Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANA TEIXEIRA E SILVA | ||
Descritores: | AMEAÇA COACÇÃO TENTATIVA DESISTÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/01/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I – Em caso de uso de violência, tudo o que não seja execução eminente ou em curso, é futuro, em termos de anúncio da causação de um mal, sendo irrelevante que o agente refira, ou não, o prazo dentro do qual causará o mal e que esse prazo seja curto ou longo. II – Demonstrando-se que o agente desistiu validamente da tentativa de um crime de coação, ganha autonomia e relevo criminal a ameaça perpetrada. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes, em conferência, na Secção Penal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO DOMINGOS S... veio interpor recurso do acórdão, na parte em que o condenou, pela prática de 1 crime de ameaça, agravado, p. e p. pelos artºs 153º, nº 1, e 155º, nº1, al. a), do CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão. O arguido expressa as seguintes conclusões: A- Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida pelo Meritíssimo Colectivo de Juízes da 2.ª Vara de Competência Mista de Guimarães no processo n.º 823/08.2GBGMR, que: · Condenou em cúmulo jurídico o arguido DOMINGOS S..., na pena única de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, pela prática de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelo art.º 153.º/1 e 155.º/1 a). do Código Penal, e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º/1 c), do Regime Jurídico das Armas e Munições; · E ainda condenou o arguido nas custas do processo e demais encargos Da errada aplicação dos artigos 151.º/1 e 153.º/1 a). do Cód. Penal B- O recorrente entende que o douto Tribunal a quo procedeu a uma errada aplicação dos artigos 153.º/1 e 155.º/1 a). ambos do Código Penal, na medida em que, como se demonstrará, e tendo em conta a prova produzida, deveria ter absolvido o arguido da prática do crime de ameaça agravado pelo qual foi condenado; C- Tendo ficado provado, com relevância para o presente recurso, que no dia 8 de Outubro de 2008, o arguido dirigiu-se à carpintaria do ofendido, a quem dias antes tinha vendido uma motosserra, exigindo-lhe dinheiro para pagar a um advogado; D- Quando o ofendido pegou no telemóvel para chamar ao local a autoridade policial, o arguido empunhou uma arma de fogo (pistola semi-automática), que disparava munições de calibre 7,65, e, a cerca de dois metros de distância, apontando-a na direcção da parte superior do corpo daquele ofendido, disse-lhe, ao mesmo tempo, “dá-me o telemóvel, dá-me o telemóvel” e puxou o manobrador da culatra à retaguarda; E- Face a tais ordens, o ofendido deu dois passos na direcção do arguido para lhe entregar o telemóvel, após o que o arguido efectuou um disparo para o chão e, em acto contínuo, abandonou aquele local ao volante de um veículo automóvel; F- Porque o arguido se encontrava alterado, convenceu-se o ofendido que aquele seria capaz de disparar, como o fez, sentindo fundado receio pela concretização das ameaças e viu, por causa delas, prejudicada a sua liberdade de movimentos; G- E que o arguido, mediante a sua conduta, quis, de forma séria e convincente, fazer crer ao ofendido que lhe poderia tirar a vida, sendo isso, uma conduta adequada a provocar no ofendido, como efectivamente provocou, o receio, a intranquilidade de tal poder vir verdadeiramente a acontecer; H- Sabendo o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei, mas apesar de o saber, quis actuar da forma descrita e causar aquele receio e intranquilidade; I- Com o devido respeito, afigura-se-nos que o Tribunal a quo, ao decidir condenar o arguido pela prática do crime de ameaça agravado, não teve em consideração a ausência de um dos elementos objectivos do crime de ameaça, nomeadamente a existência do anúncio de um mal futuro; J- Se certo é que o arguido anunciou um mal, apontando uma arma de fogo ao ofendido, proferindo as palavras “dá-me o telemóvel, dá-me o telemóvel”, chegando mesmo a disparar a arma para o chão, dúvidas não restam, que com a execução do disparo e a imediata fuga do local, o arguido com a sua conduta não anunciou qualquer mal futuro; K- Pelo contrário, no momento em que aponta a arma ao ofendido, o arguido anunciou um mal que se esgotou com o apontar e disparo da arma; L- Não se verificou qualquer indício de perpetuidade do acto praticado, consubstanciando a sua conduta, um mero aviso de uma agressão imediata, insusceptível de constituir qualquer anúncio de um mal futuro; M- Aliás, foi dado como provado, que o arguido conseguiu convencer o ofendido que iria disparar, o que o fez de seguida, tendo-se colocado em fuga; N- Apesar de censurável, a conduta do arguido nunca poderia ter sido punida com o crime de ameaça agravado, a mera intenção de amedrontar o ofendido com a prática de uma agressão física, não é por si só um facto punível, veja-se o disposto dos artigos 23.º/1, e 143.º do Cód. Penal; O- O arguido ao apontar uma arma de fogo ao ofendido, proferindo as palavras “dá-me o telemóvel, dá-me o telemóvel” e em seguida efetuando um disparo para o chão, colocando-se de imediato em fuga, não deverá ver a sua conduta punida, pois nunca tentou nem quis praticar qualquer agressão; P- A conduta do arguido desacompanhada do efeito prolongado do tempo, susceptível de limitar a liberdade do ofendido, não deverá ser punida com o crime de ameaça, tendo somente sido apta a provocar medo ou inquietação momentâneos, não se verificando o elemento objectivo do crime de ameaça, ou seja, a existência de “anúncio de um mal futuro”; Da contradição do próprio Tribunal a quo Q- É o próprio Tribunal recorrido, que no despacho que recebe a acusação, procede a uma alteração da qualificação jurídica dos factos nos termos do art.º 311.º do Cód. Proc. Penal, alterando a acusação pelo crime de ameaça para o crime de coação agravada, na forma tentada; R- Decidindo que “Ora, no caso em apreço, nos termos em que vem redigida a acusação, não se podem reconduzir os factos aí descritos ao crime de ameaça, desde logo, porque os mesmos não configuram o anúncio de um mal futuro, (negrito nosso) antes a própria concretização de uma acção potencialmente danosa e consubstanciando no disparo de uma arma de fogo, na direcção do ofendido, e apenas à distância de 2 metros. Com efeito, ao disparar, alegadamente, a referida arma, nesses termos, o arguido não anunciou qualquer mal futuro, antes executou o propósito do putativo anunciado mal, levando a cabo o acto violento, isto é, o disparo. Diferente, seria com certeza, se o arguido tivesse, alegadamente disparado para o ar ou para o chão, ainda que na mesma direcção do ofendido.” S- Ora, salvo melhor entendimento, não pode o recorrente concordar que apenas devido ao facto de na audiência de julgamento ter sido efectuada uma alteração não substancial dos factos da acusação por parte do Ministério Público, passando a acusação a referir que em vez do arguido ter pedido dinheiro ao ofendido, declarou “dá-me o telemóvel, dá-me o telemóvel” possa originar que, novamente, desta vez pelo Tribunal a quo e em momento imediatamente anterior à leitura do acórdão, se altere a qualificação jurídica para o crime de ameaça e desta vez fundamentar a condenação pelo dito crime, com os mesmos fundamentos, que no despacho de recebimento da acusação, afastou a prática desse mesmo crime! Das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida: T- A testemunha José V..., empregado do ofendido, declarou na audiência de julgamento, que o seu patrão quando se dirigiu para o ofendido com o telemóvel na mão, tinha a intenção de colocar o arguido fora da propriedade daquele; U- A defensora (minuto 4:20 segundas declarações) “O seu patrão posteriormente falou-lhe porventura que poderia ter medo, mas na altura em que estava a dirigir-se directamente para o sr. que tinha a pistola empunhada, ele disse-lhe que teve medo, ou ele disse-lhe que fez frente? Corpo para o pôr fora?” Testemunha: “ Fez corpo para o pôr fora!” V- A defensora (minuto 6:48 segundas declarações) “Mas o sr. tem a certeza que o sentido do seu patrão era ter o telemóvel na mão e nunca o viu com intenções ao aproximar-se dele de lhe entregar o telemóvel?” Testemunha: “Não, não!” A defensora: “Era mesmo só para afastá-lo?” Testemunha: “Afastá-lo…” W- Ainda sobre a intenção de o ofendido nunca ter pretendido entregar o telemóvel ao arguido, veja-se (minuto 5:43) a instâncias do Exmo. Presidente do Tribunal Colectivo: “Ele (ofendido) aqui não disse nada disso, disse que até fez assim com o braço para lhe dar o telemóvel, o sr. viu ele a fazer isso com o braço?” Testemunha: “Não” O Exmo. Presidente do Tribunal Colectivo: “Não viu?” Testemunha: “ Não, não vi” O Exmo. Presidente do Tribunal Colectivo: “Mas o sr. conseguia ver as mãos dele (ofendido)?” Testemunha: “Conseguia, conseguia, ver as mãos deles, não conseguia era ouvir a conversa deles, porque o barulho das máquinas não deixava ouvir.” X- Ora, como resulta do exposto, o Tribunal a quo considerou, erradamente, provado que o ofendido tenha visto prejudicada a sua liberdade de movimentos em virtude da conduta do arguido; O Ministério Público respondeu pugnando pela manutenção do acórdão. Nesta instância, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta não aderiu àquela posição, emitindo parecer que o recurso merece provimento. II - FUNDAMENTOS 1. O OBJECTO DO RECURSO. As razões da suscitada discordância: 1ª) o errado enquadramento jurídico dos factos como crime de ameaça agravada; 2ª) a impugnação da matéria de facto. 2. O ACÓRDÃO RECORRIDO. No que ora releva, apresenta o seguinte teor: II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A. Matéria de facto provada com relevo para a decisão da causa: 1. No dia 08 de Outubro de 2008, pelas 10h20m, o arguido Domingos S... dirigiu-se à carpintaria da propriedade de José R..., a quem dias antes tinha vendido uma motosserra, cor laranja, com as inscrições “EK TM 5200”, exigindo-lhe dinheiro para pagar a um advogado. 2. Quando o ofendido pegou no telemóvel para chamar ao local a autoridade policial, o arguido empunhou uma arma de fogo (pistola semi-automática), de características não concretamente apuradas, mas que deflagrava munições de calibre 7,65 e, a cerca de dois metros de distância, apontando-a na direcção da parte superior do corpo daquele ofendido, disse-lhe, ao mesmo tempo, “dá-me o telemóvel, dá-me o telemóvel” e puxou o manobrador da culatra à retaguarda. 3. Face a tais ordens, o ofendido deu dois passos na direcção do arguido para lhe entregar o telemóvel, após o que o arguido efectuou um disparo para o chão e, acto contínuo abandonou aquele local ao volante do veículo automóvel de marca “Mercedes”, modelo “Vito”, matrícula 57-58-.... 4. Porque o arguido se encontrava alterado, o ofendido, convencendo-se que aquele seria capaz de disparar, como o fez, sentiu fundado receio pela concretização das ameaças e viu, por causa delas, prejudicada a sua liberdade de movimentos. 5. O arguido, mediante a supra descrita conduta, quis, de uma forma séria e convincente, fazer crer ao ofendido que lhe poderia tirar a vida, sendo, por isso, uma conduta adequada a provocar no ofendido, como efectivamente provocou, o receio, a intranquilidade de tal poder vir verdadeiramente a acontecer. 6. Sabia também que a sua actuação era proibida e punida por lei, mas, apesar de o saber, quis actuar da forma descrita e causar aquele receio e intranquilidade. 7. O arguido não tinha licença de uso e porte da arma mencionada. 8. O arguido sabia que não lhe era permitido possuir aquela arma, devido à falta de licença de uso e porte da mesma, mas apesar de o saber, quis, livre e voluntariamente, actuar da forma descrita, bem sabendo que tal conduta era prevista e punida por lei. 9. O arguido não mostrou arrependimento pelos factos praticados. 10. O processo de desenvolvimento psicossocial e afectivo de Domingos S... foi marcado pelo homicídio da mãe pelo progenitor, na sequência do qual integrou o agregado da avó materna, com sensivelmente um ano de idade, residindo num pré-fabricado com parcas condições habitacionais e económicas. 11. Neste contexto, o arguido foi perfilhado pelo tio Joaquim S... e sua esposa, com receio que o progenitor o retirasse da companhia da avó. Alguns anos mais tarde, o progenitor – que o arguido nunca desejou conhecer – suicidou-se quando se encontrava hospitalizado. 12. Domingos S... concluiu o 3º ano da escolaridade básica, tendo-se iniciado laboralmente, por volta dos 12 anos, enquanto vendedor ambulante, actividade que sempre desenvolveu, até à ocorrência de problemas com familiares que o impediram de continuar actividade laboral, motivo pelo qual, vivenciou constrangimentos financeiros. 13. Aos 16 anos, o arguido contraiu matrimónio, segundo a tradição cigana, tendo deixado a residência da avó e passado a viver num apartamento arrendado na zona de Murça. Desta relação nasceram três filhos, presentemente, com 10, 4 e 1 ano de idade. 14. Domingos S... foi preso em 24.05.2003 à ordem do processo nº 97/02.9GAALJ do Tribunal Judicial da Comarca de Alijó, condenado em 6 anos de prisão, pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes, detenção ilegal de arma, condução sem habilitação legal e receptação, tendo registado uma ausência ilegítima entre 12.08.2005 a 17.10.2011, na sequência de uma saída de que beneficiou. 15. No período a que se reportam os factos constantes do presente processo, Domingos S... encontrava-se em ausência ilegítima, adoptando grande mobilidade geográfica. Ao nível laboral, o arguido desenvolveu actividade como feirante e vendedor ambulante, circunscrevendo o seu quotidiano ao convívio com a família. 16. O agregado beneficiava do Rendimento Social de Inserção, no valor de 300,00 €, que foi interrompido há cerca de dois anos, por incumprimento dos procedimentos legais instituídos pela Segurança Social, bem como auferiam a prestação familiar dos descendentes. 17. Em 17.10.2011, Domingos S... foi recapturado dando entrada no Estabelecimento Prisional de Izeda, onde permaneceu até 15.11.2011, altura em que foi transferido para o Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, onde tem mantido um comportamento adequado ao disciplinado, não havendo registo de sanções disciplinares, tendo solicitado colocação laboral, que aguarda. O seu quotidiano é passado na cela ou no convívio com outros reclusos e no ginásio. 18. O arguido dispõe do apoio da avó, figura afectiva de referência mas com uma atitude proteccionista, companheira e dos 3 filhos (com 11, 5 e 2 anos), que o visitam regularmente em meio prisional. 19. Domingos S... encontra-se presentemente a cumprir 6 anos de pena de prisão à ordem do processo 97/02.9GAALJ do Tribunal Judicial de Alijó. 20. Para além da privação da liberdade, a reclusão teve implicações ao nível pessoal e familiar, pelo afastamento do agregado e, consequente, mudanças no quotidiano familiar, temendo futuros constrangimentos económicos. 21. Domingos S... formula, em abstracto, juízo de censura face aos factos, reconhecendo a sua ilicitude e a existência de vítimas, revelando, no entanto, alguma dificuldade de descentração considerando-se ele próprio vítima. 22. O arguido foi condenado, por sentença de 23 de Fevereiro de 2001, transitada em julgado em 12 de Março de 2001, pela prática, em 23 de Fevereiro de 2001, de um crime de condução sem carta, p. e p. pelo artº. 3º/2 do DL 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de Esc. 700$00. 23. Por Acórdão de 26 de Maio de 2004, transitado em julgado em 11 de Junho de 2004, o arguido foi condenado na pena única de 6 anos de prisão, pela prática, em 23 de Maio de 2003, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº. 21º do DL 22/93, de 27.6. (5 anos e 6 meses), de dois crimes de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artº. 6º da Lei 22/97, de 27 de Junho (2 meses e 5 meses) dum crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º do DL 3º/2 do DL 2/98, de 3 de Janeiro, (2 meses) e de um crime de receptação, p. e p. pelo artº. 231º do C. Penal (2 meses). 24. O arguido foi condenado, por sentença de 21 de Março de 2012, transitada em julgado em 20 de Abril de 2012, pela prática, em 16 de Agosto de 2005, de um crime de evasão, p. e p. pelo artº. 352º do C. Penal, na pena de 4 meses de prisão. * B. Matéria de facto não provada:I. O arguido dirigiu-se à carpintaria da propriedade de José R... para saber se este queria comprar qualquer outro artigo. II. O ofendido dirigiu-se ao arguido com um barrote na mão, acompanhado de dois funcionários, sendo que um deles tinha um ferro na mão, exigindo ao arguido a devolução do dinheiro pago pela motosserra. III. O arguido apontou a pistola ao ofendido para lhe exigir mais dinheiro pela venda da motosserra e por ver que não lograva concretizar esse seu intento. IV. O arguido foi obrigado a apontar a arma ao ofendido para se defender, evitar ser agredido e para conseguir fugir. V. O arguido tinha a pistola na sua posse há cerca de 4 ou 5 dias e após o ocorrido destruiu a pistola e atirou-a a um ribeiro. * C. Motivação da decisão de factoPara a convicção dos julgadores foram relevantes todos os meios de prova legalmente admissíveis, nomeadamente, os documentais juntos a fls.31 e 32 (auto de apreensão do invólucro deflagrado e relatório de inspecção judiciária), 19 a 29 (reportagem fotográfica que retrato o local e os vestígios deixados), 30, 52 e 53 (cópias do cheque com o qual foi adquirida a motosserra), 46 e 329 (relatório inspecção lofoscópica e informação comprovativa de que dois vestígios digitais e um vestígio palmar se identificam com o dedo anelar da mão direita, o dedo médio da mão esquerda e a zona tenar da palma da mão direita do arguido), 61 (informação da conservatória do registo automóvel, respeitante ao veículo onde o arguido se fez transportar), 241 (informação da recaptura do arguido em 17 de Outubro de 2011), 318 e 319 (auto de reconhecimento pessoal), 354 (informação que atesta que em nome do arguido não constam registo/manifesto de armas) e o pericial de fls. 214 a 219, tudo conjugado com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e com as declarações do arguido. Começando a análise da prova por estas declarações, é de salientar que o arguido confessou não ser possuidor de licença de uso e porte de arma (o que a informação de fls.354 atesta também) e assumiu a autoria do disparo, justificando-o como forma de defesa perante uma putativa agressão iminente do ofendido. Todavia, as declarações do ofendido desmentiram em toda a linha esta versão justificativa dos acontecimentos, porquanto o mesmo apresentou um quadro factual dos acontecimentos perfeitamente verosímil e o único, aliás, compatível com a situação de evasão em que o arguido se encontrava. Efectivamente, o ofendido depôs de modo seguro, sem hesitações, nem contradições, relatou circunstanciadamente os acontecimentos e negou que a exibição da pistola e o disparo tenham sido feito aquando do pedido de entrega de dinheiro. Com efeito, o ofendido referiu claramente que o arguido só exibiu a pistola após aquele ter verbalizado que ía chamar a polícia, na sequência de ter suspeitado que a motosserra por si adquirida era roubada, dado que o arguido, ao contrário do prometido aquando da venda, não lhe entregou a respectiva factura. De resto, o ofendido referiu espontaneamente que o arguido – embora já antes estivesse alterado – “passou-se completamente” (sic) quando ouviu que o depoente ía chamar a polícia. Esta descrição e a alteração de humor do arguido é a única consentânea com a situação de evasão do arguido, até porque não foi feita prova de qualquer outra circunstância que justificasse o putativo comportamento do ofendido descrito pelo arguido, porquanto o ofendido, de modo espontâneo e verdadeiro, referiu que nem sequer ainda tinha utilizado a motosserra aquando da segunda visita do arguido, precisamente, porque aguardava que este lhe fosse entregar a respectiva factura. Há ainda a salientar que o depoimento da testemunha José V... acabou por corroborar o depoimento do ofendido e desmentir as declarações do arguido no que tange ao imputado empunhamento de um barrote pelo ofendido e de um ferro por parte do depoente. Ademais, não há qualquer motivo para duvidar da presença desta testemunha no local, porquanto o próprio arguido mencionou que estavam presentes dois empregados do ofendido, não sendo de valorizar excessivamente as considerações tecidas pela testemunha no que respeita ao comportamento do ofendido quando se viu confrontado com a arma empunhada pelo arguido, as quais se afiguram, nesse particular, totalmente inverosímeis, resultando, com toda a certeza, de errada interpretação dos movimentos do ofendido. Do expendido resultou a convicção dos julgadores no que tange à matéria julgada como provada, sendo certo que a versão do arguido, além de inverosímil, interessada e inconsistente, não obteve confirmação em qualquer outro meio de prova. No mais, é de referir que não tendo a arma utilizada pelo arguido sido apreendida, a prova de que se tratava de uma pistola semi-automática que deflagrava munições de calibre 7,65 resultou da consideração conjugada do teor do exame pericial de fls.214 com as declarações do ofendido que descreveu o tipo de arma de fogo em causa e, bem assim, o modo como o arguido a manuseou, nada se tendo apurado em contrário. A prova das condições pessoais do arguido resultou do teor do relatório social de fls.423 e seguintes, conjugado com as declarações do arguido a esse propósito. Os antecedentes criminais do arguido estão comprovados pelo teor do c.r.c. de fls.391 e seguintes. * III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICAA. Enquadramento jurídico-penal 1. Do crime de coacção: Vem imputada ao arguido a prática de um crime de coacção, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 23º, 73º, 154º/1 e 155º/1 a). do C. Penal. Nos termos do artº. 154º, n.º 1, do C. Penal, comete o crime de coacção quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade. O conceito de ameaça não parece levantar dúvidas. Por violência deve entender-se não só o emprego da força física, mas também a pressão moral, ou intimação. E não se exige que a força física ou a intimação sejam irresistíveis; basta que tenham a potencialidade causal para compelir a pessoa contra quem se empregam à prática do acto ou à omissão ou a suportar a actividade (cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Português, 8ª ed., p. 608). «Constranger é obrigar alguém a assumir uma conduta que não depende da sua vontade. É, portanto, violar a liberdade de autodeterminação» (cfr. Leal Henrique e Simas Santos, Código Penal Anotado, 2º vol., 2ª ed., p. 193). Deste modo, o bem jurídico protegido por esta norma é a liberdade de determinação do indivíduo, a que também se referem os arts. 70º do C. Civil e 24º da Constituição da República Portuguesa. O crime considera-se consumado «no momento em que alguém é violentado a fazer, a omitir ou a suportar o que não quer»; a consumação pressupõe, portanto, uma efectiva perda da liberdade de determinação da vítima - cfr. Ac. STJ 17.04.91, BMJ 396º, p.222. A coacção é, por conseguinte, um crime de resultado e sendo o bem jurídico protegido a liberdade de acção, a consumação deste crime exige consequentemente que a pessoa objecto da acção de coacção tenha efectivamente sido constrangida a praticar a acção, a omitir a acção ou a tolerar a acção, de acordo com a vontade do coactor e contra a sua vontade num relação de efectiva causalidade. Evidentemente que, ao lado do preenchimento dos elementos objectivos supra descritos, exige-se a actuação a título de dolo, o qual deverá abranger todos aqueles elementos (artº. 13º do Código Penal), bastando, contudo, que o agente, sejam quais forem as suas motivações, tenha consciência de que a violência que exerce ou a ameaça que faz é susceptível de constranger e com tal se conforme. Como é sabido, o bem jurídico protegido pelo artº. 158º n.º 1 e 2 a) é a liberdade de movimentos do ofendido. No caso em apreço e face ao despacho de fls.372 é mister tecer umas breves considerações sobre o cometimento do crime, na forma tentada. Nos termos do artº. 22.º, do C. Penal, a existência de um crime tentado pressupõe a verificação de dois elementos, um objectivo e outro subjectivo - a prática de «actos de execução» de um crime que objectivem a decisão prévia de o cometer (o que pressupõe a existência de dolo). Consideram-se actos de execução aqueles: a) que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou c) os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores (n.º 2 do mesmo artigo). De acordo com a teoria clássica, denominada objectiva, a punibilidade da tentativa reside no facto de que com ela se põe em perigo o objecto da acção protegida no tipo legal, superada pela teoria subjectiva para a qual releva a vontade contrária ao direito posta em acção, superada hoje por uma concepção objectivo-subjectiva, justificando a pena se com esta se vê afectada a confiança da colectividade na validade do ordenamento jurídico, o sentimento de segurança, desprezando-se a paz jurídica. A punibilidade da tentativa radica assim, na aproximação à acção típica, pelo abalo e intranquilidade provocado na confiança comunitária na força vinculativa da norma, pela impressão negativa que causa comunitariamente pela violação de bens ou valores jurídicos (é a chamada teoria da impressão, seguida por Roxin, in Problemas Fundamentais de Direito Penal, p.296), que é imperioso preservar, quando a sua importância é de reconhecida evidência. A tentativa pode ser acabada se o agente praticou todos os actos de execução necessários à consumação material do crime, ou inacabada que é aquela em que o agente está convencido de que ainda não realizou todos os actos de execução necessários à consumação material do crime, deixando de ser punível se o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime ou impedir a consumação ou, não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime – cfr. art.º 24º/1 do Código Penal. O começo de execução da tentativa, na forma de acto executivo, produz-se quando a vontade criminosa intervém, claramente, numa acção que, segundo o plano global do autor, conduz imediatamente à colocação em perigo do bem jurídico protegido pelo tipo, na expressão de Roxin (ob. cit., p.303), num esforço da síntese de Rudolphi. No caso, estamos perante uma desistência da tentativa de coacção porquanto, o arguido, voluntariamente, acabou por abandonar aquele local ao volante do veículo automóvel de marca “Mercedes”, modelo “Vito”, matrícula 57-58-..., sem concretizar, por sua única e exclusiva vontade, o último acto de execução consistente na recolha do telemóvel cuja entrega reclamava do ofendido. Nesta perspectiva, a tentativa de coacção não pode ser objecto de punição, face ao que resulta do disposto no artº. 24º/1 do C. Penal. 2. Do crime de ameaça: Todavia, os simples actos de execução que o arguido ainda praticou assumem relevo criminal e punitivo porquanto preenchem, de per si e vista a factualidade provada sob os pontos II.A.5 e II.A.6, toda a factualidade típica do crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º/1 e 155º/1 a). do Código Penal. São elementos constitutivos do tipo legal de crime de ameaça: - o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal futuro que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor; - que esse anúncio seja feito de forma adequada a provocar no visado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; - que o agente tenha actuado com dolo. Por sua vez, o artigo 155º/1 a). do Código Penal consagra um crime de ameaça agravado, punindo o agente com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos. Do exposto resulta claro estarmos perante um crime de perigo concreto, dispensando-se portanto a ocorrência do resultado danoso referido na descrição típica. A este respeito dizem Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal Anotado, 2ª edição, p. 185: «Como desde logo se alcança, parece-nos não se tratar agora, e ao invés do que sucedia no texto anterior, de um crime de resultado. Na verdade, enquanto no número um do art. 155º do texto de 1982 se exigia que o agente tivesse provocado no sujeito receio, medo, inquietação ou lhe tivesse prejudicado a sua liberdade de determinação, agora basta que o agente se tenha servido de expediente adequado a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar-lhe a sua liberdade de determinação. Assim, desde que a ameaça seja adequada a provocar o medo, mesmo que em concreto o não tenha provocado, verifica-se o crime». No mesmo sentido se pronunciou Figueiredo Dias no seio da Comissão Revisora do Código Penal - cfr. Acta n.º 45. Por medo deve entender-se o temor ou receio de que o mal ameaçado ou prometido venha efectivamente a acontecer. Inquietação é a intranquilidade, o desassossego que a ameaça provoca no destinatário. Há prejuízo na liberdade de determinação quando o ameaçado fica constrangido pela ameaça, em vez de agir de acordo com a sua livre vontade actua antes por forma a não desagradar o ameaçador, ainda que isso lhe custe» - Simas Santos e Leal Henriques, loc. cit.. Ora, revista a factualidade apurada, resulta à saciedade que, não obstante a desistência da tentativa de coagir o ofendido, o arguido cometeu o dito crime de ameaça, pois que lhe exibiu uma arma de fogo, apontando-a na sua direcção, com a qual, logo de seguida, efectuou um disparo para o chão, isto com o propósito de provocar medo e inquietação no ofendido, o que efectivamente conseguiu. De todo o modo, sempre se dirá que não é indispensável ao preenchimento do tipo de ilícito o concreto resultado de o ofendido sentir efectivamente medo e ficar condicionado na sua liberdade e auto-determinação. Mas, também ninguém o duvida, o empunhamento de uma arma de fogo, acompanhada do posterior disparo para o chão, é adequada, em termos de normalidade e atentas as regras da experiência, a causar medo, inquietação e a condicionar o comportamento de qualquer cidadão médio. No caso e uma vez que a ameaça perpetrada corresponde a crime punível com pena de prisão superior a três anos (cfr. artº. 131º do Código Penal), a conduta do arguido é punida com a moldura agravada prevista no artº. 155º/1 a). do Código Penal, ou seja, com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias. Uma última nota para destacar que, atenta a factualidade julgada como não provada, não se verifica qualquer causa de exclusão da ilicitude, nomeadamente, a legítima defesa (cfr. artigo 32º do C. Penal) ou o estado de necessidade desculpante (cfr. artigo 35º do C. Penal) invocados pelo arguido. Com efeito, não se provou que o arguido tenha sofrido, ou estivesse na iminência de sofrer, qualquer agressão ilícita por parte do ofendido. Com efeito, constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro. A legítima defesa pressupõe, assim, a resposta a uma agressão ilícita e actual (isto é, uma agressão iminente ou cuja execução se tiver iniciado, sem que se tenha verificado ainda a sua definitiva consumação) e que o agente actue com “animus deffendendi”, além de pressupor, evidentemente, a necessidade do meio (deve ocorrer apenas quando não possa haver recurso à força pública e se vários meios são susceptíveis de garantir a defesa, deve utilizar-se aquele que causar menos dano ao agressor.). Como já supra salientámos nenhuma dessas circunstâncias se verifica no caso em apreço. 3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO. 3.1. O enquadramento jurídico O conceito e os elementos típicos do crime de ameaça, agravado, encontram-se adequada e suficientemente explanados na sentença No ponto III.A.2., com o auxílio de anotações doutrinárias, por forma a tornar inútil a sua repetição e a dispensar generalidades suplementares. Não oferecendo dúvida que ameaçar é anunciar a alguém um mal, necessariamente futuro, o “pomo da discórdia” jurídica (comum ao Recorrente e à Exmª. Srª. Procuradora-Geral Adjunta) cinge-se àquilo que se deve entender por “mal futuro”. Ora, essa característica essencial do crime de “ameaça” – o mal ameaçado ter de ser futuro – está presente no caso em apreço. As circunstâncias em que são descritas a acção e o querer do arguido – o arguido empunhou uma arma de fogo (pistola semi-automática), de características não concretamente apuradas, mas que deflagrava munições de calibre 7,65 e, a cerca de dois metros de distância, apontando-a na direcção da parte superior do corpo daquele ofendido, … puxou o manobrador da culatra à retaguarda… após o que o arguido efectuou um disparo para o chão… Porque o arguido se encontrava alterado, o ofendido, convencendo-se que aquele seria capaz de disparar, como o fez, sentiu fundado receio pela concretização das ameaças e viu, por causa delas, prejudicada a sua liberdade de movimentos… O arguido quis, de uma forma séria e convincente, fazer crer ao ofendido que lhe poderia tirar a vida, sendo, por isso, uma conduta adequada a provocar no ofendido, como efectivamente provocou, o receio, a intranquilidade de tal poder vir verdadeiramente a acontecer… quis causar aquele receio e intranquilidade Factos Provados 2 a 6. - são indicativas do aviso de uma ofensa contra a integridade física ou a vida que estás prestes a acontecer, que irá concretizar-se, logo, “futura”. Sobre a interpretação de mal “futuro”, já esta Relação se pronunciou, de forma exaustiva e proficiente, nos arestos que passamos a citar e a cuja fundamentação aderimos. “I – Tudo o que não seja execução eminente ou em curso – caso de uso de violência – é futuro, em termos de anúncio de causação de um mal, sendo indiferente que a expressão usada seja “agora”, “hoje”, amanhã ou para o ano. II – Futuro é todo o tempo compreendido naquele em que é proferida a expressão que anuncia o mal que o seu autor diz que será causado, não acompanhada, esta, de actos correspondentes à sua simultânea ou absolutamente imediata concretização. III – Ou seja, sempre que alguém dirija a outrem uma expressão verbal – ou de outra natureza – de anúncio de causação de um mal, não acompanhando essa acção com os actos de execução correspondentes – permanecendo inactivo em relação à execução do mal anunciado –, todo o tempo que durar essa inacção e se mantiver a possibilidade de o mal anunciado se concretizar é o futuro, em termos de interpretação da expressão em causa.” (ac. de 07/01/2008, relatado pelo Desemb. Ricardo Silva no proc. 1798/07-2 ). “Com efeito, o Prof. Taipa de Carvalho assinala que “O mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é do respectivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, p. ex, haverá ameaça, quando alguém afirma hei-de-te matar: já se tratará de violência quando alguém afirma “vou-te matar já” (Comentário Conimbricence do Código Penal, Tomo I, cit., pág. 343). Mas, salvo o devido respeito, este trecho do texto do Prof. Taipa de Carvalho tem de ser cuidadosamente ponderado e aquelas palavras não podem ser aplicadas acriticamente, sob pena de intoleráveis atropelos à legalidade democrática, criando áreas de impunidade criminal onde o legislador as não autoriza, para além de se atraiçoar o pensamento daquele Mestre. Antes do mais, é manifesto que o mal objecto da ameaça tem de ser um mal futuro. Ameaçar “é anunciar a alguém um grave e injusto dano, necessariamente futuro” (Ac. da Rel. do Porto de 17-1-1996, proc.º n.º 9540886, rel. Fernando Frois, in www.dgsi.pt). Mal futuro que se contrapõe a um mal passado. O anúncio de um mal que se projectaria no passado não constitui ameaça. Assim, a expressão “eu já no dia 24 deste mês era para o matar com uma carrinha”dirigido pelo arguido ao ofendido, por ser uma ameaça de acção em tempo passado não tem objectivamente, de forma inequívoca, o sentido de uma ameaça para o futuro, pelo que não integra o crime de ameaça”(Ac. da Rel. do Porto de 6-7-2000, proc.º n.º 0010392, rel. Marques Pereira, in www.dgsi.pt). Mas o futuro é o tempo que há-de vir, aquilo que vai ser ou acontecer num tempo depois do presente (Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário da língua Portuguesa Contemporânea, I vol., 2001, pág. 1846), o tempo que se segue ao presente, o que está por vir, que há-de ser, que deverá estar, que há-de acontecer, suceder (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Lisboa, 2003, tomo IV, pág. 1828), aquilo que há-de ser (Cândido de Figueiredo, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 25ªed, vol. II, 1996, pág.1225), que há-de vir (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, 1991, vol. III, pág. 170), que está para ser, que está por acontecer (Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2004, pág. 803). Que o agente refira ou não o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o este seja curto ou longo é irrelevante (Taipa de Carvalho, cit, §7, pág. 343). O mal iminente é o mal que está próximo, que está prestes a acontecer. Por isso, o mal iminente é ainda mal futuro, porque é um mal que ainda não aconteceu, que há-de ser, que há-de vir, embora esteja próximo, prestes a acontecer. É claro que sendo o mal iminente poderemos estar perante uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é do respectivo mal, já que segundo a alínea c) do artigo 22º do Código Penal, o anúncio daquele mal pode, segundo a experiência comum, ser de natureza a fazer esperar que se lhe sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores, isto é, actos que preencham um elemento constitutivo de um tipo de crime, ou que sejam idóneos a produzir o resultado típico. Mas daí se não segue, necessariamente, que deixe de existir uma ameaça. Quando alguém afirma que “vou-te matar”, poderemos estar perante uma tentativa de homicídio, de tentativa de coacção, que consomem naturalmente a ameaça, ou perante um crime de ameaças. Tudo depende da intenção do agente.” (ac. de 18/05/2009, relatado pelo Desemb. Cruz Bucho no proc. 349/07.1PBVCT www.dgsi.pt.). No caso em apreço, a ameaça serviu como meio de coacção (cf. artº 154º, nº1 do CP), pelo que, a vingar este tipo criminal, consumiria aquela. Como refere Taipa de Carvalho, “o crime de ameaça (artº 153º) cede perante os crimes de coacção (arts. 154º, 155º, 163º, 347º) e de extorsão (artº 222º), salvo se, em relação a estes, se verificar uma desistência relevante da tentativa, e aquele se tiver consumado (isto é, a ameaça tiver chegado ao conhecimento do destinatário).” Comentário Conimbricense do Código Penal, t. I, Coimbra Editora, 1999, p.351. Excepção última que corresponde à destes autos: julgada válida a desistência do crime tentado de coacção assacado ao arguido (de que veio a ser absolvido V. ponto IV, a), da sentença.), ganhou autonomia e relevo criminal a ameaça perpetrada. Relativamente ao restante argumentário avançado pelo Recorrente, não tem interesse ou é inócuo – por exemplo, quando alega que “não se verificou qualquer indício de perpetuidade do acto praticado…” -, fazendo nossas, mais uma vez, as seguintes considerações: “Nem se diga, ainda, que se o mal for iminente a ameaça do mal ou entra no campo da tentativa ou, não entrando, logo se esgota na não consumação do mal anunciado, do que resulta não ter ficado o visado condicionado nas suas decisões e movimentos dali por diante. A circunstância de o espaço temporal que medeia entre o mal anunciado e a certeza da sua não consumação ser maior ou menor pode ser relevante para efeitos de determinação da medida da pena, mas é indiferente para efeitos de incriminação. O que se exige é tão somente que a ameaça, o anúncio do mal futuro, seja susceptível de afectar a paz individual ou a liberdade de determinação. Se essa susceptibilidade se prolonga mais ou menos no tempo é irrelevante para efeitos de incriminação. Se o visado não ficou condicionado nas suas decisões e movimentos dali por diante é, igualmente, irrelevante. O que é decisivo é que, ainda que por momentos breves, o anúncio daquele mal, depois não concretizado, fosse susceptível de afectar aqueles bens jurídicos, fosse capaz de gerar medo, inquietação ou de prejudicar a liberdade de determinação.” (ac. da RG de 18/05/2009, já cit.). Em suma, a matéria de facto provada integra a tipicidade objectiva e subjectiva do crime de ameaça, agravado, p. e p. pelos artº 153º, nº1 e 155º, nº1, al. a), do CP, pelo que não merece reparo a subsunção jurídica operada pelo Tribunal a quo. 3.2. A impugnação dos factos Entende o Recorrente que foi “erradamente provado que o ofendido tenha visto prejudicada a sua liberdade de movimentos em virtude da conduta do arguido”; e para tal concluir, transcreve passagens do depoimento da testemunha José V... V. Motivação, a fls. 521-522; e Conclusões U-W.. Semelhante visão – por demasiadamente simplista e redutora - não tem cabimento. É absolutamente impossível inferir de 6 brevíssimas respostas de uma testemunha (que nem sequer foi a única ouvida), num depoimento com a duração global de cerca de 18 minutos (11:31 + 07:18 Cf. CD de gravação da prova.), iniciado com a afirmação “o que vi foi pouca coisa” (admitindo, posteriormente, que, mais de 4 anos depois dos factos A audiência de julgamento realizou-se no dia 22/11/2012 – acta de fls. 478-485., poderia ter esquecido alguma coisa…), o errado julgamento do pretendido facto, descrito no nº 4 da matéria de facto considerada assente. Por outras palavras, aquilo que o Recorrente invoca é insusceptível de “impor” decisão fáctica diversa da assumida pelo Tribunal Colectivo (cf. o artº 412º, nº3, al. b), do CPP). Em conclusão: está correcto o enquadramento dos factos como ilícito de ameaça agravada; e não foi invocada razão válida para modificar a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto. III - DECISÃO 1. Nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido DOMINGOS S.... 2. Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça devida. |