Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ROSA TCHING | ||
Descritores: | EXECUÇÃO DESISTÊNCIA DO PEDIDO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/13/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | 1º- Numa execução, a validade da desistência do pedido relativamente a um dos executados, determina-se em função do seu objecto e da qualidade da pessoa que desiste e não de quem foi objecto dela, ou seja, do executado que beneficiou dessa desistência. 2º- Daí ser válida a desistência do pedido feita pelo banco exequente relativamente a um dos executados, na qualidade de devedor principal da livrança exequenda. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Nos autos de execução para pagamento de quantia certa que o Banco P..., S.A instaurou execução contra os executados, E... Santos e M... Valadares, veio o banco exequente desistir do pedido, ainda em dívida, contra o executado M... Santos, requerendo o prosseguimento da execução contra a executada E... , para pagamento da quantia ainda em dívida. Foi proferido despacho que declarou extinta a execução contra o executado M... Santos e ordenou o prosseguimento da execução contra a executada. Inconformada, veio a executada, E... agravar deste despacho, terminando a sua alegação pelas seguintes conclusões, que se transcrevem: “1. Porque o título dado à execução se mostra assinado pela executada, ora recorrida, e também por seu marido M..., foi a mesma proposta contra os dois, 2. Mas, porque este pagou metade da quantia exequenda, a exequente e recorrida veio reduzir o pedido a metade do inicial, 3. E desistiu, por isso, do pedido quanto ao mesmo; 4. Porém, sendo, como é, a obrigação em causa solidária, pois que "..... cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera .....", cfr. artigo 512°-1 do CC, o referido M... Santos continua responsável pelo remanescente da dívida exequenda; 5. Com efeito, preceitua o artigo 518° deste diploma que "ao devedor solidário demandado não é lícito opor o beneficio da divisão: e, ainda que chame os outros devedores à demanda, nem por isso se libera da obrigação de efectuar a prestação por inteiro ". 6. Por seu turno, diz o artigo 298°-1 do CPC que "no litisconsórcio voluntário, é livre a confissão, desistência e transacção individual, limitada ao interesse de cada um na causa "', 7. O que bem significa que a desistência do pedido contra o M... Santos, porque terá satisfeito metade da quantia em divida, é absolutamente ilegal; 8. Dado, que o seu interesse na causa corresponde à totalidade da mesma dívida; 9. Motivo por que só se pode interpretar a dita desistência do pedido como válida quando referida à sua totalidade; 10. Assim sendo, como dúvidas não há, não pode a execução prosseguir contra a executada, ora recorrente, uma vez que "a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer", cfr. artigo 295°-1 do CPC; 11. Situação que constitui excepção peremptória; 12. Dado que extingue o efeito jurídico dos factos articulados pela exequente, aqui recorrida; 13. E que tem como consequência a absolvição total da executada do pedido, cfr. artigo 493°-3 do CPC; 14. Quando, porventura, assim se não entendesse, o que, aliás, só por hipótese se admite, sem, contudo, conceder, então, haveria que considerar nula a desistência do pedido relativamente ao executado M... Santos; 15. Pois, não é possível, como vimos de demonstrar, tal desistência com o fundamento de que o mesmo pagou metade da quantia exequenda; 16. Motivo por que a execução teria que prosseguir contra os dois executados, inicialmente demandados; 17. Não obstante permanecer válida, como é, a redução do pedido a metade do montante inicialmente indicado como dívida exequenda; 18. Sendo, pois, nula a desistência do pedido relativamente ao executado M... Santos; 19. Como tal deve ser declarada, dado que representa a prática de um acto que a lei não admite que pode, manifestamente, influir no exame ou na decisão da causa; 20. Assim como nulos devem, também, ser declarados os termos subsequentes que daquela dependam absolutamente, cfr. artigos 20l°-1 e 2 e 301°-1 do CPC; 21. Por tal motivo é de concluir que só por lapso manifesto na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos proferiu o Mm° Juiz a quo o despacho recorrido; 22. Pelo que se requer a este que reforme tal despacho, nos termos do artigo 669°-2-a) e 3 do CPC. 23. Violou o Mm° Juiz a quo as normas dos artigos 512°-1 e 518° do CC, 201° - l e 2, 295°-1, 298°-1, 301°-1 e 493°-3 do CPC”. A final, pede seja revogado o despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare extinto o direito que a recorrida pretendia fazer valer, ou, pelo menos, que declare nulos a desistência do pedido relativamente ao executado M... Santos e os termos subsequentes que daquela dependam absolutamente. Não foram apresentadas contra-alegações. Foi proferido despacho de sustentação do agravo interposto. Corridos os vistos, cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO: Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93, de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente. Assim, única questão a decidir traduz-se em saber se é válida a desistência do pedido feita pelo banco exequente relativamente a um dos executados. Dos elementos constantes dos autos, verifica-se que: - O Banco P..., S.A instaurou execução para pagamento da quantia de € 9.176,93 e juros vincendos contra os executados, E... Santos e M... Valadares, com base numa livrança por estes subscrita. - Alegando ter recebido do Executado Manuel António a quantia de Euros 5,200,00, que aplicou no pagamento de juros vencidos e imposto de selo até 06 de Outubro de 2004, e o remanescente na amortização de capital, veio o banco exequente desistir do pedido relativamente àquele executado, requerendo o prosseguimento da execução contra a executada E... para pagamento da quantia ainda em dívida - Foi proferido despacho que declarou extinta a execução contra o executado M... Santos e ordenou o prosseguimento da execução contra a executada. Perante esta situação, sustenta a executada/agravante, por um lado, que a execução não pode prosseguir apenas contra ela, pois que, de harmonia com o disposto no art.295º, n.º1 do C. P. Civil, a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer. E, por outro lado, que estando em causa uma obrigação solidária , em que... cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera .....", a desistência do pedido relativamente ao executado Manuel António é ilegal, devendo ser considerada nula, pois que a isso se opõe o artigo 298°-1 do CPC. Todavia, em nosso entender, carece de qualquer razão. Senão vejamos. Como declara expressamente o art.918º, nº 1 do C. P. Civil, a desistência do exequente extingue a execução. E é também inteiramente livre como proclama o art. 296º, nº2 do C. P. Civil. Mas se é verdade estabelecer o artigo 298°, nº 1 do CPC que “No caso de litisconsórcio voluntário, é livre a confissão, desistência e transacção individual, limitada ao interesse de cada um na causa”, também não é menos verdade que o preceituado neste artigo apenas respeita aos efeitos da confissão, desistência e transacção, quando praticados por um litisconsorte ( activo ou passivo) e não quando tenha por objecto um deles. E bem se compreende que seja assim, posto que a validade da desistência determina-se em função do seu objecto e da qualidade da pessoa que desiste e não de quem foi objecto dela, ou seja, de quem beneficiou da desistência. Do mesmo modo, julgamos que a circunstância de estar em causa uma obrigação solidária emergente da subscrição de uma livrança, em nada afecta a validade da desistência da execução apenas relativamente a um dos obrigados cambiários. Desde logo, porque a solidariedade cambiária difere da solidariedade comum. Trata-se duma solidariedade imperfeita, pois que as diversas pessoas que a lei declara solidariamente responsáveis para com portador do título e relativamente às quais este tem direito de accionar, individualmente ou colectivamente, ( Cfr. art.47º da LULL, aplicável às livranças, ex vi art.77º do mesmo diploma), não são devedores solidários em sentido verdadeiro, na medida em que o pagamento feito por um deles, embora aproveitando a todos na liberação para com o portador do título, não produz na relação interna os efeitos próprios das obrigações solidárias perfeitas (cfr. art.524ºdo C.Civil eart, 49º ) . A solidariedade entre os obrigados cambiários, no dizer de Pereira Coelho In “Lições de Direito Comercial”, Sup 58, nota 2, significa apenas que o portador, assim como o signatário que realizou o pagamento recuperatório, podem exigir de qualquer dos responsáveis, individual ou colectivamente ( á semelhança do que se passa com o credor na obrigação solidária passiva) a totalidade da obrigação cambiária. Mas se assim é, então, torna-se claro nada impedir a que, no caso dos autos, o banco exequente desista da execução apenas relativamente a um dos obrigados cambiários. E nem a isso se opõe a circunstância de ambos os executados, na qualidade de principais devedores da livrança, serem entre si, condevedores solidários, pois que mesmo no âmbito das regras próprias da solidariedade passiva, o art. 518º do C. Civil, não permite ao devedor solidário demandado opor ao credor o benefício da divisão, o qual está obrigado a efectuar a prestação por inteiro, sem prejuízo de, posteriormente, vir a exercer o seu direito de regresso, nos termos do disposto no art. 524º do C. Civil. Daí não merecer qualquer censura o despacho recorrido que, por isso, será de manter. Improcedem, pois, todas as conclusões da executada/agravante. CONCLUSÃO: Do exposto poderá extrair-se que: 1º- Numa execução, a validade da desistência do pedido relativamente a um dos executados, determina-se em função do seu objecto e da qualidade da pessoa que desiste e não de quem foi objecto dela, ou seja, do executado que beneficiou dessa desistência. 2º- Daí ser válida a desistência do pedido feita pelo banco exequente relativamente a um dos executados, na qualidade de devedor principal da livrança exequenda. DECISÃO: Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e, consequentemente, mantém-se o despacho recorrido. Custas a cargo da executada/agravante. 1 - Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93, de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente. 2 - In “Lições de Direito Comercial”, Sup 58, nota 2 |