Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2281/06-1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: INJÚRIA
DIFAMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/10/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – Vem o interposto recurso pelo assistente do despacho que decidiu não pronunciar o arguido a quem vinha imputada a autoria um crime de difamação agravado pela autoria de um artigo publicado em periódico onde se afirma “o senhor presidente da Junta (o assistente) diz, mentindo, que a anterior Junta deixou dívidas de 250 mil contos”.
II – Simplesmente, apesar do assistente ter desenvolvido uma actividade processual tendente a demonstrar que efectivamente o arguido deixara dívidas, não se vê que na nossa ordem jurídica seja pensável alguém ser criminalmente punido por negar a existência de uma dívida, ainda que esta efectivamente exista, pois que de outro modo, qualquer acção cível «por dívida» poderia gerar e fundamentar um subsequente processo crime com vista à condenação de quem a tivesse perdido.
III – Na verdade, a negação duma dívida implica, quase inevitavelmente, a alegação de que são falsas as afirmações de quem diz que ela existe, podendo o pretenso devedor, de forma mais cortês, dizer simplesmente que as imputações “não coincidem com a realidade”’, ou, de uma forma mais mais contundente, afirmar que quem as faz está a “mentir’’, sendo que, em ambos os casos, o pretenso devedor não deixa de afirmar o mesmo facto: é falsa a existência da dívida.
IV – Ora, o direito penal não pune a falta de elevação ou a indelicadeza nas relações sociais, mas tutela a «honra», pois que como se escreveu num muito citado acórdão da Relação do Porto “é próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc., que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de confli- . tos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função” - ac. de 12-6-02, Recurso 332/02, de que é relator o des. Manuel Braz.
V – Uma disputa sobre dinheiros, por si só, não atinge «honra», independentemente de quem tenha razão na contenda, ao contrário do que parece ter sido o entendimento do recorrente ao produzir prova no sentido de demonstrar que a dívida existia.
VI – No caso, recaindo sobre o arguido imputações ou suspeitas de ter deixado dívidas de montante substancial no exercício da sua actividade de autarca, é normal que tenha reagido de forma desabrida, e é também normal que tenha contra-atacado afirmando que “a freguesia deixou de ganhar centenas de milhares de contos de possíveis indemnizações por erros e omissões do actual presidente da Junta” (.,,) “basta de embuste, basta de mentira”.
VII - A tudo isto acresce que o artigo foi publicado no âmbito de umas eleições autárquicas, em evidente clima de acesa luta política, pelo que, se é certo que o texto em causa está eivado de juízos de desvalor sobre o assistente, tais juízos só atentam contra a honra se “nada tiverem a ver como exercício da crítica”, e forem “exclusivamente motivados pelo propósito de rebaixar e humilhar - e sobretudo aquelas situações em que os juízos negativos sobre o visado se desprendem de qualquer conexão com a matéria em discussão, quando enfim, se exercita uma pura agressão pessoal)” – ac. da Relação de Guimarães, de 19.06.2006, Processo 660/2006 – 1ª Secção Relator: Miguez Garcia.
VIII – Assim deverá ser mantido o despacho recorrido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
No 1º Juízo Criminal de Braga (Proc.598/06.0TABRG) foi proferida decisão instrutória que não pronunciou o arguido Manuel António Pinheiro Vieira a quem o magistrado do MP havia imputado a autoria um crime de difamação agravada p. e p. pelos arts. 180, 182, 183 nº 2, 184 e 132 nº 2 al. j) do Cod. Penal.

*

O assistente J... Sampaio interpôs recurso desta decisão.

A questão suscitada no recurso é a de saber se os autos contêm indícios suficientes que permitam imputar aos arguidos a prática daquele crime de difamação agravada.


*
Respondendo a magistrada do MP junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.

Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido do recurso não merecer provimento.

Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.


*
FUNDAMENTAÇÃO
Vem o recurso interposto do despacho que decidiu não pronunciar o arguido Manuel António Pinheiro Vieira a quem o magistrado do MP havia imputado a autoria um crime de difamação agravado p. e p. pelos arts. 180, 182, 183 nº 2, 184 e 132 nº 2 al. j) do Cod. Penal.

O despacho de não pronúncia contém uma decisão «absolutória» para os efeitos do art. 400 nº 1 al. d) do CPP – «Decisão absolutória» é toda a decisão judicial que não atribua responsabilidade criminal ao arguido por facto praticado e indigitado como delituoso, ou que lhe retire a imputação feita. Ou seja, devem considerar-se acórdãos absolutórios todos os que não sejam condenatórios e, por consequência, incluir em tal termo, os «acórdãos de arquivamento». – v. ac- STJ de 20-6-02, CJ stj, ano X, tomo II, pag. 230 e ainda o ac. STJ de 29-11-00, CJ stj tomo III, pag. 224 (e outra jurisprudência nele citada).
Por isso, é aqui aplicável a norma do art. 425 nº 5 do CPP: “Os acórdãos absolutórios enunciados no art. 400 nº 1 al. d), que confirmem decisão de 1ª instância sem qualquer declaração de voto podem limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada”.
É o que se faz neste acórdão, porque a decisão impugnada está fundamentada de forma clara sem merecer quaisquer reparos.
Ainda assim acrescentar-se-á o seguinte:
O arguido foi presidente da Junta de freguesia de Palmeira durante 21 anos.
Sucedeu-lhe o assistente.
Na acusação são transcritas algumas passagens do texto da autoria do arguido publicado na edição do dia 14-9-2005 do Correio do Minho.
Logo no início se refere a afirmação do arguido de que “o senhor presidente da Junta (o assistente) diz, mentindo, que a anterior Junta deixou dívidas de 250 mil contos”.
O assistente desenvolveu uma actividade processual tendente a demonstrar que efectivamente o arguido deixara dívidas – v. os documentos por ele juntos aos autos durante a inquirição de testemunhas realizada em 23-5-07 (fls. 94 a 101).
Não se vê que na nossa ordem jurídica seja pensável alguém ser criminalmente punido por negar a existência de uma dívida, ainda que esta efectivamente exista. De outro modo, qualquer acção cível «por dívida» poderia gerar e fundamentar um subsequente processo crime com vista à condenação de quem a tivesse perdido.
A negação duma dívida implica, quase inevitavelmente, a alegação de que são falsas as afirmações de quem diz que ela existe. Isso pode ser feito de forma mais cortês ou mais contundente, ou até de modo boçal. Pode o pretenso devedor simplesmente dizer que as imputações “não coincidem com a realidade”, ou, como no caso, afirmar que quem as faz está a “mentir”. Porém, em ambos os casos, o pretenso devedor não deixa de afirmar o mesmo facto: é falsa a existência da dívida.
Ora, o direito penal não pune a falta de elevação ou a indelicadeza nas relações sociais, mas tutela a «honra». Como se escreveu num muito citado acórdão da Relação do Porto “é próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc., que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. Uma pessoa que se sente incomodada por outra “pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função” – ac. de 12-6-02, Recurso 332/02, de que é relator o des. Manuel Braz.
Uma disputa sobre dinheiros, por si só, não atinge a «honra», independentemente de quem tenha razão na contenda, ao contrário do que parece ter sido o entendimento do recorrente ao produzir prova no sentido de demonstrar que a dívida existia. No caso, recaíam sobre o arguido imputações ou suspeitas de ter deixado dívidas de montante substancial no exercício da sua actividade de autarca. É normal que tenha reagido de forma desabrida. É também normal que tenha contra-atacado afirmando que “a freguesia deixou de ganhar centenas de milhares de contos de possíveis indemnizações por erros e omissões do actual presidente da Junta” (…) “basta de embuste, basta de mentira”.
A tudo isto acresce que o artigo foi publicado no âmbito de umas eleições autárquicas, em evidente clima de acesa luta política. É certo que o texto em causa está eivado de juízos de desvalor sobre o assistente, mas como se considera no acórdão desta Relação citado pelo sr. procurador geral adjunto tais juízos só atentam contra a honra se “nada tiverem a ver com o exercício da crítica”, e forem “exclusivamente motivados pelo propósito de rebaixar e humilhar (e sobretudo aquelas situações em que os juízos negativos sobre o visado se desprendem de qualquer conexão com a matéria em discussão, quando enfim, se exercita uma pura agressão pessoal)”.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães negam provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
O recorrente pagará 3 UCs de taxa de justiça.