reforma de 329,00 euros mensais, além de que, face ao princípio da autossuficiência e aos demais princípios que informam a pensão alimentar entre ex-cônjuges essa prestação alimentar tem necessariamente caráter definitivo.
Por sua vez, subscrevendo a construção fáctico-jurídica explanada na sentença recorrida, a apelada, em sede de recurso subordinado, imputa erro de direito ao quantum da prestação alimentar que lhe foi fixada, sustentando que, para que lhe seja garantido um mínimo de subsistência condigna, é imprescindível que lhe seja assegurado um rendimento mensal equivalente ao salário mínimo nacional em vigor, pugnando no sentido de que se julgue improcedente a apelação e se eleve o montante da prestação alimentar a ser-lhe satisfeita pelo apelante para 376,00 euros, mas antecipe-se, desde já, sem fundamento legal.
Na verdade, apesar da jurisprudência do TC, segundo a qual o salário mínimo nacional contém em si a ideia de remuneração estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador  e é concebido como o mínimo dos mínimos, que não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo[9], sob pena de violação da dignidade da pessoa humana que o art. 1º da CRP elege como elemento axial da ordem jurídica nacional, e do disposto no n.º 4 do art. 738º do CPC, em que densificando essa jurisprudência, o legislador infraconstitucional, declara, em sede executiva, ser impenhorável o montante equivalente a um salário mínimo nacional, essa jurisprudência e comando legal têm subjacente a consideração que o montante equivalente ao salário mínimo nacional é o mínimo indispensável à sobrevivência digna de qualquer ser humano, dado que essa quantia é necessária para satisfazer as necessidades básicas dessa pessoa e do seu agregado familiar, e não que os necessitados de alimentos tenham de ver garantido para o seu sustento um montante equivalente ao salário mínimo nacional, por essa ser a quantia necessária à satisfação das suas necessidades condignas.
De resto, se assim fosse, grande parte dos cidadãos nacionais que se encontram obrigados a prestar alimentos, nomeadamente, a filhos, na medida em que têm como único rendimento o seu salário, de montante equivalente ou pouco superior ao montante da remuneração mínima mensal nacional garantida e porque teriam de prestar esse seu único rendimento aos filhos a título de prestação alimentar, veriam colocada em crise a sua própria subsistência económica.
Destarte, não sendo os presentes autos um processo de execução e não tendo a dita jurisprudência do Tribunal Constitucional qualquer aplicação ao caso, em que está em causa apurar se ao ex-cônjuge (apelada-reconvinte) assiste ou não o direito a ver condenado o seu ex-cônjuge a satisfazer-lhe uma pensão alimentar que dela alegadamente se encontrará carecida, perante os supra enunciados princípios da autossuficiência, o caráter excecional, subsidiário e tendencialmente temporário do direito a essa prestação alimentar, quando seja existente, o fundamento em que esse direito assenta (recíproca solidariedade pós-conjugal que deve interceder entre ex-cônjuges), a dupla proporcionalidade que o quantum dessa prestação alimentar se encontra submetido (necessidades do alimentando e possibilidades do obrigado, com o limite da possibilidade do alimentando poder prover à sua própria subsistência), os critérios específicos que o n.º 1, do art. 2016º-A do CC manda que se atendam na fixação do montante dessa prestação alimentar, de cujo elenco constam fatores que influem na determinação desse quantum mas que nada têm a ver com as necessidades do alimentando, como seja, a duração do casamento, a circunstância de, inclusivamente, essa pensão alimentar poder ser afastada nos casos excecionais previstos nos arts. 2016º, n.º 3 e 2016º-A, n.º 2 do CC, apesar do alimentando estar efetivamente em situação de necessidade e, finalmente, a circunstância de o legislador limitar o montante da prestação alimentar ao estritamente indispensável para a subsistência condigna do alimentando, torna manifesto que a pretensão da apelada no sentido de que a pensão alimentar que eventualmente lhe é devida pelo apelante tem de lhe assegurar uma quantia monetária equivalente ao salário mínimo nacional não tem sustentação jurídica.
Posto isto, passando aos fundamentos de recurso apresentados pelo apelante, dir-se-á que, apesar da pensão alimentar devida entre ex-cônjuges ter um caráter excecional, subsidiário e tendencialmente temporário, e de ser sobre o ex-cônjuge que se arroga o direito a alimentos que impende o ónus da alegação e da prova dos factos essenciais integrativos dos requisitos legais de que depende a verificação desse direito, ou seja, os mencionados ónus alegatórios e probatórios impendem, no caso, indiscutivelmente sobre a apelada (Ré-reconvinte), contrariamente ao que parece ser a posição do apelante, a apelada fez prova da sua incapacidade para prover à sua própria subsistência.
Na verdade, a apelada conta cerca de setenta anos da idade, tendo, por isso, já atingido há anos a idade legal de reforma, pelo que, nesse contexto, encontra-se suficientemente demonstrado que, por força da sua idade, aquela, caso se encontre necessitada de alimentos, não pode prover à sua própria subsistência, quer porque já ultrapassou a idade legal para exercer trabalho subordinado, quer porque dificilmente alguém lhe daria trabalho remunerado, ainda que ocasional e independente, quer porque as suas condições físicas e de saúde, por muito conservadas que estejam, naturalmente que são incompatíveis com o exercício de uma atividade profissional remunerada que lhe permita granjear os meios económicos necessários para prover ao seu sustento.
Destarte, a circunstância da apelada contar cerca de setenta anos de idade leva a que se presuma judicialmente que a mesma está incapacitada, em razão da idade, de prover à sua própria subsistência.

Avançando.
Embora a prestação alimentar devida entre ex-cônjuges tenha caráter excecional e subsidiário e, em princípio, assuma caráter limitado no tempo, a característica da temporaneidade dessa prestação é meramente tendencial, posto que, numa situação como a dos autos em que a apelada, caso se encontre efetivamente necessitada de alimentos, face à impossibilidade desta, em razão da idade, de prover ao seu próprio sustento, naturalmente que o apelante terá de lhe prestar alimentos enquanto essa necessidade perdurar.
Daí que, contrariamente ao entendimento do apelante, o tribunal a quo não tinha de limitar no tempo o montante da prestação alimentar que o condenou a satisfazer à apelada, antes será àquele, caso assista efetivamente à última o direito a receber essa prestação alimentar, que cumpre requerer que se declare a cessação dessa prestação alimentar ou a sua redução, logo que esse estado de necessidade da apelada deixe de existir ou diminua, ou logo que o apelante veja reduzidas as suas possibilidades em continuar a prestar os alimentos que eventualmente sejam fixados à apelada ou aumentadas as suas próprias necessidades.
Sustenta o apelante que a apelada não se encontra necessitada de alimentos, isto porque os 329,00 euros de pensão de reforma que recebe mensalmente serão suficientes para garantir o indispensável sustento, habitação e vestuário condignos.
Mais aduz que, quando casou com a apelada esta já contava sessenta anos da idade e que, por isso, já tinha construído a sua vida profissional, sendo as opções académicas e profissionais da sua estrita responsabilidade, não podendo o apelante ser condenado a satisfazer-lhe uma prestação alimentar por via dessas opções, até porque à última não assiste o direito a exigir a manutenção de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.
A esse propósito dir-se-á que, efetivamente à apelada, conforme já antedito e aqui se reafirma, nos termos do n.º 3, do art. 2016º-A do CC, não assiste o direito a exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiava na altura em que era casada com o apelante, mas salvo o devido respeito e melhor opinião, a ter a apelada como único rendimento a sua pensão de reforma, a qual ascende ao escasso montante mensal de 329,00 euros, como bem ponderou a 1ª Instância, esse quantitativo mensal mostra-se claramente insuficiente para fazer face às despesas normais e indispensáveis à subsistência minimamente condigna de qualquer ser humano, bastando para tanto considerar o custo de vida vigente na sociedade nacional, nomeadamente, em termos de géneros alimentares de primeira necessidade, eletricidade, gás e transportes, sobretudo, quando se trata de uma pessoa que já conta setenta anos de idade, como é o caso da aqui apelada, a qual, além de ter de despender, em média, cerca de 50,00 euros mensais na aquisição de medicamentos, tem necessidades acrescidas, designadamente, em termos de alimentação, aquecimento, transporte, etc., como é próprio de pessoas de idade já provecta.
Dir-se-á assim que, caso a apelada conte como único rendimento disponível a sua pensão de reforma, a necessidade de lhe ser fixada uma prestação alimentar a cargo do apelante, seu ex-cônjuge, não decorre, nem tem por objetivo, garantir-lhe a manutenção do estilo de vida de que era beneficiária na constância do matrimónio, mas salvaguardar àquela um mínimo existencial condigno.
  Acresce dizer que, se é certo que quando o apelante casou com a apelada esta já contava sessenta anos de idade e, portanto, já tinha construído a sua vida profissional e, bem assim, se é verdade que o percurso académico e profissional desta não podem ser imputadas ao apelante (embora não seja certo e seguro que, conforme este pretende acontecer, o possam ser à apelada, dado que, como é do conhecimento geral, as pretensas opções do ser humano estão necessariamente condicionadas pelas suas circunstâncias pessoais e familiares), também não é menos certo que, quando o apelante contraiu casamento com a última, não desconhecia, nem podia desconhecer, que a apelada já contava sessenta anos de idade e qual tinha sido o percurso académico e profissional desta e que, portanto, uma vez atingida a idade de reforma, esse seu percurso apenas lhe permitiria obter uma pensão de reforma de escassos 329,00 euros mensais e que, na ausência de outros rendimentos, em caso de rutura do casamento, poderia ser chamado a contribuir para a salvaguarda do mínimo existencial da sua ex-cônjuge.
Aqui chegados, a questão que se suscita nos autos e que neles se impõe decidir é a de se saber se perante a reconhecida (pela 1ª Instância) escassa facticidade apurada nos autos, a apelante logrou fazer prova, conforme era seu ónus fazer (art. 342º, n.º 1 do CC), do requisito da sua necessidade em lhe serem prestados alimentos pelo seu ex-cônjuge.
A 1ª Instância respondeu positivamente a essa questão, assentando todo o seu raciocínio fáctico-jurídico que desenvolveu a propósito do identificado requisito na circunstância de que a pensão mensal de reforma recebida pela apelante, no montante de 329,00 euros, constituía o único rendimento de que dispõe, raciocínio esse que não vem questionado pelo apelante, que centrou o seu inconformismo em relação ao decidido pelo tribunal a quo exclusivamente nas questões que acima já tratamos, ou seja, de que a apelada já contava sessenta anos de idade quando contraiu matrimónio com aquele, tendo, portanto, já o seu percurso de vida realizado, não podendo ser responsabilizado pela trajetória profissional daquela que, na velhice, apenas lhe assegurou o recebimento da dita pensão; que o montante dessa pensão mensal de 329,00 euros é suficiente para garantir o sustento minimamente digno da apelante e que à última não assiste o direito a que lhe seja garantido o nível de vida que tinha na constância do matrimónio, além de que, perante o caráter temporário da prestação alimentar devida ao ex-cônjuge que dela se encontre necessitado, tinha o tribunal a quo de ter limitado temporalmente o período de tempo em que o mesmo tinha de prestar a pensão alimentar devida à apelada, questões essas a propósito das quais já nos pronunciámos, concluindo pela respetiva improcedência.
Na verdade, tendo-se concluído pela não prova da alegação do apelante vertida na réplica, segundo a qual teria doado, logo após o matrimónio, a quantia de quarenta mil euros à apelada, que esta manteria depositada no Banco 1..., bem como, que a mesma teria vendido a que fora a casa de morada de família do primeiro matrimónio, arrecadando para si o preço dessa venda, resta que o único rendimento mensal de que dispõe a apelada é a sua pensão mensal de reforma, a qual ascende à escassa quantia de 329,00 euros.
Ora, essa quantia mensal de escassos 329,00 euros, conforme antedito, é inegavelmente insuficiente para garantir o mínimo indispensável à sobrevivência da apelada, quando se trata de pessoa que conta cerca de setenta anos de idade, o que per se, tal como resulta das regras da experiência comum acontecer, lhe acarreta necessidades especiais, nomeadamente, em termos alimentares e de aquecimento, com os inerentes custos acrescidos, a que acresce o facto de despender, em média, cerca de 50,00 euros mensais em medicamentos, e quando se pondera no nível de preços dos géneros alimentícios de primeira necessidade vigentes.
A satisfação das necessidades alimentares básicas, mínimas e indispensáveis com que se vê confrontada a apelada demandam um dispêndio de cerca de quinhentos euros mensais, tal como corretamente foi ponderado pela 1ª Instância.
Resulta do exposto que, na improcedência dos fundamentos de recurso deduzidos pelo apelante e pela apelada, esta em sede de recurso subordinado, impõe-se concluir pela improcedência de ambos os recursos (principal e subordinado) e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, por via do princípio da autossuficiência consagrado no n.º 1, do art. 2016º do CC, os ex-cônjuges devem prover à sua própria subsistência, pelo que, o princípio geral vigente em sede de alimentos, é no sentido de que os ex-cônjuges não têm direito a receber alimentos um do outro em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens.
2- O direito do ex-cônjuge necessitado de alimentos de receber alimentos do ex-cônjuge que disponha de condições para lho proporcionar, quando exista, tem natureza excecional, subsidiária e é tendencialmente temporário e funda-se na recíproca solidariedade pós-conjugal que existe entre cônjuges (art. 2009º, al. a) do CC), encontra-se submetido a uma dupla proporcionalidade: necessidades do alimentando e possibilidades do obrigado, com o limite da possibilidade do alimentando de prover à sua própria subsistência, e a prestação alimentação a arbitrar ao alimentando cinge-se ao que for estritamente indispensável à sua subsistência condigna.
3- Na fixação da prestação alimentar devida a ex-cônjuge subsequente a divórcio ou separação judicial de pessoas e bens não tem aplicação a jurisprudência do TC, segundo a qual a quantia equivalente ao salário mínimo nacional contém em si a ideia de que se está perante o mínimo dos mínimos, imposta pela sobrevivência digna do trabalhador, e que, por isso, não pode ser reduzida, qualquer que seja o motivo, sob pena de violação da dignidade da pessoa humana que o art. 1º da CRP elege como elemento axial da ordem jurídica nacional.
4- É sobre o ex-cônjuge, requerente de alimentos, que impende o ónus da alegação e da prova dos factos essenciais integrativos dos requisitos legais de que depende o reconhecimento àquele desse direito a alimentos sobre o ex-cônjuge demandado, isto é: a) a sua incapacidade para prover à sua própria subsistência; b) a sua necessidade de alimentos; e c) em como o ex-cônjuge por si demandado dispõe de possibilidades económicas suficientes para lhe prestar os alimentos de que se encontra necessitado.
5- Por sua vez, cabe ao ex-cônjuge demandado o ónus da alegação e da prova dos factos impeditivos do direito à prestação alimentar que dele é reclamada pelo demandante, ou seja: a) a sua impossibilidade de prestar alimentos ao demandante em face da sua condição económica e/ou de se encontrar obrigado a prestar alimentos a filhos e de não dispor de condições económicas que lhe permitam satisfazer a prestação alimentar devida aos filhos e a reclamada pelo ex-cônjuge demandante, e/ou b) a manifesta iniquidade em que se traduziria ser obrigado a prestar alimentos ao ex-cônjuge demandante.
6- Contando a demandante, à data da instauração da ação em que pede que o demandado, seu ex-marido, seja condenado a prestar-lhe alimentos, setenta anos de idade, é de presumir judicialmente que esta se encontra impossibilitada, em razão da idade, de prover ao seu próprio sustento.
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Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso principal e o recurso subordinado improcedentes e, em consequência:
- confirmam a sentença recorrida.
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Custas do recurso principal pelo apelante e do recurso subordinado pela apelada (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 19 de janeiro de 2023

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:
José Alberto Moreira Dias – Relator
Alexandra Maria Viana Parente Lopes - 1ª Adjunta
Rosália Cunha - 2ª Adjunta

 


[1] Ac. RG. de 09/03/2017, Proc. 4992/15.7T8BRG.G1.
[2] Tomé d´Almeida Ramião, “O Divórcio e Questões Conexas”, 3ª ed., Quid Juris, pág. 92.
[3] Cristina Araújo Dias, “Uma Análise do Novo Regime do Divórcio”, 2ª ed., Almedina, pág. 79.
[4] Ac. R.... de 20/04/2017, Proc. 1158/14...., em que se pondera que: “Na pendência do casamento, o dever de prestar alimentos, integrado no dever conjugal de assistência, tem uma dimensão diferente do dever de alimentos posterior ao divórcio. Enquanto neste último caso há um dever humanitário de solidariedade e socorro marcado pela relação conjugal anterior, sendo o dever de alimentos limitado à garantida de um nível de subsistência condigna, na pendência do casamento, ainda que os cônjuges estejam separados de facto, deve garantir reciprocamente, em matéria de alimentos, um nível de vida tendencialmente semelhante àquele que tinham enquanto durou a comunhão de via, influenciado pelo tempo decorrido desde a separação, os laços persistentes e a situação atual de cada um deles. O art. 2016º, n.ºs 1 e 2 do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, consagra o princípio segundo o qual os cônjuges devem prover à sua própria subsistência depois do divórcio, quer se trate de divórcio por mútuo consentimento, quer de divórcio sem consentimento do outro cônjuge. A título excecional, nas condições previstas no subsequente art. 2016º-A, pode um dos cônjuges ser obrigado a prestar alimentos definitivos a favor do outro, mas a prestação alimentar limitar-se-á a garantir ao beneficiário o necessário à subsistência, contando com o valor de rendimentos próprios que o beneficiário consegue obter pela sua força de trabalho, nunca devendo os alimentos constituir incentivo à ociosidade”.
Ainda Ac. R.... de 12/10/2017, Proc. ...70/Proc. 3070/12...., onde se lê que: “O direito a alimentos entre ex-cônjuges (art. 2016º do CC), não é o genérico direito a alimentos, mas um direito especial” (no que se dissente da jurisprudência maioritária), mas em que se pondera que esse direito tem “natureza reabilitadora, excecional, subsidiária e tendencialmente temporária”.
Ainda Ac. R... de 24/10/2017, Proc. 754/12....: “Está em causa a tutela existencial de um dos cônjuges que, após a extinção do vínculo conjugal, se encontra em situação de necessidade (que se pretende temporária)”.  
[5] Ac. RG. de 30/06/2022, Proc. 396/17....; RC. de 24/10/2017, já citado.
[6]Ac. STJ. de 23/10/2012, Proc. 320/10.6TBTMR.C1.S1; de 19/06/2019, Proc. 3589/15.....
[7] DD, “...”, Almedina, novembro de 2008, págs. 151 a 154; Acs. RL. de 11/04/2013, CJ., 2013, t. 2º, pág. 111; de 09/07/2015, Proc. 7409/12....; RC. de 12/01/2016, proc. 1833/13..... 
[8] Ac. STJ. de 06/06/2019, Proc. 360807.0...; RL. de 07/12/2021, Proc. 869/19....; de 19712/2013, Proc. 27156/10....; RP. de 15/04/2013, proc. 7367/06.....
[9] Acs. TC n.ºs 117/2002 e 96/2004.