Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
585/09.6GBVVD.G1
Relator: NAZARÉ SARAIVA
Descritores: RECURSO
SENTENÇA
ARGUIDO
AUSÊNCIA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/22/2012
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário: I) Decorre do preceituado no artº 333º, nº 5, do CPP, que o legislador, de forma expressa, indica que a prática do acto processual de impugnação da sentença pelo arguido julgado na ausência está condicionado à verificação de um outro acto anterior, a saber, a efetivação da notificação pessoal da sentença ao arguido.
II) Só a partir de tal notificação é que se pode contar o prazo (peremptório) dentro do qual pode o arguido julgado na ausência impugnar a sentença.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc. nº 585/09.6GBVVD), foi proferida sentença que:

A) Condenou o arguido António P..., pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203º e 204º, nº 1, al. f) do Cód. Penal, na pena de 200 [duzentos] dias de multa, à taxa diária de € 5,00 [cinco euros], o que perfaz a multa global de € 1.000,00 [mil euros];---

B) Condenou a arguida Emília P..., pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203º e 204º, nº 1, al. f) do Cód. Penal, na pena de 200 [duzentos] dias de multa, à taxa diária de € 5,00 [cinco euros], o que perfaz a multa global de € 1.000,00 [mil euros];---

C) Condenou o arguido José V..., pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 203º e 204º, nº 1, al. f) do Cód. Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, que deverá ser cumprida em 54 (cinquenta e quatro) períodos correspondentes a fins-de-semana, devendo o arguido apresentar-se no EP às 21 horas de sexta-feira e aí permanecer até às 21 horas de domingo, com início no 4.º fim-de -semana posterior ao trânsito em julgado da presente decisão.

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Inconformados com a sentença, os arguidos Emília P... e José V... interpuseram recurso desta sentença, onde, em síntese, suscitam as seguintes questões:

- impugnam a decisão sobre a matéria de facto, visando, alterada esta, a sua absolvição; e

- subsidiariamente, defendem que não poderão ser condenados por mais do que pelo crime de furto p. e p. pelo art. 203º do Cod. Penal, por não se verificar a circunstância qualificativa da al. f) do nº 1 do art. 204º do mesmo código.

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Respondendo, o MP junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.


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Nesta instância, o Exm Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do recurso ser rejeitado por extemporâneo, «já que interposto quando ainda não se havia iniciado o prazo para a sua interposição».

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Cumpriu-se o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

É sabido que, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98).

As questões suscitadas pelos arguidos/recorrentes são as seguintes:

- impugnam a decisão sobre a matéria de facto, visando, alterada esta, a sua absolvição; e

- subsidiariamente, defendem que não poderão ser condenados por mais do que pelo crime de furto p.e p. pelo art. 203º do Cód. Penal, por não se verificar a circunstância qualificativa da al. f) do nº 1 do art. 204º do mesmo código.

A estas questões acresce uma outra: a da intempestividade do presente recurso, suscitada pelo Exmº PGA junto deste Tribunal.

É pelo conhecimento desta última questão que iremos começar na medida em que é ou pode ser prejudicial relativamente a todas as demais.

A propósito dos prazos processuais escreve o Prof. Manuel Cavaleiro de Ferreira:

“A circunstância de tempo tem importância extraordinária na ordenação do processo. É mesmo um modo dessa ordenação. A sequência do processo é naturalmente determinada pela natureza dos próprios actos, e por isso, se compreende que uns actos só devam praticar-se em seguida ou em consequência doutros actos; hão-de suceder-se no tempo. E se esta sucessão pode ser logicamente estabelecida, em razão da própria natureza ou função dos actos, também não raramente a lei indica expressamente a dependência de actos processuais da prática ou verificação anterior doutros actos. Esta hipótese, porém, confunde-se na ordenação geral do processo, com o condicionamento de actos processuais, por outros actos processuais.

O tempo em que deve ser praticado um acto processual pode consistir directamente na indicação dum período dentro do qual o acto pode ser praticado. É o que se chama um prazo.

O prazo tem um início e um termo («dies a quo»; «dies ad quem». Entre o seu início e termo se conta a sua duração.

(…)

Porque o prazo consiste num período de tempo, a contagem da sua duração pode fazer-se partindo do seu início ou do seu termo. A duração referir-se-á ao período que se segue ao início do prazo, ou ao período que antecede o termo do prazo.

(…)

Quanto à sua função, os prazos distinguem-se em dilatórios e peremptórios.

(…)

O prazo peremptório, destina-se, pelo contrário, a acelerar o andamento do processo; é o período dentro do qual deve ser praticado o acto processual.

(…)

O prazo é peremptório quando a inobservância do prazo torna inadmissível o acto posterior, porque é afectado de caducidade o direito ou faculdade de o praticar. Extinguiu-se, caducando, o poder de causar quaisquer efeitos jurídicos através do acto que só era possível dentro do prazo». vd Curso de Processo Penal, Lisboa 1981, I vol., págs 252 – 253(salientado nosso)

Pois bem, a duração do prazo para interpor recursos está fixada no artigo 411º, nºs 1 e 4, do CPP. É de 20 dias [nº 1]. Porém, «Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, os prazos estabelecidos nos nºs 1 e 3 são elevados para 30 dias» - [nº 4]

Para a contagem dos aludidos prazos importa ter presente, no que concerne ao arguido julgado na ausência, o preceituado no artigo 333º, nº 5, do CPP: «No caso previsto nos nºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença».

Decorre, assim, deste preceito, que o legislador, de forma expressa, indica que a prática do acto processual de impugnação da sentença pelo arguido julgado na ausência está condicionado à verificação de um outro acto anterior, a saber, a efectivação da notificação pessoal da sentença ao arguido.

Só a partir de tal notificação é que se pode contar o prazo (peremptório) dentro do qual pode o arguido julgado na ausência impugnar a sentença, que, já vimos, tem a duração de 20 dias ou de 30 dias, dependendo de o recurso visar ou não a reapreciação da prova gravada.

In casu, os arguidos, julgados na ausência, foram notificados da sentença em 8 de Dezembro de 2011 [vd. fls 341 e 342]. O que significa que o início do prazo, dentro do qual o acto de interposição de recurso podia ser praticado, ocorreu no dia 9 de Dezembro de 2011 e, o seu termo, no dia 10/01/2012 [ou no dia 20/01/2012, no caso de o recurso ter como objectivo a reapreciação da prova gravada], sem prejuízo de o acto poder ainda ser praticado, mediante o pagamento de multa, dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo [artº 145º, nº 5 do CPC].

Uma vez que o recurso foi interposto em 5 de Dezembro de 2011, é óbvio que o foi fora do tempo [peremptório] a que a lei sujeita a prática da interposição de recurso pelo arguido julgado na sua ausência. Dito por outras palavras, quando o recurso foi interposto não havia sequer que falar, em termos de procedimento, em prazo para recorrer.

Daí a extemporaneidade do recurso.

Deixar ao livre arbítrio do defensor do arguido julgado na ausência a decisão sobre a oportunidade de interpor recurso, seria, com o devido respeito, esquecer, como refere o Prof. Germano Marques da Silva, que «os prazos processuais permitem a coordenação dos diversos actos, sob um ponto vista temporal, garantindo a celeridade da decisão dos processos, a certeza e estabilidade das situações jurídicas, o tempo necessário para a afirmação e defesa dos direitos e a salvaguarda de direitos fundamentais» Cfr. Curso de Processo Penal, Verbo, 4ª ed., II vol., pág. 59., ou seja, seria esquecer a «ordenação do processo

E teria, como natural consequência, a impossibilidade de controlo pelo tribunal do próprio prazo de interposição do recurso, pois que não seria possível aferir se, no caso concreto, seria o prazo normal de 20 dias que deveria ser observado, ou, se, ao invés, seria o prazo especial de 30 dias…

Aliás, não haveria sequer qualquer prazo a observar pelo defensor do arguido julgado na ausência. A interposição do recurso, tendo apenas como baliza o terminus do prazo, seria sempre tempestiva, uma vez que nem sequer se tinha alcançado o tempo fixado por lei para a prática do acto quando o recurso é apresentado…

Simplesmente, como ensina o Prof. Cavaleiro Ferreira, o prazo tem um início e um termo, e é entre estas duas balizas que se conta o tempo [peremptório] dentro do qual deve ser praticado o acto processual.

Por outro lado, não podemos ver isoladamente o artº 333º, nº 5, do CPP. Este normativo tem também de ser relacionado com o artigo 411º, nº 7, do CPP que dispõe que «O requerimento de interposição de recurso que afecte o arguido julgado na ausência, ou a motivação, anteriores à notificação da sentença, são notificados àquele quando esta lhe for notificada, nos termos do nº 5 do artigo 333º» e ainda com o artigo 414º, nº 8, do mesmo Código, que dispõe que «havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto».

Ora, num caso dum processo de arguido julgado na ausência, em que o MP, o assistente ou o demandante civil interpusessem recurso teríamos que a tramitação subsequente de tais recursos, designadamente a apresentação da resposta e a prolação do despacho de admissão ou de não admissão do recurso, ficaria condicionada à posterior notificação ao arguido da sentença e do requerimento de interposição do recurso, enquanto que, ao invés, o recurso interposto pelo defensor do arguido poderia seguir os trâmites normais subsequentes, a saber, a apresentação de resposta pelos sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso e a prolação do despacho de admissão ou de não admissão do recurso. E, então, seriamos confrontados com a regra contida no artigo 414º, nº 8, do CPP de que, havendo vários recursos da mesma decisão, são todos julgados conjuntamente. Ou seja, para além da desigualdade de tratamento entre os sujeitos processuais, o recurso interposto pelo defensor do arguido, acabaria por não poder subir ao tribunal ad quem competente enquanto o arguido não fosse notificado da sentença e do requerimento de interposição de recurso dos outros sujeitos processuais, e não decorressem os trâmites processuais subsequentes relativamente a tal recurso.

O que demonstra, a nosso ver, que é precisamente através da observância das regras fixadas pelo legislador nos artigos 333º, nº 5, do CPP e 411º, nº 7, do CPP, que é possível garantir a celeridade da decisão nos processos de arguidos julgados na ausência, bem como garantir a certeza e estabilidade das situações jurídicas.

Finalmente, ainda diremos que este entendimento é o que melhor se coaduna com a posição expressa no acórdão do TC nº 476/2004 - e que também sufragamos - de que «a consideração como irrelevante do efectivo conhecimento pelo arguido do conteúdo decisório não cumpre plenamente a garantia efectiva do direito ao recurso”.

Quiçá por isso mesmo é que o legislador terá afastado, no caso de arguidos julgados na ausência, a aplicabilidade da regra geral contida no artigo 411º, nº 1, al. b), do CPP, criando a norma especial contida no artº 333º, nº 5, in fine, do CPP.

A decisão que admitiu o recurso não vincula este tribunal – cfr. artº 414º, nº 3 do CPP.


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Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, na procedência da questão prévia suscitada, em rejeitar o recurso, nos termos do artº 420º, nº 1, al. b), do CPP.

A cargo de cada um dos recorrentes o pagamento de 3 (três) UCs – cfr artº 420º, nº 3, do CPP.

(Texto processado em computador e revisto pela primeira signatária – artº 94º, nº 2, do CPP)



VOTO DE VENCIDO

Conheceria do objeto do recurso.

Entendo que o prazo para a interposição de recurso é um «prazo peremptório». Estes são aqueles cujo decurso extingue o direito de praticar o ato (art. 145 nº 3 do CPC). Através deles é possível determinar o momento a partir do qual o ato já não pode ser praticado.

A existência deste tipo de prazos prende-se com os valores da segurança e certeza do direito. Uma vez iniciado o processo, por regra, para a prática de cada acto, é estabelecido um limite temporal, sob pena de o respetivo direito precludir.

Sendo um prazo final, afigura-se-me que não há alguma razão, relacionada com os fins visados pela norma, que impeça a interposição do recurso antes de iniciada a contagem do prazo. É um comportamento processual que em nada afeta os fins para que o prazo foi estabelecido, nomeadamente a celeridade processual ou o direito ao contraditório. Dele não resulta qualquer prejuízo para quem quer que seja, nomeadamente para os outros sujeitos processuais, que não ficam limitados no direito à resposta. Na realidade, o que se visa com a fixação do prazo para a interposição do recurso é impedir o arrastamento temporal do processo e a incerteza daí decorrente. Não é criar limites ao direito ao recurso (art. 32 nº 1 da CRP), com argumentos formais, sem razões substantivas, para se conseguir uma decisão mais justa ou mais célere.

É certo que há atos que não podem ser praticados sem que outros ocorram. Por exemplo, não se pode contestar antes da acusação, ou recorrer da sentença antes de ser proferida, mas tal prende-se com a própria natureza intrínseca das coisas, pois são atos que estão limitados pela existência dos que lhes antecederam.

Questão diferente, mas que aqui não ocorre, seria a junção de novas alegações do arguido após a sua notificação, no caso, por exemplo, de mudança de advogado. Não sendo essa a situação, entendo que deveria prevalecer a circunstância de no terminus do prazo do recurso já as alegações estarem juntas.