Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1469/06-1
Relator: FILIPE MELO
Descritores: INSTRUÇÃO CRIMINAL
DECISÃO INSTRUTÓRIA
DEBATE INSTRUTÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/29/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADOS IMPROCEDENTES
Sumário: I – O n°1 do art°289° do CPP preceitua: “A instrução é formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda dever levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado, mas não as partes civis”.
II – Deste artigo conclui-se que só o debate instrutório ou o interrogatório do arguido sempre que este o solicitar (n°2. parte final do art°292° do CPP) são obrigatórios na fase de instrução, constituindo a sua omissão a nulidade a que se refere a al. d) do n° 1 do art°120° do CPP, sendo que só a omissão de diligências impostas por lei integram nulidade.
III – No caso. não houve omissão do debate instrutório – foi feito o debate instrutório e, de seguida, foi proferida decisão instrutória.
IV – Interposto recurso para este Tribunal, foi decidido, por acórdão e para o que aqui interessa: “revogar a decisão instrutória na parte em que julga válidas as provas obtidas através; - das declarações prestadas por X, Y e Z, enquanto não foram constituídos arguidos”
V – Após a baixa do processo, a mesma Sr.a Juíza que presidiu ao debate instrutório, proferiu nova decisão instrutória.
VI – Basta ler atentamente esse acórdão para concluir que o que aí se dá claramente sem efeito não é a instrução e/ou o debate instrutório mas apenas (e parcialmente), a decisão instrutória, a qual só ocorre após a realização do debate (art°307° do CPP).
VII – E tal limitação é perfeitamente compreensível dado que o se pretendeu foi apenas que o Tribunal a quo reconsiderasse se a prova em que se baseou para pronunciar a arguida/recorrente, sem que fossem tidas em conta as declarações prestadas por Horácio C.... Joaquim F... e José Bragança enquanto não foram constituídos arguidos, eram suficientes para manter a sua pronúncia.
VIII – Decidindo, e bem. a MMª JIC que o acórdão desta Relação a não obriga a repetir, nem sequer reabrir o debate instrutório, também não poderia haver lugar a requerimento para a realização de outras diligências instrutórias, as quais só podem ter lugar até ao seu encerramento (cfr. art° 302° do C.P.P.)
IX – Para finalizar, há que notar que nem mesmo o princípio do contraditório se mostra violado pela não realização de novo debate instrutório. pois os arguidos tiveram oportunidade de requererem a realização de todas as provas que consideraram essenciais para a descoberta da verdade e de se pronunciar sobre todas as provas existentes nos autos aquando da realização do debate, já que com o acórdão desta relação apenas foram suprimidas provas.
X - Bem andou, pois, a MMª JIC, a mesma que presidiu ao debate instrutório, ao proferir apenas nova decisão instrutória e não praticar actos inúteis, decidindo não haver lugar a novo debate instrutório mas apenas à “reapreciação da prova, na medida em que a decisão se reportou aos meios de prova que não podem ser valorados, devendo este tribunal extrair as consequências daí advenientes para a pronúncia ou não dos arguidos”
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:
Nos presentes autos os arguidos Maria F... e Júlio F... vieram recorrer da decisão instrutória e este ultimo também dos despachos de fls. 9923 e 10399 e segs.

Ambos recursos foram admitidos.

O MºPº junto da 1ª instância respondeu, concluindo pela sua improcedência.

Também o Exmo Procurador – Geral Adjunto nesta Relação conclui pela mesma forma.
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Realizados o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, sendo que das conclusões formuladas são as seguintes as questões trazidas ao conhecimento deste Tribunal:
· Pela arguida Maria F...:
1. Saber se o despacho de fls.9922/9923, ao dispensar a realização de novo debate instrutório, omitiu um acto essencial e obrigatório, em contrário do que dispõe o artº122º nº1, parte final e 289º nº1, ambos do CPP ( Código de Processo Penal), incorrendo na nulidade insanável prevista na al. d) do artº199º do mesmo diploma;
2. Saber se ao utilizar como meio de prova as declarações dos arguidos Horácio C..., Joaquim F... e António C... a MMª JIC violou o caso julgado formado sobre o acórdão da Relação de Guimarães ou, se assim se não entender, valorou ilegalmente prova proibida, incorrendo no vício previsto no nº3 do artº118º, por referência aos artºs58º, nº4, 59º, nº1, 125º e 126º nºs 1 e 2 al. a), todos do CPP;

· Pelo arguido Júlio F...:
1. Saber se deveria ter sido realizado novo debate instrutório ou, pelo menos, reabri-lo e se a sua não realização integra a nulidade prevista no artº120º, nº2 al. d) e nº3 al. a) do CPP;
2. Saber se as declarações dos co-arguidos Horácio C..., Joaquim F... e António C... podem ser utilizadas como prova.


Bem vistas as coisas, conclui-se que as questões trazidas pelos arguidos Maria F... e Júlio F... se reconduzem, no essencial ao mesmo, sendo o recurso da primeira até mais abrangente.

Assim, por uma questão de economia serão tratadas conjuntamente.

1ª Questão:
Saber se o despacho de fls.9922/9923, ao dispensar a realização de novo debate instrutório, omitiu um acto essencial e obrigatório, em contrário do que dispõe o artº122º nº1, parte final e 289º nº1, ambos do CPP, incorrendo na nulidade insanável prevista na al. d) do artº199º do mesmo diploma:
O nº1 do artº289º do CPP preceitua:
A instrução é formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda dever levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado, mas não as partes civis.
Deste artigo conclui-se que só o debate instrutório ou o interrogatório do arguido sempre que este o solicitar (nº2, parte final do artº292º do CPP) são obrigatórios na fase de instrução, constituindo a sua omissão a nulidade a que se refere a al. d) do nº1 do artº120º do CPP.
E só a omissão de diligências impostas por lei integram nulidade Cfr. Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal II - 2002, pág.84..”
No caso, não houve omissão do debate instrutório – foi feito o debate instrutório e, de seguida, foi proferida decisão instrutória.
Interposto recurso para este Tribunal, foi decidido, por acórdão de 24.10.05 e para o que aqui interessa:
revogar a decisão instrutória na parte em que julga válidas as provas obtidas através:
- das declarações prestadas por Horácio C..., Joaquim F... e António C..., enquanto não foram constituídos arguidos”
Após a baixa do processo, a mesma Sr.ª Juíza que presidiu ao debate instrutório, proferiu nova decisão instrutória.
Basta ler atentamente esse acórdão para concluir que o que aí se dá claramente sem efeito não é a instrução e/ou o debate instrutório mas apenas (e parcialmente), a decisão instrutória, a qual só ocorre após a realização do debate (artº307º do CPP).
E tal limitação é perfeitamente compreensível dado que o se pretendeu foi apenas que o Tribunal a quo reconsiderasse se a prova em que se baseou para pronunciar a arguida/recorrente, sem que fossem tidas em conta as declarações prestadas por Horácio C..., Joaquim F... e José Bragança enquanto não foram constituídos arguidos, eram suficientes para manter a sua pronúncia.
Decidindo, e bem, a MMª JIC que o acórdão desta Relação a não obriga a repetir, nem sequer reabrir o debate instrutório, também não poderia haver lugar a requerimento para a realização de outras diligências instrutórias, as quais só podem ter lugar até ao seu encerramento (cfr. artº302º do C.P.P.)
Para finalizar, há que notar que nem mesmo o princípio do contraditório se mostra violado pela não realização de novo debate instrutório, pois os arguidos tiveram oportunidade de requererem a realização de todas as provas que consideraram essenciais para a descoberta da verdade e de se pronunciar sobre todas as provas existentes nos autos aquando da realização do debate, já que com o acórdão desta relação apenas foram suprimidas provas.
Bem andou, pois, a MMª JIC, a mesma que presidiu ao debate instrutório ao proferir apenas nova decisão instrutória, não praticar actos inúteis, decidindo não haver lugar a novo debate instrutório mas apenas à “reapreciação da prova, na medida em que a decisão se reportou aos meios de prova que não podem ser valorados, devendo este tribunal extrair as consequências daí advenientes para a pronúncia ou não dos arguidos”

2ª Questão:
Saber se ao utilizar como meio de prova as declarações dos arguidos Horácio C..., Joaquim F... e António C... a MMª JIC violou o caso julgado formado sobre o acórdão da Relação de Guimarães ou, se assim se não entender, valorou ilegalmente prova proibida;
Voltando ao acórdão em causa, nele se escreve, citando Medina Seiça:” Por isso, e em conclusão, entendemos que todas as declarações probatórias prestadas por alguém que não foi, indevidamente, constituído arguido, caem sob a alçada da proibição de valoração do art.58.º, n.º4, que aproveita, também, aos terceiros eventualmente incriminados.
E, mais adiante, conclui-se: “Por isso, nesta parte julga-se o recurso procedente e, consequentemente, decide-se que as declarações prestadas por Horácio C..., Joaquim F... e António C..., enquanto não foram constituídos arguidos, não podem ser valoradas e utilizadas como prova contra a arguida/recorrente (itálico e sublinhado nosso).
Torna-se bem claro que apenas as declarações prestadas antes de serem constituídos arguidos não podem ser utilizadas - única questão levantada no recurso, para além da nulidade das escutas telefónicas.
Já quanto às prestadas, após terem sido constituídos arguidos, continuando a seguir Medina Seiça Medina Seiça – O Conhecimento Probatório do Co-Arguido – Stvdia Ivridica 42 – Coimbra Editora, pág.77. tal como naquele acórdão, desde que eles tenham sido devidamente esclarecidos sobre a sua posição processual e os respectivos direitos e deveres (artº61º do C.P.P.) antes do interrogatório, nada obsta a que sejam utilizadas como meio de prova (as declarações dos co-arguidos são um meio de prova e como tal podem ser valoradas Cfr. Ac. S.T.J. de20/06/01, in CJ, Acs. S.T.J., tomo II, pág. 230 e Ac. S.T.J. de 19/12/96, in CJ, Acs. S.T.J., tomo IV, pág. 214 e segs.).
De resto, parece-nos ser também esta a posição de Costa Andrade Sobre as proibições de prova em processo penal, pág.89. sobre a questão.
Assim, para concluir, as declarações prestadas pelos arguidos Horácio C..., Joaquim F... e António C..., após terem sido constituídos arguidos podem ser utilizadas como meio de prova, o que em nada viola o caso julgado formado sobre o acórdão desta Relação, acima citado nem constitui prova proibida.



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Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedentes in totum ambos os recursos interpostos por Maria F... e por Júlio F....
Cada um dos recorrentes pagará 5 UCs de taxa de justiça.


Guimarães, 29 de Janeiro de 2007