Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
94/09.4TBMNC-A.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 – A cláusula inserta no título executivo, que isenta o capital de juros, apenas abrange os juros remuneratórios.
2 – O prazo prescricional dos juros passa a ordinário, quando esteja em causa uma dívida titulada por sentença transitada em julgado ou outro título executivo, nos termos do artigo 311 n.º 1 do C.Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães


A. instaurou contra B. a presente oposição à execução, sustentando, para o efeito e em síntese, que foi efectivamente celebrada escritura pública de confissão de dívida, pela qual assumira a obrigação de pagamento da quantia de Eur.: 6.500.000$00, o que equivale a € 32.421,86, quantia essa que deveria ser paga em 130 prestações mensais de Esc.: 50.000$00, ou € 249,40; que devido às condições económicas que atravessou, o Executado efectuou, até ao momento, apenas o pagamento da quantia global de € 3.155,00, e não só – como é afirmado no requerimento executivo – de € 2.025,00, pelo que em dívida estará ainda tão-somente o montante de € 29.266,86.

O Exequente/Oponido, notificado da oposição à execução interposta, ofereceu articulado de contestação, no qual, mais uma vez, em síntese, refere aceitar que o Executado/Oponente tenha efectuado, até ao momento, o pagamento da quantia de € 3.155,00, e não apenas, de € 2.025,00, aceitando a rectificação do montante peticionado em conformidade.

A final foi prolatada decisão nos seguintes termos:

a) Indefere-se o requerimento executivo apresentado, no tocante ao pagamento de juros moratórios;
b) Julga-se a presente oposição à execução procedente e, em consequência, decide-se absolver o Executado/Oponente do pagamento ao Exequente/Oponido da quantia de € 1.130,14, concluindo-se ser a quantia exequenda devida do montante de € 29.266,86.

Inconformado com o decidido, o oponido e exequente interpôs recurso de apelação, formulando conclusões.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Damos como assente a matéria de facto consignada na decisão recorrida que passamos a transcrever:

De relevante para decisão a proferir, entendem-se por provados os seguintes factos:
1. Nos autos de execução a que os presentes se encontram apensos, foi apresentada como título executivo escritura pública denominada de confissão de dívida, outorgada, aos 20.12.2001, no Segundo Cartório Notarial de Viana do Castelo, por B. na qualidade de primeiro outorgante, e A, na qualidade de segundo outorgante.
2. Nos termos do instrumento público id. em 1., “pelo segundo outorgante foi dito que se confessa devedor ao primeiro outorgante da importância de seis milhões e quinhentos mil escudos, que nesse acto recebeu a título de empréstimo, pelo prazo de cento e trinta meses a contar de hoje, a pagar em prestações mensais de cinquenta mil escudos, vencendo-se a primeira no dia dez de Janeiro do próximo ano de dois mil e dois”.
3. Segundo a referida escritura e de acordo com os outorgantes, “o capital mutuado não vence juros”, e “ficam a cargo dele devedor, todas as despesas que o credor tiver de efectuar, para cobrança do seu capital”, tendo dito “o primeiro outorgante que aceita a confissão de dívida nos termos exarados”.

4. Da quantia referida em 1., foi liquidado pelo Executado/Oponente, até ao momento, o montante de € 3.155,00.

Das conclusões do recurso ressalta a questão de saber se são devidos juros moratórios.

O tribunal recorrido decidiu no sentido de que, face ao teor do título executivo, não são devidos juros moratórios, porque as partes assim o clausularam no respectivo documento.

O apelante insurge-se contra o decidido, alegando que, com a nova redacção do artigo 46 n.º 2 do CPC, introduzida pelo DL. 38/03 de 8 de Março, o título executivo abrange os juros moratórios, à taxa legal, da obrigação que dele conste. E a cláusula de que “o capital mutuado não vence juros” que consta do título executivo terá de ser interpretada no sentido de que o devedor irá cumprir o plano de pagamento a que se obrigou.

A questão fulcral a decidir incide sobre a interpretação da cláusula 2.ª inserta no título executivo que diz respeito ao capital mutuado não vencer juros. As partes, quando outorgaram o contrato de mútuo, que ficou consignado no documento que serve de título executivo, expressaram a sua vontade no sentido de que o capital mutuado não vencia juros. Mas esta cláusula terá de ser interpretada de acordo com o contexto do acordo que está consignado no documento. E nele se destaca o montante do mútuo e a forma de pagamento. A quantia é de seis milhões e quinhentos mil escudos e o prazo de pagamento é de cento e trinta meses. A prestação a pagar mensalmente é de cinquenta mil escudos.

Dentro deste contexto, é de concluir que o capital não estava sujeito a juros remuneratórios. Durante 130 meses o mutuário pagava apenas o capital em dívida. Mas já não se poderá dizer que não fossem devidos juros moratórios. Pois, as partes outorgaram um contrato com a convicção que iria ser cumprido. O não cumprimento gera uma indemnização que deve ser paga pelo devedor, salvo se o credor renunciar, previamente à mesma, o que julgamos que não aconteceu. Estamos perante um contrato cujo cumprimento ultrapassa os 11 anos. Dentro da normalidade negocial ainda é admissível que o credor não exija juros remuneratórios. Mas já não é crível, ultrapassa as regras do bom senso negocial, que se renuncie aos juros moratórios, o que seria uma forma de fomentar o incumprimento. E isto está em consonância com a vontade real das partes, traduzida na posição que o oponente manifestou no seu requerimento, em que aceitou a liquidação dos juros moratórios, suscitando apenas a sua prescrição relativamente aos últimos cinco anos. Daí que julgamos que a cláusula interpretanda não abrange os juros moratórios.

Chegados aqui, teremos de conhecer da prescrição dos juros, suscitada pelo oponente, que o tribunal não conheceu, porque se tornou numa questão prejudicial, na medida em que julgou que o capital não vencia juros.


O oponente defende que os juros moratórios relativos aos últimos cinco anos estão prescritos, ao abrigo do disposto no artigo 310 al. d) do C.Civil. Por sua vez o oponido advoga que o preceito aplicável é o artigo 311 n.º 1 do C.Civil, que alargo o prazo curto para o ordinário, quando esteja em causa uma sentença transitada em julgado ou outro título executivo.

Como estamos perante um título executivo, cuja dívida escalonada, em prestações, se vence na sua totalidade, com o incumprimento duma prestação, nos termos do artigo 781 do C.Civil, é de aplicar o prazo ordinário previsto no artigo 311 n.º 1 do C.Civil. Daí que não estejam prescritos os juros moratórios vencidos nos últimos cinco anos.

Assim, terão de ser contabilizados os juros vencidos desde o incumprimento da primeira prestação, como o fez o tribunal recorrido, no montante de 1.130,14 €, e os juros vincendos, até integral pagamento, à taxa legal, sobre a quantia exequenda fixada em 29.266,86 €.

Concluindo:

1 – A cláusula inserta no título executivo, que isenta o capital de juros, apenas abrange os juros remuneratórios.
2 – O prazo prescricional dos juros passa a ordinário, quando esteja em causa uma dívida titulada por sentença transitada em julgado ou outro título executivo, nos termos do artigo 311 n.º 1 do C.Civil.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida e fixam em 1.130,14 € os juros moratórios vencidos até à apresentação do requerimento executivo em juízo e declaram que a quantia exequenda, no montante de 29.266,86 €, vence juros moratórios, à taxa legal, até integral pagamento.

Custas a cargo do oponente apelado.

Guimarães,