Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CARVALHO GUERRA | ||
Descritores: | ALIMENTOS MENOR FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/14/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | A norma constante do artigo 4º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na interpretação “… de que a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as pensões de alimentos a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão” padece de inconstitucionalidade material, na medida em que consubstancia uma violação do direito princípio fundamental das crianças à protecção do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (artigo 69º, n.º 1, da Constituição) e do direito à segurança social (artigo 63º, n.º 1 e 3, da Constituição). | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães: O Ministério Público veio requerer seja suportada pelo FGADM (Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social) a pensão de alimentos devida à menor B…, por se encontrarem verificados os requisitos do artigo 3º do Decreto - Lei n.º 164/99 de 13 de Maio, que veio regulamentar a Lei n.º 75/98 de 19/11. O pedido foi instruído e o Ministério Público emitiu parecer favorável. A final, foi proferida decisão que condenou o FGADM a pagar mensalmente a P… a pensão de alimentos relativa à filha B…, nascida a 25/07/1999, a pensão de alimentos no montante mensal de €130,00, a que o devedor N… está legalmente obrigado, fixando-se o momento a partir do qual são devidas as prestações pelo IGFSS, FGADM, em Março de 2010, altura da petição de intervenção do FGADM. Desta decisão apelou o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que apresentou alegações e formulou conclusões que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso – artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil – das quais emerge a questão de saber a partir de que momento são devidas as prestações a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores à menor B…, ainda que circunscrita às prestações que entendem que são devidas desde a data da apresentação do respectivo pedido contra o Fundo, como na sentença em recurso ou a partir, ou a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, como sustenta o Apelante. * São os seguintes os factos dados como provados: 1. a menor B…, nascida a 25/07/1999, é filha de P… e de N…; 2. foi proferida decisão homologatória de acordo de regulação do exercício do então poder paternal, em 23/11/2004, pela qual o requerido ficou então obrigada a pagar a pensão de alimentos de 100,00 euros para a filha menor, a actualizar anualmente em 10 euros; 3. o obrigado deixou de cumprir em Janeiro de 2007, altura em que cumpria com 130,00 euros; 4. o obrigado não tem pago, não lhe sendo conhecidos bens ou rendimentos, segundo a informação pedida ao O.P.C., nem está a receber qualquer pensão ou subsídio, segundo o C.D.S.S.; 5. o progenitor refere estar a viver à custa dos pais e ir fazendo uns biscates, estando desempregado; 6. a menor vive com a mãe, em Braga, integrando o agregado familiar dela e da bisavó. O agregado familiar em que a menor se insere tem como único rendimento o subsídio de desemprego da mãe, no valor mensal de 510,00 euros e a reforma da bisavó, de 200,00 euros. A mãe da menor não tem outros bens ou rendimentos; 7. a menor estuda e o agregado em que se insere tem uma capitação inferior ao salário mínimo nacional. * A questão que se nos coloca vinha sendo debatida na jurisprudência e com soluções diferentes, sendo os argumentos das respectivas posições sobejamente conhecidos: para uns, tais prestações eram devidas a partir da data em que era requerida a intervenção do Fundo, para outros, a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, nos termos do estabelecido no n.º 5 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05 e uma terceira que incluía as prestações já vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos. Foi neste contexto que o Supremo Tribunal de Justiça produziu o acórdão uniformizador de jurisprudência de 07/07/2009, de acordo com o qual “A obrigação de prestação de alimentos a menor assegurada pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1º da Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro e 2º e 4º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 164/99 de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores”. Sendo certo que, ao contrário do que acontecia com os assentos antes da revogação do artigo 2º do Código Civil pelo artigo 4.º n.º 2 do DL. 359-A/95 de 12/12, tais acórdãos não vinculam os tribunais judiciais, a verdade é que, através deles, pretendeu-se implantar um sistema de uniformização jurisprudencial assente na autoridade desses arestos, que se devem impor por si, pelos seus fundamentos, de molde a que consigam a adesão de todos os intervenientes judiciários, de modo a que se desse uma resposta à necessárias exigências de segurança e certeza da jurisprudência. Dentro deste novo sistema o juiz, em princípio, está vinculado à doutrina dos acórdãos uniformizadores, em nome da unidade jurisprudencial, potenciadora da certeza e segurança da ordem jurídica e da sua unidade, só devendo recusar a aplicação da doutrina uniformizada, em casos excepcionais, em que surjam circunstâncias supervenientes e capazes de imporem uma nova interpretação, justificando a sua revisibilidade – ver acórdão deste Tribunal de 06/03/2008, em www.dgsi.pt. Foi o que sucedeu, em nosso entender, na situação que nos ocupa. Com efeito, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a questão no seu acórdão 54/2011, disponível em www.dgsi.pt, decidindo no sentido de “Julgar inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 69º, n.º 1 e 63º, n.º 1 e 3 da Constituição, a norma constante do artigo 4º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na interpretação de que a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as pensões de alimentos a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão”. Ainda que não possuindo força obrigatória geral, a verdade é que este aresto constitui necessariamente circunstância do maior relevo, susceptível de justificar uma nova interpretação das normas em questão. Aí se ressalta que, estando-se “… perante a atribuição de prestações pecuniárias regulares, destinadas a custear as despesas dos menores, a questão temporal da satisfação dessas prestações é essencial. O sistema de segurança social deve garantir uma adequação temporal da resposta, concedendo oportunamente as prestações legalmente previstas para uma satisfatória promoção das condições dignas de vida das crianças (vide, enunciando este princípio da segurança social, João Carlos Loureiro, em “Proteger é preciso, viver também: a jurisprudência constitucional portuguesa e o Direito da Segurança Social”, in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, pág. 383, da ed. de 2009, da Coimbra Editora)”. “E este objectivo só se mostra alcançado, por um lado, se as prestações sociais atribuídas aos menores cobrirem, o mais aproximadamente possível, todo o período em que se verifica o incumprimento por parte dos pais do dever de proverem à subsistência dos seus filhos, e por outro lado, se existir um mecanismo que permita acorrer, num curtíssimo espaço de tempo, aos casos de necessidade urgente”. “É necessário ter presente que, sendo os beneficiários desta prestação social menores privados de meios de subsistência, estamos num universo em relação ao qual os imperativos de protecção social constitucionalmente previstos se verificam na sua máxima expressão”. “Ora, a solução normativa recusada pela decisão recorrida acaba por comprometer a eficácia jurídica da satisfação das necessidades básicas do menor alimentando, na medida em que a mesma se traduz na aceitação de um novo período, de duração incerta, de carência continuada de recebimento de qualquer prestação social de alimentos, a cumular a um anterior período – mais ou menos longo – em que já se revelou a frustração total da solidariedade familiar”. “Efectivamente, de acordo com a interpretação normativa sob análise, a situação continuada de carência de prestação alimentos ao menor alimentando que precede a apresentação do requerimento de intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores não só não é eficazmente estancada, ainda que retroactivamente, com este pedido de auxílio estatal, como ainda subsiste para além deste momento, durante um período de duração incerta, sujeito às inevitáveis demoras para recolha da prova da capacidade económica do agregado familiar e das necessidades específicas do menor, e às contingências dos múltiplos atrasos do sistema judiciário, até ser proferida decisão judicial em primeira instância, a qual, deste modo, não acautela a satisfação dos alimentos que ter-se-iam vencido até então”. … … … “Em virtude do exposto, importa concluir que a interpretação normativa sob análise padece de inconstitucionalidade material, na medida em que consubstancia uma violação do direito fundamental das crianças à protecção do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (artigo 69.º, n.º 1, da Constituição) e do direito à segurança social (artigo 63.º, n.º 1 e 3, da Constituição) pelo que o recurso interposto deve ser julgado improcedente”. Como se vê, o acórdão do Tribunal Constitucional citado vai mais longe ainda do que a sentença recorrida, para afirmar que os imperativos constitucionais de protecção social dos menores que incumbe ao Estado prosseguir exigem que a obrigação do Fundo possa abranger as prestações já vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada a pagar alimentos. É esta também o entendimento que o relator deste acórdão defende. Com efeito, não discutimos a diferente natureza jurídica da obrigação de alimentos decorrente do artigo 2.006º do Código Civil da que impende sobre o Estado, verificados aqueles pressupostos, mas isso, só por si, não justifica uma necessária diferenciação de regimes, uma vez que o objecto de ambas é o mesmo: proporcionar ao menor os meios necessários à sua subsistência. Também não encontramos justificação para que se faça recair sobre o menor em necessidade o ónus das, ainda que inultrapassáveis, demoras de um processo judicial, demoras, afinal, de um serviço da responsabilidade do próprio Estado. De qualquer modo e como se afirma no acórdão a Relação do Porto de 19/09/2002, Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVII, Tomo IV, página 180, “A lei, de resto, faz recair sobre o Fundo o pagamento das prestações de alimentos devidos a menores, não distinguindo entre prestações vencidas e vincendas” e quando o legislador não distingue, não pode distinguir o intérprete; ademais pensamos que, se fosse intenção do legislador impor que só as prestações vincendas eram devidas pelo Fundo, consciente do regime estabelecido no artigo 2.006 do Código Civil, não deixaria de o afirmar expressamente. E se podemos aceitar o argumento de que não foi intenção do grupo parlamentar que apresentou o projecto de diploma sobrecarregar desmesuradamente a despesa pública e evidenciou tal preocupação na circunstância de ter estabelecido um limite máximo mensal por cada devedor, não se compreende que o não tivesse feito expressamente também em relação às prestações vencidas, se essa fosse a sua intenção. E não se argumente com a circunstância de a prestação do Fundo é autónoma e actual, que não visa substituir definitivamente a anterior obrigação de alimentos mas antes proporcionar ao menor, de forma autónoma e subsidiária, a satisfação de uma necessidade actual de alimentos: a prestação do fundo é autónoma, já o reconhecemos, subsidiária, já o dissemos, não extingue a obrigação de alimentos do judicialmente obrigado e é actual precisamente porque visa proporcionar ao menor a satisfação de uma necessidade actual de alimentos, mas a necessidade efectiva e real e sabe-se que o que hoje é necessário mais tarde pode tornar-se insuficiente, da mesma forma que o que hoje é necessário mais tarde pode tornar-se supérfluo; porém, a necessidade anterior está comprovada, as prestações são devidas e não se concebe que tudo se passe como se não tivesse existido e o Estado a assuma para o futuro e se demita em relação à anterior. Também o argumento retirado do disposto do n.º 5 do artigo 4º do DL 164/99, de 13/05, em nosso entender, não colhe: aí se estabelece que o pagamento das prestações por conta do Fundo se inicia no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não que sejam devidas apenas as que se vençam a partir do mês seguinte; a questão que nos ocupa é prévia em relação ao que estabelece essa norma, pois trata-se de saber quais as prestações a cargo do Fundo, cujo pagamento se inicia no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal. Por tudo que se deixou dito, também nós consideramos que a norma constante do artigo 4º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na interpretação “… de que a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as pensões de alimentos a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão” padece de inconstitucionalidade material, na medida em que consubstancia uma violação do direito fundamental das crianças à protecção do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (artigo 69º, n.º 1, da Constituição) e do direito à segurança social (artigo 63º, n.º 1 e 3, da Constituição) desta forma improcedendo o recurso. Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso e se confirma a sentença recorrida. Custas pelo Apelante. * Guimarães, 14 de Abril de 2011 Carlos Guerra António Ribeiro Augusto Carvalho SUMÁRIO: A norma constante do artigo 4º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na interpretação “… de que a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as pensões de alimentos a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão” padece de inconstitucionalidade material, na medida em que consubstancia uma violação do direito fundamental das crianças à protecção do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (artigo 69º, n.º 1, da Constituição) e do direito à segurança social (artigo 63º, n.º 1 e 3, da Constituição). |