Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | JOSÉ FERNANDO CARDOSO AMARAL | ||
| Descritores: | EXPROPRIAÇÃO EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA DIREITO À INDEMNIZAÇÃO FALTA DE ALEGAÇÃO DE FACTOS NULIDADE DA SENTENÇA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 05/18/2017 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1º SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I. Se, em processo expropriativo, no requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral, pela expropriada, nenhuma questão foi suscitada a propósito de eventuais prejuízos para o conjunto da exploração agrícola, alegando os indispensáveis factos concretos relativos aos mesmos e aos pressupostos da correspondente indemnização e formulando pedido em conformidade com a natureza da mesma e susceptível de ser enquadrado na previsão normativa do artº 31º, nº 2, do Código das Expropriações, o tribunal não pode oficiosamente arbitrar, com recurso à equidade, uma indemnização a esse título, em cúmulo com a devida pela das parcelas, nem condenar a expropriante a pagá-la. II. Fazendo-o, a sentença é nula, nos termos das alíneas d) e e), do nº 1, do artº 615º, do CPC. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Na sequência de ter sido, pelo Governo, declarada a utilidade pública das parcelas de terreno identificadas com os nºs 22, 22.1 e 22.2, a destacar de um prédio rústico, sito no Lugar AA, em Sabrosa, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº XXX e inscrito na matriz predial sob o artigo XXX, pertencente à expropriada BB, SA, e efectuada a respectiva vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, por decisão arbitral foi fixada, como indemnização a pagar pela expropriante Infraestruturas de Portugal, SA (ou Refer), a quantia de 20.936,12€, resultante dos valores parcelares de 9.826,05€ + 9.981,74€ + 1.128,33€. Após a adjudicação declarada por despacho judicial de 06-11-2014, aquela expropriada interpôs recurso da referida decisão. Nele alegou, em suma, que esta padecia de “vícios clamorosos”, pois não ponderou que, nas parcelas, se desenvolvia a produção biológica de azeitona da qual se retirava azeite de qualidade “premium” diferente dos do mercado e só ali possível em função das variedades de oliveiras existentes e das especiais condições do local (marginal ao Rio Douro); não foi considerado o preço por que ela própria o vende mas apenas o da azeitona; os árbitros foram “excessivamente comedidos” quanto à capacidade de produção das árvores, só considerando a de 12,5 kg por cada uma quando deviam ter considerado 15 kg; foi feita incorrecta referência e consideração do valor da verba quanto ao apoio dado à cultura do olival; e há falta de fundamentação clara da fórmula de cálculo de apoio à manutenção de socalcos. Por isso, refazendo os cálculos de acordo com os valores e parâmetros por si preconizados, concluiu pedindo que a justa indemnização, resultante da soma do valor real das três parcelas, fosse globalmente fixada em 91.202,14€ (a actualizar). O recurso foi admitido por despacho de 23-02-2015, tendo a expropriante apresentado contra-alegações, pugnando pela sua improcedência. Foi ordenada e efectuada a avaliação por meio de peritagem (profusamente ilustrada com fotos que bem retratam o local e as características e aptidões das parcelas, bem como as árvores lá existentes), tendo os peritos nomeados pelo Tribunal e o perito indicado pela expropriante concluído pela indemnização no valor global de €8.356,72, ao passo que o perito indicado pela expropriada concluiu pelo de €92.302,14 (superior ao pedido por esta). Foram prestados esclarecimentos e, depois, inquiridas testemunhas. Nas alegações subsequentes, a expropriada reiterou a argumentação e pretensão aduzidas no recurso. Por sentença de 05-03-2017 (fls. 997 a 1018), foi decidido: “a) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto a fls. 207-222 pela expropriada BB, S.A., fixando-se o valor da indemnização devida pela entidade expropriante INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., relativamente à expropriação das parcelas 22, 22.1 e 22.2, em € 40.936,12 (quarenta mil, novecentos, trinta e seis euros e doze cêntimos), por referência à data da Declaração de Utilidade Pública, a actualizar até à presente data, de acordo com o índice de preços no consumidor, com exclusão de habitação; b) Condenar a entidade expropriante INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. e a expropriada BB, S.A. no pagamento das custas da instância recursiva, na proporção do seu decaimento, que se fixa em 3/10 e 7/10, respectivamente – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. “ Apenas a expropriante não ficou satisfeita, tendo dela interposto recurso para este Tribunal, cujas alegações terminou com umas denominadas conclusões(1) nestes termos: “1. Nos termos do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, publicado no Diário da República, 1.a série, n.º 104, de 29 de maio de 2015, a Rede Ferroviária Nacional REFER E.P.E. incorporou, por fusão, a EP - Estradas de Portugal, S.A., foi transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., mantendo o seu número de matrícula e de identificação fiscal. 2. Segundo determina o n.º 1 do artigo 23.° do Código das Expropriações, a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data. 3. O valor total estabelecido por arbitragem para as parcelas em referência é de € 20.936,12 € (vinte mil, novecentos e trinta e seis euros e doze cêntimos), sendo: • Parcela n. ° 22 - 9.826,05 € (nove mil, oitocentos e vinte seis euros e cinco cêntimos); • Parcela n.º 22.1 - 9.981,74 € (nove mil, novecentos e oitenta e um euros e setenta e quatro cêntimos); • Parcela n.º22.2 - 1.128,33 € (mil, cento e vinte e oito euros e trinta e três cêntimos). 4. Por considerar a indemnização global estabelecida por arbitragem como o montante máximo a pagar à expropriada, incluindo todos os prejuízos decorrentes da expropriação, a REFER E.P.E. à qual sucedeu a IP, S.A., não recorreu da decisão arbitral, pelo que aceitou o valor aí estabelecido. 5. Posteriormente, o laudo de peritagem maioritário, subscrito pelos peritos nomeados pelo Tribunal e o perito da entidade expropriante, estabeleceu a indemnização total de € 8.356,72 (oito mil trezentos e cinquenta e seis euros e setenta e dois cêntimos), sendo: • Parcela n.º 22 - 5.061,90 € (cinco mil sessenta e um euros e noventa cêntimos); • Parcela n.º 22.1 - 3.102,67 € (três mil cento e dois euros e sessenta e sete cêntimos); • Parcela n.º 22.2 - 192,67 € (cento e noventa e dois euros e sessenta e sete cêntimos). 6. Na douta sentença "a quo", a páginas 17, é referido que tem "sido entendimento jurisprudencial dominante que no apuramento da justa indemnização se deve atender ao valor do bem no estado em que encontra à data da D. U P., "(. . .)e não em problemáticas projecções de possíveis e hipotéticos benefícios, visando tão somente reparar o prejuízo económico efectivamente sofrido pelo proprietário, não se considerando no âmbito da indemnização os lucros cessantes"" (Cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/11/1995, rel. Hugo Barata, proc. n.º 0006801 e de 11/07/2013, rel. Ondina Carmo Alves, proc. n.º 9/2002.L 1-2; o Ac. do Trib. da ReI. do Porto de 29/09/2016, rel. Carlos Portela, proc, n.º 3771/12.8TBVFR.P1, in www.dgsLpt). 7. No entanto, com base no disposto no n.º 2 do artigo 31.º do Código das Expropriações, que determina que se da expropriação resultarem prejuízos para o conjunto da exploração agrícola efetuada diretamente pelo proprietário, à indemnização correspondente acresce a relativa àqueles prejuízos, calculada nos termos gerais de direito, a douta sentença estabelece um montante de 20.000,00 € (vinte mil euros), com o qual a entidade expropriante não pode concordar. 8. A douta sentença "a quo", a páginas 17 a 19, refere que "cumpre salientar que esta indemnização é susceptível de ser conhecida, atendendo ao comando director previsto no artigo 5.º, n. º 3, do C.P. C. ("o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. “), pois tutela uma diminuição patrimonial que foi aventada nas alegações de recurso, ainda que com um enquadramento jurídico distinto". 9. Todavia, no caso em apreço, não se trata de "indagação, interpretação e aplicação das regras de direito", a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º do CPC, mas de alegados prejuízos, que não existem, para o conjunto da exploração agrícola que não foram peticionados pela expropriada, no recurso da decisão arbitral apresentado. 10. Ora, o Tribunal não pode decidir questões relativamente às quais os recorrentes não expressaram a sua discordância, pois se nada apontaram ao acórdão arbitral não pode agora a douta sentença decidir para além daquilo que constitui efetivamente o objeto do recurso da decisão arbitral. 11. Na verdade, o acórdão arbitral não reconheceu a existência de qualquer indemnização decorrente da interrupção de qualquer atividade comercial, industrial, liberal ou agrícola. 12. Pois, a expropriação das parcelas com área total de 5.724m2, localizadas numa estrema do prédio, em nada afeta a continuidade do conjunto da exploração agrícola do restante prédio, com a área de 754.361m2. 13. Ora, se a expropriada considerasse que tal indemnização era igualmente devida, teria certamente peticionado no seu requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral, o que não foi o caso. 14. De facto, os prejuízos a indemnizar, ao abrigo do n.º 2 do artigo 31.º do Código das Expropriações, têm de ser alegados e concretamente provados, não bastando considerações genéricas, que não são demonstrativas de efetivos prejuízos. 15. Assim, o valor de indemnização atribuído pela douta sentença "a quo" com base no n.º 2 do artigo 31.º do Código das Expropriações é inaceitável e fixado arbitrariamente, sem recurso a um critério fundamentado e plausível. 16. Na realidade, a própria sentença, na página 19, admite que "a materialidade provada não é suficiente para permitir a fixação do valor exacto do dano", quando a área expropriada representa apenas 1,9% (cfr. facto provado n.º 13) da capacidade produtiva da totalidade do olival. 17. Segundo determina o n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações, a justa indemnização visa "ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data". 18. "Com efeito, como dispõe o art. 609°, nº 1, do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformização de Jurisprudência, Processo n.º 1520/04.3TBPBLC1.S1-A, 6.a Secção, de 14.05.2015, disponível em www. dqsi.pt). 19. "Assim, quanto ao conteúdo, a sentença deve ater-se aos limites definidos pela pretensão formulada na acção, o que é considerado "núcleo irredutível" do princípio do dispositivo. É a essa pretensão assim definida que o tribunal está adstrito, não podendo decretar um outro efeito, alternativo, apesar de legalmente previsto" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformização de Jurisprudência, Processo n.º 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A, 6.a Secção, de 14.05.2015, disponível em www. dgsLpt). 20. "O objecto diverso do pedido - determina a nulidade da sentença, nos termos do art. 615°, nº 1, e), do CPC" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformização de Jurisprudência, Processo n.? 1520/04.3T8PBL.C1.S1-A, 6.a Secção, de 14.05.2015, disponível em www. dgsLpt). 21. "Ao autor incumbe formular e definir a pretensão. É direito que lhe assiste mas, ao mesmo tempo, é um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação - total ou parcial - contra si reverte" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformização de Jurisprudência, Processo n.º 1520/04.3T8PBL.C1.S1-A, 6.a Secção, de 14.05.2015, disponível em www. dgsLpt). 22. "Assim, se o autor não actua em conformidade, não exercitando, em toda a sua virtualidade, o aludido princípio, não pode mais tarde, ultrapassada a fase em que seria processualmente admissível a ampliação (cfr. art. 265°, nº 2, do CPC), pedir ao tribunal que supra a sua omissão, nem este o pode fazer oficiosamente. Se o fizer, estará a ferir de nulidade a sentença, nos termos referidos" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformização de Jurisprudência, Processo n.º 1520f04.3T8PBL.C1.S1-A, 6.a Secção, de 14.05.2015, disponível em www. dgsLpt). 23. "Aliás, se o tribunal o fizer incorre também em excesso de pronúncia, por apreciar questão não suscitada pelas partes, o que é igualmente causa de nulidade, nos termos do art. 615°, nº 1, d), do CPC" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformização de Jurisprudência, Processo n.º 1520f04.3TBPBL.C1.S1-A, 6.a Secção, de 14.05.2015, disponível em www. Dgsi.pt). 24. Deste modo, deverá ser decretada a nulidade da sentença, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.° do CPC. 25. No entanto, caso assim não se entenda, porque a REFER E.P.E., à qual sucedeu a IP, S.A., não recorreu da decisão arbitral, deverá ser mantido o montante total estabelecido nos relatórios de arbitragem, de 20.936,12 € (vinte mil, novecentos e trinta e seis euros e doze cêntimos), por corresponder ao valor total da justa indemnização, nos termos do n.º 1 do artigo 23.0 do Código das Expropriações. Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente: • Deverá ser decretada a nulidade da sentença, nos termos da alínea e) do n.º1 do artigo 615.° do CPC. • Caso assim não se entenda, deverá revogar-se a sentença recorrida e substituir-se por uma outra que decida a fixação da indemnização total das parcelas em 20.936,12 € (vinte mil, novecentos e trinta e seis euros e doze cêntimos), assim se fazendo inteira e merecida JUSTIÇA! ” A expropriada não respondeu. No despacho a que se refere o nº 1, do artº 641º, CPC, proferido em 04-05-2017, foi admitido o recurso como de apelação, ordenada a sua subida imediata, nos autos e com efeito meramente devolutivo, tendo o tribunal recorrido, quanto à nulidade arguida, dito expressamente, nos termos e para os efeitos previstos no nº 1, do artº 617º, CPC, que “…perpassa da fundamentação da sentença colocada em crise o motivo pelo qual a questão em apreço foi apreciada e a pertinência da sua ponderação. Julgo, pois, inverificada a nulidade arguida nas alegações de recurso.” Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. Daí a óbvia importância delas – para o tribunal e para as partes. No caso, apesar do já anotado, colhe-se do texto apresentado como tal pela apelante, que a única questão a decidir consiste em saber se a sentença é nula, na parte em que fixou a indemnização nos termos do artº 31º, nº 2, do Código das Expropriações, por condenar em objecto diverso do pedido e se pronunciar sobre questão não suscitada no recurso da decisão arbitral pela expropriada, nos termos do nº 1, do artº 615º, do CPC. III. FACTOS Além dos que, para o efeito, resultam do relato supra, fixam-se, por não impugnados nesta sede, como provados os elencados pelo tribunal a quo: “1. Pelo despacho n.º 207/2014, proferido em 17/12/2013, pelo Exmº. Sr. Secretário de Estado das Infra-Estruturas, Transportes e Comunicações, publicado na 2.ª Série do Diário da República de 07/01/2014 (n.º 4), foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno às quais foram atribuídos os n.ºs 22, 22.1 e 22.2, do prédio rústico sito na freguesia de Gouvinhas, concelho de Sabrosa, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 350 e inscrito na matriz predial sob o artigo 149.º. 2. As parcelas n.ºs 22, 22.1 e 22.2 possuem as áreas respectivas de 2.480 m2, 3.089 m2 e 155 m2. 3. Em 14/03/2014 efectuou-se a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” das parcelas n.ºs 22, 22.1 e 22.2, daí resultando que: a parcela 22 confronta do norte e nascente com o prédio mãe, do sul com a linha férrea e do poente com José Fernando Pereira de Oliveira e o prédio mãe; a parcela 22.1 confronta do norte e poente com o prédio mãe, do sul e nascente com a linha férrea; a parcela 22.2 confronta do norte e poente com o prédio mãe, do sul e nascente com a linha férrea; as parcelas desenvolvem-se ao longo da linha do Douro, do seu lado norte, numa extensão total aproximada de 485 metros lineares; a sul da linha férrea localiza-se o rio Douro; as parcelas situam-se no Alto Douro Vinhateiro; o solo das parcelas é xistoso, apresentando-se em taludes, com declive acentuado; as parcelas dispõem de 42 oliveiras de médio porte, à razão de 25 na parcela 22, 16 na parcela 22.1 e 1 na parcela 22.2; a parcela 22 dispõe de 5 amendoeiras de médio porte; no solo era visível alguma outra vegetação, designadamente, arbustos bravios e carrascos; as parcelas 22 e 22.1 dispõem, respectivamente, de 5 e 1 zambujeiros de médio porte; na parcela 22 existem 40,140 m3 de muros em xisto, em razoável estado de conservação; na parcela 22.1 existem 12,060 m3 de muros em xisto, em razoável estado de conservação; na parcela 22.2 existem 60,810 m3 de muros em xisto, em razoável estado de conservação; o estado de conservação das oliveiras denota a adopção de práticas agrícolas adequadas, como podas, controlo de infestantes, adubações e tratamentos fitossanitários; o prédio mãe dispõe de ligação à E.N. 322-2 e encontra-se servido de rede de energia eléctrica; de acordo com o P.D.M. de Sabrosa as parcelas integram as áreas privilegiadas de produção vinícola, encontrando-se as parcelas 22.1 e 22.2 abrangidas pela R.E.N.; as parcelas encontram-se em zona classificada como de encosta armada com muros. 4. O acesso às parcelas 22, 22.1 e 22.2 é realizado através do prédio mãe, mediante um caminho em terra batida com cerca de 2,50 metros de largura, cuja circulação é restrita a veículos de circulação integral. 5. A aquisição do direito de propriedade relativo ao prédio descrito sob o n.º 350 encontra-se registada a favor da expropriada, mediante a apresentação n.º 6 de 24/07/2008. 6. A expropriada produz azeite somente a partir das oliveiras localizadas no prédio descrito sob o n.º 350, entre as quais as referidas em 3. 7. O azeite produzido obedece aos critérios da agricultura biológica, embora não se encontre certificada como tal, recorrendo aos métodos produtivos tradicionais. 8. As oliveiras apresentam uma produtividade média anual de cerca de 12,50 quilos por árvore, sendo essa produção remunerada à razão de cerca de € 0,50 por quilo de azeitona. 9. O olival explorado pela expropriada apresenta diversas oliveiras com mais de cinquenta anos, algumas das quais localizadas nas parcelas 22, 22.1 e 22.2. 10. O azeite produzido pela expropriada apresenta características exclusivas, que se prendem com a localização (entre os 160 e os 220 metros), a exposição (a sul), o solo (xisto argiloso), a variedade da matéria-prima (resulta da combinação de quatro variedades de azeitonas, a saber, cobrançosa, verdeal, madual e negrinha de freixo), 11. O azeite produzido pela expropriada apresenta uma qualidade reconhecida no mercado, sendo comercializado a valores superiores a € 20,00 por litro, o que incorpora uma margem de lucro de cerca de 36,70 %. 12. A expropriada beneficia de subsídios estatais/comunitários com vista ao apoio de olival e de manutenção de socalcos. 13. As oliveiras indicadas em 3 representam cerca de 1,9 % do total das oliveiras existentes no prédio descrito sob o n.º 350. IV. DIREITO Na sentença, o tribunal a quo, depois de tecer considerações teóricas sobre a noção de expropriação, o conceito de justa indemnização, a finalidade desta e a classificação do solo em torno do AUJ 6/2013 – que ninguém havia questionado como sendo “apto para outros fins” –, entrando no cálculo do respectivo valor, começou por referir: “Verifica-se não ser possível, por falta de elementos, proceder à análise comparativa pressuposta pelo artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, do Código das Expropriações (cfr. fls. 288-291) pelo que cabe apelar ao critério previsto no n.º 3 desse normativo. Dispõe o n.º 3 do artigo 27.º do Código das Expropriações que caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 1 desse preceito por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo. Dito isto, se atentarmos nas alegações oferecidas por expropriada e expropriante, bem como no acórdão arbitral e no relatório pericial, verificamos que o cerne do litígio se prende com a interpretação deste normativo, em conjugação com o artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações, pois a expropriada e o perito que esta indicou propugnam que se deve calcular o rendimento proporcionado pelas parcelas tendo por referência o valor obtido pela expropriada com a comercialização de azeite, socorrendo-se das azeitonas colhidas no prédio descrito sob o n.º 350, entre as quais se contam as azeitonas que nascem nas oliveiras existentes nas parcelas 22, 22.1 e 22.2 e não pelo valor de comercialização dessas azeitonas, como defendem a expropriante, os árbitros e os restantes peritos. Segundo creio, o artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações, pressupõe que a justa indemnização deva ser “medida pelo valor do bem expropriado”, atendendo para tanto aos critérios valorativos do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações, ou seja, deverá ter-se em apreço o rendimento efectivamente proporcionado pelas parcelas 22, 22.1 e 22.2 e não também ao rendimento assegurado em conjunto com outros bens. Todavia, o valor acrescentado alcançado pela expropriada com a comercialização do azeite (v.g. a margem de lucro líquida resultante da venda desse produto), obtido a partir das azeitonas colhidas no prédio descrito sob o n.º 350, resulta da estruturação de um processo produtivo, que envolve diversas etapas a jusante da colheita dos frutos nas árvores, pelo que o lucro obtido não corresponde somente a um rendimento proporcionado pelo imóvel objecto de expropriação, dependendo da intervenção de outros factores produtivos alheios ao bem expropriado (v.g. o fabrico de azeite e o modo como se encontra implementada a comercialização do produto final), e, nessa medida, se se fizesse corresponder o rendimento do bem expropriado ao lucro obtido com a comercialização do azeite, estaríamos a englobar no rendimento fundiário a contribuição de outros bens para a obtenção desse lucro, ao arrepio do que resulta do disposto nos artigos 23.º, n.º 1 e 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações. Com efeito, o valor do bem expropriado, por via de regra, corresponderá ao valor de mercado do imóvel, ou seja, ao valor expectável para uma possível compra e venda 5, mas a mais-valia resultante da integração das azeitonas colhidas num processo produtivo detido integralmente pela expropriada não poderia ser incluída no custo de alienação do prédio, mas tão-somente a qualidade das azeitonas. 5 Cfr. Salvador da Costa, “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores Anotados e Comentados”, 2010, Almedina, pág. 146. Deste modo, afigura-se-me que para apurarmos o valor das parcelas expropriadas deverá recorrer-se a uma fórmula linear para apuramento do Valor Fundiário (V.F.), correspondente à divisão do Rendimento Fundiário (R.F.) pela Taxa de Juro Efectiva (T.), tendo por referência a produção de azeitonas proporcionada pelos bens expropriados, conforme sustentaram os árbitros e os peritos nomeados pelo Tribunal e o perito indicado pela expropriante, sem prejuízo daqueloutra diminuição patrimonial, atinente à comercialização do azeite, dever ser perspectivada à luz do regime positivado no artigo 31.º, n.º 2, do Código das Expropriações, como iremos ver. ”(2) De seguida, aderindo ao laudo dos peritos maioritários: “Posto isto, atendendo às características das parcelas, à natureza da olivicultura, à produção proporcionada pelas oliveiras e ao valor de comercialização das azeitonas, entendo ser de sufragar o critério propugnado pelos Srs. Peritos quanto ao montante do rendimento fundiário, à mensuração dos encargos produtivos e à taxa de capitalização (taxa de juro efectiva), pelo que deverá ser fixada a indemnização nos seguintes termos: I - Parcela 22: produção anual média das oliveiras: 25 oliveiras * 12,50 = 312,50 quilos/ano; valor bruto médio proporcionado pelas oliveiras: 312,50 quilos/ano * € 0,5 = € 156,25; valor líquido médio proporcionado pelas oliveiras: € 156,25 * 60 % (100 % - 40 % de encargos) = € 93,75; valor fundiário: € 93,75 / 2 % = € 4.687,50; II - Parcela 22.1: produção anual média das oliveiras: 16 oliveiras * 12,50 = 200,00 quilos/ano; valor bruto médio proporcionado pelas oliveiras: 312,50 quilos/ano * € 0,5 = € 100,00; valor líquido médio proporcionado pelas oliveiras: € 100,00 * 60 % = € 60,00; valor fundiário: € 60,00 / 2 % = € 3.000,00; III - Parcela 22.2: produção anual média das oliveiras: 1 oliveira * 12,50 = 12,50 quilos/ano; valor bruto médio proporcionado pelas oliveiras: 12,50 quilos/ano * € 0,5 = € 6,25; valor líquido médio proporcionado pelas oliveiras: € 6,25 * 60 % = € 3,75; valor fundiário: € 3,75 / 2 % = € 187,50. Por outro lado, como salientam os peritos nomeados pelo Tribunal e o perito indicado pela expropriante, não deverá ser incluída no cálculo do rendimento fundiário a perda correspondente à redução das ajudas à produção, pois não se trata de um rendimento proporcionado pelos bens expropriados, mas antes um apoio público de cariz eventual, cuja concessão poderá não ocorrer no futuro, sobretudo se atendermos à experiência dos tempos recentes, pautados pela austeridade das finanças públicas e compressão das prestações públicas. No entanto, ainda assim considero justificada a majoração aventada pelos referidos peritos, e, nessa medida, deverão os valores supra indicados ser incrementados em 0,03 €/m2, o que implica que aos valores fundiários das parcelas 22, 22.1 e 22.2 devam ser adicionados os montantes de € 74,40, € 92,67 e € 4,65, o que perfaz os valores globais de € 4.761,90, € 3.092,67 e € 192,15, respectivamente. Porém, como a este título o acórdão arbitral fixou a indemnização devida, relativamente às parcelas 22, 22.1 e 22.2, nos montantes respectivos de € 9,826,05, € 9.981,74 e € 1.128,33, e apenas a expropriada recorreu, não lhe podem ser atribuídos montantes inferiores, sob pena de violação dos princípios do pedido e da proibição da “reformatio in peius”6 – cfr. artigos 3.º, n.º 1, 609.º, n.º 1, 615.º, n.º 1, al. e) e 635.º, n.º 5, do C.P.C. 6 Cfr. os Ac. do Trib. da Rel. de Coimbra de 02/10/2012, rel. Henrique Antunes, proc. n.º 3811/09.8TBVIS.C1 e de 11/05/1999, rel. Nuno Cameira, proc. n.º 489/99, bem como o Ac. do Trib. da Rel. do Porto de 27/11/2014, rel. Aristides Rodrigues de Almeida, proc. n.º 903/11.7TBMTS.P1, in www.dgsi.pt.” Assim limitado, quedou-se pelo valor antes fixado na decisão arbitral: 20.936,12€. Depois, observou que não se pode conhecer da “questão” das benfeitorias porque – o que é certo – “nas suas alegações de recurso a expropriada não reagiu contra a não atribuição de uma indemnização no acórdão arbitral a este título”, o mesmo sucedendo quanto à depreciação da parte sobrante porque “também neste domínio a expropriada não reagiu contra a não atribuição de uma indemnização no acórdão arbitral, o que leva a que não possa o Tribunal conhecer de tal questão, por força do princípio do pedido”, o que também é verdade. Por fim, erigiu como outra questão a decidir e decidiu: “6) Da indemnização prevista no artigo 31.º, n.º 2, do Código das Expropriações: Tem sido entendimento jurisprudencial dominante que no apuramento da justa indemnização se deve atender ao valor do bem no estado em que encontra à data da D.U.P., “(…)e não em problemáticas projecções de possíveis e hipotéticos benefícios, visando tão somente reparar o prejuízo económico efectivamente sofrido pelo proprietário, não se considerando no âmbito da indemnização os lucros cessantes”8. 8 Cfr. os Ac. do Trib. da Rel. de Lisboa de 07/11/1995, rel. Hugo Barata, proc. n.º 0006801 e de 11/07/2013, rel. Ondina Carmo Alves, proc. n.º 9/2002.L1-2; o Ac. do Trib. da Rel. do Porto de 29/09/2016, rel. Carlos Portela, proc. n.º 3771/12.8TBVFR.P1, in www.dgsi.pt. Porém, dispõe o artigo 31.º, n.º 2, do Código das Expropriações, que se da expropriação resultarem prejuízos para o conjunto da exploração agrícola efectuada directamente pelo proprietário, à indemnização correspondente acresce a relativa àqueles prejuízos, calculada nos termos gerais de direito. No caso concreto, verifica-se que a expropriada produz azeite somente a partir das oliveiras localizadas no prédio descrito sob o n.º 350, entre as quais se contam as oliveiras existentes nas parcelas 22, 22.1 e 22.2, obedecendo tal produção aos critérios da agricultura biológica (embora não se encontre certificada como tal), recorrendo aos métodos produtivos tradicionais. Provou-se também que o prédio dispõe de várias oliveiras com mais de cinquenta anos, para além do azeite produzido apresentar características exclusivas, que se prendem com a localização (entre os 160 e os 220 metros), a exposição (a sul), o solo (xisto argiloso), a variedade da matéria-prima (resulta da combinação de quatro variedades de azeitonas, a saber, cobrançosa, verdeal, madual e negrinha de freixo), que lhe conferem uma qualidade reconhecida no mercado, sendo comercializado a um preço muito superior ao preço corrente de comercialização do azeite disponível nas grandes superfícies comerciais, como se pode ver na vida quotidiana. Perante este circunstancialismo, constata-se que a expropriada produz um azeite distinto, com recurso exclusivo à produção interna, cujas especificidades fazem prever ser difícil adquirir azeitonas de características análogas noutra propriedade, o que implica que a sua especial capacidade produtiva se viu definitivamente diminuída em 1,9 % (cfr. facto provado n.º 13), o que constitui uma frustração de uma utilidade objecto de tutela jurídica, isto é, um dano9. 9 Cfr. Menezes Leitão, , “Direito das Obrigações”, 2003, Vol. I, 3.ª Ed., Almedina, pág. 334. É consabido que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (cfr. artigo 562.º do Código Civil), mas a indemnização é fixada em dinheiro quando a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (cfr. artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil). No entanto, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (cfr. artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil). Trata-se do que ocorre no caso concreto, pois a materialidade provada não é suficiente para permitir a fixação do valor exacto do dano supra identificada, não se descortinando outras diligências probatórias que o permitissem mensurar. Nesta decorrência, sopesando as circunstâncias supra explanadas, bem como o facto da quantia a percepcionar não implicar a realização dos custos produtivos correspondentes, existir uma álea associada a qualquer actividade comercial (v.g. o negócio pode não ser rentável no futuro ou ocorrer uma diminuição da procura do produto) e tendo presente a taxa líquida de rentabilidade do olival (36,70 %), entendo por adequado fixar a indemnização devida à expropriada, a este título, no montante de € 20.000,00. Finalmente, cumpre salientar que esta indemnização é susceptível de ser conhecida, atendendo ao comando director previsto no artigo 5.º, n.º 3, do C.P.C. (“o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”), pois tutela uma diminuição patrimonial que foi aventada nas alegações de recurso, ainda que com um enquadramento jurídico distinto.” (3) É relativamente a esta questão e respectiva decisão que a expropriante ora recorrente defende ser nula a sentença, no que – adiante-se já – nos parece ter inteira e manifesta razão. A sentença, nos termos do artº 607º, nº 2, CPC, deve começar por identificar o objecto do litígio, enunciando, de seguida, as (reais) questões controversas que ao tribunal cumpre decidir. O juiz não pode senão ocupar-se das questões suscitadas pelas partes (salvo as de conhecimento oficioso) – artº 608º, nº 2. Se é assim na sentença, não o é menos nos recursos, a que, aliás, aquela norma é aplicável, ex vi do artº 663º, nº 2, nas respectivas alegações estando o recorrente sujeito ao ónus de dispositivamente indicar a alteração pretendida à decisão questionada e o respectivo fundamento. O conceito de questões há muito está decantado na doutrina e na jurisprudência. Tais questões são as que ressaltam do objecto do processo definido pela causa de pedir e pelo pedido, elementos também presentes nos recursos. Ou seja: “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”. (4) Não se confundem “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …”.(5) Segundo M. Teixeira de Sousa, trata-se do “... corolário do princípio da disponibilidade objectiva …”.(6) Também sobre o conceito se pronunciam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto(7). Segundo eles, são – apenas são! – “questões” “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”.(8) Assim, na sentença que decide, em 1ª instância, recurso interposto de decisão arbitral, o juiz não tem (nem pode) ocupar-se de todos os variados problemas que abstractamente giram em torno da fixação da justa indemnização e que decorrem dos diversos princípios, regras, critérios, factores e parâmetros que a lei manda ponderar e que, em sua perspectiva, são susceptíveis de aplicar-se ao caso concreto. É que, no processo de expropriação, à semelhança do que sucede em geral no civil (artº 639º, nº 1), o recorrente deve expor no requerimento de interposição as “razões da discordância” relativas à decisão arbitral, ou seja, as “questões” que, conferindo substância e objecto ao litígio, contendem, no caso, com a fixação da justa indemnização com cuja solução ali dada não concorda mas que pretende que o tribunal reaprecie e decida em conformidade com a que preconiza como legalmente mais correcta em função da realidade apurada. Essas “razões de discordância” definem o objecto do recurso, balizam o thema decidendum e, portanto, os limites cognitivos do tribunal. Ora, o artº 31º, nº 2, do CExp, dispõe que “Se da expropriação resultarem prejuízos para o conjunto da exploração agrícola efectuada directamente pelo proprietário, à indemnização correspondente acresce a relativa àqueles prejuízos, calculados nos termos gerais de direito”. Trata-se de uma indemnização autónoma, com fundamento e natureza diversos, a acrescer à devida pela da ablação das parcelas. Sucede que, olhando ao requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral – a cujas razões de discordância se fez acima alusão resumida mas completa – nenhuma questão a tal propósito foi suscitada pela expropriada, seja alegando os indispensáveis factos relativos a tais concretos prejuízos e correspondentes pressupostos da indemnização, seja apontando sequer uma pretensão de tal natureza susceptível de ser enquadrada normativamente naquela disposição legal. As circunstâncias a tal propósito pelo tribunal a quo relevadas na sentença foram pela expropriada alegadas como fundamento da pretendida sobrevalorização das parcelas, em função da sua especial aptidão geradora de rendimentos (pela qualidade e preço de venda do azeite nelas produzido), logo do seu mais elevado valor de mercado e, apesar de se tratar de 42 oliveiras, jamais foi referido e pedido por ela que da sua perda resultou um prejuízo autónomo para o conjunto da exploração agrícola, nem manifestada qualquer discordância por a decisão arbitral o não ter considerado, tal como o não considerou a arbitragem.(9) Não tendo sido “aventada” a questão nem formulada a pretensão, não é aplicável ao caso o artº 5º, nº 3, do CPC, do que, aliás, a própria sentença se dá conta ao constatar a evidente falha de factualidade relativa a tal prejuízo – insuprível, a nosso ver, pela via da aplicação da referida norma e segundo o critério de equidade.(10) Seria assim se a expropriante, baseada em pertinente factualidade, invocasse a ocorrência consequente dele (prejuízo), formulasse a pretensão indemnizatória com ele conexa mas não indicasse a norma jurídica que, feita a subsunção, haveria de juridicamente acolhê-la ou a indicasse mas incorrectamente. Aí sim, funcionaria a liberdade do julgador, segundo a velha máxima Da mihi factum, dabo tibi jus. A sua actuação seria, e poderia ser, então, oficiosa. Não é o que aqui sucedeu. Ora, na decisão de questão controversa do processo, tal como da causa, e na elaboração do respectivo despacho, tal como da sentença, impõe-se ao tribunal a observação de certos requisitos, condições e limites, de índole mais formal uns, ou relativos ao seu conteúdo material outros, definidos pelos princípios e normas da lei adjectiva. Assim, entre os vícios de uma sentença relativos à sua elaboração, prevê a lei, no artº 615º, nº 1, CPC, diversos tipos de nulidades. Trata-se de vícios formais ou de procedimento, essencialmente caracterizados por desvios às regras dos artºs 607º a 609º, que não podem nem devem ser confundidos com erros de julgamento ao nível da subsunção jurídica e consequente injustiça da decisão, ou seja, com o seu mérito. Nos termos da segunda parte da alínea d) do artº 615º, do CPC, a sentença é nula quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se da sanção estabelecida para o desrespeito do já referido nº 2, do artº 608º. Além disso, de acordo com a alínea e), do nº 1, do artº 615º, a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Na verdade, como também estipula nº 1, do artº 609º, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir. Trata-se do princípio ne eat iudex ultra vel extra petita partium, corolário do dispositivo. O referido segmento da sentença que culminou na fixação da indemnização, com apelo ao artº 31º, nº 2, do CExp, debruçando-se sobre questão não suscitada e condenando numa indemnização não peticionada viola as aludidas regras e, por isso, torna nula a sentença, nessa parte. Daí que deva proceder o recurso, subsistindo a indemnização fixada quanto ao mais no valor de 20.936,12€. V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, declaram nula a sentença recorrida quanto ao seu ponto nº 6 da fundamentação de direito, em consequência excluindo do valor indemnizatório a parcela de 20.000,00€ (vinte mil euros) ali determinada, fixando em 20.936,12€ o valor da indemnização devida pela expropriante à expropriada relativamente às parcelas em causa, a actualizar nos termos legais, conforme, de resto, referido na sentença recorrida. Custas em 1ª instância na proporção do vencimento/decaimento ora definido. Apelação sem custas. * Notifique. Guimarães, 18 de Maio de 2017 José Fernando Cardoso Amaral Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo Higina Orvalho Castelo 1. Que sendo mau exemplo de cumprimento técnico-formal do ónus de síntese a que alude o artº 639º, nº 1, do CPC, apenas não se consideram substancial e juridicamente inexistentes para efeitos do artº 641º, nº 2, b), in fine, CPC, como as legais consequências, porque, apesar de se limitarem praticamente a fazer copy past do texto das alegações com numeração dos parágrafos respectivos – o que, de modo nenhum, corresponde à tarefa cooperante de concluir – delas se extrai imediatamente a questão a decidir, dada a sua singeleza e objectividade. 2. Sublinhados por nós apostos. 3. Foi juntando este valor indemnizatório que, então, concluiu pelo valor final, assim: “Face a todo o exposto, o valor global da indemnização devida à expropriada ascende a € 40.936,12 (quarenta mil, novecentos, trinta e seis euros, doze cêntimos), correspondente à soma das seguintes parcelas: € 9,826,05 (valor da parcela 22 fixado no acórdão arbitral) + € 9.981,74 (valor da parcela 22.1 fixado no acórdão arbitral) + € 1.128,33 (valor da parcela 22.2 fixado no acórdão arbitral) + € 20.000,00 (indemnização prevista no artigo 31.º, n.º 2, do Código das Expropriações).” 4. Varela, na RLJ, Ano 122.º, pág. 112. 5. J. Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil Anotado”, volume V, página 143. 6. Autor e obra citados, páginas 220 a 223. 7. Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª edição, pág. 704 . 8. Idem, página 680. 9. Aliás, vendo-se os respectivos relatórios e sobretudo as respectivas fotografias elucidativas, fica-se com a noção do tipo de exploração em causa: uma quinta, no Douro, especialmente vocacionada para a produção vitivinícola, em cujo produto, pela área, quantidade de árvores e condições de exploração visíveis nas escarpas pedregosas e áridas marginais ao rio, compreensivelmente não se antevê que tenha reflexo negativo não compensável pela alcançada indemnização das parcelas, a azeitona perdida. 10. Não pode, pela via da livre indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, contornar-se o princípio da necessidade do pedido (artº 3º, nº 1) nem o do dispositivo (artº 5º, nº 1). |