Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HELENA MELO | ||
Descritores: | LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA EXISTÊNCIA DE DANOS QUANTIFICAÇÃO DO DANO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA FALTA DE ENTREGA DE DOCUMENTOS PARA A CIRCULAÇÃO DO VEÍCULO EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/18/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I- A liquidação da sentença só tem por fim concretizar o objecto da condenação, com respeito do caso julgado decorrente da acção declarativa. A existência do dano não pode ser relegada para o incidente, apenas a sua quantificação. II- Perante a mora no cumprimento do contrato de locação, decorrente da não entrega dos documentos necessários para a circulação do veículo, podia o apelado ter optado por se recusar a pagar a renda estipulada ao abrigo do disposto no artº 428º, nº 1 do CC. Não tendo usado dessa faculdade, inexiste fundamento para a repetição do indevido, ao abrigo do artº 476º, nº 1 do CC, pelo que não pode a apelante ser condenada a restituir as rendas recebidas. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório B….autor nos presentes autos de ação declarativa sob a forma ordinária, deduziuincidente de liquidação de obrigação fundada na sentença proferida nos presentes autos contra C…-INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, SA. (anteriormente designada por D… – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO S.A.), pedindoa condenação da Requerida no pagamento do quantia global de € 31.316,08, acrescida de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento. Alegou, em síntese, que em virtude do decidido na aludida sentença a Ré apenas registou a propriedade do veículo com a matrícula 00-LO-00 a seu favor e a locação financeira a favor do Autor em 26.3.2015, tendo o Autor ficado impedido de utilizar o veículo desde Março de 2012 a 26 de Março de 2015. Nesse período procedeu ao pagamento de 37 prestações de € 305,84 cada, no total de € 11.316,08 pela cedência do uso do veículo, tendo a Ré recebido do Autor esse montante sem lhe ter proporcionado o gozo e utilização do veículo, pelo que ocorreu um dano patrimonial, tendo direito o Autor de ser indemnizado pela Ré nesse montante. Mais alegou que tal montante é devido também nos termos do enriquecimento sem causa. Alegou ainda um prejuízo de € 1.013,23 durante o período em que esteve impedido de utilizar o veículo locado – Março de 2012 e 26 de Março de 2015 – consubstanciado no pagamento dos prémios referentes às apólices de seguro do ramo automóvel relativo ao veículo 00-LO-00; Acrescentou ainda que se viu obrigado a adquirir, em 31.5.2012, outro veículo – de marca Peugeot modelo 107 com a matrícula 00-XX-00 com recurso a financiamento passando a suportar uma prestação mensal tendo pago entre o período de 31.5.2015 a 26.3.2015 a quantia de € 5.109,93; Refere ainda que o veículo locado LO durante o período em que esteve impedido de circular – Março de 2012 a 26 de Março de 2015, - esteve aparcado na sua garagem, impedindo-o de a utilizar para outros fins, nomeadamente para aí poder guardar outro veículo ou quaisquer outros objetos o que consubstancia um prejuízo patrimonial de € 3.600,00 (100 euros/mês); Por último pelos transtornos e prejuízos causados na sua vida pessoal e familiar pela provação da utilização do veículo durante o aludido período peticiona € 7 500,00 a título de danos não patrimoniais. A Requerida veio deduzir oposição pugnando pela existência de caso julgado quanto ao limite do valor da indemnização – 2.500,00 euros -a atribuir ao Autor. Para o efeito, alega que, interpôs recurso da sentença proferida na acção declarativa, o qual não foi admitido por se ter entendido que o valor da sucumbência não era superior a metade do valor da alçada do tribunal de 1ª instância, correspondendo o valor de 2.500,00 ao limite do valor da indemnização a liquidar em incidente de liquidação. Mais referiu que o Autor não deduziu oposição ao despacho que não admitiu o recurso, conformando-se com o teor da decisão que há muito transitou em julgado pelo que existe caso julgado relativamente a esta questão. Assim, o Autor apenas pode liquidar o seu pedido até à supra referida quantia de € 2.500,00, sendo que o seu pedido extravasa em muito o montante pelo qual a Ré responde. Por último, impugnou a matéria constante na petição inicial ealegou que o autor em função docontrato se manter em vigor não pode peticionar o montante que liquidou relativo às prestações que pagou por força do contrato de locação, relativo ao período em que esteve sem poder utilizar o veículo de marca Nissan. Em sede de resposta veio o Autor pronunciar-se sobre a exceção invocada pela Ré, pugnando pela não verificação da mesma. Para o efeito alega que nos processo de liquidação e noutros em que analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência do ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários (artigo 299.º, n.º 4 do CPC). Mais referiu que nos presentes autos o Autor pediu, para além do mais, na petição inicial a condenação da Ré a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, relegando a sua liquidação para execução de sentença atribuindo à ação o valor de € 30.000,01 euros. Mais alega que na réplica veio alegar outros prejuízos patrimoniais e não patrimoniais que igualmente relegou a sua liquidação para execução de sentença, atribuindo à ampliação do pedido o valor de € 2.500,00. Na audiência de julgamento o autor requereu nova ampliação do pedido nos termos aí expostos, pretendendo a título principal ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, alegados na petição inicial e na réplica, relegando a sua liquidação para execução de sentença, pelo que o valor do pedido formulado pelo Autor na ação é de 30.000,01 + 2.500,00, ou seja € 32.500,01 euros, sendo que o valor da causa foi fixado em montante superior - € 46.935,56, pelo que o valor liquidado se contém dentro do valor da acção. Foi proferido despacho saneador (fls. 704 e seguintes) onde se relegou para final o conhecimento da excepção invocada pela R. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e afinal foi proferida sentença com o seguinte teor decisório: “Face ao exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julgo o presente incidente de liquidação parcialmente procedente, por provado, e, em consequência condeno a Ré C… – Instituição Financeira de Crédito, S.A. a pagar ao Autor B… a quantia global de € 20.939,24 (vinte mil novecentos e trinta e nove euros e vinte e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado da presente decisão até efectivo e integral pagamento sendo: - € 17.439,24 a título de danos patrimoniais; - € 3 500,00 a título de danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, absolvendo a Ré Finicrédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A. do demais peticionado. “ * A R. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações da seguinte forma: 1. A recorrente recorreu da condenação ao pagamento ao recorrido da indemnização a liquidar oportunamente para ressarcimento dos danos indicados nos pontos 27 a 41 dos factos provados na sentença liquidanda. 2. A recorrente interpôs recurso que não foi admitido uma vez que o Meritíssimo Juiz “a quo” considerou que o valor da indemnização a liquidar era de € 2.500,00 e que, por isso, não estava verificado o condicionalismo previsto no artigo 629º, nº 1 do Código de Processo Civil. 3. O recorrido não deduziu qualquer oposição a esse despacho, antes se conformando com o mesmo, acarretando o seu trânsito em julgado e a existência de caso julgado relativamente a esta questão. 4. O Meritíssimo Juiz “a quo” não confinou a indemnização a este valor por considerar não existir caso julgado. 5. A recorrente não concorda com este entendimento porque, por um lado, o despacho em causa, por complementar, integra a sentença e porque, por outro lado, não estamos perante mero despacho de expediente ou proferido no uso de poder discricionário mas sim sobre despacho que dispõe sobre as relações substantiva e processual, vinculando as partes ao seu estrito cumprimento. 6. O despacho em causa não integra assim a previsão do nº 4 do artigo 152º do Código de Processo Civil por interferir no conflito de interesses das partes e não se confinar a matéria reservada ao prudente arbítrio do julgador. 7. Não se trata também de factos instrumentais na medida em que a decisão versa sobre factos que interessam directamente à solução do pleito, sendo certo que o raciocínio do Meritíssimo Juiz “a quo” da sentença liquidanda quanto ao valor indemnizável está correcto. 8. O valor a considerar para efeito de liquidação é pois de € 2.500,00 comportando a sentença recorrida violação da lei, designadamente quanto ao caso julgado. 9. A indemnização arbitrada para ausência de gozo do bem adquirido traduz um enriquecimento do recorrido à custa da recorrente. 10. Havendo ou não privação de uso do veículo, o recorrido sempre estaria obrigado a liquidar as prestações devidas pelo contrato e em cumprimento do mesmo. 11. Quer isto dizer que para que no final do contrato o veículo passasse a integrar a esfera jurídica do recorrido este estava obrigado a pagar pontualmente as prestações, sendo que o entendimento plasmado na sentença reduz substancialmente o valor do contrato e enriquece o recorrido à custa da recorrente. 12. A indemnização a este título devida afere-se em função do efectivo prejuízo sofrido pelo recorrido e decorrente da privação do veículo e dos montantes adicionais que o recorrido teve de despender em resultado da mesma. 13. Esses montantes contendem, nomeadamente, com os custos com aluguer de veículos, despesas com transportes e lucros cessantes com eventual perda de rendimentos, sendo que a indemnização por danos morais se reporta àqueles sofridos com a privação do veículo e está por isso compreendida naquela. 14. O recorrido não fez prova desses prejuízos e foi indemnizado a esse título pelos danos morais sofridos pelo que nada lhe é devido nesta parte. 15. Vale em sede de prejuízos com a aquisição doutro veículo o alegado nos anteriores números 9 a 14. 16. Para além disso, o que aqui está em causa são os encargos financeiros suportados pelo recorrido com a aquisição do veículo e sua desvalorização no período compreendido entre a sua aquisição do veículo e o momento em que pode dispor novamente do Nissan, ou seja, Março de 2015 e não, como se pretende na sentença, as prestações pagas pelo recorrido no âmbito do contrato, uma vez, que no final do mesmo, o recorrido sempre se tornaria proprietário do veículo. 17. No final da privação de uso o recorrido estava em condições de vender o veículo, apurando-se o seu prejuízo em função da diferença entre aquilo que pagou com a aquisição do veículo e o montante que encaixaria com a sua venda ou com o apuramento do seu valor comercial naquela data. 18. É esta a medida do prejuízo sofrido pelo recorrido e não, como sustenta a sentença, o recurso à equidade relativa ao transtorno que a falta da viatura provocou o período de tempo de privação e os fins a que se destinava, factos que foram já tidos em conta na indemnização por danos morais. FORAM VIOLADOS: - Os artigos 152º, 154º, 607º, 609º, 620º, 621º, 629º e 630º. - O artigo 473º do Código Civil - O artigo 12º, nº 2 do Regulamento das Custas Processuais. A parte contrária não contra alegou. II - Objecto do recurso: Considerando que: .se ocorre ofensa de caso julgado ao atribuir-se uma indemnização ao A. superior a 2.500,00; .se não assiste ao A. direito a receber uma indemnização correspondente ao montante das rendas pagas à R. , ao abrigo do contrato de locação, durante o período em que não pode utilizar o veículo objecto do contrato; . se não assiste ao A. o direito receber uma indemnização por privação do uso do veículo, designadamente, por tal dano já ter sido ressarcido em sede de indemnização por danos não patrimoniais. III - Fundamentação Na primeira instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos: Factos Provados (constantes da sentença): Violação do caso julgado - montante máximo da indemnização A apelante vem alegar que a sentença recorrida ao condenar a apelante a pagar ao apelado uma indemnização superior a 2.500,00 euros, atentou contra o caso julgado que se formou sobre o despacho de 05.02.2015 que não admitiu o recurso por si interposto, por entender que o valor da sucumbência não era superior a metade da alçada do tribunal do qual recorria, o tribunal de 1ª instância. Vejamos: A apelante veio interpor recurso da sentença proferida nos autos a fls 362 e ss que condenou, designadamente, a 1ª R. a pagar ao A. a indemnização a liquidar oportunamente para ressarcimento dos danos indicados nos pontos 27 a 41 dos factos provados. Nas suas contra-alegações, o A. veio pugnar pela inadmissibilidade do recurso interposto, restrito que foi ao segmento em que condena a R. a pagar-lhe uma indemnização a liquidar para ressarcimento dos danos indicados nos pontos 27 a 41 dos factos provados, porque o Tribunal tinha atribuído a esse pedido o valor de 2.500,00, valor que indicara na ampliação do pedido, pelo que o valor da sucumbência não era superior a metade da alçada do tribunal de 1º instância. A fls 519 a 520 foi proferido despacho a não admitir o recurso interposto pela também aqui apelante, tendo a Mma. Juíza na fundamentação consignado, nomeadamente, o seguinte: “Da fundamentação subjacente à fixação do valor da acção resulta claramente que o valor atribuído à ampliação do pedido e da causa de pedir é de 2.500,00, sendo certo que é este valor que tem de ser tido em consideração para efeitos de indemnização a liquidar oportunamente, já que o valor atribuído ao demais peticionado pelo autor é o correspondente ao valor do contrato de locação financeira invocado pelo autor. Assim sendo, forçosa é a conclusão de que a parte da sentença de que a ré recorrente pretende apelar – a sua sucumbência – corresponde ao valor de tal indemnização que, como vimos é de 2.500,00 e, portanto, igual a metade da alçada do tribunal de que se recorre, e não superior, tanto basta para se concluir que não está verificado o pressuposto de recurso elencado no artº 629º, n 1, do CPC.” Na sentença recorrida, entendeu-se que sobre o despacho que não admitiu o recurso não se forma caso julgado, porque não faz parte integrante da sentença proferida, nem recai unicamente sobre a relação processual, mais se referindo que “por outro lado, consideramos que não adquirem de per si força de caso julgado as respostas dadas a questões para as quais não foi solicitado um “julgamento” (embora tenham sido apreciadas como antecedente lógico da resposta dada ao pedido formulado), na medida em que possam servir de fundamento a outros pedidos a outros efeitos jurídicos que não os apreciados, ficando excluídos do caso julgado os factos instrumentais e as antecedentes premissas (meros juízos sobre pontos de facto e de direito) consideradas no raciocínio do julgador para concluir por tal resposta. Assim, o tribunal não está balizado pelo teor desse despacho para a decisão do presente incidente de liquidação.” A única parte que poderia reagir ao despacho que não admitiu o recurso, era a recorrente, a aqui apelante, mediante reclamação ao abrigo do artº 643º do CPC. Efectivamente, o apelado não reagiu a este despacho, mas também não o podia fazer, ao contrário do que parece ser o entendimento da apelante, pois que não foi vencido na decisão. A única parte afectada foi a recorrente. O apelado não tinha legitimidade para reagir, porquanto a decisãolhe foi favorável (artº 631º do CPC).E ainda que o apelado não concordasse com a fundamentação, o que não se configura no caso, pois foi o próprio que suscitou a questão, não poderia reclamar, restringindo a reclamação à fundamentação. O Código não prevê a reclamação ou o recurso restrito à fundamentação. Uma parte que não ficou prejudicada com a decisão não pode interpor recurso de uma decisão que lhe foi favorável, ainda que entendesse que outra deveria ter sido a fundamentação. O caso julgado formal que se formou sobre este despacho é relativo à admissão do recurso (artº 620º, nº 1 do CPC). O caso julgado formal obsta a que o juiz possa alterar a decisão proferida, ainda que venha a entender que não decidiu bem, admitindo o recurso em momento posterior. Ficam excluídas do âmbito do caso julgado, as considerações feitas a propósito do valor da indemnização a liquidar, considerações que não constam do texto da sentença que relegou para momento ulterior a fixação da indemnização, sendo que é esta que limita os termos da liquidação e na sentença nada permite concluir que o montante da liquidação está limitado ao montante de 2.500,00 euros, não constituindo o despacho que não admite o recurso parte integrante da sentença, como defende a apelante. O despacho que constitui parte integrante da sentença é o que for proferido ao abrigo do disposto no artº 617º, nº 2 do CPC e o que retificar um erro, ao abrigo do artº 614º do CPC e jamais o que não recebe um recurso. Improcedem assim as conclusões 1ª a 9ª do apelante.
Da indemnização relativa às rendas pagas pelo apelado no contrato de locação financeira e pelas rendas pagas para aquisição do veículo de substituição Entende a apelante que não assiste ao apelado direito a ser indemnizado pelas rendas que pagou durante o período em que não pode transitar com o veículo, relativas ao veículo Nissan, em cumprimento do contrato de locação celebrado entre as partes. Em seu entender, o apelado durante o período em que se viu privado de circular com a viatura apenas tem direito aos custos com o aluguer de viatura para substituição, despesas com transportes e lucros cessantes com a eventual perda de rendimentos e aos danos não patrimoniais resultantes da privação, tendo sido arbitrada indemnização a este título. Dispõe o artº 556º, nº 1, alínea b) do CPC que é permitido formular pedidos genéricos quando, designadamente, o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artº 569º do CPC que dispõe que “quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que forem inicialmente previstos”. No caso das alíneas a) e b) do artº 556º do CPC o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do artº 358º do CPC (artº 566º, nº 2 do CPC). A expressão pedido genérico mencionada no artº 556º, nº 1 do CPC está utilizada “no sentido de pretensão de fazer valer um direito de crédito pecuniário de quantitativo não apurado ou um direito real ou de crédito a uma universalidade, designadamente um rebanho, uma biblioteca ou uma herança” (cfr. entende Salvador da Costa, Os incidentes da instância, Almedina, 2013, 6ª edição, p. 230). A liquidação da sentença só tem por fim concretizar o objecto da condenação, com respeito do caso julgado decorrente da acção declarativa. A existência do dano não pode ser relegada para o incidente, apenas a sua quantificação (cfr. autor e obra citada, p. 231 e Ac. do STJ de 07.05.98, proferido no processo 98A1117, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação da fonte). Na sentença que relegou para liquidação a indemnização destinada ao ressarcimento dos danos indicados nos pontos 27 a 41 dos factos provados, considerou-se o seguinte quanto aos danos decorrentes do incumprimento do contrato: “No caso dos autos encontra-se demonstrado que o A. sofreu danos em virtude do incumprimento do contrato – cfr. os pontos 27 a 41 dos factos provados. Cumpre sublinhar que a privação do veículo constitui um dano indemnizável, quer quando se demonstre a concreta ocorrência de despesas com transportes alternativos e de lucros cessantes, quer enquanto dano patrimonial autónomo. (…) Não se tendo alegado ou demonstrado o dispêndio de certa quantia em meios alternativos de transporte, a ablação temporária do direito de propriedade do Autor deve ser quantificada com recurso à equidade – levando em linha de conta o transtorno que a falta da viatura provocou, o período de privação e os fins a que se destinava. Por outro lado também são indemnizáveis os danos não patrimoniais demonstrados, já que a responsabilidade contratual também contempla o ressarcimento dos danos não patrimoniais – cfr.a este propósito o Ac. do STJ de 17.11.1998, in CJ/STJ, ano VI, t 3, pág. 124. Todavia, no caso dos presentes autos, não se conhece ainda toda a extensão do dano, já que esse se vai produzindo ao longo de todo o tempo em que o A. permanece privado da normal utilização do veículo locado, a qual só será possível quando se mostre cumprida a presente sentença, na parte respeitante aos pedidos formulados em terceiro e quarto lugar. Só nesse momento será possível a exacta quantificação do dano, razão pela qual, na sequência do pedido genérico formulado pelo Autor, cumpre relegar a liquidação da indemnização devida para momento ulterior, nos termos dos artigos 609º, nº 2 e 358º, nº 2 do CPC. Não há, por outro lado, que condenar o A. ou deduzir, a crédito da R. “Finicrédito” qualquer quantia, posto que o contrato se mantém em vigor”. Na sentença de liquidação recorrida entendeu-se condenar a apelante a pagar ao A. a quantia de 11.316,08, “correspondente ao pagamento das prestações devidas pela celebração do contrato de locação financeira durante o período de Março de 2012 a 26.03.2015, não tendo a R. proporcionado a contrapartida a que estava obrigada, deve o A. ser ressarcido desse montante, constituindo tal montante um dano patrimonial indemnizável e decorrente do incumprimento contratual da Ré. Aliás, não tendo a R. proporcionado ao A. o gozo e utilização do veículo – tal como era sua obrigação -, o Autor tem direito a exigir a restituição do montante que pagou durante o período em que esteve impedido de circular com o veículo, sob pena de a Ré enriquecer à custa do Autor sem causa justificativa. Com efeito, sempre o Autor teria direito a tal montante através do instituto do enriquecimento sem causa. Segundo o disposto no artº 473º do Código Civil aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, acrescentando o nº 2 que a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objetoo que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista a um efeito que não se verificou.”
Mas sem razão. Perante a mora no cumprimento do contrato de locação, podia o apelado ter optado por se recusar a pagar a renda estipulada ao abrigo do disposto no artº 428º, nº 1 do CC. Não tendo usado dessa faculdade, inexiste fundamento para a repetição do indevido, ao abrigo do artº 476º, nº 1 do CC, pelo que não pode a apelante ser condenada a restituir as rendas recebidas (cfr. se defende no Ac. do STJ de 12/07/2005, proferido no proc. 05B2352 e Ac. do TRL de 18.12.2012, proferido no proc. 1506/10). Mas ainda que assim não se entendesse, também não poderia ser atendida a pretensão do apelado. Como se referiu, a liquidação da sentença só tem por fim concretizar o objecto da condenação, com respeito do caso julgado decorrente da acção declarativa, não podendo a existência do dano ser relegada para o incidente, mas apenas a sua quantificação: Na 1ª petição inicial que apresentou, em 15 de Março de 2012, o A. pediu e apenas subsidiariamente (embora tivesse utilizado a expressão em alternativa) a condenação da 1ª R. a pagar-lhe uma indemnização em virtude dos danos patrimoniais e morais que teve com o incumprimento do contrato, que não podia liquidar,mas não alegou quaisquer factos relativos a estes danos (posteriormente em audiência de discussão e julgamento veio ampliar o pedido e requerer que essa condenação tivesse lugar a título principal, o que foi admitido). Na réplica que deduziu, o A. veio alegar estar impedido de circular com o veículo desde final de Março de 2012, pelo que não o podia utilizar nos seus afazeres profissionais e pessoais o que lhe acarretava prejuízos patrimoniais que não concretizou e não patrimoniais (desgosto por se ver privado de utilizar o veículo) e voltou a pedir, afirmando estar a ampliar o pedido, que a 1ª R. fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização em virtude dos danos patrimoniais e morais que teve com o incumprimento do contrato que no momento não eram liquidáveis. Por despacho de 24 de Outubro de 2012 a Mma. Juíza convidou o A. a alegar os factos já ocorridos que revelassem a existência e extensão dos danos pelos quais pretendia que a primeira R. fosse condenada a indemnizá-lo (fls 182). Na sequência do convite ao aperfeiçoamento, o A. veio apresentar nova petição inicial, na qual introduziu novos factos sob os artigos 55º-A a 55º-Q, alegando o seguinte: “55º A Na verdade, face aos constrangimentos e à ilegalidade da circulação sem os documentos atrás referidos, o A. viu-se forçado a deixar de circular com o veículo de matrícula 00-LO-00; 55º B O A. deixou de utilizar o veículo a partir de março de 2012; 55º C O qual está aparcado na sua garagem desde então; 55º D Estando assim a sua garagem ocupada, pelo que o autor deixou de a poder utilizar para outros fins, nomeadamente para aí poder guardar outro veículo ou quaisquer outros objectos, o que de per si constitui um transtorno na sua vida diária e uma restrição ao seu direito de propriedade dessa mesma garagem. 55º E A partir daí o autor viu-se forçado a recorrer a transportes alternativos e a pedir a favores e boleias a terceiros quer nas suas deslocações diárias para o emprego quer para os seus demais afazeres quer ainda para os seus lazeres. 55º F Inclusive, o autor chegou a pedir um veículo emprestado para fazer face a tudo isto, ficando a dever tal favor a terceiros. 55º G Pois que o veículo LO era oúnico veículo de que o autor dispunha para fazer face às suas deslocações e às do seu agregado familiar. 55º H Até que o autor se viu forçado a adquirir outro veículo face à insustentabilidade desta situação de favor e de dependência e face à previsível perdurabilidade deste impasse, cujo desfecho depende da tramitação de um processo judicial moroso, como é este. 55º I Assim, em 31 de Maio de 2002, com recurso a um financiamento, por falta de capacidade económica, o autor adquiriu o veículo automóvel de marca Peugeot, modelo 107, de matrícula 00-LI-00, 55º J Vendo-se assim no constrangimento de ter que suportar uma prestação mensal de um segundo empréstimo para a aquisição de um segundo veículo, quando apenas pode usar um deles, 55º K Sendo certo que adquiriu tal veículo que é de reduzida potência e capacidade, por ser um dos mais baratos do mercado e por não ter possibilidade económica para adquirir um melhor, 55º L Veículoeste que jamais teria adquirido não fora toda esta situação criada pelas rés. 55º M Pois, trata-se de um veículo com pouca capacidade de carga e muito menos seguro e confortável do que o veículo Nissan Qasqai, veículoaquele que não satisfaz plenamente as necessidades do autor, ao contrário deste último. 55º N Além do mais, o veículo Nissan Qasqai sempre foi o carro dos sonhos do autor, que muito aguardou com ansiedade, o momento de poder vir a adquiri-lo e poder usá-lo. 55º O O que conseguiu (ou pensou ter conseguido) em 31 de maio de 2011 quando contratou com a 1ª ré, 55º P Dispondo-se a, com muito sacrifício, pagar as respectivas mensalidades à ré, 55º Q Pelo que a situação actual de privação de uso do veículo lhe causa enorme amargura, tristeza e angústia”. E pediu a condenação da 1ª R. a pagar-lhe uma indemnização em virtude dos danos patrimoniais e morais provocados pelo incumprimento culposo do contrato por parte dos RR. nos termos conjugados dos artigos 801º nº2, 483º e 562º do CC que não eram liquidáveis no momento. Estes factos foram na sua quase totalidade dados como provados e constam dos pontos 27 a 41 da sentença. Nunca o A. pediu que, por força do incumprimento do contrato de locação, a R. fosse condenada a restituir-lhe as rendas que suportou durante o período em que não pode utilizar o veículo, a não ser no requerimento inicial do incidente de liquidação. Os factos em que o A. alicerçou o seu pedido de condenação no que se viesse a liquidar são aqueles que integravam o artigo 55º-F a 55º-Q da petição corrigida e que foram na sua quase totalidade dados como provados nos pontos 27 a 41 da sentença. Foram esses danos decorrentes da impossibilidade de utilizar o veículo e ter de adquirir um outro com os inerentes gastos, da impossibilidade de utilizar a garagem e do sofrimento provocado pela privação do veículo que o A. pediu e nenhuns outros mais. Nunca poderia assim o tribunal condenar a R. a pagar as prestações que recebeu durante o período de paralisação, porquanto tal dano não foi reconhecido na sentença recorrida, desde logo por não ter sido pedido. Os factos relativos a este pagamento não estão integrados no conjunto de factos referidos pelo julgador que proferiu a primeira sentença, nem constituem concretização dos dados como provados nos pontos 27 a 41. Aliás, embora de modo não muito claro, afigura-se-nos que na sentença tal foi equacionado e expressamente afastado quando se refere “não há, por outro lado, que condenar o A. ou deduzir, a crédito da Ré “C”, qualquer quantia, posto que o contrato se mantém em vigor”. A sentença de liquidação não pode condenar a parte a liquidar outros danos que não estejam já definidos na sentença, mas apenas quantificá-los. Relativamente ao montante de 5.109,93 correspondente ao valor que o apelado pagou de prestações para aquisição do veículo de marca Peugeot, modelo 107 que adquiriu em 31.05.2012: A indemnização pela privação do uso de um bem, como dano autónomo de natureza patrimonial, é questão que se coloca com frequência. Há quem defenda que para ser atribuída uma indemnização, o lesado tem de provar a concreta existência de prejuízos decorrentes da actuação ilícita de outrém, mas cada vez mais se vem defendendo que a simples privação ilegal do uso já integra um prejuízo de que o proprietário deve ser compensado, em última análise, com recurso às regras da equidade (conforme se defende no Ac. do STJ de 9.5.96, BMJ 457, p.325 e Ac. STJ, de 9.05.2002 (relator Faria Antunes) apudAc.TRL de 06.10.2005 (relatora Fátima Galante), Processo 2332/2005-6), como se afigura ter sido entendido na sentença de fls 362. Embora o Mmo Juiz a propósito do pedido de condenação a título de danos não patrimoniais, tenha reproduzido os factos relativos à privação do uso do veículo de marca Nissan, numa leitura atenta do que aí se escreveu, constata-se que os danos que se pretendeu indemnizar são os não patrimoniais - transtornos na vida diária, tristeza e angústia - e não outros, sendo certo que na fixação da indemnização, o julgador não poderia deixar de ter em atenção, a duração do período em que o A. não pode utilizar o veiculo, durante o qual se mantiveram os estados de alma descritos. Estar inquietado, angustiado por uma situação que se arrasta durante três anos, não é o mesmo que estar angustiado por uma situação que se resolveu mais rapidamente, com repercussão directa no montante reparador a arbitrar. Na indemnização a fixar pela privação do uso, o tribunal entendeu que esse dano correspondia ao dispêndio que o A. teve de fazer para utilizar outro veículo durante o período em que esteve impedido de circular com o veículo Nissan, o que não merece censura. Aliás, se este montante peca em algum momento é por defeito e não por excesso, pois que o dano consistente na privação do uso não se esgota no pagamento do valor mensal necessário para a aquisição de um veículo de substituição, quando, como no caso, esse veículo não tem as mesmas condições, pelo menos de conforto e segurança, que o veículo substituído. Mas ainda que se entendesse não ser de considerar o valor despendido com o pagamento das mensalidades relativas ao veículo Peugeot e se fixasse a indemnização com recurso à equidade, o montante arbitradosempre se mostraria adequado, tendo em conta o longo período de três anos em que o apelado se viu impedido de circular com o veículo, não o podendo fruir como locatário que é, sempre continuando a suportar o pagamento das rendas, importando o valor das rendas relativo ao período de imobilização forçada 11.316,08 e a necessidade do veículo para as suas deslocações quer profissionais quer de lazer seu e da sua família. A fixação da indemnização segundo a equidade tem de atender às circunstâncias concretas do caso, ponderando equilibradamente as regras da experiência, e procurando encontrar uma solução justa, evitando cair no campo da discricionariedade. Mantém-se assim esta indemnização, procedendo apenas em parte a apelação. IV – Decisão Pelo exposto, julgo a apelação parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno a apelante a pagar à apelada a quantia de 9.623,16, sendo 6.123,16 a título de danos patrimoniais e 3.500,00 a título de danos não patrimoniais. Custas por ambas as partes na proporção do decaimento. Notifique. Guimarães, 18 de Maio de 2017
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