Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE TEIXEIRA | ||
Descritores: | PROCESSO DE INSOLVÊNCIA REPRESENTAÇÃO DO CREDOR ABERTURA DE “VISTA” AO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/19/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I- No artigo 154, nº 2, do C.P.C., o legislador afastou a fundamentação meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de aderência a razões invocadas por uma parte, exigindo a fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pelas partes, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma. II- Assim, para que a decisão careça de fundamentação “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente”, sendo também “preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. III- O termo «requer» ou «requerimento» mesmo quando utilizado pelo C. P. Civil, não tem um significado técnico preciso, aí se empregando para diversos fins e abrangendo actos processuais da mais variada natureza. IV- Não fornecendo o C.P.C, a definição de promoção, teremos de concluir que "a promoção é também ela um «requerimento», normalmente sucinto e singelo, sem autonomia relativamente aos autos, da exclusiva lavra do Ministério Público e por este adoptado no exercício das suas funções legais de assistência e fiscalização, isto é, quando intervém como parte acessória no processo". V- Assim, nas situações em que o Ministério Público assume uma intervenção principal, enquanto representante de um credor, a tomada de posição em defesa dos interesses nesta fase processual deve ocorrer mediante requerimento, como acontece com os demais credores ou interessados, e não através de promoção subsequente a uma vista, assim se compreendendo que lei (at. 182º do CIRE) não preveja para estas situações a ida dos autos com vista ao Ministério Público., sendo, no entanto, observado o princípio do contraditório, nos termos supra referidos, em plano de igualdade entre todos os interessados (cfr art. 4º do CPC). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães. I – RELATÓRIO. Recorrente: Ministério Público. Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão. Por despacho proferido nos autos incidente sobre o requerimento de 29-6-2020, apresentado pelo o Mº Pº, em que se pronuncia quanto ao teor do relatório apresentado pela administradora enquanto representante de um credor da insolvência, entendeu-se não haver fundamento legal para abrir vista a um credor da insolvência face ao princípio da igualdade de tratamento dos credores da insolvência pois todos se pronunciam por requerimento, o que assim já não será quando se trata de tomar posição quando representa o Estado. Inconformada com tal decisão, apela o Mº Pº, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões: 1. Não se detecta qualquer amparo factual, adjectivo ou substantivo (note-se que não foi feita referência a qualquer normativo legal) para suportar o despacho esquadrinhado que, de uma forma singela, limitou-se a fazer apelo a um equívoco princípio de igualdade de tratamento de credores para não determinar a abertura de “vista” ao magistrado do Ministério Público subscritor das presentes alegações, imprecisamente apodado de “credor da insolvência”; 2. Esta deliberação é nula por falta de fundamentação nos termos das disposições conjugadas dos arts. 154º, nº 1, e 615º, nº 1, al. b), este aplicável ex vi 613º, nº 3, todas as disposições do Código de Processo Civil; 3. A mesma nulidade deve ser obrigatoriamente apreciada na primeira instância, conforme preceituado no artº 617º, nº 1, do Código de Processo Civil; 4. O Ministério Público é uma magistratura autónoma e paralela à judicial e, como tal, a prática de actos processuais pelo seu corpo de magistrados tem a mesma dignidade que a destes, aliás atestada de forma expressiva e unívoca pela lei adjectiva e administrativa (arts. 156º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Civil, e 19º, nº 1, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto), não podendo um Procurador da República quando no exercício das funções infra ser equiparado a ilustre causídico em patrocínio de parte interessada; 5. No Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Ministério Público tem um poder de iniciativa e intervenção com fundamento normativo próprio, autónomo e independente daquele que respeita aos credores; 6. Intervém a título principal nas insolvências, e processos afins, na defesa dos interesses colectivos/públicos e, reflexamente, na defesa das entidades (credores) por si representadas; 7. Tal realidade abrange as tipificadas intervenções processuais (prestações de contas, incidentes de qualificação da insolvência e participação em assembleias de credores, as duas primeiras em “termo de vista” e nunca através de requerimentos), sistemáticas e independentes da representação de credores; 8. Mas abarca, também e seguramente, todas as outras manifestações processuais que, não estando expressamente previstas, resultam da boa e correcta instrução do processo e da defesa dos interesses públicos (reflexamente dos credores por si representados, quando tal ocorre) que ao Ministério Público está acometida [pronúncia sobre o relatório a que alude o artº 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, quando não é realizada a assembleia de credores (1), sobre o cálculo da remuneração variável (2) e sobre o mapa de rateio, logo que junto [3]; 9. Os actos dos magistrados do Ministério Público são concretizados no âmbito dos “termos de vista” (tal como aqueles dos magistrados judiciais são cristalizados em “termos de conclusão”) que, inclusivamente, abarcam a previsão processual de vistas “de mero expediente”; 10. A existência da magistratura do Ministério Público está constitucionalmente consagrada, também como garante da legalidade; 11. Foram violados os arts. 202º, nº 2, e 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, 4º (assim agasalhando uma interpretação inconstitucional dos poderes organizacionais dos juízes e comprimindo intoleravelmente a actuação funcional do Ministério Público), als. a), h), j) e m), 9º, al. f), e 96º da Lei nº 68/2019, de 27 de Agosto, 3º, nº 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 2/2020, de 31 de Março, 154º, nº 1, 156º, nºs. 2 e 3, e 615º, nº 1, al. b), este aplicável ex vi artº 613º, nº 3, todos do Código de Processo Civil. Para efeitos do disposto no artº 646º, nº 1 e nº 3, do Código de Processo Civil, o Ministério Público requer que o presente recurso seja instruído com o requerimento e o despacho identificados em I, a serem disponibilizados electronicamente. 20. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais. * Não foram apresentadas contra-alegações.* Colhidos os vistos, cumpre decidir.* II- Do objecto do recurso.Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes: - Apreciar da existência do vício de falta de fundamentação, prevista no artigo 615, nº 1, al. b), do C.P.C.. - Analisar se no presente processo deve ou não ser concedida vista ao Mº Pº. * III- FUNDAMENTAÇÃO.Fundamentação de facto. Em 8/07/2020, foi proferido despacho nestes autos que, pronunciando-se sobre a admissibilidade de se concedida vista no processo ao Mº Pº, tem o seguinte teor: (…) Requerimento de 29-6-2020: Indefiro o requerido pois o MP pronuncia-se quanto ao teor do relatório apresentado pela administradora enquanto representante de um credor da insolvência e não há fundamento legal para abrir vista a um credor da insolvência face ao princípio da igualdade de tratamento dos credores da insolvência pois todos se pronunciam por requerimento. Já assim não será quando se trata de tomar posição quando representa o Estado. (…) Fundamentação de direito. Mais alega a Recorrente que o despacho recorrido será também nulo porque o tribunal não fundamentou devidamente a sua decisão, ao não ter invocado qualquer razão de direito para decidir como decidiu. A fundamentar a invocada nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação, prevista no artigo 615, nº 1, al. b), do C.P.C., alega o Recorrente não se detectar qualquer amparo factual, adjectivo ou substantivo para suportar o despacho recorrido que, de uma forma singela, se limitou a fazer apelo a um equívoco princípio de igualdade de tratamento de credores para não determinar a abertura de “vista” ao magistrado do Ministério Público subscritor das presentes alegações, imprecisamente apodado de “credor da insolvência”. E assim sendo, devendo as decisões dos Tribunais ser fundamentadas na forma prevista na lei, ao não fundamentar o despacho recorrido, o Tribunal a quo violou as normas ínsitas nos artigos 615°, n.º 1 al. b) e 613°, n.º 3 do C.P.C. e 205°, n.º 1 da CRP, enfermando, assim, tal despacho, de uma nulidade á luz do disposto nos nestes mesmos preceitos legais. Às decisões judiciais aplica-se o princípio geral decorrente do art. 154º, nº1, do C. P. Civil, a saber, encontra-se neste preceito imposto um dever geral de fundamentação de todas as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, acrescentando no nº 2 que a justificação não pode consistir na mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. Estruturalmente, na arquitectura do nosso ordenamento jurídico, a fundamentação das decisões constitui a sua verdadeira e válida fonte de legitimação, e por isso tal específico dever se encontra constitucionalmente plasmado (art. 205º, nº 1 da C.R.P., ao prescrever que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas na forma prevista na lei). Tal dever de fundamentação(1) cumpre, em geral, duas funções: uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação de controle crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, juízo concordante ou divergente; outra, de ordem extraprocessual, que procura tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão. A necessidade de fundamentação radica quer na função dos tribunais como órgãos de pacificação social, o que torna necessária a explicitação dos fundamentos das decisões como forma de persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada (procurando o convencimento das partes mediante a argumentação dialéctica própria da ciência jurídica), quer na recorribilidade das decisões judiciais, o que implica a necessidade da parte vencida conhecer os fundamentos em que o julgador se baseou para os poder impugnar devidamente (2). Tal exigência de fundamentação – garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático e do direito fundamental de recurso, que com essa justificação modela a fórmula constitucional e o conteúdo de tal exigência (3) – está expressamente consagrada, em termos gerais, no art. 154º do C.P.C., mostrando-se ainda patente em vários preceitos processais civis – vejam-se o art. 607º, nº 4 do C.P.C. (quanto à exigência de fundamentação do despacho que decida da matéria de facto controvertida), o art. 607º, nº 3 do C.P.C. (relativo à exigência de fundamentação da sentença) e o próprio art. 615º, nº 1, b) do C.P.C. (que comina com a nulidade os despachos ou sentenças que não observem o dever de fundamentação). Para que a decisão careça de fundamentação “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” (4). Assim, por exemplo, Miguel Teixeira de Sousa (5) refere que “... esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208º, nº 1 CRP e artigo 158º, n° 1 CPC) ...o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo ( ... ) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão ( ... ); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível". No mesmo sentido se pronuncia, Lebre de Freitas (6), afirmando que "... há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação". De igual modo, Antunes Varela (7), entende que a nulidade existe quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão e não a mera deficiência de fundamentação. Acresce que, conforme decorre do exposto, nos termos do n° 2 do citado art. 154º do CPC a fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade, tudo circunstâncias que não se verificavam no caso concreto. O legislador, neste preceito legal, afasta a fundamentação meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de aderência a razões invocadas por uma parte, exigindo a fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pelas partes, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma. De tudo o exposto, como evidente resulta que, quer a ausência total de fundamentação, quer a existência de uma fundamentação de facto ou de direito que seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, constituirão causas de nulidade da sentença por falta de fundamentação. Ora, tecidas estas breves considerações e revertendo agora à análise da situação vertente, temos que, analisada a decisão recorrida com relação à sua fundamentação, embora se reconheça ser exígua e, por isso, ser perfeitamente justificável um maior aprofundamento desses seus fundamentos, parece-nos, no entanto, que os mesmos são perfeitamente perceptíveis, de molde a permitirem às partes “o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação” e o “controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão”. Na verdade, analisados os fundamentos da decisão recorrida constata-se que dela consta que o requerimento apresentado vai indeferido uma vez que, no entendimento desse despacho, “o MP pronuncia-se quanto ao teor do relatório apresentado pela administradora enquanto representante de um credor da insolvência e não há fundamento legal para abrir vista a um credor da insolvência face ao princípio da igualdade de tratamento dos credores da insolvência pois todos se pronunciam por requerimento”, o que, acrescenta, já assim não seria “quando se trata de tomar posição quando representa o Estado”. E assim sendo salvo o muito e devido respeito, mesmo que exiguamente fundamentado, o despacho recorrido expressa as razões do indeferimento, de um modo coerente, justificado e perceptível, já que, certo ou errado, deixa bem claro o critério em que se alicerça, ou seja, se o Mº Pº actua em representação de um credor ou do estado, pelo que, à evidência resulta de tudo exposto que a decisão proferida contém fundamentos, não enfermando por isso de qualquer nulidade e, designadamente, das previstas art. 615º, nº 1, b) e d), do C.P.C., uma vez que dá plena observância ao dever de fundamentação. Improcede, assim, nesta parte a apelação. Mais alega o Recorrente que, enquanto magistrado do Mº Pº, intervém a título principal nas insolvências, e processos afins, na defesa dos interesses colectivos/públicos e, reflexamente, na defesa das entidades (credores) por si representadas, sendo que, tal realidade abrange as tipificadas intervenções processuais (prestações de contas, incidentes de qualificação da insolvência e participação em assembleias de credores, as duas primeiras em “termo de vista” e nunca através de requerimentos), sistemáticas e independentes da representação de credores. E mais alega, que abarca também todas as outras manifestações processuais que não estando expressamente previstas, resultam da boa e correcta instrução do processo e da defesa dos interesses públicos (reflexamente dos credores por si representados, quando tal ocorre) que ao Ministério Público está acometida [pronúncia sobre o relatório a que alude o artº 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, quando não é realizada a assembleia de credores, sobre o cálculo da remuneração variável (2) e sobre o mapa de rateio, logo que junto. Em seu entender, os actos dos magistrados do Ministério Público são concretizados no âmbito dos “termos de vista” (tal como aqueles dos magistrados judiciais são cristalizados em “termos de conclusão”) que, inclusivamente, abarcam a previsão processual de vistas “de mero expediente”. E assim sendo, conclui referindo terem sido violados os arts. 202º, nº 2, e 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, 4º (assim agasalhando uma interpretação inconstitucional dos poderes organizacionais dos juízes e comprimindo intoleravelmente a actuação funcional do Ministério Público), als. a), h), j) e m), 9º, al. f), e 96º da Lei nº 68/2019, de 27 de Agosto, 3º, nº 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 2/2020, de 31 de Março, nº 1, 154º, nº 1, 156º, nºs. 2 e 3, e 615º, nº 1, al. b), este aplicável ex vi artº 613º, nº 3, todos do Código de Processo Civil. Termos em que se conclui que se revogue o douto despacho averiguado e determine a abertura de vista ao Ministério Público para que, no exercício do seu poder/dever de garante dos interesses colectivos (mas no caso também da Autoridade Tributária e Aduaneira), com actuação funcional plena na insolvência, emita pronúncia sobre o relatório junto pelo (a) Excelentíssimo (a) Senhor (a) administrador (a) da insolvência nos termos do artº 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, assim se fazendo inteira. Ora a propósito de questão idêntica, por merecerem a nossa anuência, cita-se o que vem referido no acórdão desta Relação, de 5/11/2020, proferido no processo nº 105/19.4T8VNF-G.G1, onde se refere o seguinte: (…) A antiga orientação do Estatuto Judiciário que cometia ao Ministério Público, na qualidade de síndico da falência, a tarefa de “orientar e fiscalizar os actos do administrador e providenciar para que este proceda com a devida diligência no exercício do cargo” (artº 73º als. c) e i) E.J.), foi expressamente revogada pelo artº 9º do Decreto Preambular do CPEREF e de modo algum poderá ser repristinada para a actualidade do CIRE. O papel do Ministério Público, hoje em dia, no processo de insolvência, é apenas o de representação do Estado e de outras entidades públicas (art.s 219º C.R.P. e 2º do E.M.P.), sem prejuízo do controlo da legalidade democrática que sempre exerce, e que se traduz na prática, acima do mais, nos poderes que lhe são conferidos pela titularidade da acção penal e da legitimidade para recorrer das decisões que se lhe mostrem desfavoráveis – art.s 631º nº 2 C.P.Civ. e 17º CIRE. Note-se igualmente que Estatuto do Ministério Público confere a esta entidade o direito de intervir nos “processos de insolvência e afins, bem como em todos os que envolvam interesse público;” (art. 4º nº1 al. m) da Lei nº 68/2019, de 27 de Agosto). Tal intervenção exerce-se como “acessória” quando não ocorra nos termos do art. 9º do E.M.P – art. 10º do E.M.P. Nessa exacta medida, inexistindo exigência legal expressa de ser aberta vista ao Ministério Público para eventual pronúncia sobre o mapa de rateio, num caso em que essa entidade representa o credor – Autoridade Tributária, ao contrário do que se verifica, por exemplo, na situação prevista no art. 188º, nº 4, do CIRE, carece de razão o recorrente quando pretende que os autos lhe sejam presentes com vista para o referido efeito, não se bastando com a notificação do referido mapa. De resto, cumpre-se o princípio do contraditório amplamente previsto no art. 3º do CPC, com a notificação a todos os credores e/ou seus representantes legais do mapa do rateio elaborado, incluindo o Ministério Público, aqui representante da Autoridade Tributária, facultando-se assim aos interessados a possibilidade de o conhecerem, tomarem posição sobre o mesmo e de relativamente a ele requerem o que tiverem por conveniente. Em todo o caso, os actos praticados no processo por magistrados do Ministério Público podem sê-lo por requerimento ou por promoção. E quer num caso, quer noutro, a lei não lhe atribui um significado preciso, sendo certo que a promoção não deixa de ser, na sua essência, também um requerimento. A este respeito e neste sentido se sumariou no Ac. da Relação de Coimbra, de 04.05.2010, disponível em dgsi: “O termo «requer» ou «requerimento» mesmo quando utilizado pelo C. P. Civil, não tem um significado técnico preciso, aí se empregando para diversos fins e abrangendo actos processuais da mais variada natureza. 2) Do mesmo modo, o referido Código não fornece a definição de «promoção», apesar de a este acto processual se referir expressamente, designadamente no seu art. 160º (actual artigo 156). 3) Nesta conformidade teremos de concluir que "a promoção é também ela um «requerimento», normalmente sucinto e singelo, sem autonomia relativamente aos autos, da exclusiva lavra do Ministério Público e por este adoptado no exercício das suas funções legais de assistência e fiscalização, isto é, quando intervém como parte acessória no processo" (8). No caso que nos ocupa, o Ministério Público assume uma intervenção principal, enquanto representante de um credor, pelo que a tomada de posição em defesa dos interesses deste na apontada fase processual deve ocorrer mediante requerimento, como acontece com os demais credores ou interessados, e não através de promoção subsequente a uma vista. Assim se compreende que lei (at. 182º do CIRE) não preveja para o caso vertente a ida dos autos com vista ao Ministério Público. E sendo observado o princípio do contraditório, nos termos supra referidos, em plano de igualdade entre todos os interessados (cfr art. 4º do CPC), também se nos afigura aqui despicienda essa formalidade. Finalmente, na medida em que a decisão recorrida não atentou contra a função jurisdicional dos tribunais, nem contra as funções e estatuto do Ministério Público, em razão de tudo o exposto, não se constata a alegada violação da previsão dos art. 202º e 219º da Constituição da Republica Portuguesa. Concluindo, não vislumbramos razões para revogar a decisão recorrida, pelo que se impõe a improcedência de todas as demais conclusões do recurso”. (…) Ora, tal como decorre da fundamentação acórdão acabado de cita, é também nosso entendimento o de que, na presente situação, o Ministério Público assume uma intervenção principal, enquanto representante do credor, ou seja, não pretende sequer intervir na prossecução do interesse estritamente público, caso em que seria admissível a Vista e a Promoção, mas apenas como representante de credor e, por isto, na qualidade de parte, igual às outras, não estando em causa qualquer desrespeito pelo seu Estatuto Constitucional e Legal. E assim sendo, anuindo à fundamentação acabada de referir, improcede a apelação, com a consequente manutenção da decisão recorrida. IV- DECISÃO. Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar totalmente improcedente o presente recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida. Sem custas. Relator: Jorge Alberto Martins Teixeira. Adjuntos: Desembargador José Fernando Cardoso Amaral. Desembargadora Helena Gomes de Melo. Guimarães, 19/ 11/ 2020. Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil. 1. Como foi salientado já no Ac. TC nº 304/88, de 14/12 no BMJ 382/230 e no DR, II Série, de 11/04/1989. 2. Cfr. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 688 e 689. 3. Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional de 11/01/2000, na sítio http://w3.tribunalconstitucional.pt. 4. Cfr. A. Varela e outros, obra citada, p. 687. 5. Estudos Sobre o Processo Civil. pg. 221. 6. In Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pg. 669. 7. In Manual de Processo Civil, pg. 667. 8. Cfr. Ac. da Relação de Coimbra, de 04.05.2010, proferido no processo nº 538/03.8TBTNV-E.C1, in www.dgsi.pt. |