Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
163/07-1
Relator: ANSELMO LOPES
Descritores: ACLARAÇÃO
EFEITOS
INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: I – O artº 669º do Código de Processo Civil regula os casos em que é permitida a aclaração reforma e correcção da sentença.
II – O artº 670º, nº 3 do mesmo Diploma estabelece que se alguma das partes tiver requerido a rectificação ou aclaração da sentença, o prazo para arguir nulidades ou pedir a reforma só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre esse requerimento.
III – O artº 686º, nº 1 do mesmo Código esclarece que se alguma das partes requerer a rectificação, aclaração ou reforma da sentença nos termos do artº 667º e do nº 1 do artº 669º o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento.
IV – O Código de Processo Penal regula a correcção da sentença no artº 380º mas não dispõe de qualquer norma que regule a eventual suspensão do prazo para interposição de recurso quando tenha sido requerida a aclaração, reforma ou correcção da sentença ou despacho, pelo que tal omissão terá de ser suprida com as normas do processo civil, nos termos do artº 4º do Código de Processo Penal.
V – Quer na lei processual civil quer na processual penal, por razões evidentes de justiça material, e em termos claros e circunscritos, prevê-se o mecanismo da correcção das decisões (mesmo, por compreensíveis razões, por via oficiosa), pois se pretende que, dentro dos poderes jurisdicionais, estas se conformem com o pensamento de quem decidiu e bem assim que se supram erros ou lapsos e se esclareçam obscuridades ou ambiguidades.
VI – Trata-se de suprir situações que afectam a perfeição das decisões judiciais, em ordem do alcance de melhor justiça.
VII – As sentenças penais também são susceptíveis de erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade e, nesses casos, oficiosamente ou a requerimento, podem ser corrigidas, definindo a lei um regime próprio e apertado, ou seja, a correcção apenas pode ocorrer quando a eliminação dos vícios não importe modificação essencial.
VIII – No mais, para além deste regime, têm que valer as regras do processo civil, podendo o juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e rectificá-la se contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto (artºs 666º, nº 2 e 667º, nº 3 do C.P.C.), sempre com o indicado limite da não modificação essencial.
IX – E, como se diz no artº 670º, nº 2, parte final, a decisão que deferir a rectificação ou a reforma considera-se complemento e parte integrante da sentença, pelo que bem se compreende a subsequente previsão do nº 3, isto é, a de que se alguma das partes tiver requerido a rectificação ou aclaração da sentença, o prazo para arguir nulidades ou pedir a reforma só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre esse requerimento.
X – É que, se a correcção ou a rectificação passam a fazer parte integrante da sentença, …então só depois disso é que temos uma decisão para eventual recurso.
XI – Estes regimes concorrem com o funcionamento do disposto no artº 665º do CPCivil (também ele aplicável subsidiariamente), para aquelas situações em que não haja fundamento sério para os pedidos de correcção, reforma, esclarecimento ou rectificação, constituindo eles expedientes dilatórios, que devem ser censurados e sancionados, incluindo com a exclusão do benefício da suspensão do prazo de recurso
Decisão Texto Integral: Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

TRIBUNAL RECORRIDO
Tribunal Judicial de Guimarães – Pº nº 356/98.3TBGMR-G

RECORRENTE
Paula

RECORRIDO
O Ministério Público

OBJECTO DO RECURSO
A arguida Paula insurge-se contra o despacho proferido a fls. 883 dos autos à margem referenciados que não admitiu a reclamação interposta pela arguida a fls. 877 a 881 por considerar a mesma manifestamente extemporânea, uma vez que foi interposta para além do prazo fixado no nº 2 do artº 405º do CPP.
Para tanto, a arguida alega que a reclamação deu entrada no dia 20.10.2006, que o prazo terminava no dia 23.10.2006, contado até ao 3º dia útil de multa nos termos e para os efeitos previstos no artº 145º, nº 5 do CPCivil, ex vi artº 4 do CPP; uma vez que no dia 06.10.2006 a arguida requereu a aclaração, correcção e reforma do despacho de fls. 865, suspendendo-se a contagem do prazo desde essa data até à data da prolação do despacho que incidiu sobre esse requerimento, o que ocorreu no dia 18.10.2006, conforme despacho de fls. 872, nos termos e para os efeitos do artº 670º, nº 3 do CPCivil ex vi artº 4º do CPP.

MOTIVALÃO/CONCLUSÕES
No essencial, a recorrente invoca que o prazo para reclamar só terminava em 23 de Outubro, uma vez que em 6 desse mês requereu aclaração, suspendendo-se o prazo e acrescentando que não há lugar à condenação nas 10 UC´s.

RESPOSTA
A Digna Procuradora da República-Adjunta responde nos termos adiante inseridos, defendendo a procedência do recurso.

PARECER
Nesta instância, o Ilustre Procurador Geral-Adjunto também opina no sentido da procedência.

PODERES DE COGNIÇÃO
O objecto do recurso é demarcado pelas conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação - artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal.

FUNDAMENTAÇÃO
A resposta da Digna Procuradora da República-Adjunta é do seguinte teor:
A arguida foi condenada nos presentes autos na pena única de 660 dias de multa à taxa diária de 6€, no total de 3.960€.
Foi notificada da sentença no dia 20 de Junho de 2006, conforme notificação pessoal efectuada a fls. 669 verso.
A fls. 764 e 765, por fax enviado a 21.06.2006, a arguida requereu a aclaração e correcção da sentença.
Por despacho proferido a fls. 771 e datado de 26.06.2006, o Mmº Juiz decidiu nada ordenar por ter esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa no requerimento de fls. 764 e 765.
Do qual o mandatário da arguida se considera notificado a 30.06.2006 – 3º dia útil após o envio – cfr. fls. 777.
Através de fax enviado para este Tribunal no dia 10.07.2006, pelas 23.26 horas, a arguida apresentou recurso da sentença, conforme fls. 778 a 796, o qual se mostra incompleto.
No dia 11.07.2006 pelas 23.17 horas foi enviado novo fax com as alegações de recurso completas, conforme se alcança a fls. 797 a 825.
Por despacho proferido a fls. 865 e datado de 19.09.2006, o Mmº Juiz não admitiu o recurso interposto pela arguida por considerar o mesmo extemporâneo uma vez que a arguida tinha sido notificada da sentença no dia 20.06.2006 e que o último dia para interposição do recurso, contado até ao 3º dia útil com aplicação do disposto no artº145º, nº 5 do Código de Processo Civil, seria o dia 10.07.2006.
No mesmo despacho o Mmº Juiz condenou a arguida em 5 UC pelo incidente.
Por fax de 06.10.2006 – fls.868 - a arguida requer a aclaração, correcção e reforma do despacho de fls. 865 por outro que admita o recurso interposto pela arguida por considerar que é aplicável o disposto no artº 670º, nº 3 CPCivil ex vi artº 4º do CPP alegando para o efeito que o mencionado despacho enferma de erro ou lapso na contagem do prazo para interposição de recurso, uma vez que tal prazo se iniciou a 20.06.2006, com a notificação da sentença à arguida, mas que se suspendeu no dia imediatamente a seguir, 21.06.2006, com o pedido de aclaração e correcção da sentença, só se reiniciando no dia 28.06.2006, ou 30.06.2006 nos termos do artº 113º, nº 2 do CPP, data da notificação do despacho de fls.771 e terminando a 12 ou 14.07.2006 nos termos do mesmo artigo – um dia antes da aclaração mais 14 dias após a notificação do despacho de fls. 221 – e com multa até 16 ou 19 de Julho de 2006 – 3º dia útil nos termos e para os efeitos previstos no artº 145º, nº 5 do CPCivil – e que a motivação de recurso deu entrada no Tribunal no dia 10.07.2006 apesar de dificuldades e quebras na transmissão e remetido por carta registada com aviso de recepção no dia 11.07.2006.
Por despacho proferido a fls. 872, o Mmº Juiz decidiu que com o despacho proferido a fls. 864 e 865 ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria nele decidida – artº 666, nºs 1 e 3 do CPCivil ex vi artº 4 do CPP.
A fls. 877 a arguida reclama, nos termos do artº 405º do CPP, do despacho proferido a fls. 865 o qual não admitiu o recurso da sentença, alegando para o efeito o já constante a fls. 868.
Por despacho proferido a fls. 883 de 24.10.2006, o Mmº Juiz não admite a reclamação por considerar a mesma extemporânea e condenando em 10 UC pelo incidente.
A 15.11.2006, por fax, a arguida interpõe recurso do despacho proferido a fls. 883 que não admitiu a reclamação do despacho de fls. 864 por ter sido considerada extemporânea, requerendo a substituição por outro despacho que admita a reclamação interposta nos termos e para os efeitos do artº 405º do CPP.
É deste recurso que ora se responde.

A questão a decidir resume-se, assim, saber se é ou não aplicável no processo penal o disposto no artº 670º, nº 3 do Código de Processo Civil por referência ao artº 4º do Código de Processo Penal, nomeadamente se o pedido de aclaração, correcção e reforma da sentença ou despacho suspende o prazo de interposição de recurso e ou de reclamação e se reinicia com a notificação do despacho que se pronuncia sobre tal pedido ou reclamação.

Vejamos:
Dispõe o artº 405º do Código de Processo Penal o seguinte:
1. Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige.
2. A reclamação é apresentada na secretaria do tribunal recorrido no prazo de dez dias contados da notificação do despacho que não tiver admitido o recurso ou da data em que o recorrente tiver tido conhecimento da retenção.
3. No requerimento o reclamante expõe as razões que justificam a admissão ou a subida imediata do recurso e indica os elementos com que pretende instruir a reclamação.
4. A decisão do presidente do tribunal superior é definitiva, quando confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário, não vincula o tribunal de recurso.

O artº 669º do Código de Processo Civil regula os casos em que é permitida a aclaração reforma e correcção da sentença.

O artº 670º, nº 3 do mesmo Diploma estabelece que se alguma das partes tiver requerido a rectificação ou aclaração da sentença, o prazo para arguir nulidades ou pedir a reforma só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre esse requerimento.
O artº 686º, nº 1 do mesmo Código esclarece que se alguma das partes requerer a rectificação, aclaração ou reforma da sentença nos termos do artº 667º e do nº 1 do artº 669º o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento.
O Código de Processo Penal regula a correcção da sentença no artº 380º mas não dispõe de qualquer norma que regule a eventual suspensão do prazo para interposição de recurso quando tenha sido requerida a aclaração, reforma ou correcção da sentença ou despacho.
Tal omissão terá, na nossa opinião, de ser suprida com as normas do processo civil, nos termos do artº 4º do Código de Processo Penal.
Como refere a arguida recorrente, Vossas Excelências já decidiram que era aplicável o disposto no artº 670º, nº 2 do Código de Processo Civil ao processo penal, ao considerarem que o despacho que indeferiu o pedido de aclaração é irrecorrível, por o Código de Processo Penal não conter qualquer norma que directa ou indirectamente regule a admissibilidade ou não de recurso do despacho que indeferir o pedido de aclaração. Acórdão de 31.10.2005, publicado na CJ, Ano XXX, Tomo V/2005, pág.308.
Pelo que, afigura-se que assiste razão à arguida recorrente na medida em que tendo sido pedida a aclaração, reforma ou correcção da sentença e não dispondo o Código de Processo Penal de norma que regule, directa ou indirectamente a eventual suspensão do prazo para interposição do recurso da sentença quando tenha sido pedida a aclaração, reforma ou correcção da sentença, deverá tal omissão ser suprida com as normas do processo civil, nomeadamente as disposições supra citadas e, em consequência, considerar-se que existe suspensão do prazo para interposição do recurso e de reclamação pela não admissão do recurso, entre aquele pedido e a notificação do despacho que se pronuncia sobre aquele pedido.
Assim se entendendo, o recurso interposto pela arguida foi tempestivo e como tal deveria ter sido admitido.
*
Quanto à reclamação, para além de se afigurar que a mesma foi apresentada tempestivamente pelos motivos e fundamentos supra expostos; entendemos que a reclamação deveria ter sido admitida, mesmo que manifestamente extemporânea e enviada ao tribunal superior que apreciará e decidirá pela tempestividade ou não de tal reclamação. Neste sentido Ac. Relação de Lisboa de 03.10.2000.
Em face do exposto, entendemos, salvo melhor opinião e contrário, que a reclamação interposta pela arguida deveria ter sido admitida e enviada para o tribunal superior que decidirá, além do mais, pela tempestividade ou não da reclamação.
Entendemos ainda que é aplicável ao processo penal as normas do processo civil supra citadas nos termos do artº 4º do CPP, quanto à suspensão do prazo para interposição de recurso de sentença e ou de reclamação quando tenha sido requerida a aclaração, reforma ou correcção da sentença e ou do despacho que indeferiu tal pedido, entre a data de tal requerimento e a notificação do despacho que se pronunciou sobre a aclaração, reforma ou correcção; por o Código de Processo Penal não regular directa ou indirectamente tal matéria.
O despacho recorrido deverá assim ser substituído por outro que admita a reclamação e o recurso da sentença interposto pela arguida.
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Esta douta resposta dispensaria qualquer acréscimo, pois tudo fica claro, no sentido de que também em processo penal se suspende o prazo para recurso quando houver pedido de aclaração das sentenças ou dos despachos (nº 3 do artº 666º CPC).
Quer na lei processual civil quer na processual penal, por razões evidentes de justiça material, e em termos claros e circunscritos, prevê-se o mecanismo da correcção das decisões (mesmo, por compreensíveis razões, por via oficiosa), pois se pretende que, dentro dos poderes jurisdicionais, estas se conformem com o pensamento de quem decidiu e bem assim que se supram erros ou lapsos e se esclareçam obscuridades ou ambiguidades.
Trata-se de suprir situações que afectam a perfeição das decisões judiciais, em ordem do alcance de melhor justiça.
As sentenças penais também são susceptíveis de erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade e, nesses casos, oficiosamente ou a requerimento, podem ser corrigidas, definindo a lei um regime próprio e apertado, ou seja, a correcção apenas pode ocorrer quando a eliminação dos vícios não importe modificação essencial.
No mais, para além deste regime, têm que valer as regras do processo civil, podendo o juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e rectificá-la se contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto (artºs 666º, nº 2 e 667º, nº 3 do C.P.C.), sempre com o indicado limite da não modificação essencial.
E, como se diz no artº 670º, nº 2, parte final, a decisão que deferir a rectificação ou a reforma considera-se complemento e parte integrante da sentença, pelo que bem se compreende a subsequente previsão do nº 3, isto é, a de que se alguma das partes tiver requerido a rectificação ou aclaração da sentença, o prazo para arguir nulidades ou pedir a reforma só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre esse requerimento.
É que, se a correcção ou a rectificação passam a fazer parte integrante da sentença, …então só depois disso é que temos uma decisão para eventual recurso.
Do mesmo modo, ainda melhor se entende a coerência do sistema com a previsão do artº 686º, nº 1, de que se alguma das partes requerer a rectificação, aclaração ou reforma da sentença, nos termos do artigo 667.º e do nº 1 do artigo 669.º, o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento.
Nem podia ser de outro modo, também em nome da unidade da ordem jurídica.
Estes regimes concorrem com o funcionamento do disposto no artº 665º do CPCivil (também ele aplicável subsidiariamente), para aquelas situações em que não haja fundamento sério para os pedidos de correcção, reforma, esclarecimento ou rectificação, constituindo eles expedientes dilatórios, que devem ser censurados e sancionados, incluindo com a exclusão do benefício da suspensão do prazo de recurso.
Se assim não fosse, não tinha razão de ser a previsão do citado preceito e poder-se-ia alargar o prazo para recurso por qualquer motivo.
No caso dos autos, apesar de se afirmar, não foram invocadas razões que caracterizem as condutas processuais da recorrente como inúteis e dilatórias ou que, por qualquer outro meio, tenha feito uso anormal do processo, pelo que terá ela que ver conhecidas as suas pretensões, a começar, para já, da reclamação apresentada, pois este Tribunal, apesar da posição assumida, não pode pronunciar-se sobre o seu mérito e mandar subir o recurso.

ACÓRDÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso, devendo ser admitida a reclamação de fls. 877, ficando, pois, sem suporte a condenação da reclamante no pagamento da importância das 10 UC´s.
Sem custas.
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Guimarães, 12 de Março de 2007