Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | AFONSO CABRAL DE ANDRADE | ||
Descritores: | RECURSO EFEITO SUSPENSIVO CAUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/23/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. Quando o recorrente pretende que seja fixado efeito suspensivo ao recurso que interpôs, ao abrigo do art. 647º,4 CPC, ao interpor o recurso, não só tem de o requerer expressamente, alegando os factos necessários, como ainda tem de deduzir o incidente de prestação de caução, indicando não apenas o valor que oferece como ainda a modalidade e o modo de efectivação da caução, sob pena de ser fixado efeito meramente devolutivo. 2. Quando o recorrente indica nas conclusões factos que pretende impugnar, quando no corpo principal das alegações os tinha omitido de todo, não pode a Relação conhecer dessa parte do recurso. 3. E o mesmo sucede no caso inverso, de impugnar pontos de facto julgados no corpo das alegações, mas nada dizendo sobre tal nas conclusões. 4. Quando está em discussão uma servidão de passagem constituída por destinação de pai de família, a solução não irá emergir de um só meio de prova, isolado, mas sim da apreciação global de todas as provas apresentadas, pois o que está em discussão não é saber como está a parcela de terreno actualmente, mas sim como estava e foi usada no passado. É toda uma reconstrução histórica que tem de ser feita. O Juiz comporta-se como um historiador, que tem de apurar factos pretéritos e para isso tem de recorrer às fontes disponíveis. 5. A principal prova, neste género de litígios, acaba por ser a prova pessoal, seja por testemunhas, seja por depoimentos ou declarações de parte. Quando essa prova não é uniforme, antes nos diz coisas díspares, e não há meios objectivos que nos permitam ver onde está a verdade e onde está a falsidade, a única solução é o recurso às regras sobre ónus da prova constantes do art. 342º CPC, decidindo contra a parte onerada com a prova do facto. 6. Quando a decisão recorrida está correcta e bem fundamentada, a Relação não precisa de (nem deve) procurar uma argumentação alternativa ou paralela para chegar ao mesmo resultado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório AA e BB, casados entre si, residentes na Rua ... em ... intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC, viúva, residente na Rua ..., no ..., peticionando que a ré seja condenada a: a) Aceitar que os autores são os únicos e exclusivos donos e proprietários dos prédios rústicos descritos no artº 1 º da PI; b) Reconhecer que sobre os seus prédios (servientes) descritos no artº 5 desta PI , com os arts. matriciais nºs ... e ..., respectivamente, da Freguesia ... , na posse da Ré, se encontra constituída nos moldes e termos descritos nos arts. 11º a 16º da PI, uma servidão legal de passagem, a favor dos prédios dos autores (dominantes) melhor id. no artº 1º da petição, cuja rodeira bem calcada em trilho duro e aparente contém as características/dimensões, e demais elementos melhores descritos e supra articulados. c) Entregar, consequentemente, aos autores uma chave do portão, por forma a que estes possam entrar e sair através da descrita rodeira / servidão / passagem, desde a rua pública até aos seus prédios e vice-versa, como sempre o têm feito e demonstrado; d) Abster-se da prática de qualquer acto futuro que possa perturbar ou impedir os autores de usar a referida servidão/passagem/rodeira existente nos seus dois imóveis e requerida nos termos assinalados na alínea b) deste pedido; e) Pagar aos autores uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos e a sofrer, a computar e remeter para execução e liquidação de sentença, bem como nas custas e demais encargos com a presente demanda. Para tanto alegam, em síntese, que são proprietários dos prédios descritos na Conservatória de Registo Predial ... sob os números ...87 e ...19, sendo a ré proprietária dos prédios inscritos na matriz rústica da Freguesia ..., concelho ..., sobre o artigo ...38 e ...39, tendo estes prédios sido adquiridos por ambas através de escritura de partilha; que os autores para acederem aos seus prédios utilizavam, por eles e pelos ante possuidores, um caminho / rodeira que atravessa os prédios da ré; sucede que no início do Verão de 2019, a ré instalou uma fechadura no portão da entrada, junto à Rua ..., fechando o portão à chave, não tendo entregue uma chave aos autores, o que motivou a instauração do procedimento cautelar que constitui o apenso B dos presentes autos; que eles, autores, não têm outra forma de aceder ao seu prédio e o agricultarem e fazer a necessária e obrigatória manutenção; alegam, por último, danos com os incómodos causados, reclamando indemnização. Juntaram documentos e arrolaram testemunhas. Citada a ré, apresentou contestação, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo ela própria absolvida do pedido, negando, por um lado, a existência da servidão alegada, referindo que os autores tinham acesso ao seu prédio através de outro caminho e que, mesmo que se tal servidão tivesse existido, já se mostrava extinta por desnecessidade, o que, assim, deduziu por reconvenção. Juntou documentos e arrolou testemunhas. Foi realizada a audiência prévia e proferido despacho saneador, no qual se identificou o objecto do litígio e se elencaram os temas da prova. Realizou-se a audiência de julgamento, com a produção da prova oferecida pelas partes, e a final foi proferida sentença, que: a) Declarou os autores AA e BB donos e legítimos proprietários do prédio rústico situado em Vinculo, Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sobre o artigo ...36, com área de 1312m2 composto por uma terra de cultivo e árvores de fruto, a confrontar a Norte com DD (actualmente com os autores), Sul com EE (actualmente os aqui autores), nascente com estrada Municipal e poente com caminho público, descrito na conservatória do registo predial sob o número ...87 e do prédio rústico situado em Vinculo, Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sobre o artigo ...37, com área de 1312m2 composto por uma terra de cultivo e árvores de fruto, a confrontar a Norte com FF (actualmente com a aqui ré), a sul com GG (actualmente os aqui autores) Nascente com estrada Municipal e poente com caminho público, descrito na conservatória do registo predial sob o número ...19; b) Absolveu a ré CC do demais peticionado. c) Considerou prejudicada a apreciação do pedido reconvencional. Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil). Para além disso, ainda vieram pretender juntar aos autos uma panóplia de documentos, juntamente com as suas alegações de recurso Terminam a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1. HH, era dono do prédio sito ao vínculo, tendo falecido com 35 anos de idade no dia .../.../1918. (Declarações de BB ao minuto [00:01:36] até ao minuto [00:09:52], que mereceu a credibilidade do Tribunal e que se encontra provado por documento idóneo, o Inventário), o qual se encontra anexo (Doc.... já reproduzido). 2. Aquele prédio foi dividido pelos quatro filhos do falecido HH, e constituíram, à altura, 4 parcelas, tendo nessa operação de divisão e Partilha, tocado, respectivamente, aos herdeiros: -GG – art. ...; -DD – art. 237; -II – art. ...; -JJ – art. ...; (minuto [00:01:03] a [00:10:03] vd. Doc....) 3. Mais tarde, estes herdeiros ausentaram-se definitivamente para o ..., ficando o Sr. KK, a cuidar dos referidos prédios; 4. E, desde sempre, e, até que as adquiriu, as primeiras três parcelas através de compra e venda verbal DOC ... já reproduzido. Relativamente ao art.º ... através de Acção de Preferência (Doc....) 5. KK, pai da A/esposa e Ré, na sequência do que já vinha ocorrendo com seus antepassados e familiares desde 1919, sempre usou e fruiu da rodeira para através dela passar por todas aquelas fracções. Passagem, rodeira ou servidão melhor descrita e requerida desde artº 11 a 16, inclusive, e pedido todos da P.I.. até ao seu decesso no ano de 2000 sempre com o mesmo fim e destino para entrar e sair, cultivar e colher fruta, alimentos para os animais, erva e outros, bem como produtos hortícolas em todas as fracções que constituíam o antigo e único imóvel – Vínculo. 6. Simultaneamente, e, para que dúvidas não existissem quanto à sua forma, dimensões e características em trilho duro e com duas rodeiras os AA melhor a descreveram no artº 11 alíneas a) e b), daquela PI, articulação que aqui se reproduz, integralmente, para todos os devidos e legais efeitos. 7. Essa rodeira/servidão, como é definida pelas fotos aéreas anexas e pelas testemunhas acima arroladas, existiu e existe, pelo menos desde 1958, aquando da primeira compra das parcelas em 1984 até ao decesso de KK, assim se manteve e permaneceu persistente no tempo, formando dois trilhos duros, com cerca de 3/ 4 metros de largura e com 60 a 70 metros de comprimento, desde o portão da entrada para o prédio ...39 da Ré, na Rua ... a Norte passando entre o tanque e a agueira, a cerca de 3/ 4 metros daquele tanque até atingir, imediatamente a seguir o prédio com o art.º ...37 e após o art.º ..., aos AA pertencentes, desde a celebração da Partilha entre os AA e a Ré. 8. Aliás, AA e Ré anexaram a fotografia do ano de 1999 aos autos com a P.I. e Contestação, aqui também anexa (DOC. ...), sendo bem presentes esses sinais indeléveis que se traduziram nas inquestionáveis características do bom pai de família, já que, regressando todas as parcelas à Titularidade de KK, nunca este ao longo de mais 20, 30, 40 ou 50 anos lhe deu outro destino, a não ser esse, bem como a firme determinação para através dela entrar e sair nos prédios com os artigos contíguos ao portão da Rua ... com o n.º ..., daqui para o art.º ..., colhendo em ambos artigos hortícolas, seguindo entre o tanque referido e a agueira/poente, e mais no extremo desta, a sul, entrando no art.º 237 e finalmente para o art.º ..., onde no primeiro cultivava e colhia fruta diversa e amêndoa e no último retirar erva, pasto para os animais domésticos e produtos hortícolas (vd. prova testemunhal supra analisada devidamente concretizada com os tempos reais de produção). 8. Contrariamente ao fundamento vertido na Douta Sentença, aquando da Partilha do referido único prédio do Sr. KK – Vínculo – composto pelas mencionadas quatro parcelas, art.º ..., ..., 237 e ..., os herdeiros/filhos, aqui A/esposa e Ré/CC, decidiram nada dizer sobre a existência ou extinção daquela rodeira, pelo que, a mesma em obediência ao art.º 1549 do CC, manteve-se no tempo e persistiu, nos mesmos moldes, termos e aparência física que sempre demonstrou ao longo de praticamente um século! 9. Aliás, outro modo, forma ou meio não existia para os AA, terem continuado, como continuaram a aceder às suas parcelas com os art.º 237 e ..., pois, como ficou provado pelo Tribunal, na Douta Sentença, nenhum outro acesso existiria ou existe ainda hoje, sendo o prédio, tal como nos seus primórdios, totalmente vedado por todos os lados com altas paredes em perpianho, não se provando a ficcionada, mentirosa e falsa passagem/acesso que a ré invocou na contestação/reconvenção e que, na sua peregrina tese se localizaria na parte mais a sul do prédio com o art.º ...36, na sua esquina/poente (Facto que não resulta dos factos provados- logo – não provados – sentença, pág. 10 pontos d) e e)…) 10. Assim, em relação a este aspecto supra, a fundamentação vertida e elencada na Douta Sentença é, como acima melhor referido, manifestamente enviesada e distraída que no sentido legal atendendo ao art.º 1549 do CC, que se invoca ter sido postergado/ violado pelo Tribunal “a quo“, quer quanto ao ónus da prova do art.º 342 n.º 2 também ele violado ambos do Cod. Civil. Com efeito se no primeiro caso a Meritíssima Juíza, s.m.o. mal andou ao afirmar em jeito de fundamentação que a herdeira, aqui A/esposa deveria ter deixado previsto na Escritura de Partilha que a servidão que deveria manter, seria perverter e alterar a forma taxativa como o referido preceito legal resolve e define esta matéria no art.º 1549, bem como o ónus da Prova, que “in casu” não era dos AA mas sim da Ré, quando alega não só a desnecessidade, mas também da alegada existência de outra passagem que não logrou provar, pois não resulta da matéria de facto provada nos autos. 11. Isto é: como a Meritíssima Juíza deveria dizer (e não disse), era que, se a Ré/CC tivesse pretendido (como só o veio a demonstrar pelo ano de 2012 a 2018 aquando das obras de alargamento da rua do Sr. do Bonfim realizadas pela JF e por via da doação que a Ré fez, – vd. declarações de parte de A/marido e Ré), deveria a Ré dizer (e não os AA como erradamente disse a Meritíssima Juíza) que não queria ou não pretendia que a dita servidão permanecesse no tempo…. E, que não pretendia que estes continuassem a passar como até aí o fazia o A/marido por via da procuração do sogro KK ,; procuração junta aos autos…. Tudo como melhor mencionado ao minuto supra, e, a ré disse vd. minuto [00:12:52] Meritíssima Juíza “ Só para fazer alguma questão às imagens; minuto [00:13:05] CC: “Esta é de 2010” (foto aérea); …[00:13:14] “esta é de 1986”… Minuto [00:14:54] “E… oh… oh doutora juíza eles tinham…e não ia ser mazinha e não iria deixar passar… mas eu não fui capaz…” Ou seja: a ré aqui acaba por aceitar e dizer que existia a rodeira à altura da Partilha, mas que agora não os ia deixar passar mais por aí. O que é certo é que nada ela exigiu que ficasse estabelecido na Escritura em 2013 conforme lho exigia o artº 1549 do CC… Porquê ? terá agora a Ré alguma razão para tal? Não a vislumbramos, e, alegadamente, só o Tribunal a descortinou, sem explicar legalmente tal direito da Ré, invertendo, claramente o ónus da prova e violando o artº 342 nº2 do CC , o que agora deve ser declarado nessa Veneranda 2ª instância !!! 12. E, não se diga que a obrigação, ou seja, que esse ónus incumbia aos AA…. Contrariamente ao que se invocou, salvo o devido respeito, de forma errada na Sentença! Mas, mais absurdo se releva tal exigência do Tribunal, quando é a própria Meritíssima Juíza a mostrar a evidência e às próprias partes processuais estar convencida quanto à existência da rodeira descrita na P.I., pois é à pergunta do próprio Tribunal ao minuto [00:15:38], que a Ré/CC responde e diz expressamente: …“Eles (AA) continuaram a passar pela faixa/passagem para a propriedade deles! E, se dúvidas não temos que o Meritíssimo Tribunal deste modo e com este tipo de resposta compreendeu que, realmente existia à altura das Partilhas a dita servidão por destinação do pai de família, requerida pelos AA, foi ao minuto [00:16:08] nas declarações de parte da Ré, uma vez mais de forma expressa e clara quando a Meritíssima Juíza perguntou à Ré/CC assim: …“Ah! Hum… Fez partilhas com a sua irmã na qual foi feita esta partilha em concreto que estamos aqui a falar. Quando se fez a partilha, acordaram ou falaram alguma coisa sobre esta passagem?” ao minuto [00:16:43] responde claramente que NÃO! -Ora, em jeito conclusivo é óbvio que se a Meritíssima Juíza formulou a questão à ré pela forma audível na gravação ao seu depoimento, isto é, questionando-a se aquando da escritura de Partilha falaram alguma coisa sobre a passagem…. É por demais evidente e subentende-se da questão assim formulada que o Tribunal estava convicto da existência da passagem que o pai da Ré já vinha mantendo desde há mais de 20, 30, 40 ou 50 anos, e, a própria Ré assim o confirmou como supra mencionado / transcrito! E, se este o fez, na titularidade e na qualidade de único dono das quatro parcelas (facto provado – ponto 5 última parte, embora o art.º ... só o viesse a adquirir juridicamente por Sentença em 1999 na referida acção de preferência), será necessariamente, audível e dado como provado e admitido que, contrariamente ao que o Tribunal deu como “não provado” nas al. a), b), c) deveriam ser tais factos, em conformidade com a fundamentação mencionada, dados como provados e, por conseguinte, deveriam constar na al .a) Factos Provados da sentença, sob pena de indesculpável e até paradoxal injustiça atento à prova acima descrita. Estes sim constituem, dentre os demais, aqui invocados, os concretos pontos da matéria de facto que deverão, necessariamente, ser alterados por esse Venerando tribunal para que se faça Justiça, em conformidade com o aqui alegado. Não se poderia concluir matéria diferente, como erradamente resulta da sentença em apreciação, porquanto é sabido que o Tribunal concluiu e apurou que o prédio era todo vedado com muros altos/paredes e que inexiste qualquer outra passagem a sul junto ao caminho da ..., nem em qualquer outro local (alínea d) e e) dos factos não provados – pag. 10 da Sentença, facto que deverá consequentemente ser dado como provado). 13. Ora, se assim era, e, sabendo todas as testemunhas (como disseram) que o Pai da A. / esposa e Ré, por mais de 40 ou 50 anos cultivou os artigos ..., ..., 237 e ..., tinha, necessariamente, ele, que entrar pelo único pontão através do qual acedida com veículos animais, a pé, a cavalo, ou mais tarde e após os anos 50 com veículos motorizados para ir buscar erva/feno/produtos hortícolas etc… para os animais ao artº ..., frutas e amêndoa artº 237, e, sempre pelo mesma rodeira / passagem/servidão. 14. De resto, o mesmo fizeram ao A.A. não só após as partilhas por óbito de KK, mas o que também já demostrava e fazia o A/marido antes do seu Sogro falecer por via da procuração que este seu sogro e esposa lhe outorgaram, pois era a pessoa em quem sempre depositaram máxima confiança ! … 15. É, por demais óbvio e concludente que essa passagem existia, como existe nos termos assinalados supra e na P.I. … E, nem se diga que também “poderiam passar mais a nascente ou Poente”, pois tal não poderia ocorrer. 16. Na verdade, como a Meritíssima Juíza apurou na Inspecção Judicial realizada ao local no dia 6/4/22 (Vd. Acta de Audiência). 17. Deveria o Tribunal, ante essa Inspecção, verificado e feito constar de auto que desde as proximidades do tanque da água na parte mais a ..., do prédio com o artº ...38, e sensivelmente, desde aí até à Parte mais a Nascente, confinante com o imóvel ...37 (dos A.A.) , e, seguindo essa linha divisória ou estrema, existe um muro em perpianho, e um desnível de cota nos dois terrenos com cerca de 1 metro que não permitiria que a passagem fosse por aí feita pelo Pai, nem pelas Partes, pois não era, nem poderia ser um local de passagem atento àqueles dois factores físicos. 18. Pelo que, quando o Tribunal dá como provado no n.º 10 que tanto poderia passar ou circular mais a Poente ou Nascente, partindo do portão da Rua ... conforme o terreno estivesse agricultado ou lavrado, mais alagado ou mais seco… Este facto não é, nem poderia ser dado como provado, nem o pai da A/esposa e Ré poderia passar para lá do tanque no sentido nascente da linha divisória dos dois terrenos, considerando como ponto inalterável de apoio ao raciocínio o tanque em pedra aí existente, já que existe , como acima dito, um acentuável desnível de cota. 19. Logo improvável esta tese do Tribunal, e, embora provando-a que existe e havia uma passagem, tal servidão/rodeira estava sempre fixa/inalterável, permanente no mesmo lugar com o aspecto de dois trilhos duros, não para nascente mas sim a poente do tanque ou entre este e a agueira, embora mais distante desta devido ao terreno que nessa área era alagadiço e por isso, KK, como os próprios AA durante mais de 20 anos nunca puderam, sequer, aproximar (contrariamente ao que diz a Ré) essa rodeira mais junto à referida agueira como pretende fazer crer a Ré! Esta é a realidade dos factos. 20. – Alterando o Tribunal de Recurso esta matéria, que se encontra, s.m.o., provada nos autos em conformidade com a prova testemunhal produzida, fotografias aéreas e a realidade de facto resultante dos terrenos em causa, seria, naturalmente, levado a concluir pela servidão de passagem/rodeira descrita na P.I., assim fazendo como é desejável a justiça do caso concreto. 21. Finalmente, e, por todas as razões supra apresentadas, os pontos 7, 8, 9, 10 e 11 de factos provados, deveriam conter redacção compatível não só com o traçado descrito relativo à passagem existente, mas de acordo com o traçado que os AA descreveram, acrescentando-se que essa passagem, rodeira, servidão não era feita por: 22- Trajectos indefinidos e por diversos locais desde a Rua ..., cfr. as épocas do ano! 23- Aliás, como disseram as testemunhas nos seus depoimentos transcritos supra, ao afirmarem que, ao contrário, o trajecto era imutável e o aspecto, bem como o fundamento da sua existência era sempre o mesmo, qual seja: servia para KK como os AA, após a Partilha, acederem aos seus dois artigos para colher fruta e amêndoa no art.º 237 ou erva e feno, se fosse para se dirigir ao art.º ..., ambos dos AA, por via da alegada Partilha no ano de 2003… 24. Nem doutra maneira poderia ocorrer, seja, da “forma indiscriminada a nascente ou a poente, pois, daquele lado nascente existia e existe a parede divisória que não lhes permitia passar com os descritos meios ! 25. Aliás, a este propósito o Tribunal aquando da inspecção ao local, verificou este facto, contudo, o mesmo não resulta, s.m.o., vertido ou espelhado em qualquer Auto de Inspecção… como seria suposto, uma vez que as partes e o Tribunal se deslocaram e fizeram a inspecção referida nos termos do art.º 490 e 493 do CPC, que por isso, em nossa opinião se encontrarão também violados. O que se invoca. 26. Pois, não vislumbramos aparentemente, qualquer Auto de Inspecção, que reproduza e donde se leia ou conste a configuração de facto da matéria atendível quanto à existência física da servidão actual visível no local e no espaço reivindicada pelos AA, localização e outros elementos, designadamente o supra mencionado muro divisório e desnível, entre os prédios com os artºs 238 ( da Ré ) e artº 237 ( dos AA)… Donde se reitera tal omissão que redunda, necessariamente na NULIDADE processual acima invocada. 27. Do pedido Reconvencional; -O Tribunal absteve-se de conhecer do pedido reconvencional formulado pela Ré, nos termos do artº 608 nº 2 do CPC. Porém; -Os AA requereram na sua PI o direito à sua servidão por destinação do pai de família e não outra; -A Ré apresentou a sua reconvenção admitindo; Por um lado a existência dessa servidão, Pelo outro que se declarasse extinta por desnecessidade. -Ora, salvo melhor opinião , a Ré cometeu um acto inócuo , ou melhor um verdadeiro acto inútil ou desnecessário. Vejamos; Duas razões: -Se a acção fosse dada por improcedente, e, infelizmente, foi, nos termos do artº 608 do CPC, o Tribunal absteve-se de conhecer do Pedido Reconvencional. -Se declarasse a existência de tal servidão, como se espera venha ser declarado por esse Venerando Tribunal, e, neste caso, será que V.Exªs vão conhecer do pedido reconvencional? -Obviamente que sim …. Mas, necessariamente terão de o declarar improcedente, pois as servidões por destinação do pai de família não se extinguem pela via requerida pela Ré. -Sem embargo, deverá dizer-se que é pertinente, no mínimo, que esse Venerando Tribunal conheça do Pedido Reconvencional , por duas vias a saber; Primeiramente, porque terá de se debruçar e decidir sobre um facto que nos parece importante realçar e que indicia a existência da servidão de passagem que a própria Ré admite, ainda que, de forma mais ou menos encapotada/dissimulada, e, esta admissão / confissão pode e tem com certeza interesse para a boa decisão da causa dando como bom e provado tal facto; Em segundo lugar, porque em qualquer uma das circunstâncias, e, seja como for, se é a Ré que deu lugar ou origem ao referido pedido, por sua vontade exclusiva e correndo todos os riscos assim assinalados, então só à Ré será de imputar as custas processuais a que deu origem com o mesmo Pedido Reconvencional … Ainda que do mesmo se não conheça. Têm ainda dúvidas ao AA que da contestação/reconvenção se tenha aposto o valor certo em tal articulado, quando é certo que os AA deram o valor de 16.000,00€ à acção, o que não sucede na contestação / reconvenção resultando apenas o montante de 8.000,00 euros. O que inviabilizaria , s.m.o, o seu recebimento e, neste caso uma vez mais teriam de as suportar ( artº 532 nº 2 e 4 do CPC). Norma que, tal como as acima mencionadas (artº 1549 e 342 do CC deverão ser declaradas violadas. Pelo exposto R. a V. Exªa que alterando os concretos pontos dos nºs 7, 8, 9, 10 e 11 dos factos provados fls. 5 da sentença , bem como o facto ínsito nos Ponto ii de fls. 23 (1º§ ) da mesma sentença e considerando como supra mencionado pelas testemunhas nos concretos momentos das suas declarações, supra melhor assinalados, bem como resulta da prova documental fotos anexas, e, outros documentos a este recurso anexos, certamente , a servidão de passagem terá de ser declarada existente nos termos descritos desde os artºs 11 a 16 da PI à data da morte do Pai de A/esposa e Ré, como se espera ocorra em conformidade com a fundamentação acima melhor exposta. A recorrida contra-alegou, defendendo a confirmação integral da decisão recorrida, e dizendo em síntese (nossa): a) o presente recurso não obedece, minimamente, aos trâmites processuais legalmente exigidos, pelo que deverá ser, de imediato, rejeitado. b) caso tal não suceda, a pretensão de alteração da matéria de facto provada e não provada deve ser totalmente julgada improcedente. c) os Recorrentes/Apelantes pretendem a junção de documentos. A junção de documentos, nesta fase processual, é inadmissível. E os Recorrentes/Apelantes não apresentam, sequer, qualquer justificação para o seu comportamento. Assim, no mínimo, devem ser desentranhados os documentos e restituídos aos apresentantes. d) A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura, é inteligível, mostra-se bem fundamentada, analisa de forma criteriosa a prova produzida e realiza uma correcta interpretação/aplicação da Lei. II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber: a) se foi bem fixado o efeito do recurso (os recorrentes queriam efeito suspensivo) b) Se é admissível a junção dos documentos que os recorrentes pretenderam juntar c) se foi validamente impugnada a decisão sobre matéria de facto; d) se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto; e) Se a aplicação do Direito foi bem feita; III A sentença considerou provados os seguintes factos: 1) Pela inscrição Ap. ...65 de 2010/11/29, encontra-se registado a favor dos autores o prédio rústico situado em Vinculo, Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sobre o artigo ...36, com área de 1312m2 composto por uma terra de cultivo e árvores de fruto, a confrontar a Norte com DD (actualmente com os autores), Sul com EE (actualmente os aqui autores), nascente com estrada Municipal e poente com caminho público, descrito na conservatória do registo predial sob o número ...87. 2) Pela inscrição Ap. ...65 de 2010/11/29, encontra-se registado a favor dos autores, o prédio rústico situado em Vinculo, Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sobre o artigo ...37, com área de 1312 m2 composto por uma terra de cultivo e árvores de fruto, a confrontar a Norte com FF (actualmente com a aqui ré), a sul com GG (actualmente os aqui autores) Nascente com estrada Municipal e poente com caminho público, descrito na conservatória do registo predial sob o número ...19. 3) Encontra-se inscrito, sob o artigo ..., na matriz predial rústica da Freguesia ..., concelho ..., em nome da ré, o prédio rústico situado em ..., composto de terra de cultivo de batata e centeio, a confrontar do Norte com JJ, Sul com DD, Nascente Estrada Municipal e Poente caminho público, omisso na Conservatória do Registo Predial ...; 4) Encontra-se inscrito, sob o artigo ..., na matriz predial rústica da Freguesia ..., concelho ..., em nome da ré, o prédio rústico situado em ..., composto de terra de cultivo de batata, a confrontar do Norte com LL, do Sul com II, Nascente Estrada Nacional e Poente caminho público, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...13. 5) Os quatro imóveis acima referidos constituíram, em tempos, uma única unidade predial, designada por Vínculo, sendo assim agricultada, em todo o seu cumprimento e extensão, pelo avô paterno da autora mulher e da ré e, após, pelo pai da autora mulher e da ré. 6) A parte mais a sul, correspondente aos dois prédios hoje dos autores, era destinada a lameiro e árvores de fruto e a parte mais a norte, hoje correspondente aos dois prédios da ré, era destinada a horta. 7) Dentro do Vínculo, para se aceder às parcelas que o compunham, não havia trajectos definidos, sendo que o trânsito se fazia, partindo do portão contíguo à Rua ..., por diversos locais dentro do prédio, conforme as necessidades e as épocas do ano. 8) Ora, atravessando o prédio no sentido norte-sul, em todo o seu cumprimento, para, na parte mais a sul recolher erva para os animais e tratar as árvores de fruto. 9) Ora lavrando toda a parte mais a norte para aí semear batatas, cebolas, couves e outros. 10) Circulando mais a poente ou nascente, partindo do portão da Rua ..., conforme o terreno estivesse agricultado ou lavrado ou mais alagado ou mais seco. 11) O que faziam, o avô paterno e posteriormente o pai da autora mulher e da ré, servindo-se quer de veículos de tracção animal, a pé, ou a cavalo, e mais recentemente tractor agrícola, com ou sem reboque, sendo que, quando assim era, estes, entravam, pelo portão contíguo à Rua .... 12) O que assim aconteceu, por mais de 40), 50), 60) ou 70) anos, à frente de toda a gente e sem oposição de quem nisso tivesse interesse, com a convicção e certeza de que não ofendiam terceiros. 13) O vínculo, enquanto unidade predial – facto 5) - foi, em data não concretamente apurada, dividido em quatro parcelas que vieram a dar origem aos prédios identificados em 1) a 4), 14) KK, pai da autora mulher e da ré, faleceu em .../.../2000. 15) Por escritura pública de renúncia de usufruto e partilha por óbito de KK, outorgada a 17-06-2003 no Segundo Cartório Notarial de..., a autora mulher e a ré, por si e na qualidade de procuradoras de sua mãe, MM, declararam proceder à partilha dos bens do dissolvido casal composto que foi por seus pais, KK e MM, nos termos constantes de fls. 13 a 38 do apenso B dos presentes autos e que aqui se dão por reproduzidos, aí tendo, designadamente, adjudicado o prédio descrito em 1) e 2) aos aqui autores e o prédio descrito em 3) e 4) à ré. 16) Da escritura de partilha referida em 15) consta, entre o mais, “ (…) Mostraram os outorgantes singular interesse em que constasse desta escritura que entre os usos e costumes apenas se mantêm: a) -os prédios das verbas números vinte e nove, trinta, trinta e um e trinta e dois continuam a utilizar, como até aqui, as águas da mina do loureiro e do tanque junto da eira, ficando afastada, em relação a todos os outros prédios, a servidão a que se referem os Artigos 1390°, número um e 1549°, ambos do Código Civil. b) -Que os prédios urbanos referidos nas verbas números doze e treze continuam onerados com servidão de aqueduto, não aparente, como até aqui, para o transporte das águas referidas no parágrafo anterior. Mais convencionam que estão de acordo em que seja derrubada uma varanda e mais cinco compartimentos, situados entre a sala de jantar da verba número doze, a poente, e um palheiro a nascente. O muro de meação norte/sul que suporta os compartimentos antes referidos será mantido, sendo reduzido á altura de um ... no espaço correspondente á largura do lagar e o restante será reduzido de modo a não ultrapassar a altura de um metro e meio acima do nível do terraço. Fica esclarecido que a confrontação Norte/Sul das verbas números doze e treze é definida por uma parede de meação que parte de um caminho de consortes a poente e vai terminar num palheiro a Nascente incluído este na verba número treze. Cada uma das outorgantes obriga-se ainda a prestar alimentos à sua mãe, aqui representada, a referida MM, enquanto viva, durante um semestre em cada ano. (…)”. 17) Em data não concretamente apurada, mas situada em meados do segundo semestre de 2012, a ré cedeu uma pequena parcela à Junta de Freguesia ..., para alargamento da Rua ..., tendo esta, após a obra, (re)colocado um portão, no acesso nascente, à Rua .... 18) Em Novembro de 2012, os autores remeteram à ré notificação judicial avulsa, notificando-a para, entre o mais, “a) se abster da prática de actos que impeçam ou perturbem a utilização, pela requerente, da dita servidão de passagem, a pé, com carros de tracção animal ou veículos mecanizados a partir do caminho que parte da porta com início na Rua ... e se prolonga no sentido norte/sul, paralelo à Rua ..., sobre os prédios da requerida até atingir os prédios da requerente; b) para manter limpo o rego que conduz as águas provenientes da mina do 'loureiro desde o tubo de descarga até atingir o primeiro prédio da requerente matriciado com o artº. ... e abster-se de perturbar o acompanhamento da água); para proceder de imediato à entrega à requerente de uma chave no caso de instalar algum portão na entrada que confina com a Rua .... d) -para se abster de lavrar a parcela de terreno normalmente utilizada como caminho de servidão de passagem. 19) Em data não concretamente apurada, mas situada nos finais do ano de 2018, os autores solicitaram à ré autorização para, por meio dos prédios identificados em 3) e 4), acederem aos seus prédios e daí retirarem diversas máquinas e utensílios, ao que a ré anuiu. 20) Em data não concretamente apurada, mas situada em meados do primeiro semestre de 2019, a ré instalou uma fechadura nova no portão da entrada, junto à Rua ... e fechou esse portão à chave; 21) A ré não entregou cópia dessa chave aos autores. 22) Em 25 de Julho de 2019, a Junta de Freguesia ... remeteu aos autores comunicação escrita, com o seguinte teor: “Nas atribuições das freguesias no domínio de protecção civil conforme a alínea g) do nº 2 do artigo 7º da lei 75/2013 de 12 de Setembro, a Junta de Freguesia ..., tendo verificado que os prédios de vossa excelência sitos no vinculo entre a Av. ... e a Rua ..., em ..., inscritos na matriz pela Freguesia ... sob os artigos rústicos nº ...36 e ...37, estão cheios de infestantes muito altas e secas, o que representa um perigo em caso de incêndio para as pessoas e para as casas vizinhas, vem por este meio, notificar vossa excelência para, com a maior brevidade, proceder á capinagem e limpeza dos referidos terrenos a fim de evitar qualquer dano”. 23) Em Setembro de 2019, os autores instauraram procedimento cautelar de restituição provisória da posse, que constituiu o apenso B dos presentes autos, contra a aqui ré, peticionando que lhe fosse restituída a posse do caminho alegado e a entrega das chaves da fechadura do portão. 24) O qual, por sentença proferida em 09.10.2019, foi julgado procedente, ali se determinando, entre o mais, “(…) restituição pela requerida da posse do caminho identificado em -6 da factualidade provada e que dá acesso aos prédios rústicos identificados em -1 e -2 da factualidade, condenando a Requerida a entregar, no prazo de 3 dias uma cópia da chave da fechadura do portão que dá acesso ao caminho e cujo encerramento impede o acesso ao caminho e ao terreno dos requerentes, bem como condenar aquela a não perturbar a posse dos Requerentes. (…)” 25) Os prédios dos autores, descritos em 1) e 2), confrontam, a poente com o caminho público da ... e, a nascente, com a estrada municipal. 26) O caminho público da ... tem uma largura variável, iniciando com cerca de 3 metros de largura, e que varia, ao longo da sua extensão, sendo na parte que confronta com o limite sul dos prédios dos autores, inferior a 3 metros. 27) Na parte em que os prédios dos autores confrontam com o caminho público da ..., existe um desnível, suportado por um muro de terras e pedras, situando-se o caminho em cota superior, cota essa variável em altura, ao longo da extensão do caminho, em cerca de 1 a 3 metros. 28) O muro de suporte, referido em 27) é constituído, de onde a onde, por pedras diferentes entre si. 29) No sentido norte-sul, atenta a Rua ..., na parte em que os prédios descritos em 1) a 4) confrontam com o caminho da ..., corre uma linha de água, condutora de águas pluviais públicas, que atravessa todo o prédio, em todo o seu cumprimento, desembocando na extrema sul/poente do prédio dos autores. 30) Na parte em que os prédios dos autores confrontam com a estrada municipal, esta situa-se numa cota inferior, existindo um desnível, em cerca de 2 metros de altura. 31) Pode ser aberta uma passagem de acesso a partir do caminho público e/ou Estrada Municipal até aos prédios dos autores. 32) Desde a data referida em 20) até ao decretamento da providencia cautelar – facto 24) – os autores não acederam aos seus prédios. b. Factos Não Provados a) Nos prédios identificados em 3) a 4) existia uma rodeira, com dois trilhos duros, bem calcados no chão, com cerca de 3 a 4 metros de largura, que se iniciava e inicia ainda hoje no portão que existe na parede Norte do prédio da Ré contiguo à Rua ..., e estende-se desde este portão, no sentido Norte/Sul, com 50/70 metros de comprimento, atravessando os dois imóveis rústicos propriedade da Ré, sempre pelo seu lado mais a poente, próxima ao rego da água até alcançar o prédio com o artº ...37, propriedade dos autores. b) Os autores têm utilizado o caminho referido em a) sem oposição de ninguém, à frente de toda a população de ... e com a convicção de que usavam um direito próprio e não ofendiam terceiros. c) O caminho referido em a) é o único meio para os autores acederem ao seu prédio. d) Os autores destruíram, há cerca de seis/sete anos, uma rampa/acesso que lhes permitia aceder ao seu terreno através do caminho público da ..., a pé, com tractor, animais ou máquinas, e) É visível, no local, o “remate”, em pedra (diferente da antiga, ali, existente), que os AA., ali, fizeram, para acabar com qualquer acesso a partir do caminho público. IV Conhecendo do recurso. 1. O efeito do recurso Os recorrentes, ao interpor o recurso, afirmam que o mesmo deve ter efeito suspensivo, nos termos do art. 647º,4 CPC, “atento ao enorme prejuízo que para os AA resultaria, Conquanto resulta da discussão da presente causa a existência duma Servidão de passagem/rodeira que tem dado acesso e, para já, ainda dá, a dois imóveis/parcelas cultivadas e produtivas, aos AA pertencentes, fazendo a única ligação desde a via pública, até essas propriedades. Sem esta passagem, aliás, ficarão tais parcelas numa situação de encrave o que se tende a evitar com o presente recurso. Podendo, se assim não fosse, prejudicar seriamente os imóveis que poderiam deixar de ser cultivados aí deixando, nessas circunstâncias, de entrar ou sair máquinas agrícolas que os possam cultivar e manter produtivos e verdejantes”. A recorrida pronunciou-se dizendo que ao recurso deve ser atribuído efeito meramente devolutivo (cfr. art. 647º, nº. 1 CPC). E os Recorrentes/Apelantes não invocam e não cumprem os requisitos estabelecidos nesse artigo para virem requerer a atribuição ao recurso do efeito suspensivo. O Tribunal recorrido decidiu assim: “Nos termos do artigo 647º, n.º 4, do Código de Processo Civil, o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efectiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal. Assim, não obstante os fundamentos expostos, verifica-se que, cumulativamente, os recorrentes deveriam ter prestado caução, o que não sucedeu, pelo que se indefere a requerida atribuição de efeito suspensivo à decisão recorrida, atribuindo-se ao recurso efeito meramente devolutivo (cfr. artigo 647.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil)”. Quid iuris ? Dispõe o art. 647º,1 CPC que a apelação tem efeito meramente devolutivo, excepto nos casos previstos nos números seguintes. De seguida o legislador elenca os vários tipos de acções em que a apelação tem efeito suspensivo. E finalmente, no nº 4 acrescenta uma cláusula geral: “Fora dos casos previstos no número anterior, o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efectiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal”. Para nos ajudar a interpretar este normativo, vamos recorrer ao CPC anotado de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa: “a atribuição casuística de efeito suspensivo nos termos do nº 4 não prescinde da iniciativa do recorrente, a integrar no próprio requerimento de interposição de recurso, juntamente com a alegação de factos que permitam concluir pela verificação do específico periculum a que a lei se reporta (v. g. prejuízo considerável decorrente do levantamento imediato da providência cautelar). Simultaneamente, o requerente (recorrente) deve deduzir o incidente de prestação de caução, indicando não apenas o valor que oferece como ainda a modalidade e o modo de efectivação da caução (art. 913º,1 ex vi art. 915º,1)”. É quanto basta para confirmar a decisão da primeira instância, pois os recorrentes não se ofereceram, de todo, para prestar caução nem nada disseram quanto à mesma. Assim, como já tinha ficado dito, embora de forma tabelar, no despacho de inscrição em tabela, o efeito meramente devolutivo foi bem fixado. 2. A junção de documentos com as alegações de recurso. Na parte final das suas alegações, os recorrentes escrevem: “pelo exposto R. a V. Exªa que alterando os concretos pontos dos nºs 7,8,9,10 e 11 dos factos provados fls. 5 da sentença, bem como o facto ínsito nos Ponto ii de fls. 23 (1º§) da mesma sentença e considerando como supra mencionado pelas testemunhas nos concretos momentos das suas declarações, supra melhor assinalados , bem como resulta da prova documental fotos anexas, e, outros documentos a este recurso anexos, certamente , a servidão de passagem terá de ser declarada existente nos termos descritos desde os artºs 11 a 16 da PI à data da morte do Pai de A/esposa e Ré, como se espera ocorra em conformidade com a fundamentação acima melhor exposta”. Tanto quanto conseguimos discernir, os recorrentes nem sequer se dignaram fundamentar a junção tardia de documentos, seja explicando, documento a documento, por que razão é que documentos que pelos vistos eles consideram importantes para a decisão não foram juntos no momento processual certo (com o articulado respectivo), seja citando as normas jurídicas que poderiam dar cobertura à sua pretensão de junção dos mesmos nesta fase de recurso. Dispõe o art. 651º CPC, sob a epígrafe “Junção de documentos e de pareceres”: 1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. A regra é pacífica: a junção de prova documental “deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, Almedina, p. 191). Estatui o artigo 425º CPC que, depois “do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, resultando do artigo 423º do mesmo diploma que os documentos deverão “ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes” (nº 1), ou “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado” (nº 2), ou até ao encerramento da discussão, desse que a sua “apresentação não tenha sido possível ate aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” (nº 3). Assim, estando em plena instância de recurso, como acontece agora, em face do preceituado nos artigos 425º e 651º,1 CPC, a admissibilidade da junção de documentos com as alegações assume carácter excepcional e ocorre apenas em duas situações: a) se a junção do documento não foi possível até àquele momento, isto é, nos casos de impossibilidade objectiva ou subjectiva de junção anterior do documento ou b) se a junção do documento se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância. A parte que pretenda juntar documentos, designadamente com as alegações de recurso, deve justificar o carácter superveniente da junção, seja ele de ordem objectiva seja ela de ordem subjectiva (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit, pág. 191). Quanto à impossibilidade objectiva a mesma decorre de o documento só ter sido produzido após o prazo-limite previsto no artigo 423º,2 CPC e a prova da impossibilidade da sua junção aos autos pela parte até àquele prazo limite decorre naturalmente da análise do teor do próprio documento. Quanto à impossibilidade subjectiva a mesma decorre da parte só ter tido conhecimento da existência do documento ou dos factos a que o mesmo se reporta após o decurso daquele prazo limite, apesar do documento respeitar a factos anteriores ao decurso desse prazo e poder ser anterior ao mesmo; nesta, a prova da impossibilidade da junção do documento no prazo previsto no referido artigo 423º,2 não se basta com a mera alegação que a parte só teve conhecimento da existência do documento após o decurso do prazo, antes deverá ser alegado e provado que o desconhecimento em relação à existência do documento não ficou a dever-se a negligência da parte, uma vez que a impossibilidade pressupõe que o desconhecimento da existência do documento não derive de culpa sua. Relativamente à junção de documento em fase de recurso com fundamento de que essa junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância tem a mesma como pressuposto que essa decisão contenha elementos de novidade, isto é que tenha sido, de todo, surpreendente para o apresentante do documento, face ao que seria de esperar em face dos elementos do processo; é o que ocorre designadamente nos casos em que a decisão se baseou em meios de prova cuja junção foi oficiosamente determinada pelo tribunal, em momento processual em que já não era possível à parte carrear para os autos o documento, ou em que se fundou em preceito jurídico ou interpretação do mesmo, com a qual aquele não podia justificada e razoavelmente contar. Veja-se a propósito o recente Acórdão desta Relação de 30/10/2019, proferido no P. nº 763/18.7T8GMR.G1 (Relatora- Raquel Baptista Tavares): “Relativamente à junção de documento em fase de recurso com fundamento de que essa junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância tem a mesma como pressuposto que essa decisão contenha elementos de novidade, isto é que tenha sido, de todo, surpreendente para o apresentante do documento, face ao que seria de esperar em face dos elementos do processo; é o que ocorre designadamente nos casos em que a decisão se baseou em meios de prova cuja junção foi oficiosamente determinada pelo tribunal, em momento processual em que já não era possível à parte carrear para os autos o documento, ou em que se fundou em preceito jurídico ou interpretação do mesmo, com a qual aquele não podia justificada e razoavelmente contar”. Assim, se o documento era necessário para fundamentar a acção ou a defesa antes de ser proferida a decisão da 1ª Instância e se esta se baseou nos meios de prova com que as partes razoavelmente podiam contar (depoimentos ou declarações de parte, declarações das testemunhas, documentos, prova pericial ou por inspecção judicial, arrolados e requeridos pelas partes ou oficiosamente determinadas pelo juiz, mas neste caso, em momento processual em que ainda era possível às partes juntar o documento) não se pode dizer que a junção aos autos do documento com as alegações ocorre em virtude do julgamento realizado pela 1ª Instância. E mais não é necessário dizer, porque os recorrentes nem sequer tentaram justificar a junção tardia dos documentos. E assim, não se admite a respectiva junção, determinando-se sejam os mesmos desentranhados e restituídos, após trânsito em julgado deste acórdão. 3. Cumprimento do ónus imposto pelo art. 640º CPC A recorrida começa as suas contra-alegações por dizer que o presente recurso deverá ser de imediato rejeitado. Sobretudo no que diz respeito à impugnação sobre a matéria de facto, diz, os recorrentes/apelantes não dão cumprimento ao disposto no artigo 640º do CPC, porquanto, não especificam os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados (nº 1, alínea a)); e não justificam qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (nº 1, alínea c)). Cremos que, com efeito, assiste razão à recorrida. Pelas razões que invoca e ainda outras. Como é sabido, há regras apertadas para poder impugnar a decisão sobre matéria de facto. Constam do art. 640º CPC os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158): “a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a); c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc); d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”. Ora, salvo o devido respeito, o teor das alegações apresentadas pelos recorrentes revela-se confuso, denotando uma insanável confusão entre matéria de facto e matéria de direito. Fazendo um esforço de compreensão e de síntese de tal peça, verificamos que, no corpo das alegações, os recorrentes: 1. impugnam o facto provado nº 7, sem todavia dizer qual a decisão que entendem que o Tribunal deveria ter proferido; 2. afirmam que o facto não provado a) deve ser dado como provado; 3. afirmam que o facto provado 13 tem de ser alterado; Porém, quando vamos ler as conclusões, deparamo-nos com o seguinte: 1. Afirmam que os factos não provados a), b) e c) devem passar a provados; 2. os factos não provados d) e e) devem passar a provados; 3. o facto provado 10 não pode ser provado; 4. “os factos provados 7, 8, 9, 10 e 11 deveriam conter redacção compatível não só com o traçado descrito relativo à passagem existente, mas de acordo com o traçado que os AA descreveram, acrescentando-se que essa passagem, rodeira, servidão não era feita por: 22- Trajectos indefinidos e por diversos locais desde a Rua ..., cfr. as épocas do ano!” Em primeiro lugar, o óbvio: a estrutura de um requerimento de recurso contém uma parte principal, onde é feita a exposição completa de todas as razões de discordância em relação à decisão recorrida, e a parte das conclusões, na qual, para usar os termos da lei, o recorrente “conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Ou seja, as conclusões, óbvia e manifestamente, são uma súmula do que ficou dito antes. Não é possível suscitar questões na súmula que não tenham já sido tratadas no corpo principal das alegações. Todavia, os recorrentes conseguiram fazê-lo. Como acabámos de ver, no corpo das alegações, na parte que titulam “b. da análise a matéria de facto”, apenas impugnam o facto provado nº 7, sem todavia dizer qual a decisão que entendem que o Tribunal deveria ter proferido; e afirmam que o facto não provado a) deve ser dado como provado. Porém, nas conclusões, que deveriam ser uma súmula do que disseram antes, alargam a impugnação aos factos não provados b) e c), d) e e), que dizem que devem passar a provados, ao facto provado 10, e ainda referem de forma vaga e logo processualmente inócua, que os factos provados 7, 8, 9, 10 e 11 (note-se a repetição do facto provado 10) deveriam conter redacção compatível não só com o traçado descrito relativo à passagem existente, mas de acordo com o traçado que os AA descreveram (…). Escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, página 133) que “[O] Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)” mas também que importa que “não se exponenciem os requisitos a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” e que, por outro lado, “quando houver sérios motivos para rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto; quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia; ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados (…)”. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, página 770, referem que “na jurisprudência do Supremo é notória a prevalência do entendimento no sentido de evitar a exponenciação dos ónus que a lei prevê nesta sede ou fazer deles uma interpretação excessivamente rigorista a ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e de ser denegada a pretendida reapreciação da matéria de facto”. Sobre tal questão, veja-se o que escreve Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 128 e 129: “Pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1.ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. (…) Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”. Todas as vertentes deste ónus são fundamentais: se “a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto”, “a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do art. 662.º do CPC (Acórdão do STJ de 19-02-2015, Relator - Tomé Gomes). E o sentido e alcance destes requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no nº 1 do art. 640º do CPC têm de ser “equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto” (Ac. STJ de 22.10.2015, Relator – Tomé Gomes). É essencial para a boa administração da justiça este rigor na verificação do cumprimento do ónus imposto ao recorrente de facto. Visa-se assim evitar abusos, nomeadamente sob a forma de recursos vagos ou pouco estruturados, com o único objectivo de retardar o trânsito em julgado, o que poderia vir a criar situações atentatórias dos princípios da celeridade e da economia de meios. Ora, no caso destes autos, o recurso interposto padece de quase todos os males acabados de citar. Em primeiro lugar, ao incluir nas conclusões a referência a pontos de facto que se pretendem impugnar que não foram previamente mencionados no corpo das alegações, impede que a Relação conheça dos mesmos. Ao invés, ao incluir no corpo das alegações a referência a uma “necessidade de alteração” de um facto, que depois é de todo omitido nas conclusões, igualmente nos impede de conhecer desse ponto. Em segundo lugar, a impugnação genérica, sem indicação exacta de qual a resposta de facto que deveria ser dada impede igualmente que se conheça do recurso nessa parte. Assim sendo, apenas a pretensão dirigida ao facto não provado a), que os recorrentes entendem que deve ser dado como provado, está em condições de ser conhecida, sendo que em relação aos demais pontos de facto decide-se pela imediata rejeição do recurso (art. 640º,2,a CPC). 4. Vejamos então. O facto não provado a) é o seguinte: “a) Nos prédios identificados em 3) a 4) existia uma rodeira, com dois trilhos duros, bem calcados no chão, com cerca de 3 a 4 metros de largura, que se iniciava e inicia ainda hoje no portão que existe na parede Norte do prédio da Ré contiguo à Rua ..., e estende-se desde este portão, no sentido Norte/Sul, com 50/70 metros de comprimento, atravessando os dois imóveis rústicos propriedade da Ré, sempre pelo seu lado mais a poente, próxima ao rego da água até alcançar o prédio com o artº ...37, propriedade dos autores”. Os recorrentes, em resumo, afirmam que ao não dar este facto como provado, o Tribunal contradiz não só a sua própria tese que construiu na análise à prova testemunhal, a qual disse ser convincente, como entrou em manifesto paradoxo do qual não mais se libertou. E igualmente se insurge por o Tribunal ter, na sua expressão, contrariado os registos documentais fotográficos de 1986, 1999, 2010 e seguintes, juntos por ambas as partes aos autos os quais revelam a existência da referida rodeira com dois trilhos duros bem calcados no chão, que se iniciava e inicia no portão insistente na parede norte do prédio da ré e se estende no sentido norte sul com cerca de 50 a 70 metros de comprimento. Para tanto alegam que não deveriam ter sido postergadas as declarações das testemunhas NN, OO, PP, QQ e RR, todas elas credíveis, espontâneas e verdadeiras. Ora bem. Antes de entrar na apreciação da prova neste caso concreto, importa tecer algumas considerações de âmbito geral. A definição dos parâmetros que permitem ajuizar da existência de um erro de julgamento, ou de qualquer outro vício da decisão que leve a uma alteração da decisão da matéria de facto consta do artigo 662º,1 CPC, que dispõe que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. O que está em discussão, nestes autos, é essencialmente matéria de facto. Assente esta, a solução jurídica torna-se óbvia, quase automática. Como é pacífico, as pretensões que envolvem direitos reais e se baseiam na usucapião ou outras formas de aquisição de direitos reais, envolvem a demonstração em Tribunal de um conjunto de factos de posse material, sobre o terreno reivindicado. A experiência judiciária demonstra-nos que neste tipo de litígios a solução não irá emergir de um só meio de prova, isolado, mas sim da apreciação global de todas as provas apresentadas, pois na verdade, o que está em discussão não é saber como está a parcela de terreno actualmente, mas sim como estava e foi usada no passado. É toda uma reconstrução histórica que tem de ser feita. O Juiz comporta-se como um historiador, que tem de apurar factos pretéritos e para isso tem de recorrer às fontes disponíveis. E todas as “fontes” são importantes, pois é da combinação e da apreciação integrada de todas elas que os factos do passado poderão ser conhecidos no presente. Queremos reforçar a ideia de apreciação global de todas as provas, e de negação da apreciação pontual desta ou daquela prova isolada. Prosseguindo. A principal prova, neste género de litígios, acaba por ser a prova pessoal, seja por testemunhas, seja por depoimentos ou declarações de parte. Ora, se a prova testemunhal fosse uniforme, e a totalidade ou a esmagadora maioria das testemunhas ouvidas dissesse a mesma coisa, a solução seria fácil e incontroversa. Mas isso não sucede. Logo, não é da simples audição do depoimento de algumas testemunhas que irá emergir, linearmente, a solução do caso, incontroversa e incontestável, porque o que elas nos dizem não é sempre a mesma coisa. A maior parte das vezes dizem coisas díspares. Foi o que sucedeu aqui. Donde, a busca da verdade passa por perceber que a credibilidade a dar a cada uma das testemunhas ouvidas varia. A arte estará em perceber quais merecem credibilidade e quais não merecem, fundamentadamente. Sendo que a prova testemunhal, por definição, não é tarifada, estando sujeita à regra da livre apreciação (art. 607º,5 CPC). Dito isto, os recorrentes assentam o recurso num conjunto de depoimentos testemunhais e nas declarações de parte do autor, que consideram que foram totalmente credíveis, desvalorizando o que as outras testemunhas disseram. No fundo, dizem que o Tribunal recorrido não soube valorar devidamente os vários depoimentos em causa, e que não deu credibilidade a quem a mereceu ou deu-a a quem pensam não a teve. Ou seja, os recorrentes têm da prova produzida uma interpretação diversa da que o Tribunal recorrido teve. A priori, numa situação destas, um recurso da decisão sobre matéria de facto assente apenas no entendimento dos recorrentes, necessariamente divergente do entendimento do Tribunal, estará, na esmagadora maioria dos casos votado ao fracasso. Para obter vencimento, os recorrentes têm de demonstrar que houve erro de julgamento por parte do Tribunal recorrido, e não apresentar apenas a sua interpretação da prova. Mais concretamente, teria de demonstrar que a análise integrada da prova feita na sentença está errada, e explicar porquê. Importa ainda ter presente algumas limitações[1] com que esta Relação se depara, que não existiram no julgamento feito na primeira instância. Primeiro, “a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação da imagem (video) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no Tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, o olhar e outras expressões faciais, sendo que a mera gravação audio dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância. Na verdade existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”[2]. Dito de outra forma, o registo audio da prova não permite captar aquilo que a Psicologia designa de “comunicação não-verbal”. E para um juiz que tem perante si testemunhos divergentes sobre os mesmos factos essenciais, essa comunicação não-verbal assume uma grande importância na conclusão final sobre a veracidade dos depoimentos. Por outro lado, ainda, foi notório que ao longo da audiência de julgamento quase todas as testemunhas e as partes que prestaram depoimentos/declarações foram sendo confrontadas com documentos juntos aos autos, nomeadamente fotografias, e foram acompanhando o seu depoimento com a indicação de pontos nesses documentos, apontando com o dedo para pontos da fotografia, outra prova que escapa completamente à análise desta Relação. Finalmente, outra prova, importantíssima, que foi produzida na primeira instância mas que escapa totalmente à percepção desta Relação, é a inspecção ao local. A Juiz do processo foi ao local e pode aperceber-se das características do mesmo, como aliás se vê da leitura da motivação da decisão de facto. E essa prova directa, obtida pela percepção imediata do Julgador a olhar para o terreno em causa, sua configuração, delimitações e confrontações, também está, por definição, fora do alcance desta Relação. Mas, dito isto, vamos agora então descer ao concreto, e analisar a decisão e sua fundamentação, para verificar se dessa análise ressalta a existência de algum erro manifesto, contradição, ou alguma incoerência ou implausibilidade, que coloque sérias dúvidas sobre a justeza da decisão. E, adiantando a solução, não vemos qualquer erro ou contradição na decisão recorrida. É nosso entendimento que quando a decisão recorrida está correcta e bem fundamentada, a Relação não precisa de (nem deve) procurar uma argumentação alternativa ou paralela para chegar ao mesmo resultado. Isto para dizer que bem andou o Tribunal recorrido em julgar não provado que “nos prédios identificados em 3) a 4) existia uma rodeira, com dois trilhos duros, bem calcados no chão, com cerca de 3 a 4 metros de largura, que se iniciava e inicia ainda hoje no portão que existe na parede Norte do prédio da Ré contiguo à Rua ..., e estende-se desde este portão, no sentido Norte/Sul, com 50/70 metros de comprimento, atravessando os dois imóveis rústicos propriedade da Ré, sempre pelo seu lado mais a poente, próxima ao rego da água até alcançar o prédio com o artº ...37, propriedade dos autores”. E a razão (ou conjunto de razões) pela qual esta decisão está correcta é também a que vem exposta na decisão recorrida, e que, após a audição de toda a prova gravada, vamos agora aqui reproduzir, na parte relevante, com total concordância: “Atendeu ainda o Tribunal ao depoimento das testemunhas arroladas pelos autores, NN, OO, PP e SS (comum aos autores e ré), os quais, tendo trabalhado para o pai da autora mulher e da ré, no vínculo, o fizeram em diferentes períodos temporais, sendo o NN só após o ano de 2014, o OO ante de 1997, posto que entre 1997 e 2010 esteve em ..., o JJ entre 1977 e 1978, o QQ entre 1985 e 1987 e, por fim, o SS entre 1991 e 1995. Concretamente, a testemunha NN conta-nos que o prédio chegou a ser todo lavrado, afirmando, contudo, existir uma rodeira para ir à parte mais a sul buscar erva; referiu também que desde que os prédios 3) e 4) são da ré que não são cultivados; a testemunha OO confirma a existência da rodeira, que não era cultivada, e que o tractor só podia passar por ali, vindo do portão da Rua ...; refere também que desde que os prédios 3) e 4) são da ré que não são cultivados; a testemunha PP, que conduzia o tractor, ainda em vida do sr. AA, contou-nos que não entrava a eito no prédio, se estivesse semeado encostava o tractor mais a Rua ..., se estivesse lavrado entrava pelo meio, mas que nunca entrou de qualquer maneira, porque o terreno era todo lavrado e semeado; por sua vez , a testemunha QQ, conta que fazia sempre o mesmo trilho e mais afastado da Rua ..., porque nessa parte o terreno era mais húmido e o tractor podia enterrar; de outro passo, a testemunha SS confirmando aqueloutras declarações de PP, afirma que o sr AA cultivava tudo e quando o terreno estava semeado passava com o tractor, mais perto do muro da Rua ..., mas afirma que no funda a rua ... existia um talude com saída para essa rua; por fim RR referindo nunca ter conhecido outra passagem, sendo que a passagem se fazia pelo meio, e ainda que se semeasse a passagem ficava livre. Do depoimento destas testemunhas, que linearmente se afigurou genuíno, claro e conciso, salvo diferenças de pormenor, julgamos nós verificáveis pela circunstância atrás referida de todos eles terem conhecido e/ou trabalhado no vínculo, em momentos temporais diferentes, pôde o Tribunal recolher a primitiva configuração geométrica do vinculo, destinando-se a parte sita a sul, hoje dos autores, a lameiro e pomar e a parte mais a norte, hoje da ré, a horta e, bem assim, que o Sr AA para se deslocar dentro do vínculo teria sempre que atravessar outras partes do mesmo prédio, iniciando-se sempre no portão contíguo à Rua .... Todas estas testemunhas explicaram igualmente que na parte confinante com o caminho da ... existe um muro de suporte das terras, dada a diferença de cota, situando-se o caminho em cota superior, sendo ainda que no mesmo corre uma linha de água, condutora de águas pluviais públicas, que atravessa todo o prédio, contíguo ao muro de suporte, em todo o seu cumprimento, desembocando numa gateira confinante com o prédio sito na confrontação sul, o que fazia com que aquela parte do terreno fosse mais húmida. Explicaram também que por vezes os autores limpavam essa linha de água e repunham pedras para sustentar e suportar o muro. Considerou igualmente o Tribunal o depoimento da testemunha TT, que trabalhou no Vinculo ainda em vida do Sr. AA, logo em data anterior ao ano de 2000, a testemunha UU, VV e WW, as quais, não tendo trabalhado no vínculo, mas dadas as relações de vizinhança e até familiares, com autores e ré, revelaram conhecimento dos factos, concretizando igualmente que os quatro prédios eram um só e que o falecido sr AA o trabalhava consoante as necessidades ou a melhor resposta do terreno, sendo que todo era agricultado/lavrado, por ele circulando conforme estivesse trabalhado, inexistindo caminho destinado a passagem. Por fim, considerou-se também o depoimento de XX, filha da ré, a qual, pese embora a relação de parentesco com a ré, confirmou que na sua infância o vinculo era um só, e assim conhecido e cultivado e também que o conflito entre autores e ré terá iniciado com a colocação do portão pela Junta de Freguesia. Todas as testemunhas ouvidas apresentaram depoimentos válidos e credíveis, sendo que os diferentes testemunhos não reflectiram qualquer interesse em beneficiar uma parte em detrimento da outra justificando, cada um, e pormenorizadamente a sua razão do conhecimento dos factos sobre que se achava a declarar. Da conjugação destes depoimentos e das suas contradições, com as fotografias aéreas e o levantamento perimetral, pôde o Tribunal concluir, nos termos consignados na factualidade provada e designadamente que o Vinculo era todo lavrado e semeado, pelo que para se deslocarem dentro do mesmo os proprietários, ou colaboradores, o faziam de forma a cuidar o que estivesse no momento, se lavrado passavam a eito, se semeado encostavam mais à berma a poente, no sentido do caminho da .... De igual forma ficou o tribunal convencido que os problemas entre autores e ré se terão iniciado com a questão do portão colocado pela Junta de Freguesia, pelo ano de 2012. Quanto aos factos julgados não provados, assim resultaram de nenhuma prova ter sido efectuada quanto aos mesmos apta a contrariar o convencimento do Tribunal acerca da matéria de facto provada, acima motivada ou de estarem em contradição com os factos dados por provados ou de encerrarem, em si, matéria conclusiva, juízos de valor ou conceitos de direito. Assim, Quanto aos factos julgados não provados elencados em a) assim resultou à míngua de outras provas do alegado, que sustentasse a tese dos autores, pelo que sucumbiu linearmente a demonstração do mesmo. Com efeito, e pese embora o autor em sede de declarações de parte tenha defendido a tese da existência de uma rodeira, em vida do avô e pai da autora mulher e da ré, o que é facto é que as suas declarações foram, nesse particular, frontalmente contrariadas pelas declarações de parte da ré. Acresce que não se pode olvidar que o autor e também a ré, no caso, não se assumem como pessoas imparciais e equidistantes, sendo, ademais partes directamente interessadas na demanda, pelo que os seus depoimentos, na parte divergente, não foram considerados particularmente válidos para efeitos de motivação da matéria de facto. Na verdade, em situações como a presente, em que os intervenientes processuais directos são pessoas que se encontram numa situação de conflito, as regras da experiência impõem especiais cautelas na valoração do que seja declarado, procurando aferir da existência de eventual parcialidade ou o interesse directo no desfecho do processo. Por outro lado, cabia aos autores o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arrogavam, nos termos do artigo 342.º/1 do Código Civil. Tendo isto presente, acresce dizer que não apresentaram os autores uma especial e fidedigna razão de ciência que permitisse às suas declarações ganhar uma dignidade e relevância valorativa acrescidas, em detrimento das da ré. E tanto assim que as declarações do autor não colheram, nos demais meios probatórios constantes dos autos, com especial incidência na prova testemunhal ouvida, corroboração periférica que conferisse maior credibilidade e relevância à tese por si apresentada. Na verdade, parte das testemunhas que não apresentaram qualquer relação familiar com os autores – e em relação às quais não se vislumbra, de acordo com um critério objectivo, qualquer interesse na solução do litígio - deram, elas próprias, como acima melhor se explanou, versões contraditórias acerca da matéria sob escrutínio, sendo certo que a circunstância de as mesmas terem trabalhado no Vinculo em períodos temporais distintos, sempre obstaria a que o seu teor fosse determinante para que o Tribunal optasse por uma das veiculadas teses fácticas contraditórias. Acresce que, ainda que as testemunhas arroladas pelos autores, nos diferentes momentos temporais que circunstanciava o seu conhecimento dos factos, tenham relatado a existência de uma passagem no terreno, o que é facto é que todas as testemunhas foram, igualmente, concordantes em que, à data, o prédio era um só, donde, e inevitavelmente, o proprietário para chegar à parte mais a sul, teria que o atravessar, de alguma forma, o que se afigura manifestamente insuficiente para se concluir, como pretendem os autores, que o antigo proprietário colocou um dos prédios ao serviço do outro. E nem se diga que tal conclusão resulta das fotografias aéreas juntas pelas partes, e não impugnadas, uma vez que das mesmas tampouco assim se pode concluir. Desde logo, porque, e tendo as fotografias sido captadas em diferentes anos – 04-08-1986; 07-04-1999; 21-08-2010; 30-11-2010; 11-12-2012; 22-03-2013; 28-01-2014 – não se vislumbra, em todas, a mesma imagem, isto é, uma rodeira com os concretos contornos alegados pelos autores, sem olvidar que da sua ponderação apenas podemos retirar o que resultava no prédio, no concreto e exacto momento em que a imagem foi colhida, sendo tal insuficiente para concluir o estado do prédio, ou a existência da rodeira, no dia, mês ou ano anterior à fotografia e, igualmente, no dias que se seguiram à mesma até à nova captação. Note-se, ademais, que nenhuma das fotografias foi captada na mesma altura do ano, ainda que em diferentes anos. Ora, resultando das regras da experiência comum que, em matéria de agricultura, os prédios se trabalham sazonalmente, preparando primeiro as terras para depois as cultivar, tampouco da análise das imagens colhidas se consegue concluir pela permanência do caminho visível, posto que o prédio era susceptível de apresentar diferentes configurações, atendendo ao diferente destino que lhe era dado. (…) De todo o modo, tudo visto e ponderado, conclui-se que, em função da prova que foi produzida a este respeito, persistiu, neste particular, o Tribunal em dúvida quanto à verdade material, dita ontológica, pelo que se convocou a verdade processual, cujo critério é ditado pela regra prevista no artigo 414.º CPC. E assim, a dúvida sobre a realidade dos factos sob escrutínio foi resolvida contra a parte a quem o facto aproveitava, em tese à ré, pelo que se deram os mesmos como não provados”. Ora, com efeito, não há como discordar desta decisão. Os recorrentes adoptam uma tese fácil e linear, que é dizer que quem falou verdade foram as testemunhas por si arroladas, e que as testemunhas arroladas pela ré foram para a audiência mentir. E constroem o seu requerimento de recurso na base desse postulado: o de que o que as testemunhas por si arroladas falaram é verdade, tem o valor de escritura, e quem tenha dito o contrário ou coisa diversa mentiu ou caiu em contradição. Não é assim. O que o Tribunal recorrido disse, e que esta Relação confirma, é que apesar dos depoimentos divergentes das várias testemunhas ouvidas, não foi possível ao Julgador formar a convicção de qual das versões em confronto era a verdadeira e qual a falsa. Isto porque todas elas, pela forma como os depoimentos foram prestados, mereceram sensivelmente a mesma credibilidade. Por vezes é possível, pela forma como os depoimentos são prestados, por alguma contradição intrínseca de quem os presta, perceber quem está a falar verdade e quem está a mentir. Não é o caso destes autos. Outras vezes a solução para detectar a verdade passa pelo recurso a elementos objectivos, como os que resultam da ida do Tribunal ao local, ou como o recurso a mapas, plantas e fotografias. Mas também não se passou assim neste caso, em que desses elementos de prova, como aliás o Tribunal recorrido não se esqueceu de dizer, não resulta nada que esclareça o ponto principal do litígio, o qual é saber se no tempo do antigo proprietário do Vinculo, este criou uma passagem dentro do seu prédio que tenha ficado marcada com sinais físicos no terreno, a tão propalada “rodeira”. Nestas situações, que não são desejáveis, mas que por vezes também não são evitáveis, a única solução é, como bem disse o Tribunal recorrido, o recurso à verdade processual, em detrimento da verdade objectiva, e decidir o caso conforme as regras do ónus da prova constantes do art. 342º CPC. O que no caso concreto consistiu em decidir contra a parte onerada com a prova do facto. Como o facto em causa era constitutivo do direito que os autores se arrogam sobre o prédio da ré, a dúvida levou a julgar tal facto como não provado. Decisão que confirmamos na íntegra. E assim, a matéria de facto provada e não provada mantém-se inalterada. Julgamento da matéria de direito Nas alegações de recurso, os recorrentes, depois de se pronunciarem sobre a impugnação da decisão sobre matéria de facto, iniciam o capítulo seguinte de tal peça processual com a expressão “DO DIREITO”. Antes de passarmos à tarefa de procurar acompanhar a pretensão dos recorrentes quanto à matéria de direito, vejamos em traços largos o que a sentença decidiu. Uma vez que não há nestes autos controvérsia quanto ao direito de propriedade de autores e ré sobre os prédios supra identificados, vamos concentrar-nos exclusivamente na questão da servidão de passagem por destinação de pai de família. Nos presentes autos os autores começam por invocar uma servidão constituída por destinação do pai de família. Afirma-se na sentença recorrida: “resulta do citado artigo 1549º CC., ser pressuposto da constituição da servidão por destinação de pai de família, entre o mais já acima mencionado, a existência de sinais visíveis e permanentes postos ao serviço de um dos prédios, no momento da separação do domínio; sinais existentes de quando era o mesmo o titular dos prédios e que demonstrem a passagem de uma parte para a outra do prédio, sendo que não é indispensável que os sinais existam em ambos os prédios. Podem os sinais estar em ambos ou apenas num dos prédios, visto a lei falar explicitamente nos sinais postos em um ou em ambos”. Com base nos factos provados e não provados, o Tribunal a quo considerou que não ficou demonstrado o preenchimento de um dos requisitos exigidos por lei, a existência de uma relação estável de serventia de um prédio a outro - a dita destinação. Considerou que competia aos autores a alegação e prova de que a famigerada “rodeira”, que constituiria a servidão formada por destinação de pai de família, pré-existia em relação ou à divisão dos terrenos ou à separação dos proprietários, conforme o caso, por se tratar, como vimos, de facto constitutivo do direito a que os mesmos se arrogam. - artigo 342º nº 1 do Código Civil. Foi justamente o que não se provou. E daí a conclusão, certíssima, da improcedência da acção. Na fase seguinte, a sentença igualmente afastou a possibilidade de declarar a constituição da servidão por usucapião. E termina dizendo: “ainda que os factos assim o permitissem, o que não sucede, nunca o Tribunal poderia declarar constituída por usucapião uma servidão de passagem no caso que se analisa, já que os autores não pedem, nem mesmo subsidiariamente, que se constitua a servidão de passagem a favor do seu prédio, nem sequer que se lhes reconheça o direito a passarem – o que poderia permitir, com algum esforço, consoante a formulação adoptada, uma convolação nos termos do artigo 609.º do Código de Processo Civil”. E acrescentamos agora nós, os autores também não apresentaram uma causa de pedir baseada no art. 1550º CC (servidão legal em benefício de prédio encravado), nem formularam o respectivo pedido, apesar de aqui e ali terem feito referência a precisarem do acesso pelo prédio da ré, por não terem outro. Mais considerou o Tribunal recorrido que tendo sido julgado improcedente o pedido de reconhecimento da constituição da servidão de passagem ficava prejudicada a apreciação do mérito do pedido reconvencional -artigo 608.º/2, primeira parte do Código de Processo Civil - o que se determina. Perante isto, o que pretendem os recorrentes ? Vêm falar na extinção da servidão por desnecessidade, o que não se compreende, pois o Tribunal não julgou sequer constituída a servidão. Depois vêm pretender contrariar o juízo do Tribunal a quo com base no que rezam os documentos que agora pretendeu juntar, e a prova testemunhal supra avaliada. Cremos não ser necessário dizer mais nada. Depois continuam, imputando ao Tribunal erros no julgamento da matéria de facto, como se essa não estivesse já julgada e definida, e ao contrário do que os próprios recorrentes inculcaram com o rótulo “DO DIREITO”. A seguir vêm pronunciar-se sobre o mérito do pedido reconvencional, aquele que a sentença recorrida nem sequer apreciou, por o ter considerado e bem prejudicado. E, se bem percebemos, vêm os recorrentes dizer que o Tribunal a quo deveria ter conhecido do pedido reconvencional. Desconhecemos por que razão os recorrentes vêm falar do pedido reconvencional, um pedido formulado contra eles, e apenas a título subsidiário, pois nem legitimidade têm para tal, nem interesse em agir. Apenas sabemos que nada temos de decidir sobre tal matéria. Ainda, os recorrentes afirmam isto: “É que, Venerandos Desembargadores, se a Meritíssima Juíza conhecesse do Pedido Reconvencional formulado e o tivesse analisado, certamente teria de concluir pela procedência da Acção, como estamos certos, pois, o referido facto, que deu origem à sua Reconvenção (existência da servidão do Pai de família) faria com que, necessariamente, a P.I. fosse julgada procedente!” Não cremos que haja nada a responder nesta parte. Verifica-se também que os recorrentes, na sua conclusão 26 referem: “pois, não vislumbramos aparentemente, qualquer Auto de Inspecção, que reproduza e donde se leia ou conste a configuração de facto da matéria atendível quanto à existência física da servidão actual visível no local e no espaço reivindicada pelos AA, localização e outros elementos, designadamente o supra mencionado muro divisório e desnível, entre os prédios com os artºs 238 ( da Ré ) e artº 237 ( dos AA)…Donde se reitera tal omissão que redunda, necessariamente na NULIDADE processual acima invocada”. Aqui mais uma vez estamos perante uma questão (que em si nos parece incompreensível) que aparece nas conclusões mas não no corpo das alegações, constituindo mais uma vez uma inversão da lógica legal, pelo que não iremos conhecer da mesma. Ainda afirmam os recorrentes que “comete, nova injustiça ao condenar os AA nas custas totais do processo, quando é certo que as guias a que deu causa a Reconvenção, salvo melhor opinião devem ser pagas pela Parte que as provocou, seja, a Ré”. Ora, lendo a sentença recorrida, apenas vemos, na parte final do segmento decisório, isto: “não obstante o reconhecimento da propriedade do terreno reivindicado pelos autores, entende-se que, atenta a irrelevância prática de tal reconhecimento, deverão ser estes a suportar a totalidade das custas da presente acção, nos termos do art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil”. Este segmento, inteiramente correcto, prende-se apenas com o facto de o pedido de reconhecimento do direito de propriedade formulado pelos autores não constituir um verdadeiro pedido, no sentido de uma pretensão autónoma dirigida ao Tribunal, antes constitui um pressuposto para o verdadeiro pedido, o de reconhecimento da servidão de passagem. O que significa que, ao contrário do que os recorrentes afirmam ou parecem afirmar, a sentença recorrida não os condenou nas custas da reconvenção. Como tal, nada há a decidir quanto a esta “pretensão”. Em conclusão, os recorrentes não impugnam verdadeiramente a aplicação do direito aos factos provados. O que fazem é misturar factos com direito e vir novamente à carga com a versão dos factos que insistem que deveria ser provada. O recurso improcede totalmente. V- DECISÃO Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, e confirma na íntegra a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes (art. 527º,1,2 CPC). Data: 23.3.2023 Relator (Afonso Cabral de Andrade) 1º Adjunto (Alcides Rodrigues) 2º Adjunto (Joaquim Boavida) [1] Que, apesar de tudo, não são impeditivas de uma reapreciação total da prova com vista à formação da convicção do Juíz da Relação. [2] Conselheiro Abrantes Geraldes, ob cit, fls. 286. |