Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
146/12.2TBCBT.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
EXISTÊNCIA DE DANOS
QUANTIFICAÇÃO DO DANO
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
FALTA DE ENTREGA DE DOCUMENTOS PARA A CIRCULAÇÃO DO VEÍCULO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A liquidação da sentença só tem por fim concretizar o objecto da condenação, com respeito do caso julgado decorrente da acção declarativa. A existência do dano não pode ser relegada para o incidente, apenas a sua quantificação.
II- Perante a mora no cumprimento do contrato de locação, decorrente da não entrega dos documentos necessários para a circulação do veículo, podia o apelado ter optado por se recusar a pagar a renda estipulada ao abrigo do disposto no artº 428º, nº 1 do CC. Não tendo usado dessa faculdade, inexiste fundamento para a repetição do indevido, ao abrigo do artº 476º, nº 1 do CC, pelo que não pode a apelante ser condenada a restituir as rendas recebidas.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

B….autor nos presentes autos de ação declarativa sob a forma ordinária, deduziuincidente de liquidação de obrigação fundada na sentença proferida nos presentes autos contra C…-INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, SA. (anteriormente designada por D… – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO S.A.), pedindoa condenação da Requerida no pagamento do quantia global de € 31.316,08, acrescida de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que em virtude do decidido na aludida sentença a Ré apenas registou a propriedade do veículo com a matrícula 00-LO-00 a seu favor e a locação financeira a favor do Autor em 26.3.2015, tendo o Autor ficado impedido de utilizar o veículo desde Março de 2012 a 26 de Março de 2015. Nesse período procedeu ao pagamento de 37 prestações de € 305,84 cada, no total de € 11.316,08 pela cedência do uso do veículo, tendo a Ré recebido do Autor esse montante sem lhe ter proporcionado o gozo e utilização do veículo, pelo que ocorreu um dano patrimonial, tendo direito o Autor de ser indemnizado pela Ré nesse montante. Mais alegou que tal montante é devido também nos termos do enriquecimento sem causa.
Alegou ainda um prejuízo de € 1.013,23 durante o período em que esteve impedido de utilizar o veículo locado – Março de 2012 e 26 de Março de 2015 – consubstanciado no pagamento dos prémios referentes às apólices de seguro do ramo automóvel relativo ao veículo 00-LO-00;
Acrescentou ainda que se viu obrigado a adquirir, em 31.5.2012, outro veículo – de marca Peugeot modelo 107 com a matrícula 00-XX-00 com recurso a financiamento passando a suportar uma prestação mensal tendo pago entre o período de 31.5.2015 a 26.3.2015 a quantia de € 5.109,93;
Refere ainda que o veículo locado LO durante o período em que esteve impedido de circular – Março de 2012 a 26 de Março de 2015, - esteve aparcado na sua garagem, impedindo-o de a utilizar para outros fins, nomeadamente para aí poder guardar outro veículo ou quaisquer outros objetos o que consubstancia um prejuízo patrimonial de € 3.600,00 (100 euros/mês);
Por último pelos transtornos e prejuízos causados na sua vida pessoal e familiar pela provação da utilização do veículo durante o aludido período peticiona € 7 500,00 a título de danos não patrimoniais.
A Requerida veio deduzir oposição pugnando pela existência de caso julgado quanto ao limite do valor da indemnização – 2.500,00 euros -a atribuir ao Autor.
Para o efeito, alega que, interpôs recurso da sentença proferida na acção declarativa, o qual não foi admitido por se ter entendido que o valor da sucumbência não era superior a metade do valor da alçada do tribunal de 1ª instância, correspondendo o valor de 2.500,00 ao limite do valor da indemnização a liquidar em incidente de liquidação.
Mais referiu que o Autor não deduziu oposição ao despacho que não admitiu o recurso, conformando-se com o teor da decisão que há muito transitou em julgado pelo que existe caso julgado relativamente a esta questão. Assim, o Autor apenas pode liquidar o seu pedido até à supra referida quantia de € 2.500,00, sendo que o seu pedido extravasa em muito o montante pelo qual a Ré responde.
Por último, impugnou a matéria constante na petição inicial ealegou que o autor em função docontrato se manter em vigor não pode peticionar o montante que liquidou relativo às prestações que pagou por força do contrato de locação, relativo ao período em que esteve sem poder utilizar o veículo de marca Nissan.
Em sede de resposta veio o Autor pronunciar-se sobre a exceção invocada pela Ré, pugnando pela não verificação da mesma. Para o efeito alega que nos processo de liquidação e noutros em que analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência do ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários (artigo 299.º, n.º 4 do CPC). Mais referiu que nos presentes autos o Autor pediu, para além do mais, na petição inicial a condenação da Ré a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, relegando a sua liquidação para execução de sentença atribuindo à ação o valor de € 30.000,01 euros. Mais alega que na réplica veio alegar outros prejuízos patrimoniais e não patrimoniais que igualmente relegou a sua liquidação para execução de sentença, atribuindo à ampliação do pedido o valor de € 2.500,00. Na audiência de julgamento o autor requereu nova ampliação do pedido nos termos aí expostos, pretendendo a título principal ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, alegados na petição inicial e na réplica, relegando a sua liquidação para execução de sentença, pelo que o valor do pedido formulado pelo Autor na ação é de 30.000,01 + 2.500,00, ou seja € 32.500,01 euros, sendo que o valor da causa foi fixado em montante superior - € 46.935,56, pelo que o valor liquidado se contém dentro do valor da acção.
Foi proferido despacho saneador (fls. 704 e seguintes) onde se relegou para final o conhecimento da excepção invocada pela R.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e afinal foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
“Face ao exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julgo o presente incidente de liquidação parcialmente procedente, por provado, e, em consequência condeno a Ré C… – Instituição Financeira de Crédito, S.A. a pagar ao Autor B… a quantia global de € 20.939,24 (vinte mil novecentos e trinta e nove euros e vinte e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado da presente decisão até efectivo e integral pagamento sendo:
- € 17.439,24 a título de danos patrimoniais;
- € 3 500,00 a título de danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, absolvendo a Ré Finicrédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A. do demais peticionado. “
*
A R. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações da seguinte forma:
1. A recorrente recorreu da condenação ao pagamento ao recorrido da indemnização a liquidar oportunamente para ressarcimento dos danos indicados nos pontos 27 a 41 dos factos provados na sentença liquidanda.
2. A recorrente interpôs recurso que não foi admitido uma vez que o Meritíssimo Juiz “a quo” considerou que o valor da indemnização a liquidar era de € 2.500,00 e que, por isso, não estava verificado o condicionalismo previsto no artigo 629º, nº 1 do Código de Processo Civil.
3. O recorrido não deduziu qualquer oposição a esse despacho, antes se conformando com o mesmo, acarretando o seu trânsito em julgado e a existência de caso julgado relativamente a esta questão.
4. O Meritíssimo Juiz “a quo” não confinou a indemnização a este valor por considerar não existir caso julgado.
5. A recorrente não concorda com este entendimento porque, por um lado, o despacho em causa, por complementar, integra a sentença e porque, por outro lado, não estamos perante mero despacho de expediente ou proferido no uso de poder discricionário mas sim sobre despacho que dispõe sobre as relações substantiva e processual, vinculando as partes ao seu estrito cumprimento.
6. O despacho em causa não integra assim a previsão do nº 4 do artigo 152º do Código de Processo Civil por interferir no conflito de interesses das partes e não se confinar a matéria reservada ao prudente arbítrio do julgador.
7. Não se trata também de factos instrumentais na medida em que a decisão versa sobre factos que interessam directamente à solução do pleito, sendo certo que o raciocínio do Meritíssimo Juiz “a quo” da sentença liquidanda quanto ao valor indemnizável está correcto.
8. O valor a considerar para efeito de liquidação é pois de € 2.500,00 comportando a sentença recorrida violação da lei, designadamente quanto ao caso julgado.
9. A indemnização arbitrada para ausência de gozo do bem adquirido traduz um enriquecimento do recorrido à custa da recorrente.
10. Havendo ou não privação de uso do veículo, o recorrido sempre estaria obrigado a liquidar as prestações devidas pelo contrato e em cumprimento do mesmo.
11. Quer isto dizer que para que no final do contrato o veículo passasse a integrar a esfera jurídica do recorrido este estava obrigado a pagar pontualmente as prestações, sendo que o entendimento plasmado na sentença reduz substancialmente o valor do contrato e enriquece o recorrido à custa da recorrente.
12. A indemnização a este título devida afere-se em função do efectivo prejuízo sofrido pelo recorrido e decorrente da privação do veículo e dos montantes adicionais que o recorrido teve de despender em resultado da mesma.
13. Esses montantes contendem, nomeadamente, com os custos com aluguer de veículos, despesas com transportes e lucros cessantes com eventual perda de rendimentos, sendo que a indemnização por danos morais se reporta àqueles sofridos com a privação do veículo e está por isso compreendida naquela.
14. O recorrido não fez prova desses prejuízos e foi indemnizado a esse título pelos danos morais sofridos pelo que nada lhe é devido nesta parte.
15. Vale em sede de prejuízos com a aquisição doutro veículo o alegado nos anteriores números 9 a 14.
16. Para além disso, o que aqui está em causa são os encargos financeiros suportados pelo recorrido com a aquisição do veículo e sua desvalorização no período compreendido entre a sua aquisição do veículo e o momento em que pode dispor novamente do Nissan, ou seja, Março de 2015 e não, como se pretende na sentença, as prestações pagas pelo recorrido no âmbito do contrato, uma vez, que no final do mesmo, o recorrido sempre se tornaria proprietário do veículo.
17. No final da privação de uso o recorrido estava em condições de vender o veículo, apurando-se o seu prejuízo em função da diferença entre aquilo que pagou com a aquisição do veículo e o montante que encaixaria com a sua venda ou com o apuramento do seu valor comercial naquela data.
18. É esta a medida do prejuízo sofrido pelo recorrido e não, como sustenta a sentença, o recurso à equidade relativa ao transtorno que a falta da viatura provocou o período de tempo de privação e os fins a que se destinava, factos que foram já tidos em conta na indemnização por danos morais.
FORAM VIOLADOS:
- Os artigos 152º, 154º, 607º, 609º, 620º, 621º, 629º e 630º.
- O artigo 473º do Código Civil
- O artigo 12º, nº 2 do Regulamento das Custas Processuais.
A parte contrária não contra alegou.

II - Objecto do recurso:

Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:

.se ocorre ofensa de caso julgado ao atribuir-se uma indemnização ao A. superior a 2.500,00;

.se não assiste ao A. direito a receber uma indemnização correspondente ao montante das rendas pagas à R. , ao abrigo do contrato de locação, durante o período em que não pode utilizar o veículo objecto do contrato;

. se não assiste ao A. o direito receber uma indemnização por privação do uso do veículo, designadamente, por tal dano já ter sido ressarcido em sede de indemnização por danos não patrimoniais.

III - Fundamentação

Na primeira instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

Factos Provados (constantes da sentença):
“2 - O Autor celebrou com a Ré em 31.03.2011, e com início em 05.04.2011, um contrato que as partes denominaram de contrato de locação financeira mobiliária, com o n.º CLEA/8022, tendo por objecto uma viatura da marca Nissan, Qashqai Diesel, com a matrícula 00-LO-00 – Cfr., quesito 1.º da Base Instrutória.
9- Mediante a celebração do contrato referido em 2, a Ré Finicrédito cedeu ao Autor, que aceitou, o uso do veículo de matrícula 00-LO-00, mediante o pagamento da quantia de € 34.485,56, em prestações mensais e sucessivas de acordo com um plano de pagamento – Cfr., quesito 8.º da Base Instrutória.
10- O Autor procedeu, desde a entrega do referido veículo, ao pagamento integral das prestações que se foram vencendo – Cfr., quesito 9.º da Base Instrutória.
11- Em contrapartida, as Rés C… e Garagem do … entregaram ao Autor a viatura supra mencionada – Cfr., quesito 10.º da Base Instrutória.
12- Estando o Autor na sua posse, em virtude do aludido contrato, desde 08.04.2011 e até à data de instauração desta acção – Cfr., quesito 11.º da Base Instrutória.
13- Utilizando-o diariamente nos seus afazeres pessoais e profissionais, até Março de 2012, agindo e zelando sempre pelo seu bom funcionamento e conservação – Cfr., quesito 12.º da Base Instrutória.
14- Foi contratualmente prevista a possibilidade de o Autor, finda a locação, adquirir a viatura definitivamente, pelo valor residual de € 2.845,00 – Cfr., quesito 14.º da Base Instrutória.
15- Faculdade que o Autor pretende e sempre pretendeu exercer – Cfr., quesito 15.º da Base Instrutória.
16- Tendo, para tanto, dado de entrada a quantia de € 5.950,00 – Cfr., quesito 16.º da Base Instrutória.
17- E autorizou um débito em conta, utilizando o sistema de Débitos Diretos através da Caixa Económica Montepio Geral NIB xxx, a favor da Ré C…, para o pagamento das restantes 84 prestações acordadas – Cfr., quesito 17.º da Base Instrutória.
18- Para garantia de cumprimento das obrigações que assumiu com a celebração do referido contrato, o Autor entregou à Ré C… no momento da celebração do mesmo, uma livrança em branco, subscrita por si – Cfr., quesito 18.º da Base Instrutória.
19- E subscreveu um contrato de seguro para o referido veículo automóvel junto da Companhia de Seguros Liberty Seguros S.A., com a apólice n.º xxx - Cfr., quesito 19.º da Base Instrutória.
20- Nestas circunstâncias, a Ré Garagem do … entregou ao Autor, juntamente com a cópia da factura de compra e venda do veículo à Ré C…o, uma autorização para que o autor circulasse sem os documentos respectivos do veículo, durante a “fase de legalização” – Cfr., quesito 20.º da Base Instrutória.
21- Até à instauração da presente acção e com excepção do referido nos pontos 51 e 52, a Ré C… não diligenciou pelo registo da viatura na competente Conservatória de Registo Automóvel em seu nome – Cfr., quesito 21.º da Base Instrutória.
22- E não enviou a documentação do referido veículo ao seu locatário, o aqui Autor – Cfr., quesito 22.º da Base Instrutória.
23- Nem registou o referido contrato de locação – Cfr., quesito 23.º da Base Instrutória.
24- Apesar de, por diversas vezes, através de telefone, cartas e e-mails, o Autor ter contactado a Ré C… para que esta efectuasse tal registo e procedesse ao envio ao Autor dos documentos referentes ao veículo – Cfr., quesito 24.º da Base Instrutória.
25- Por força dos factos descritos, até Março de 2012, o Autor circulava com a viatura sem o necessário registo, quer da viatura, quer do contrato de locação – Cfr., quesito 25.º da Base Instrutória.
26- E não consegue obter o Documento Único Automóvel donde conste o registo de aquisição e locação – Cfr., quesito 26.º da Base Instrutória.
27- Pelo que o Autor se viu forçado a deixar de circular com o veículo de matrícula LO, desde Março de 2012 – Cfr., quesito 27.º da Base Instrutória.
28- Mantendo-o aparcado na sua garagem desde então, ocupando a garagem, o que impede o Autor de a utilizar para outros fins, nomeadamente para aí poder guardar outro veículo ou quaisquer outros objectos – Cfr., quesito 28.º da Base Instrutória.
29- O que lhe causa transtorno na sua vida diária – Cfr., quesito 29.º da Base Instrutória.
30- A partir de então, o Autor viu-se forçado a recorrer a transportes alternativos e a pedir favores e boleias a terceiros, quer nas suas deslocações diárias para o emprego quer para os seus demais afazeres, quer ainda para os seus lazeres – Cfr., quesito 30.º da Base Instrutória.
31- E a pedir um veículo emprestado – Cfr., quesito 31.º da Base Instrutória.
32- O veículo 55-LO-63 era o único veículo de que o autor dispunha para fazer as suas deslocações e as do seu agregado familiar – Cfr., quesito 32.º da Base Instrutória.
33- Pelo que o Autor se viu forçado a adquirir outro veículo – Cfr., quesito 33.º da Base Instrutória.
34- Assim, em 31 de maio de 2012, e com recurso a um financiamento, por falta de capacidade económica, o Autor adquiriu o veículo automóvel de marca Peugeot, modelo 107, de matrícula 11-LI-65 – Cfr., quesito 34.º da Base Instrutória.
35- Passando, assim, a suportar uma prestação mensal de um segundo empréstimo para a aquisição de um segundo veículo, quando apenas utiliza um deles – Cfr., quesito 35.º da Base Instrutória.
36- O Autor optou por um veículo de reduzida potência e capacidade, com pouca capacidade de carga e muito menos seguro e confortável do que o veículo Nissan Qashqai – Cfr., quesito 36.º da Base Instrutória.
37- E fê-lo por não ter possibilidade económica para adquirir um melhor – Cfr., quesito 37.º da Base Instrutória.
38- Sendo que jamais teria adquirido tal veículo não fora a situação em causa nestes autos – Cfr., quesito 38.º da Base Instrutória.
39- O veículo Nissan Qashqai sempre foi o carro dos sonhos do Autor – Cfr., quesito 39.º da Base Instrutória.
40- Que aguardou com ansiedade o momento de poder vir a adquiri-lo e usá-lo – Cfr., quesito 40.º da Base Instrutória.
41- Pelo que a situação actual de privação de uso do veículo lhe causa enorme amargura, tristeza e angústia – Cfr., quesito 41.º da Base Instrutória”.
Factos provados no presente incidente:
Da análise dos documentos juntos, do acordo das partes e da prova produzida em julgamento resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
1. A Ré apenas registou a propriedade do veículo com a matrícula LO a seu favor e da locação financeira a favor do Autor em 26.3.2015.
2. O Autor foi impedido de utilizar o veículo LO e, consequentemente de circular com o mesmo no período de março de 2012 a 26 de março de 2015.
3. No período em causa, o Autor procedeu ao pagamento à Ré de 37 prestações de € 305,84 cada, no total de € 11.316,08, como contrapartida pelo uso e gozo do veículo 55-LO-63 e decorrente do contrato de locação financeira celebrado entre ambas.
4. Durante o período em que o Autor foi impedido de utilizar o veículo LOmarço de 2012 a 26 de março de 2015 – procedeu ao pagamento dos prémios referentes às apólices de seguro do ramo automóvel para garantir a viatura com a matrícula LO, no montante de € 1.013,23.
5. Para se deslocar diariamente de casa (Joane) para o trabalho (Famalicão) e vice-versa e para os seus demais afazeres e do agregado familiar, o Autor viu-se obrigado a adquirir, em 31.5.2012, e com recurso a financiamento, outro veículo de marca Peugeot, modelo 107 de matrícula XX.
6. O veículo referido em 5. foi adquirido à sociedade Real Fórmula S.A. pelo preço de € 9.343,43 através de um financiamento contratado com a Cetelem (BPN ParibasPersonalFinance, S.A), sendo um veículo de reduzida potência e pouca capacidade de carga.
7. Na sequência do descrito em 6. durante o período compreendido entre 31.5.2012 a 26.3.2015 o Autor procedeu ao pagamento das respetivas prestações à instituição financeira Cetelem (BPN ParibasPersonalFinance, S.A), no total de € 5.109,93.
8. No período temporal entre março de 2012 ao fim do mês de maio de 2012 o Autor foi impedido de circular com qualquer veículo automóvel dado que não possuía nem tinha ao seu dispor veículo próprio ou alugado, tendo sido obrigado a socorrer-se de transportes alternativos, a pedir favores e boleias a terceiros, quer nas suas deslocações diárias para o emprego quer para os seus demais afazeres, quer ainda para o seu lazer e da sua família.
9. O Autor é funcionário do Município de Famalicão, para onde se desloca há mais de 5 e 10 anos diariamente de manhã, retornando a casa ao final da tarde.
10. Percorrendo diariamente cerca de 24 km.
11. No período compreendido entre Março de 2012 a 26.3.2015 o Autor manteve o veículo LO aparcado na sua garagem, o que impediu de a utilizar para outros fins.
12. O Autor esteve impedido de utilizar o veículo LO, que era e é o veículo dos seus sonhos entre março de 2012 a 26 de março de 2015, o que lhe causou transtornos na sua vida.
13. Na sequência dos factos descritos em 5, 6 e 10. o Autor sentiu tristeza e muitos transtornos na sua vida diária.

1. Matéria de facto não Provada:
a) Que aos fins de semana o Autor se tenha visto impedido de passear com o seu agregado familiar composto pela sua mulher e 2 filhos menores e de visitar os familiares (pais e sogros) que vivem no concelho de Celorico de Basto, à distância de cerca de 50 km.
b) O que o entristeceu – a ele e á família – deixando de os visitar regularmente aos fins de semana – quando sempre o fez – o que lhe causou enorme revolta e consternação.
c) Que em virtude de o veículo Peugeot ser um veículo com reduzida potencia e pouca capacidade de carga o Autor se tenha visto obrigado a socorrer-se de veículo de terceiros e de outros transportes alternativos, quando necessitava de um veículo para se deslocar para viagens mais longas e transportar carga, por exemplo, nas férias e aos fins de semana para Celorico de Basto.
d) Que o aparcamento do veículo LO na garagem do Autor tenha acarretado um prejuízo para o Autor de € 3.600,00.

Do Direito

Violação do caso julgado - montante máximo da indemnização

A apelante vem alegar que a sentença recorrida ao condenar a apelante a pagar ao apelado uma indemnização superior a 2.500,00 euros, atentou contra o caso julgado que se formou sobre o despacho de 05.02.2015 que não admitiu o recurso por si interposto, por entender que o valor da sucumbência não era superior a metade da alçada do tribunal do qual recorria, o tribunal de 1ª instância.

Vejamos:

A apelante veio interpor recurso da sentença proferida nos autos a fls 362 e ss que condenou, designadamente, a 1ª R. a pagar ao A. a indemnização a liquidar oportunamente para ressarcimento dos danos indicados nos pontos 27 a 41 dos factos provados.

Nas suas contra-alegações, o A. veio pugnar pela inadmissibilidade do recurso interposto, restrito que foi ao segmento em que condena a R. a pagar-lhe uma indemnização a liquidar para ressarcimento dos danos indicados nos pontos 27 a 41 dos factos provados, porque o Tribunal tinha atribuído a esse pedido o valor de 2.500,00, valor que indicara na ampliação do pedido, pelo que o valor da sucumbência não era superior a metade da alçada do tribunal de 1º instância.

A fls 519 a 520 foi proferido despacho a não admitir o recurso interposto pela também aqui apelante, tendo a Mma. Juíza na fundamentação consignado, nomeadamente, o seguinte:

“Da fundamentação subjacente à fixação do valor da acção resulta claramente que o valor atribuído à ampliação do pedido e da causa de pedir é de 2.500,00, sendo certo que é este valor que tem de ser tido em consideração para efeitos de indemnização a liquidar oportunamente, já que o valor atribuído ao demais peticionado pelo autor é o correspondente ao valor do contrato de locação financeira invocado pelo autor.

Assim sendo, forçosa é a conclusão de que a parte da sentença de que a ré recorrente pretende apelar – a sua sucumbência – corresponde ao valor de tal indemnização que, como vimos é de 2.500,00 e, portanto, igual a metade da alçada do tribunal de que se recorre, e não superior, tanto basta para se concluir que não está verificado o pressuposto de recurso elencado no artº 629º, n 1, do CPC.”

Na sentença recorrida, entendeu-se que sobre o despacho que não admitiu o recurso não se forma caso julgado, porque não faz parte integrante da sentença proferida, nem recai unicamente sobre a relação processual, mais se referindo que “por outro lado, consideramos que não adquirem de per si força de caso julgado as respostas dadas a questões para as quais não foi solicitado um “julgamento” (embora tenham sido apreciadas como antecedente lógico da resposta dada ao pedido formulado), na medida em que possam servir de fundamento a outros pedidos a outros efeitos jurídicos que não os apreciados, ficando excluídos do caso julgado os factos instrumentais e as antecedentes premissas (meros juízos sobre pontos de facto e de direito) consideradas no raciocínio do julgador para concluir por tal resposta.

Assim, o tribunal não está balizado pelo teor desse despacho para a decisão do presente incidente de liquidação.”

A única parte que poderia reagir ao despacho que não admitiu o recurso, era a recorrente, a aqui apelante, mediante reclamação ao abrigo do artº 643º do CPC. Efectivamente, o apelado não reagiu a este despacho, mas também não o podia fazer, ao contrário do que parece ser o entendimento da apelante, pois que não foi vencido na decisão. A única parte afectada foi a recorrente. O apelado não tinha legitimidade para reagir, porquanto a decisãolhe foi favorável (artº 631º do CPC).E ainda que o apelado não concordasse com a fundamentação, o que não se configura no caso, pois foi o próprio que suscitou a questão, não poderia reclamar, restringindo a reclamação à fundamentação. O Código não prevê a reclamação ou o recurso restrito à fundamentação. Uma parte que não ficou prejudicada com a decisão não pode interpor recurso de uma decisão que lhe foi favorável, ainda que entendesse que outra deveria ter sido a fundamentação.

O caso julgado formal que se formou sobre este despacho é relativo à admissão do recurso (artº 620º, nº 1 do CPC). O caso julgado formal obsta a que o juiz possa alterar a decisão proferida, ainda que venha a entender que não decidiu bem, admitindo o recurso em momento posterior. Ficam excluídas do âmbito do caso julgado, as considerações feitas a propósito do valor da indemnização a liquidar, considerações que não constam do texto da sentença que relegou para momento ulterior a fixação da indemnização, sendo que é esta que limita os termos da liquidação e na sentença nada permite concluir que o montante da liquidação está limitado ao montante de 2.500,00 euros, não constituindo o despacho que não admite o recurso parte integrante da sentença, como defende a apelante. O despacho que constitui parte integrante da sentença é o que for proferido ao abrigo do disposto no artº 617º, nº 2 do CPC e o que retificar um erro, ao abrigo do artº 614º do CPC e jamais o que não recebe um recurso.

Improcedem assim as conclusões 1ª a 9ª do apelante.

Da indemnização relativa às rendas pagas pelo apelado no contrato de locação financeira e pelas rendas pagas para aquisição do veículo de substituição

Entende a apelante que não assiste ao apelado direito a ser indemnizado pelas rendas que pagou durante o período em que não pode transitar com o veículo, relativas ao veículo Nissan, em cumprimento do contrato de locação celebrado entre as partes. Em seu entender, o apelado durante o período em que se viu privado de circular com a viatura apenas tem direito aos custos com o aluguer de viatura para substituição, despesas com transportes e lucros cessantes com a eventual perda de rendimentos e aos danos não patrimoniais resultantes da privação, tendo sido arbitrada indemnização a este título.

Dispõe o artº 556º, nº 1, alínea b) do CPC que é permitido formular pedidos genéricos quando, designadamente, o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artº 569º do CPC que dispõe que “quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que forem inicialmente previstos”.

No caso das alíneas a) e b) do artº 556º do CPC o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do artº 358º do CPC (artº 566º, nº 2 do CPC).

A expressão pedido genérico mencionada no artº 556º, nº 1 do CPC está utilizada “no sentido de pretensão de fazer valer um direito de crédito pecuniário de quantitativo não apurado ou um direito real ou de crédito a uma universalidade, designadamente um rebanho, uma biblioteca ou uma herança” (cfr. entende Salvador da Costa, Os incidentes da instância, Almedina, 2013, 6ª edição, p. 230).

A liquidação da sentença só tem por fim concretizar o objecto da condenação, com respeito do caso julgado decorrente da acção declarativa. A existência do dano não pode ser relegada para o incidente, apenas a sua quantificação (cfr. autor e obra citada, p. 231 e Ac. do STJ de 07.05.98, proferido no processo 98A1117, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação da fonte).

Na sentença que relegou para liquidação a indemnização destinada ao ressarcimento dos danos indicados nos pontos 27 a 41 dos factos provados, considerou-se o seguinte quanto aos danos decorrentes do incumprimento do contrato:

“No caso dos autos encontra-se demonstrado que o A. sofreu danos em virtude do incumprimento do contrato – cfr. os pontos 27 a 41 dos factos provados.

Cumpre sublinhar que a privação do veículo constitui um dano indemnizável, quer quando se demonstre a concreta ocorrência de despesas com transportes alternativos e de lucros cessantes, quer enquanto dano patrimonial autónomo.

(…)

Não se tendo alegado ou demonstrado o dispêndio de certa quantia em meios alternativos de transporte, a ablação temporária do direito de propriedade do Autor deve ser quantificada com recurso à equidade – levando em linha de conta o transtorno que a falta da viatura provocou, o período de privação e os fins a que se destinava.

Por outro lado também são indemnizáveis os danos não patrimoniais demonstrados, já que a responsabilidade contratual também contempla o ressarcimento dos danos não patrimoniais – cfr.a este propósito o Ac. do STJ de 17.11.1998, in CJ/STJ, ano VI, t 3, pág. 124.

Todavia, no caso dos presentes autos, não se conhece ainda toda a extensão do dano, já que esse se vai produzindo ao longo de todo o tempo em que o A. permanece privado da normal utilização do veículo locado, a qual só será possível quando se mostre cumprida a presente sentença, na parte respeitante aos pedidos formulados em terceiro e quarto lugar.

Só nesse momento será possível a exacta quantificação do dano, razão pela qual, na sequência do pedido genérico formulado pelo Autor, cumpre relegar a liquidação da indemnização devida para momento ulterior, nos termos dos artigos 609º, nº 2 e 358º, nº 2 do CPC.

Não há, por outro lado, que condenar o A. ou deduzir, a crédito da R. “Finicrédito” qualquer quantia, posto que o contrato se mantém em vigor”.

Na sentença de liquidação recorrida entendeu-se condenar a apelante a pagar ao A. a quantia de 11.316,08, “correspondente ao pagamento das prestações devidas pela celebração do contrato de locação financeira durante o período de Março de 2012 a 26.03.2015, não tendo a R. proporcionado a contrapartida a que estava obrigada, deve o A. ser ressarcido desse montante, constituindo tal montante um dano patrimonial indemnizável e decorrente do incumprimento contratual da Ré.

Aliás, não tendo a R. proporcionado ao A. o gozo e utilização do veículo – tal como era sua obrigação -, o Autor tem direito a exigir a restituição do montante que pagou durante o período em que esteve impedido de circular com o veículo, sob pena de a Ré enriquecer à custa do Autor sem causa justificativa. Com efeito, sempre o Autor teria direito a tal montante através do instituto do enriquecimento sem causa. Segundo o disposto no artº 473º do Código Civil aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, acrescentando o nº 2 que a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objetoo que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista a um efeito que não se verificou.”

Mas sem razão. Perante a mora no cumprimento do contrato de locação, podia o apelado ter optado por se recusar a pagar a renda estipulada ao abrigo do disposto no artº 428º, nº 1 do CC. Não tendo usado dessa faculdade, inexiste fundamento para a repetição do indevido, ao abrigo do artº 476º, nº 1 do CC, pelo que não pode a apelante ser condenada a restituir as rendas recebidas (cfr. se defende no Ac. do STJ de 12/07/2005, proferido no proc. 05B2352 e Ac. do TRL de 18.12.2012, proferido no proc. 1506/10).

Mas ainda que assim não se entendesse, também não poderia ser atendida a pretensão do apelado.

Como se referiu, a liquidação da sentença só tem por fim concretizar o objecto da condenação, com respeito do caso julgado decorrente da acção declarativa, não podendo a existência do dano ser relegada para o incidente, mas apenas a sua quantificação:

Na 1ª petição inicial que apresentou, em 15 de Março de 2012, o A. pediu e apenas subsidiariamente (embora tivesse utilizado a expressão em alternativa) a condenação da 1ª R. a pagar-lhe uma indemnização em virtude dos danos patrimoniais e morais que teve com o incumprimento do contrato, que não podia liquidar,mas não alegou quaisquer factos relativos a estes danos (posteriormente em audiência de discussão e julgamento veio ampliar o pedido e requerer que essa condenação tivesse lugar a título principal, o que foi admitido).

Na réplica que deduziu, o A. veio alegar estar impedido de circular com o veículo desde final de Março de 2012, pelo que não o podia utilizar nos seus afazeres profissionais e pessoais o que lhe acarretava prejuízos patrimoniais que não concretizou e não patrimoniais (desgosto por se ver privado de utilizar o veículo) e voltou a pedir, afirmando estar a ampliar o pedido, que a 1ª R. fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização em virtude dos danos patrimoniais e morais que teve com o incumprimento do contrato que no momento não eram liquidáveis.

Por despacho de 24 de Outubro de 2012 a Mma. Juíza convidou o A. a alegar os factos já ocorridos que revelassem a existência e extensão dos danos pelos quais pretendia que a primeira R. fosse condenada a indemnizá-lo (fls 182).

Na sequência do convite ao aperfeiçoamento, o A. veio apresentar nova petição inicial, na qual introduziu novos factos sob os artigos 55º-A a 55º-Q, alegando o seguinte:

“55º A

Na verdade, face aos constrangimentos e à ilegalidade da circulação sem os documentos atrás referidos, o A. viu-se forçado a deixar de circular com o veículo de matrícula 00-LO-00;

55º B

O A. deixou de utilizar o veículo a partir de março de 2012;

55º C

O qual está aparcado na sua garagem desde então;

55º D

Estando assim a sua garagem ocupada, pelo que o autor deixou de a poder utilizar para outros fins, nomeadamente para aí poder guardar outro veículo ou quaisquer outros objectos, o que de per si constitui um transtorno na sua vida diária e uma restrição ao seu direito de propriedade dessa mesma garagem.

55º E

A partir daí o autor viu-se forçado a recorrer a transportes alternativos e a pedir a favores e boleias a terceiros quer nas suas deslocações diárias para o emprego quer para os seus demais afazeres quer ainda para os seus lazeres.

55º F

Inclusive, o autor chegou a pedir um veículo emprestado para fazer face a tudo isto, ficando a dever tal favor a terceiros.

55º G

Pois que o veículo LO era oúnico veículo de que o autor dispunha para fazer face às suas deslocações e às do seu agregado familiar.

55º H

Até que o autor se viu forçado a adquirir outro veículo face à insustentabilidade desta situação de favor e de dependência e face à previsível perdurabilidade deste impasse, cujo desfecho depende da tramitação de um processo judicial moroso, como é este.

55º I

Assim, em 31 de Maio de 2002, com recurso a um financiamento, por falta de capacidade económica, o autor adquiriu o veículo automóvel de marca Peugeot, modelo 107, de matrícula 00-LI-00,

55º J

Vendo-se assim no constrangimento de ter que suportar uma prestação mensal de um segundo empréstimo para a aquisição de um segundo veículo, quando apenas pode usar um deles,

55º K

Sendo certo que adquiriu tal veículo que é de reduzida potência e capacidade, por ser um dos mais baratos do mercado e por não ter possibilidade económica para adquirir um melhor,

55º L

Veículoeste que jamais teria adquirido não fora toda esta situação criada pelas rés.

55º M

Pois, trata-se de um veículo com pouca capacidade de carga e muito menos seguro e confortável do que o veículo Nissan Qasqai, veículoaquele que não satisfaz plenamente as necessidades do autor, ao contrário deste último.

55º N

Além do mais, o veículo Nissan Qasqai sempre foi o carro dos sonhos do autor, que muito aguardou com ansiedade, o momento de poder vir a adquiri-lo e poder usá-lo.

55º O

O que conseguiu (ou pensou ter conseguido) em 31 de maio de 2011 quando contratou com a 1ª ré,

55º P

Dispondo-se a, com muito sacrifício, pagar as respectivas mensalidades à ré,

55º Q

Pelo que a situação actual de privação de uso do veículo lhe causa enorme amargura, tristeza e angústia”.

E pediu a condenação da 1ª R. a pagar-lhe uma indemnização em virtude dos danos patrimoniais e morais provocados pelo incumprimento culposo do contrato por parte dos RR. nos termos conjugados dos artigos 801º nº2, 483º e 562º do CC que não eram liquidáveis no momento.

Estes factos foram na sua quase totalidade dados como provados e constam dos pontos 27 a 41 da sentença.

Nunca o A. pediu que, por força do incumprimento do contrato de locação, a R. fosse condenada a restituir-lhe as rendas que suportou durante o período em que não pode utilizar o veículo, a não ser no requerimento inicial do incidente de liquidação.

Os factos em que o A. alicerçou o seu pedido de condenação no que se viesse a liquidar são aqueles que integravam o artigo 55º-F a 55º-Q da petição corrigida e que foram na sua quase totalidade dados como provados nos pontos 27 a 41 da sentença. Foram esses danos decorrentes da impossibilidade de utilizar o veículo e ter de adquirir um outro com os inerentes gastos, da impossibilidade de utilizar a garagem e do sofrimento provocado pela privação do veículo que o A. pediu e nenhuns outros mais.

Nunca poderia assim o tribunal condenar a R. a pagar as prestações que recebeu durante o período de paralisação, porquanto tal dano não foi reconhecido na sentença recorrida, desde logo por não ter sido pedido. Os factos relativos a este pagamento não estão integrados no conjunto de factos referidos pelo julgador que proferiu a primeira sentença, nem constituem concretização dos dados como provados nos pontos 27 a 41. Aliás, embora de modo não muito claro, afigura-se-nos que na sentença tal foi equacionado e expressamente afastado quando se refere “não há, por outro lado, que condenar o A. ou deduzir, a crédito da Ré “C”, qualquer quantia, posto que o contrato se mantém em vigor”.

A sentença de liquidação não pode condenar a parte a liquidar outros danos que não estejam já definidos na sentença, mas apenas quantificá-los.

Relativamente ao montante de 5.109,93 correspondente ao valor que o apelado pagou de prestações para aquisição do veículo de marca Peugeot, modelo 107 que adquiriu em 31.05.2012:

A indemnização pela privação do uso de um bem, como dano autónomo de natureza patrimonial, é questão que se coloca com frequência. Há quem defenda que para ser atribuída uma indemnização, o lesado tem de provar a concreta existência de prejuízos decorrentes da actuação ilícita de outrém, mas cada vez mais se vem defendendo que a simples privação ilegal do uso já integra um prejuízo de que o proprietário deve ser compensado, em última análise, com recurso às regras da equidade (conforme se defende no Ac. do STJ de 9.5.96, BMJ 457, p.325 e Ac. STJ, de 9.05.2002 (relator Faria Antunes) apudAc.TRL de 06.10.2005 (relatora Fátima Galante), Processo 2332/2005-6), como se afigura ter sido entendido na sentença de fls 362.
O direito de propriedade e o do locatário, como no caso, integra o poder de exclusiva fruição que envolve até o direito de não usar. Quando se estabelece a comparação entre a situação do proprietário e do locatário que manteve intacto o seu poder de fruição e a de um outro que dele seja privado temporariamente, é manifesto que não existe entre ambas uma equivalência substancial. A privação do uso do bem durante um determinado período origina a perda das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se tal perda não pode ser reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente.
Na 1ª sentença considerou-se que havia lugar a indemnização pelo dano resultante da privação do veículo, a fixar de acordo com a equidade. Ora, o recurso à equidade apenas ocorrerá, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos (artº 566º, nº 3 do CC). Ora, no caso, face à produção de prova em sede de incidente de liquidação, acabou por ser apurar o montante despendido pelo A. para aquisição de uma viatura destinada a substituir o veículo objecto do contrato de locação impedido de circular e condenou-se a apelante no pagamento ao A. no valor das prestações pagas durante o período em que o Nissan não pode circular.
De modo pouco claro, entende a apelante que não deve ser atribuída esta indemnização, nomeadamente, porque os danos que se pretenderam reparar com esta indemnização já foram tidos em conta na indemnização por danos morais.

Embora o Mmo Juiz a propósito do pedido de condenação a título de danos não patrimoniais, tenha reproduzido os factos relativos à privação do uso do veículo de marca Nissan, numa leitura atenta do que aí se escreveu, constata-se que os danos que se pretendeu indemnizar são os não patrimoniais - transtornos na vida diária, tristeza e angústia - e não outros, sendo certo que na fixação da indemnização, o julgador não poderia deixar de ter em atenção, a duração do período em que o A. não pode utilizar o veiculo, durante o qual se mantiveram os estados de alma descritos. Estar inquietado, angustiado por uma situação que se arrasta durante três anos, não é o mesmo que estar angustiado por uma situação que se resolveu mais rapidamente, com repercussão directa no montante reparador a arbitrar.

Na indemnização a fixar pela privação do uso, o tribunal entendeu que esse dano correspondia ao dispêndio que o A. teve de fazer para utilizar outro veículo durante o período em que esteve impedido de circular com o veículo Nissan, o que não merece censura. Aliás, se este montante peca em algum momento é por defeito e não por excesso, pois que o dano consistente na privação do uso não se esgota no pagamento do valor mensal necessário para a aquisição de um veículo de substituição, quando, como no caso, esse veículo não tem as mesmas condições, pelo menos de conforto e segurança, que o veículo substituído.

Mas ainda que se entendesse não ser de considerar o valor despendido com o pagamento das mensalidades relativas ao veículo Peugeot e se fixasse a indemnização com recurso à equidade, o montante arbitradosempre se mostraria adequado, tendo em conta o longo período de três anos em que o apelado se viu impedido de circular com o veículo, não o podendo fruir como locatário que é, sempre continuando a suportar o pagamento das rendas, importando o valor das rendas relativo ao período de imobilização forçada 11.316,08 e a necessidade do veículo para as suas deslocações quer profissionais quer de lazer seu e da sua família. A fixação da indemnização segundo a equidade tem de atender às circunstâncias concretas do caso, ponderando equilibradamente as regras da experiência, e procurando encontrar uma solução justa, evitando cair no campo da discricionariedade.

Mantém-se assim esta indemnização, procedendo apenas em parte a apelação.

IV – Decisão

Pelo exposto, julgo a apelação parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno a apelante a pagar à apelada a quantia de 9.623,16, sendo 6.123,16 a título de danos patrimoniais e 3.500,00 a título de danos não patrimoniais.

Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.

Notifique.

Guimarães, 18 de Maio de 2017


Helena Maria Carvalho Gomes Melo
Higina Orvalho Castelo
João Peres Coelho