Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANIZABEL SOUSA PEREIRA | ||
Descritores: | INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL OPOSIÇÃO JUSTIFICADA DA REMESSA DO PROCESSO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/19/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I- Após a decisão que absolve o réu da instância por incompetência absoluta do tribunal, o autor pode requerer e obter a remessa dos autos ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, desde que não haja oposição justificada. II- Considera-se justificada a oposição se da remessa do processo puder advir prejuízo para a defesa do réu, nomeadamente se das razões invocadas resultar que não se defendeu devidamente na instância extinta e poderá ampliar a sua defesa na nova instância. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: * I - Relatório (que se transcreve):Os autores demandaram nos presentes autos de processo comum as RR Município X, Águas ..., SA., Y SA e W - Companhia de Seguros, S.A e peticionam o pagamento de uma indemnização, por danos (patrimoniais) ocorridos na sua habitação (e danos não patrimoniais), alegadamente, causados pela execução dos trabalhos da empreitada de “Beneficiação da EM 615-2, entre a EN 207 (km 48,70) e o Lugar da ... (..., ..., ... e ...). Alegam, em síntese, que: os autores que os danos causados na sua habitação decorreram da execução dos trabalhos da empreitada ali referida, concretamente: a) “(…) em 15 de Fevereiro de 2018 e no âmbito de execução dos trabalhos de empreitada efetuada pela 3ª R., fizeram-se sentir trepidações no imóvel identificado em 1º, causado pela utilização de máquinas pesadas, nomeadamente dois rolos compactadores e, outros equipamentos na rua ..., freguesia de ....”; b) “(…) a utilização da supra mencionada maquinaria pesada, nomeadamente os dois rolos compactadores no pavimento da Rua ..., freguesia de ..., provocou danos em habitações contiguas à Rua ..., nomeadamente na habitação dos AA.”; empreitada no âmbito da qual foram executados os trabalhos em causa nos autos é uma empreitada de obras públicas, a saber: “Beneficiação da EM 615-2, Entre a EN 207 e o Lugar da ... (... e ... ..., ... …)”, empreitada essa adjudicada pelo Município X e pelas Águas ..., S.A.; a 3ª ré realizou trabalhos que tiveram como finalidade proceder à instalação de rede de águas residuais domésticas e reparação de estradas no âmbito da beneficiação das infraestruturas do concelho de Fafe. * Citadas as RR contestaram e as rés Y SA., Águas ..., SA. e W - Companhia de Seguros,S.A. invocaram a exceção de incompetência material, por a competência material radicar na jurisdição administrativa.- Os Autores vieram responder à matéria da exceção. - Proferiu-se despacho com a decisão que se transcreve, em síntese: “…a causa de pedir invocada diz respeito à execução de uma empreitada de obras públicas (beneficiação da EM 615-2, adjudicada pelo Município X e pelas Águas ...) e aos danos provocados num imóvel propriedade dos réus. Está em causa um contrato de empreitada celebrado com entidade pública e concessionária de serviço público, desempenhando as tarefas e prosseguindo os objetivos cuja realização incumbe àquelas entidades, como instalação de redes de águas residuais domésticas e reparação de estradas, sendo tais atividades reguladas por disposições e princípios de direito administrativo. Assim, estando em causa a execução de um contrato de empreitada celebrado com entidade pública ou concessionária de serviço público para realização de atividade que, por se inserir no âmbito das atribuições e competências próprias daquelas entidades, beneficia das prerrogativas do poder público e é regulada por normas e princípios de direito administrativo, não pode deixar de se considerar as rés sujeitas ao regime de responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, no exercício da função administrativa. Pelos motivos expostos, há que concluir que este Tribunal é materialmente incompetente para dirimir o presente litígio e que a competência material para julgar a causa cabe aos Tribunais Administrativos e Fiscais (cfr. arts. 4º, nº 1, al. h), do ETAF e art. 1º, n.º 5 da Lei n.º 67/2007, de 27/9). A incompetência em razão da matéria constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição do réu da instância – artigos 96º, al. a), 97º, n.º 1 e 99º, n.º 1 do CPC. * DecisãoPelo exposto, com os fundamentos supra, declaro este Juízo Cível incompetente, em razão da matéria, para julgar a presente ação e, em consequência, absolvo as rés da instância.” * Os Autores fazendo uso da faculdade conferida pelo art. 99º/1 CPC vieram requerer a remessa do processo ao tribunal competente.* A ré Y opôs, e alegou que a defesa a apresentar é distinta atento os diferentes regimes de empreitadas de obras públicas e da empreitada civilística. Acrescentou que se limitou a cumprir ordens e que o projeto de execução é da responsabilidade de entidades públicas, podendo concluir-se pela existência de situações de ilegitimidade.Conclui que se a ação tivesse sido proposta junto dos tribunais administrativos – como deveria ter sido e o Tribunal reconheceu –, a sua defesa teria sido apresentada em moldes substancialmente diferentes, pois “ carecia de cabal análise de vários aspetos materiais e formais que poderá envolver um enquadramento jurídico-legal que poderá conduzir a uma estratégia processual diferenciada, mais adequada às especificidades da tramitação administrativas, pelo que, a remessa destes autos para o referido tribunal administrativo, com aproveitamento dos respetivos articulados – pelo menos do articulado da sua contestação – resultaria uma evidente “ limitação dos direitos de defesa da ré e de uma injustificada limitação dos elementos ao dispor dos tribunal administrativo com vista a uma cabal e justa decisão do pleito”. * Em apreciação do requerido, foi proferida decisão que, julgando justificada a oposição apresentada pela Ré Y, indeferiu a remessa do processo para o tribunal administrativo competente* É desta decisão que vem interposto recurso pelos AA, os quais terminaram o seu recurso formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem):“1. Vem o presente Recurso interposto da decisão proferida nos autos que, julgando existir oposição justificada da Ré Y ao requerimento de remessa dos autos para o Tribunal competente nos termos do art.º 99.º, n.º 2 do Código do Processo Civil apresentado pelos Autores, indeferiu tal requerimento. 2. Salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou o art.º 99.º, n.º 2 do Código do Processo Civil e o Princípio da Economia Processual. 3. Entendem os Apelantes que o Tribunal a quo não interpretou corretamente a norma do art.º 99.º, n.º 2 do Código do Processo Civil, designadamente, ao entender a oposição apresentada pela Apelada Y como suficiente para preconizar uma oposição justificada para os efeitos do art.º 99.º, n.º 2 do Código do Processo Civil. 4. Assim, só poderá o Tribunal recusar o requerido aproveitamento dos atos e remessa do processo para o Tribunal competente mediante a apresentação de uma oposição do Réu, exigindo-se, no entanto, que a mesma seja justificada. 5. No douto Acórdão de 29 de janeiro de 2015, do Tribunal da Relação de Coimbra: “(…) o atendimento da oposição do réu a essa remessa pressupõe que tal oposição seja de considerar justificada, o que implica basear-se ela em motivo atendível do qual resulte ter o réu feito descaso, por razões ligadas à natureza e tramitação na jurisdição considerada incompetente, de meios de defesa que lhe seriam proporcionados no quadro da jurisdição afirmada como competente.” 6. Ainda, no douto Acórdão de 16 de janeiro de 2020, deste Venerando Tribunal: “(…) não basta alegar que a defesa seria diversa para justificar a oposição á remessa, sendo antes necessário demonstrá-lo, ainda que sucintamente e de modo minimamente concretizado (…)” 7. Ora, na sua oposição à remessa do processo a Ré Y, aqui Apelada, não indica um único meio de defesa que não tenha apresentado e que apresentaria se a ação tivesse sido intentada no Tribunal competente. 8. A oposição resume-se antes a um conjunto de considerações jurisprudenciais e à alegação de que a Apelada se encontra sujeita ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, sem qualquer tipo de conclusão da relevância deste facto. 9. E ainda, de que na eventualidade de se apurar que a Apelada se limitou a cumprir ordens e que o projeto de execução é da responsabilidade de entidades públicas, poderão ser estas as responsáveis em primeira linha, devendo as mesmas ser demandadas perante Tribunal Administrativo, sob pena de existir uma situação de ilegitimidade. 10. Ora, como é do conhecimento da Apelada, na presente ação, para além da Ré Y, foram demandadas as entidades públicas responsáveis pelo projeto de execução, nomeadamente, Águas ..., SA e Município X. 11. Logo, existindo remessa dos autos para o Tribunal Administrativo competente, as mesmas continuarão a ser parte, pelo que inexiste qualquer fundamento para uma eventual ilegitimidade, nos termos do art.º 4.º, n.º 1 do ETAF. 12. Ainda, atento os artigos 72.º e seguintes da contestação da Apelada, a mesma invocou factos suscetíveis de preconizar a situação de que se limitou a cumprir ordens e de que sendo o projeto de execução da responsabilidade de entidades públicas poderão ser estas as responsáveis. 13. Ou seja, não só não concretiza na oposição à remessa em que termos tal constitui motivo atendível e que meios de defesa não utilizou que utilizaria se a ação tivesse sido proposta no Tribunal competente, como efetivamente apresentou na sua contestação defesa relativamente a tal facto. 14. Por último, refere a Ré que os presentes autos carecem de cabal análise de vários aspetos materiais e formais que “poderá” envolver um enquadramento jurídico distinto, e uma estratégia processual diferenciada. 15. Ora, salvo o devido respeito não é tal suficiente para que estejamos perante uma oposição justificada. 16. Não é concebível que através da mera enunciação de um conjunto de conceitos jurídicos, que não são de forma alguma concretizados no caso em apreço, se conceda estarmos perante uma justificada oposição. 17. Caso contrário, bastaria aos Réus invocar que poderiam querer utilizar uma estratégia processual distinta, em virtude de a tramitação administrativa ser distinta, para encontrarem a sua oposição justificada. 18. Seguindo a interpretação constante no douto Acórdão de 16 de janeiro de 2020, deste Venerando Tribunal: “Não se verifica oposição devidamente justificada à remessa do processo ao tribunal competente quando não se mostram concretizados os meios de defesa, existindo só considerações abstratas, genéricas.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16 de janeiro de 2020) 19. O Tribunal a quo baseia a sua decisão de indeferimento do requerido pelos Autores, ora Apelantes, no facto de, segundo o mesmo, a Ré, ora Apelada, ter alegado que a sua defesa seria distinta caso o processo tivesse sido instaurado no Tribunal Administrativo e ter indicado, de forma concreta, questões que seriam abordadas numa diferente perspetiva. 20. No entanto, não só, não é verdade que a Ré tenha alegado que a defesa seria diferente, mas sim que, poderia, eventualmente, ser, como não indicou quaisquer questões que seriam abordadas numa diferente perspetiva. 21. Pelo que, atenta a oposição apresentada pela Ré, não se vislumbram quais os fundamentos em que se baseou o Tribunal a quo para decidir como decidiu e considerar justificada a oposição da Ré, violando assim não só o disposto no art.º 99, n.º 2 do CPC mas também o Princípio da Economia Processual. 22. Nestes termos, deve a oposição apresentada pela Ré Y, ora Apelada, ser considerada injustificada e a decisão de indeferimento do pedido de remessa dos autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, ser substituído por outra que ordene o respetivo envio, em conformidade com o disposto no art.º 99, n.º 2 do CPC e o Princípio da Economia Processual. “ * Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.* O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto. Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos. II- FUNDAMENTAÇÃO Está em causa apurar se a oposição da ré Y à remessa dos autos para o tribunal competente não é justificada ou é justificada, conforme decidido. * Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra.* O cerne do presente recurso reside em saber se a oposição oferecida é ou não justificada, nos termos do art. 99º, nº2 do CPC.No presente recurso, os AA sustentam, em resumo, que a oposição deduzida pela ré à remessa requerida pelos mesmos do processo para o tribunal competente após a decisão da declaração da incompetência absoluta e absolvição da instância e extinção da mesma, não seria justificada, porquanto o tribunal não interpretou corretamente o art. 99º, nº2 do CPC e o princípio da economia processual, sustentando que será necessário alegar de modo minimamente pormenorizado a justificação, ainda que de modo sucinto. Na decisão recorrida entendeu-se que “…que a defesa a apresentar é distinta atento os diferentes regimes de empreitadas de obras públicas e da empreitada civilística. … é oposição justificada… a ré alega que a sua defesa seria distinta caso o processo tivesse sido instaurado no Tribunal Administrativo. E indica de forma concreta questões que seriam abordadas numa diferente perspetiva”. Vejamos. Após a decisão da declaração da incompetência absoluta e absolvição da instância e extinção da mesma, podem-se aproveitar os articulados, nos termos do artigo 99º, nº 2, do CPC, o qual preceitua nos seguintes termos: «podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada». Visa, essencialmente, esta disposição legal, aproveitar atos processuais por razões de economia e celeridade processuais e garantir o direito de defesa dos oponentes à remessa. Mas, como interpretar “oposição justificada”? Sobre esta questão a interpretação não é linear nem líquida, dividindo-se a doutrina e a jurisprudência. Segundo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, na sua anotação ao art. 99º (in CC Anotado, p. 230), «… O nº 2 constitui manifestação do princípio da economia processual, na vertente da economia de atos e formalidades. Decretada a incompetência depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se se o autor requerer a remessa do processo para o tribunal competente e o réu não se opuser de modo justificado. No correspondente nº 2 do artigo 105º do CPC de 1965, o aproveitamento dos articulados só se fazia mediante o acordo de autor e réu. O Anteprojecto da Comissão contentava-se com o requerimento do autor, apresentado dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da decisão, ao qual o réu não se podia opor. O Projecto da Comissão reduziu o prazo para 10 dias e a Proposta de Lei admitiu a oposição do réu, acolhendo parecer do Conselho Superior da Magistratura e da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, com o que se fixou a redacção deste número. Essa oposição tem de ser justificada, o que se harmoniza com o direito de defesa e o princípio da economia processual: será injustificada se, na contestação, o réu utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente; é discutível se continuará a sê-lo se o réu não utilizou todos esses meios, embora os pudesse utilizar, sendo certo que, a ser assim, o réu gozará, até 01/09/2014, da protecção concedida pela norma transitória do artigo 3º, a) da Lei 41/2013, de 26 de Junho. Sublinhe-se que, por este meio, o autor evita a inutilização do processo, mas não obvia à absolvição do réu da instância – o que, no atual código, decorre inequivocamente da alusão ao trânsito em julgado da decisão sobre a incompetência absoluta –, pelo que no tribunal competente se inicia uma nova instância. Assim, aproveitam-se apenas os articulados e os atos processuais que eles impliquem (citação do réu, notificações, eventual despacho liminar ou pré-saneador), mas não os restantes atos praticados pelas partes ou pelo tribunal, nomeadamente as provas produzidas (sem prejuízo do artigo 421º), os despachos eventualmente proferidos (por exemplo, sobre o valor da acção) ou a tramitação de qualquer incidente […]. Por sua vez, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa ( in CPC Anotado, p. 135), entendem que na decisão a proferir sobre o requerimento do autor «entrarão em linha de conta não apenas os argumentos formalmente expostos pelo réu, como ainda outros que a concreta situação justifique, envolvidos na margem de apreciação do juiz que, designadamente, emerge do facto de a remessa ser encarada como uma “possibilidade” e não como um efeito decorrente do mero confronto entre as posições assumidas pelas partes ou do exercício de um direito potestativo (…)… devendo ser feita uma apreciação global da defesa que foi ou poderia ter sido apresentada, como se decidiu em STJ 15-01-19…». De modo interessante, o AC da RG de 08.07.2020 citado na decisão recorrida faz um esforço de síntese de concretização do conceito de “oposição justificada” e conclui”: “ a oposição é justificada quando a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta seja susceptível de prejudicar o réu.E a remessa é apta a prejudicar o réu, pelo menos, nas seguintes situações: a) Quando determina uma restrição das garantias do réu; b) A defesa já deduzida não tenha contemplado a alegação de questões próprias e específicas da jurisdição do tribunal competente ou outras questões que só nesta assumam pertinência; c) O réu não tenha utilizado todos os meios de defesa que lhe seriam proporcionados se a acção tivesse sido proposta no tribunal competente; d) A defesa se tenha centrado na invocação da excepção de incompetência absoluta, atenta a evidência desta, com um justificável menor desenvolvimento das demais questões; e) A defesa apresentada careça de ser ampliada no novo tribunal.”. Concretizando o caso sub judicio, temos que os Autores intentaram no Juízo Local Cível de Fafe, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ação declarativa de processo comum, contra os Réus Município X, Y SA., Águas ..., SA. e W - Companhia de Seguros, S.A e peticionam o pagamento de uma indemnização, por danos ocorridos na sua habitação e outros ( não patrimoniais), alegadamente, causados pela execução dos trabalhos da empreitada de “Beneficiação da EM 615-2, entre a EN 207 (km 48,70) e o Lugar da ... (..., ..., ... e .... Alegam, em síntese, que: os danos causados na sua habitação decorreram da execução dos trabalhos da empreitada ali referida, empreitada essa adjudicada pelo Município X e pelas Águas ..., S.A.; a 3ª ré realizou trabalhos que tiveram como finalidade proceder à instalação de rede de águas residuais domésticas e reparação de estradas no âmbito da beneficiação das infraestruturas do concelho de Fafe. Invocam a aplicação dos arts. nos termos dos artigos 483º, 493º nº 2, 496º, 497º, 500º e 501º, todos do Código Civil. Na contestação, a Ré Y, além de arguir a exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria e outras exceções dilatórias e perentórias, deduziu defesa por impugnação, concluindo pela inexistência (quanto a si) de responsabilidade civil extracontratual. Pois bem, vejamos as razões que alega no requerimento de oposição à remessa, fundamentalmente, são as invocadas nomeadamente nos arts. 7º, 8º, 9º pois nos restantes são reproduzidos excertos de jurisprudência. Naquela alegação basicamente, alega a ré que, no contrato celebrado com as entidades públicas em causa, encontra-se sujeita ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado do DL 67/2007, com regras próprias, distintas dos normativos civilisticos e apurando-se que a ré se limitou a cumprir ordens e que o projeto de execução é da responsabilidade de entidades públicas ( art. 43º do Código dos Contratos Públicos) poderá mesmo vir a concluir-se ser das entidades públicas a responsabilidade em primeira linha, as quais devem ser demandadas sob pena de estarmos perante uma ilegitimidade. O que está em causa é aferir se, no caso de remessa do processo para o tribunal competente, a recorrida Y tem ao seu dispor algum meio processual que lhe permita ampliar ou modificar a sua defesa adequando-a às particularidades da jurisdição administrativa, tendo em conta o facto da ação ter sido instaurada na pressuposição – errónea – de ser competente a jurisdição cível, quando, na verdade, terá de ser apreciada à luz das normas de direito administrativo. Alega no art. 9º do requerimento “que os autos carecem de cabal análise de vários aspetos materiais e formais que poderá envolver um enquadramento jurídico legal distinto que poderá conduzir a uma estratégia processual diferenciada, mais adequada às especificidades da tramitação administrativa”. Ora, a Ré suscita questões processuais e materiais que não invocou na sua contestação. Em verdade, a essência da sua defesa, ainda que tenha perpassado pela invocação da prescrição e impugnação dos factos alegados na p.i, assentou na evocação da exceção de incompetência absoluta dos tribunais comuns, com menor acuidade nas questões de direito substantivo suscetíveis de ser convocado para a lide. Já vimos que a Ré só não será prejudicada com a remessa se não tiver alegado certos factos na defesa na ação anterior se puder alegá-los na nova ação; se não tiver alegado uma exceção e puder agora invocá-la; ou até apresentar uma contestação diferente da anterior, se o quiser fazer. Assim não sendo, só em casos de que não possa resultar para o demandado qualquer prejuízo, deverá ser atendida a pedida remessa do processo para o Tribunal materialmente competente. Donde pareçam fundadas as razões da Ré para se opor à remessa do processo ao Tribunal materialmente competente para a mesma poder livremente suscitar questões que, na sua ótica, só na jurisdição administrativa assumirão pertinência, nomeadamente nos termos do código dos contratos públicos (art. 43º), por si aludido e que poderá contender com questões de ilegitimidade. Em suma, das razões invocadas pela Ré resulta que não se defendeu devidamente na instância extinta e poderá ampliar a sua defesa na nova instância, suscitando questões processuais que contendem com ilegitimidades e questões materiais conexas e respeitantes à responsabilidade em causa e eventualmente decorrente dos contratos públicos celebrados. Assim sendo, a oposição da ré mostra-se justificada pela pretensão de deduzir defesa na nova ação e que não deduziu aqui, nem sequer ventilou na sua contestação. Com efeito, e tal como foi entendido pelo tribunal a quo, admitimos que ao Réu oponente à remessa do processo para o tribunal competente bastará alegar um fundamento que mostre que a oposição é fundamentada e não arbitrária, sem lhe ser exigível a sua explicitação em detalhe. (1) III- Decisão: Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam na improcedência do recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. Guimarães, 19 de maio de 2022 Assinado eletronicamente por: Relatora: Anizabel Sousa Pereira Adjuntos: Jorge dos Santos e Margarida Gomes 1 - Vide neste sentido, In www.dgsi.pt: Ac. RC de 12-02-2015, processo 141591/13.3YIPRT.A.C1; RC de 20-04-2016, 1229/12.4TBLRA-F.C1; RP de 01-06-2015, processo 1327/11.1TBAMT-B.P1; Ac. RP de 11.10.2017, proc. 1974/16.5T8PNF-A.P1; Ac.RG de 23.11.2017, proc. 2089/16.1T8GRM.G1 |