Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
180/11.0TBVRM.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CASO JULGADO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – O princípio da intangibilidade do caso julgado não é absoluto, comportando possíveis excepções, sendo que a tutela dos direitos fundamentais, também não é absoluta e isenta de todo e qualquer limite, restrição ou condicionamento.
2 – A importância do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado decorre da própria opção feita pelo legislador constitucional, que se mostra plasmada no nº3 do art. 282º da Lei Fundamental, que proclama categoricamente o princípio da ressalva dos casos julgados, apenas admitindo as excepções previstas nessa norma (todas elas ligadas ao domínio do direito penal e do direito sancionatório público), e, nessa medida, insusceptíveis de aplicação analógica a outras áreas do ordenamento jurídico.3 - O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009 de 01/04, é suficiente para o exercício maduro e ponderado do direito de propor acção de investigação de paternidade, não exigindo o princípio constitucional de protecção do direito fundamental à identidade pessoal, a imprescritibilidade deste tipo de acção.
4 – Este entendimento está consagrado na decisão proferida em plenário do Tribunal Constitucional e exarada no Acórdão n.º 401/2011 de 22/09/2011, que não julgou inconstitucional essa norma, decisão essa que vem sendo seguida pelas decisões mais recentes desse Tribunal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
F.. intentou ação de investigação de paternidade contra M.., D.., J.., P.. e I.., como herdeiros de O.., falecido em 08/11/2010, alegando que nasceu, em 21/02/1975, do relacionamento amoroso havido entre sua mãe e este O.., devendo declarar-se que a autora é sua filha, retificando-se o registo de nascimento em conformidade.
Contestaram as rés M.. e D.., excecionando o caso julgado, em virtude de, em 1976 ter sido intentada uma ação de investigação de paternidade, pela mãe da autora, na qualidade de legal representante de sua filha, contra o presuntivo pai, O.., ação que viria a ser julgada improcedente, o que também já havia acontecido com a ação de averiguação oficiosa intentada pelo MP contra o mesmo O... Mais impugnam, por falsos, ou por desconhecimento, os fatos alegados, sustentando que a mãe da autora, antes do nascimento de sua filha, teve, pelo menos, um namoro com um indivíduo conhecido.
Replicou a autora, para dizer que face ao valor mais alto do direito ao conhecimento da verdade biológica e considerando os meios de prova científicos que hoje existem e que não existiam à data das anteriores ações de investigação de paternidade, terá que cair o caso julgado, prevalecendo o direito à verdade biológica sobre o direito à paz social e à segurança jurídica.

Teve lugar audiência preliminar, no âmbito da qual foi proferida decisão que, em face do caso julgado, absolveu os réus da instância.
Discordando da decisão, dela interpôs recurso a autora, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto despacho proferido nos presentes autos, que absolveu os Réus da instância com base na excepção do caso julgado.
II. a questão que substancialmente está em causa é a da compatibilização prática entre o princípio constitucional da intangibilidade e imutabilidade do caso julgado e a tutela do direito fundamental à identidade pessoal.
III. Entendeu o Mº Juiz a quo, verificar-se, in casu, a execpção do caso julgado, decidindo no sentido de ter precludido o direito da Autora intentar nova acção, com os mesmos fundamentos e com a mesma pretensão a que já, antes, fora negado provimento.
IV. Assim, o real objecto da controvérsia circunscreve-se em saber se, tendo sido julgada improcedente acção de reconhecimento judicial, intentada pela pretensa filha, com fundamento na falta de prova, o caso julgado material, resultante de tal decisão, cede em detrimento de um valor colossal como o da certeza biológica.
V. Entendemos que tal interpretação não pode colher sob pena de uma flagrante injustiça e desigualdade.
VI. Não pode um direito tão importante como é o da identidade biológica ser macerado pela excepção do caso julgado.
VII. É facto que, correram termos acções de averiguação oficiosa de paternidade e de investigação de paternidade ilegítima, intentadas, respectivamente, pelo Ministério Público e pela mãe da Autora em representação desta, nos anos de 1975 e 1976.
VIII. Tais acções foram julgadas improcedentes por falta de prova, pois foram baseadas na falível prova testemunhal.
IX. Acresce que, em pleno século XXI, a prova rainha nesta matéria é a prova hematológica, tendente à verificação do ADN, representando um meio de fiabilidade absoluta da descoberta da verdade biológica.
X. O acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/06, escreve que “ (…) os avanços científicos permitiram o emprego de teste de ADN com uma fiabilidade próxima da certeza - probabilidades bioestatísticas superiores a 99,5%”.
XI. Assim, nesta situação, mitigando o caso julgado, pode-se terminar, de modo absoluto, com a incerteza da vida da Autora, que ao longo de intermináveis anos sofreu e continua a sofrer a falta da sua paternidade e nome.
XII. O que aqui está em jogo é muito mais do que a paz social, função do princípio da intangibilidade do caso julgado.
XIII. Trata-se da identidade pessoal da Recorrente – o direito a conhecer a paternidade - que se inscreve no âmbito dos direitos de personalidade.
XIV. O direito à identidade biológica é um direito constitucionalmente consagrado - artº 26.º, n.º 1 da CRP.
XV. É o direito de, cada um, conhecer as suas raízes, a sua identidade pessoal e genética, a sua historicidade pessoal.
XVI. O direito à identidade biológica é um pilar estruturante da própria vida, cuja limitação tem de ser constitucionalmente legitimada e proporcional.
XVII. Em nome da verdade, da justiça e de valores que merecem a mais possante tutela, o caso julgado - e a paz social que dele advém - não podem prevalecer sobre o direito inviolável da identidade pessoal, antes terão que ser compatibilizados e harmonizados.
XVIII. Questão, esta que terá de ser resolvida, não recorrendo aos efeitos do caso julgado, mas sim à sensibilidade do aplicador da lei, o julgador.
XIX. Assim sendo, deve o despacho ora recorrido ser reformulado, por violação de princípios constitucionalmente consagrados, máxime, o artº 26º da Constituição da Republica Portuguesa, no sentido de abrogar, denegar, a excepção de caso julgado, permitindo à Recorrente prosseguir com a presente acção, a fim de, através da perícia hematológica, estabelecer a paternidade omissa,
XX. Devendo declarar-se que a interpretação que o despacho recorrido faz da
eficácia do caso julgado é inconstitucional e deve ceder perante um direito mais forte: o direito ao nome, filiação e identidade biológica.
Termina pedindo a revogação da decisão impugnada.

As rés contestantes contra alegaram pugnando pela confirmação do despacho recorrido.
O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.

Já neste Tribunal da Relação foram as partes notificadas para se pronunciarem, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, sobre a possibilidade de se colocar a questão da eventual caducidade do direito da autora, nos termos do disposto no artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009 de 01/04, face ao decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, de 22/09/2011.
Responderam ambas as partes, pugnando as rés pela caducidade do direito da autora e esta pela validade e temporalidade do seu direito, invocando a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 1817.º do CC, na redação que lhe é dada pela Lei 14/2009 de 01/04.

Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver traduzem-se em saber:
- se, tendo sido julgada improcedente ação de reconhecimento judicial de paternidade, intentada pela mãe, em representação de sua filha menor, agora aqui autora, o caso julgado material, decorrente de tal decisão deve ceder, em consequência de, em momento ulterior se ter tornado possível a utilização de meios de tecnologia avançada que permitem estabelecer a paternidade sem qualquer dúvida e atendendo a que está em causa o direito ao conhecimento da verdade biológica;
- se tal se mostra compatível com a caducidade da ação, entretanto ocorrida.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida não foram fixados os factos, em oposição ao que determina o artigo 659.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, pelo que passa a suprir-se tal falta, elencando-se os factos provados (por documento):
1 - A autora nasceu no dia 21 de fevereiro de 1975, na freguesia e concelho de Vieira do Minho;
2 - Por sentença de 6-7-1976, transitada em julgado, proferida no processo n° 53/75, que correu seus termos no Tribunal de Vieira do Minho, em que era autor o Ministério Público, em representação da menor, aqui autora, e réu o pretenso pai O.., foi o aludido réu absolvido do pedido;
3 - Na referida acção pedia-se que a menor fosse reconhecida como filha ilegítima do réu:
4 - Posteriormente, por sentença de 07/05/1979, transitada em julgado, proferida no processo n° 108/76, que correu termos pelo Tribunal de Vieira do Minho, em que era autora G.., na qualidade de legal representante da aqui autora, sua filha e réu aquele mesmo O.., foi o mesmo réu absolvido do pedido;
5 - Na referida acção pedia a autora que fosse declarada a sua representada, sua filha, F.., filha ilegítima do réu;
6 - Em 25/05/2011 intentou a autora F.. a presente acção contra os herdeiros daquele O.., falecido em 08/11/2010, na qual pede que seja declarado que a autora é filha do dito O...

A decisão recorrida tem o seguinte teor:
«Do Caso Julgado
Na contestação excepcionaram as Rés M.. e D.. com o caso julgado, alegando que a presente acção é igual a uma outra intentada pela mãe da ora Autora, na qualidade de legal representante desta, contra o presuntivo pai O.., que veio a ser julgada improcedente. Requerem que se julgue procedente a invocada excepção.
Respondeu a Autora dizendo que não se verifica a invocada excepção por força de um valor maior, o direito ao conhecimento da ascendência biológica, em razão do qual caem muitos outros, incluindo o caso julgado.
Para sustentar a posição que defende cita, a título exemplificativo, vários Acórdãos nos nossos tribunais superiores.
Apreciando e decidindo.
O caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois da anterior ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, visando-se assim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (cfr. artigo 497.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Por sua vez, a causa repetir-se-á sempre quando se propõe acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (cfr. artigo 498.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
A presente acção de investigação da paternidade foi intentada por F.. contra os sucessores de O.., pretendendo a Autora com a mesma que o Tribunal a declare filha do referido O.., com todas as legais consequências.
Alega, para tanto, que o seu nascimento é fruto de um relacionamento amoroso da sua mãe com O...
Por sua vez, a acção de investigação de paternidade ilegítima que correu termos neste Tribunal sob o n.º 108/76 foi intentado por G.., na qualidade de legal representante da sua filha F.., contra O...
Nessa acção pedia-se que fosse a ora Autora F.. declarada filha ilegítima do ali Réu O...
À semelhança daquilo que se faz nos presentes autos, no aludido processo alegava-se na petição inicial que o nascimento de F.. é fruto de um relacionamento amoroso da sua mãe com O...
Naquele processo foi proferida sentença, já transitada em julgado, na qual se julgou a acção improcedente, absolvendo-se o Réu do pedido.
Pois bem, a identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir entre as duas acções é por demais evidente.
Com efeito, as partes são as mesmas em ambas as acções (a primeira acção foi intentada pela mãe da ora Autora, em representação desta, e a presente acção é intentada contra os herdeiros do primitivo Réu, O.., em virtude do falecimento deste).
Dúvidas também não restam que, em ambos os casos, a Autora pretende ser declarada filha do referido O...
A isto acresce que o fundamento da deduzida pretensão é coincidente nas duas acções, consistindo na existência de um relacionamento amoroso da mãe da Autora com O.., do qual veio a resultar o seu nascimento.
Por outro lado, desconhece-se a existência de qualquer jurisprudência (ou sequer doutrina) que, como sustenta a Autora, nestas situações, faça prevalecer o direito ao conhecimento da ascendência biológica em detrimento do caso julgado.
Aliás, os arestos citados na réplica não tratam sequer de situações similares à do caso concreto, antes respondendo à questão que consiste em saber se existe ou não a excepção do caso julgado quando o investigante repete a propositura da acção de reconhecimento de paternidade, objectiva e subjectivamente idêntica à anteriormente proposta e julgada definitivamente improcedente, por caducidade, muito embora com fundamento em norma que foi ulteriormente declarada inconstitucional com força obrigatória geral (pelo Acórdão do Tribunal Constitucional de 10.01.2006, também citado na réplica).
Ainda a este propósito sublinha-se ainda que a decisão proferida no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Apelação n.º 3679/08.1TBVLG.P1), citado pela Autora na réplica, posteriormente confirmada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.09.2011, relatado pelo Sr. Conselheiro Lopes do Rego, publicado na internet, em www.dgsi.pt., muito embora, como já se sublinhou, versando sobre questão diversa daquela que aqui se coloca, acaba por contrariar a própria argumentação utilizada pela Autora, pois, o que ali se decidiu foi que, naquela situação, se verificava a excepção do caso julgado.
Não existindo por isso quaisquer dúvidas que a sentença proferida no âmbito do processo n.º 108/76 fez com que precludisse a possibilidade da Autora intentar nova acção com os mesmos fundamentos e com a mesma pretensão a que já foi negado provimento.
Consequentemente, sendo o caso julgado um pressuposto processual cuja falta consubstancia uma excepção dilatória de conhecimento oficioso do tribunal, nos termos do disposto no artigos 494.º, alínea j), 495.º, 493.º, n.º 2, 497.º, 498.º e 288.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil, decide-se absolver os Réus da presente instância».

Não temos qualquer dúvida de que o direito de investigar a paternidade constitui dimensão do direito à identidade e integridade pessoal, inferível do art. 26º da Lei Fundamental e, portanto, dotado de verdadeira natureza de direito fundamental.
O que se questiona aqui, não é a natureza de direito fundamental do direito à verdade biológica, mas sim a sua articulação e compatibilização com o princípio, também dotado de relevância constitucional, da intangibilidade do caso julgado.
Tal princípio significa que em nome da tutela da segurança jurídica e da certeza do direito definido pelos tribunais, uma vez esgotada a possibilidade de impugnação dentro da relação processual, a sentença assume uma força, ou autoridade especial: torna-se imutável e indiscutível, tanto para as partes como para o Estado. Nenhum dos litigantes poderá propor novamente a mesma causa, nem tribunal algum poderá julgar outra vez a causa encerrada e sob a autoridade do caso julgado.
“O caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que, evita que a mesma acção seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir. Ela é, por isso, expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica”- escreveu Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo processo civil”, Lisboa, 1997, p. 568, citado no Acórdão da Relação do Porto de 14/03/2011, in www.dgsi.pt.

Este princípio da intangibilidade do caso julgado não é, nas palavras do Tribunal Constitucional, um princípio absoluto e pode ser excepcionado.
Foi-o directamente na própria Constituição, na previsão do artigo 282º nº 3 e questiona-se se outras situações o podem justificar, por apelo a princípios constitucionais maiores. Efectivamente a Constituição consagra diversos princípios constitucionais e, não é garantido, que todos eles se complementem.
Na situação dos autos, fácil é constatar que entram em choque o princípio da intangibilidade do caso julgado com assento constitucional, com os igualmente constitucionalmente consagrados “direito de constituir família”, “direito à igualdade” e “direito à identidade pessoal”.

Em primeiro lugar, diremos que, face aos princípios resultantes da lei processual civil, “é evidente e incontroverso que os requisitos de identidade objectiva e subjectiva que condicionam as excepções de litispendência e de caso julgado são, em absoluto, estranhas à definição do quadro legal ou normativo existente e aplicado pela decisão passada em julgado: tal implica que não é obviamente possível à parte vencida repetir a causa com fundamento na superveniência de alterações legislativas que lhe sejam favoráveis – mesmo que estas decorram de lei interpretativa, prescrevendo o art. 13º, nº1, do CC que a integração da lei interpretativa na lei interpretada deixa salvos os efeitos produzidos por sentença passada em julgado” – cfr. Acórdão do STJ de 29/09/2011, (relatado por Lopes do Rego), disponível em www.dgsi.pt em que se coloca a questão de saber se o caso julgado deve ceder numa situação de ação de investigação de paternidade julgada improcedente por caducidade, face à declaração de inconstitucionalidade do normativo que ali foi aplicado, sendo possível intentar nova ação, com identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, após essa declaração de inconstitucionalidade, adiantando-se já que a decisão foi no sentido de que o caso julgado não deve ceder.
Aí se pode ler, com interesse para o que aqui nos ocupa:
“É certo que, como sustenta o recorrente, o referido princípio da intangibilidade do caso julgado – em boa medida decorrente da própria natureza dos tribunais, como órgãos de soberania, e da função essencial que está cometida à sentença judicial de operar uma tendencialmente definitiva composição do litígio, criando e deixando firme a indispensável certeza e segurança nas relações jurídicas judicialmente apreciadas – não é absoluto, comportando possíveis excepções (…) sendo certo que a tutela dos direitos, incluindo os próprios direitos fundamentais, também não é absoluta e isenta de todo e qualquer limite, restrição ou condicionamento – admitindo, como é sabido, o nº3 do art. 18º da lei Fundamental que podem existir, nomeadamente, leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, desde que obedeçam aos pressupostos ali previstos (…)
Por outro lado, deve notar-se que a questão que substancialmente está em jogo no presente recurso – a da compatibilização prática entre o princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado e a tutela do direito fundamental ao estabelecimento da paternidade – terá de ser resolvida, não em função da opinião e sensibilidade do intérprete e aplicador da lei, mas essencialmente em função da própria opção feita pelo legislador constitucional, ao regular, de forma consistente e detalhada, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de normas pelo TC : ora, como atrás se salientou, tal opção mostra-se plasmada no nº3 do art. 282º da Lei Fundamental, que proclama categoricamente o princípio da ressalva dos casos julgados, apenas admitindo as excepções previstas nessa norma – como se viu, todas elas ligadas ao domínio do direito penal e do direito sancionatório público, e, nessa medida, insusceptíveis de aplicação analógica a outras áreas do ordenamento jurídico, através de uma opção que seria feita, não pelo TC, mas pelo próprio intérprete e aplicador da lei”.
E prossegue, mais à frente, o mesmo distinto Conselheiro: “Daqui decorre que, ao contrário do sustentado pelo recorrente, a interpretação normativa que faz prevalecer a intangibilidade do caso julgado sobre o direito fundamental à investigação da paternidade não viola as normas invocadas pelo recorrente: não se questionando, na verdade, que o direito do investigante tem a natureza de verdadeiro direito fundamental, é evidente que não pode a decisão proferida ter violado as normas constantes dos arts. 26º e 36º da Lei Fundamental; do mesmo modo que não se mostram violadas as normas que definem a «força jurídica» de tais direitos, das quais, porém, obviamente não decorre que os mesmos devem prevalecer sobre o valor constitucionalmente atribuído ao caso julgado.
Aliás, em bom rigor, o que se mostraria flagrantemente inconstitucional seria a interpretação propugnada pelo recorrente, ao desconsiderar frontalmente a norma constante do nº3 do art. 282º da Lei Fundamental, pretendendo aditar, em termos inovatórios e manifestamente inconciliáveis com o princípio da ressalva dos casos julgados, situações profundamente diferentes das únicas excepções ali admitidas pela Constituição”.
Temos assim que, no Processo Civil, o ataque dirigido pela parte a uma decisão judicial transitada em julgado, só pode efetuar-se através do recurso extraordinário de revisão – artigo 771.º do Código de Processo Civil - que, com base nos fundamentos aí previstos, permita afastar a vinculatividade do caso julgado. Não é possível, no nosso ordenamento jurídico, à parte que se pretende eximir aos efeitos decorrentes de sentença transitada desconsiderá-los através da mera proposição de acção objectiva e subjectivamente idêntica à já definitivamente julgada - criando a parte, por essa via procedimental, de forma anómala, duas sentenças eventualmente contraditórias sobre a mesma relação controvertida -, sem previamente curar de atacar, pelo meio especificamente adequado, o dito valor de caso julgado.

Em contrário desta tese, conhece-se o voto de vencida da Sra. Desembargadora Anabela Luna de Carvalho, proferido no acórdão da Relação do Porto de 14/03/2011, já supra citado, em que a mesma, apelando a uma visão global da Constituição e a uma procura de harmonização dos espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais, conclui que, ponderando os bens e valores que as normas protegem e os princípios ético-jurídico dominantes na sociedade, terá de se afirmar a primazia do direito à identidade pessoal, do direito a constituir família e do direito à igualdade, sobre o princípio da intangibilidade do caso julgado.
Assim se concluindo no assinalado voto de vencida: «Cremos, pois que, para além dos casos contemplados na norma do artigo 282 º nº 3 que prevê situações de inaplicabilidade indiscutível, em que estão afectados direitos de natureza penal, disciplinar ou de ordenação social, tal princípio deve ainda ser excepcionado sempre que afronte princípios e valores constitucionalmente mais relevantes. Podemos concluir, realçando o entendimento da Comissão Constitucional, ressalvado no citado Ac. TC nº 564/04 que: “a segurança não deve ser hipostasiada a ponto de obnubilar exigências de igualdade e de justiça que fluem da própria vida e que requerem uma acção constante desse mesmo Estado. O caso julgado não é um valor em si; a sua protecção tem de se estear em interesses substanciais que mereçam prevalecer, consoante o sentido dominante na ordem jurídica”».
Já vimos que tal entendimento – a interpretação das normas respetivas - não escaparia, ele próprio a uma declaração de inconstitucionalidade, por desconsiderar frontalmente a norma constante do n.º 3 do artigo 282.º da CRP
“pretendendo aditar, em termos inovatórios e manifestamente inconciliáveis com o princípio da ressalva dos casos julgados, situações profundamente diferentes das únicas excepções ali admitidas pela Constituição”.

No caso concreto, independentemente da questão da cedência ou não do caso julgado face a princípios de igual ou maior importância, terá que se colocar a questão da caducidade do direito da autora de intentar esta ação aos 36 anos de idade, sem a alegação de qualquer facto novo ou de qualquer um dos pressupostos constantes dos n.ºs 2 e 3 do artigo 1817.º do Código Civil (que, como é sabido, concedem um prazo adicional para propositura deste tipo de ação).
Refira-se, ainda, em desconsideração da tese perfilhada pela apelante, que esta deixou passar muitos anos (em que já estava disponível a invocada prova infalível do ADN) para propor a presente ação, deixando, inclusive, que o pretenso pai falecesse, para vir, só então, propor a ação contra os herdeiros daquele, o que não pode deixar de suscitar alguma duvida sobre o interesse patrimonial da autora (veremos infra que o legislador chegou a ponderar tornar estas ações imprescritíveis mas apenas quando estivessem em causa interesses meramente pessoais e nunca patrimoniais).
Vejamos, então, o que dizer sobre este assunto.
Alguma doutrina - cfr. Rafael Vale e Reis, in “O Direito ao Conhecimento das Origens Genéticas”, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Vol. II, Tomo I, e Jorge Duarte Pinheiro, in Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, Cadernos de Direito Privado, n.º 15 Julho/Setembro 2006, págs. 32-52 – e jurisprudência, designadamente, do STJ, quer antes, quer após a entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, nessa medida se continuando a sustentar a inconstitucionalidade do normativo vertido no art. 1817.º, n.º 1, do CC, irrelevando a ampliação do prazo de propositura da acção em mais 8 anos – veja-se, por todos os Acórdãos do STJ de 15/11/2011, de 21/09/2010, de 27/01/2011, de 08/06/2010 e de 07/07/2009, da Relação de Lisboa de 09/02/2010 e da Relação do Porto de 23/11/2010, todos em www.dgsi.pt - vinha considerando que o actual artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 14/2009 de 1 de Abril, ao fixar o prazo de 10 anos posteriores à maioridade (i.e., até aos 28 anos de idade) ou emancipação, para a instauração da acção de investigação de maternidade/paternidade (esta, por via do artigo 1873.º do CC), estaria ferido de inconstitucionalidade.
Defendiam que a circunstância de a lei contemplar um prazo certo para a caducidade da acção de investigação de paternidade, tem como consequência a impossibilidade para o investigante de vir a constituir o vínculo de paternidade ao qual aspira, acrescentando que o respeito pela verdade biológica e pela descoberta da real identidade pessoal apontam, claramente, no sentido da imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, pelo que tal regime legal teria como consequência necessária uma compressão intolerável do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade ou da maternidade – é este o sentido do Acórdão do STJ de 15/11/2011, relatado pelo ilustre Conselheiro Martins de Sousa e disponível em www.dgsi.pt (que, contudo, não considerou, ainda, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, a que infra nos referiremos, que havia sido publicado a 03/11/2011).
Após a Reforma de 1997, o direito da filiação abriu-se à verdade biológica. A lei passou a admitir livremente a prova da relação biológica e, em alguns casos, passou a inverter o ónus da prova. Consagrou-se expressamente o princípio da admissibilidade dos meios científicos de prova (art. 1801º, do CC), sobretudo das perícias genéticas, com elevado índice de fiabilidade probatória e cuja realização veio alterar profundamente os termos em que até aí se colocava a questão da produção da prova nas acções de filiação (sobre esta matéria, pode consultar-se Pereira Coelho, Filiação, pp. 19-24 e Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Vol. II, Tomo I, pp. 53 e ss).
Contudo, a norma que estabelecia que a acção de investigação de maternidade ou paternidade só podia ser proposta durante a menoridade do investigante, ou nos dois primeiros anos posteriores à sua emancipação ou maioridade, que vinha já do Código Civil de 1966, acabou por resistir à Reforma do Código Civil de 1977 (na verdade, é praticamente idêntico o teor do nº 1, do art. 1854º, da versão inicial do CC e do art. 1817º, nº 1, na redacção introduzida pelo DL nº 496/77, de 25 de Novembro).
No entanto, de salientar que, já em 1977, alguma doutrina, significativa, sustentava que a acção de investigação de paternidade não deveria estar submetida a um limite temporal. Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela (CC anotado, volume V, pág. 82), nessa época, "avolumara-se já em alguns sectores da doutrina estrangeira a tese de que a investigação, quer da paternidade, quer da maternidade, por respeitar a interesses inalienáveis do cidadão, incorporados no seu estado pessoal, não devia ser limitada no tempo."
Veja-se, aliás que, “em 1999, a Provedoria da Justiça recomendou que a lei fosse alterada no sentido de “a par da existência de prazos para a propositura de acções com fins patrimoniais, ser consagrada a imprescritibilidade para a propositura das acções de investigação de paternidade/maternidade, desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal (Recomendação do Provedor de Justiça nº 36/B/99, de 22/12/99). Na sequência de tal autorização foi apresentado um projecto de lei (Projecto de lei nº 92/IX pelo partido “Os Verdes”, publicado no DAR II S., nº 18, de 4/7/2002) que aditava ao referido art. 1817.º um nº 7, em que se dispunha “(…) desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal, a acção de investigação de maternidade pode ser proposta a todo o tempo”. Tal iniciativa acabou por caducar” – Ac. do STJ de 08/06/2010 (Serra Baptista), in www.dgsi.pt.
Em 2004, no acórdão nº 486/2004, de 7 de Julho, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, o Tribunal Constitucional deliberou no sentido da inconstitucionalidade dos prazos, por violação da exigência de proporcionalidade consagrada no art. 18º, nº 2, da CRP.
No essencial, neste aresto, o Tribunal Constitucional assentou o seu juízo na importância crescente do direito ao conhecimento das origens, acentuado com o desenvolvimento da genética e a generalização dos testes genéticos, de elevada fiabilidade. Além disso, relevou “a valorização da verdade e da transparência, com a promoção do valor da pessoa e da sua auto-definição, que inclui o conhecimento as origens genéticas e culturais.”
Para o Tribunal Constitucional a exclusão da possibilidade de investigar judicialmente a paternidade ou a maternidade “logo a partir dos vinte anos de idade, tinha como consequência uma diminuição do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade/maternidade”.
Posteriormente, veio o Acórdão do TC nº 23/2006, de 10 de Janeiro, publicado no DR I Série de 08/02/2006 declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquela norma, que previa a extinção, por caducidade, do direito de investigar a paternidade a partir dos 20 anos de idade do filho, reconhecendo o mesmo, alem do mais, que, conforme o art. 26º, nº1, da Constituição, o direito do filho ao apuramento da paternidade biológica é uma dimensão do “direito fundamental à identidade pessoal”.
Sendo, porém, certo que no aresto ora em apreço o que se tratava não era de “qualquer imposição constitucional de uma ilimitada (…) averiguação da verdade biológica da filiação”, pelo que, como aí se salienta, não constituiu objecto do processo apurar se a imprescritibilidade da acção correspondia à única solução constitucionalmente conforme. O que estava em causa era apenas o concreto limite temporal previsto no art. 1817º, nº1, do C.Civil, de dois anos a contar da maioridade ou emancipação, portanto, no máximo, os 20 anos de idade do investigante, assentando, no fundo, a fundamentação de tal aresto (tal como a do ac. 486/84) no entendimento de que o regime do art. 1817.º, nº 1 do CC, ao excluir totalmente a possibilidade do reconhecimento da paternidade a partir dos dois primeiros anos posteriores à maioridade do investigante, acarreta uma afectação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais á identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade, porque “o prazo de dois anos em causa se esgota normalmente num momento em que, por natureza, o investigante não é, ainda, naturalmente, uma pessoa experiente e inteiramente madura” e sobretudo porque “tal prazo pode começar a correr e terminar, sem que existam quaisquer possibilidades concretas de – ou apenas justificação para – interposição de acção de investigação de paternidade”.
Portanto, só sobre aquele limite temporal de dois anos posteriores à maioridade ou emancipação e não sobre a possibilidade de qualquer outro limite se projectou o juízo de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional.
Como vimos, mesmo relativamente à actual redacção do artigo 1817.º do Código Civil, a doutrina tem-se manifestado, claramente, no sentido da imprescritibilidade do direito de investigação da filiação. De igual modo, vária jurisprudência (acima citada) tem acentuado nesses acórdãos, as razões que militavam para a previsão de um prazo limitativo, de caducidade, das acções de investigação de paternidade – segurança jurídica; envelhecimento das provas; e, argumento caça fortunas –, deveriam ceder perante uma plêiade de direitos fundamentais que militam no sentido da imprescritibilidade daquela tipologia de acções – direito de constituir família; direito à identidade pessoal; direito à integridade pessoal e direito à não discriminação (cf., especial, os arts. 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, do CRP)
Entendeu-se, também, que o direito fundamental do suposto pai, decorrente da reserva da intimidade da vida privada e familiar, deve ceder perante aqueles.
Nessa jurisprudência, continua a notar-se a manifesta e directa influência da posição doutrinal assumida por Guilherme de Oliveira, expressa no artigo “Caducidade das Acções de Investigação”, que consideravam manter plena actualidade – (O referido artigo está publicado na revista Lex Familiae, n.º 1, 2004, págs. 7-13, e na obra Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume I, 2004, págs. 49-58).
Mais recentemente, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira – Curso de Direito de Família, Volume II, Tomo I, 2006, pág. 139 – sustentam que os tempos correm a favor da imprescritibilidade das acções de filiação, a propósito da caducidade do direito a investigar a paternidade, exarando que “não tem sentido, hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das provas; e não pode atribuir-se o relevo antigo à ideia de insegurança prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da personalidade. Diga-se, numa palavra, que o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade”.
Daí a conclusão extraída nesses Acórdãos de que o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade do direito de investigar.

É neste contexto que surge, na sequência já de alguns outros Acórdãos do Tribunal Constitucional, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011 de 22/09/2011 (publicado no DR, 2.ª Série, de 03/11/2011) que, em Plenário, decidiu “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante”.
É verdade que este juízo sobre a constitucionalidade deste artigo, dividiu o Tribunal Constitucional, que acabou por sufragar este entendimento numa maioria de sete contra seis juízes, mas também é verdade que, desde que o mesmo foi proferido, já esta decisão tem sido acolhida em diversos Acórdãos do Tribunal Constitucional – cfr. Acórdãos n.ºs 445/2011, 446/2011, 476/2011, 545/2011 e 106/2012, de 11/10/2011, 11/10/2011, 12/10/2011, 16/11/2011 e 06/03/2012, respectivamente, disponíveis in www.tribunalconstitucional,pt.
Neste Acórdão ficou expresso o entendimento de que “o prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, revela-se como suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração pelo filho duma acção de investigação de paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para sobre esse assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada”.
Aí se refere, pensamos que com bastante interesse, que “é do interesse público que se estabeleça o mais breve que seja possível a correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica, fazendo funcionar o estatuto jurídico da filiação com todos os seus efeitos, duma forma estável e que acompanhe durante o maior tempo possível a vida dos seus sujeitos” e o meio para tutelar estes interesses atendíveis, públicos e privados (segurança para o investigado e sua família) ligados à segurança jurídica “é precisamente a consagração de prazos de caducidade para o exercício do direito em causa. Esses prazos funcionam como um meio de induzir o titular do direito inerte ou relutante a exercê-lo com brevidade, não permitindo um prolongamento injustificado duma situação de indefinição, tendo desta forma uma função compulsória, pelo que são adequados à protecção dos apontados interesses, os quais também se fazem sentir nas relações de conteúdo pessoal, as quais, aliás, têm muitas vezes, como sucede na relação de filiação, importantes efeitos patrimoniais”.
Veja-se que o legislador ordinário assumiu, claramente, a opção de continuar a estabelecer limites temporais à propositura das acções de investigação de paternidade, apenas acrescentando de oito anos o prazo que o Tribunal Constitucional havia considerado insuficiente para o exercício daquele direito.
Como agora se conclui, neste Acórdão, a protecção do direito fundamental à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1 da CRP, não exige a imprescritibilidade da acção de investigação de paternidade. O que é necessário é que o prazo concedido não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica.
Ora, aos 28 anos de idade (que corresponderá, em regra, ao termo do prazo fixado na lei), o investigante já tem a maturidade e a experiência de vida necessárias para compreender a importância do estabelecimento da paternidade para a sua identidade pessoal e para optar de forma ponderada e sem influências externas, sobre o eventual exercício do direito de propor a acção com vista à investigação da paternidade – assim se decidiu, já, na sequência do referido Acórdão do Tribunal Constitucional, no Acórdão da Relação de Guimarães, de 15/05/2012, disponível em www.dgsi.pt.
Assim se conclui, na esteira deste Acórdão do Tribunal Constitucional, que o prazo fixado no artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, não é desproporcional e, por isso, não viola os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, abrangidos pelos direitos fundamentais à identidade pessoal e ao direito a constituir família (artigos 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1 da CRP)
Do que fica dito e tendo em conta a preponderância do Tribunal Constitucional na apreciação de uma concreta questão de constitucionalidade e verificando que o juízo sobre a constitucionalidade da norma em questão foi aí obtido em Plenário, não encontramos razões para dizer o contrário do que aí se decidiu e que, como já supra referimos, vem sendo acolhido pela mais recente jurisprudência desse Tribunal Constitucional.

Resulta, portanto, hoje, da conjugação dos artigos 1817.º, n.º 1 e 1873.º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 14/2009 de 1/04, que a acção de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, estabelecendo-se nos n.ºs 2 e 3 do citado artigo 1817.º, um conjunto de situações em que se admite a investigação para além do prazo geral de dez anos que está fixado no n.º 1.
No caso concreto, já decorreu o prazo de dez anos fixado no n.º 1, porquanto a autora tinha, à data da propositura da acção, 36 anos de idade, pelo que, ainda que se considerasse que a autora podia propor a presente ação, fazendo ceder o princípio da intangibilidade do caso julgado, face aos interesses em presença, sempre teria caducado o seu direito a intentar ação de investigação de paternidade.

Improcedem, pois, as conclusões da alegação da apelante, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Sumário:
1 – O princípio da intangibilidade do caso julgado não é absoluto, comportando possíveis excepções, sendo que a tutela dos direitos fundamentais, também não é absoluta e isenta de todo e qualquer limite, restrição ou condicionamento.
2 – A importância do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado decorre da própria opção feita pelo legislador constitucional, que se mostra plasmada no nº3 do art. 282º da Lei Fundamental, que proclama categoricamente o princípio da ressalva dos casos julgados, apenas admitindo as excepções previstas nessa norma (todas elas ligadas ao domínio do direito penal e do direito sancionatório público), e, nessa medida, insusceptíveis de aplicação analógica a outras áreas do ordenamento jurídico.3 - O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009 de 01/04, é suficiente para o exercício maduro e ponderado do direito de propor acção de investigação de paternidade, não exigindo o princípio constitucional de protecção do direito fundamental à identidade pessoal, a imprescritibilidade deste tipo de acção.
4 – Este entendimento está consagrado na decisão proferida em plenário do Tribunal Constitucional e exarada no Acórdão n.º 401/2011 de 22/09/2011, que não julgou inconstitucional essa norma, decisão essa que vem sendo seguida pelas decisões mais recentes desse Tribunal.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
***
Guimarães, 4 de junho de 2013
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Maria da Purificação Carvalho