Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
390/04-2
Relator: ANSELMO LOPES
Descritores: ADVOGADO EM CAUSA PRÓPRIA
REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/03/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Sumário: I – O arguido, ainda que advogado, não pode assumir a sua representação na causa.
II – O recurso da sentença assinado pelo mesmo, não deve ser recebido pelo facto do seu subscritor não ter condições necessárias para o efeito – conf. artº 414º, nº 2 do C. P. Penal, sendo pois de rejeitar o recurso – conf. artº 420º, nº 1 do C. P. Penal.
III – Segundo Maia Gonçalves – Código de Processo Penal Anotado, 12ª edição, 210, a al. d), do nº 1, do artº 64º do C. P. Penal, estabelecendo que é obrigatória a assistência de defensor ao arguido nos recursos, tanto ordinários como extraordinários, contém normativo que se fundamenta na necessidade ou na alta conveniência da assistência, porque nos recursos normalmente se debatem questões de natureza jurídica que em regra o próprio arguido se não encontra preparado para discutir com competência e eficiência.
IV – Embora os estatutos dos Magistrados e o dos Advogados concedam a possibilidade de advogar em causa própria e àqueles, também, nas causas dos cônjuges e dos descendentes, não se distinguindo as jurisdições onde tal pode ser feito, põe-se, contudo, a questão de tal actividade poder ou não ser exercida quando o magistrado ou o advogado são eles próprios arguidos, sendo a doutrina e a jurisprudência praticamente unânimes no sentido negativo, uma vez que em processo penal, os poderes que por lei são atribuídos ao defensor não são conciliáveis com a sua posição de arguido – conf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 316, nota 2 e Ac. S.TJ., de 19-03-98, BMJ, 475-498.
V – Na verdade, parece mais que evidente que um arguido apto ao exercício da advocacia não pode exercer tal actividade em certos actos e fases processuais, como é o caso, por exemplo, da inquirição de testemunhas, seja em inquérito, em instrução ou em julgamento.
VI – Essa incompatibilidade estende-se, afinal, a todas as fases processuais, incluindo o recurso, pois, apesar de nele poder até haver melhor apuro técnico-jurídico da parte do próprio arguido, mantêm-se a exigência de assistência de defensor, fundamentada, não só na necessidade de continuar a garantir que o arguido tenha uma defesa eficaz, mas também que o defensor dê toda a colaboração que, por seu lado, deve ser dada à administração da justiça, pois o defensor é um órgão autónomo da administração da justiça, competindo-lhe, como tal, colaborar com o Tribunal, de forma diferenciada, na descoberta da verdade e na realização do direito – conf. Ac. S.T.J., de 06-12-01, P° 3.347/01, Rel. Simas Santos.
Decisão Texto Integral: Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

No Tribunal recorrido, os arguidos foram acusadas pelo Ministério Público, imputando-lhes a prática de factos susceptíveis de os constituir em co-autoria material de um crime de abuso de confiança fiscal em relação à segurança social previsto e punido pelo artº 27º-B com referência ao 24º, nº 5 do D.L. nº 20-A/90 de 15-1 (RJIFNA) com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº 394/93 de 24-11 e actualmente p. e p. pelos artºs 107º e 105º, nºs 1 e 5 da Lei nº 15/01 de 15-7, sendo a sociedade arguida responsável face ao disposto no artº 7º do citado diploma.
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A fls. 316 o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos pedindo a condenação destes no pagamento da quantia total de esc: 10.133.781$00 acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal desde a notificação do pedido até integral pagamento.
A final, foi proferida a seguinte decisão:

1 - Parte Criminal

Julga-se a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada e:
1.1 - Absolve-se os arguidos - "A" e "B" da prática de um crime de abuso de confiança fiscal em relação à segurança social previsto e punido pelo artº 27º-B com referência ao 24º, nº 5 do D.L. nº 20-A/90 de 15-1 (RJIFNA) com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº 394/93 de 24-11 e actualmente p. e p. pelos artºs 107º e 105º, nºs 1 e 5 da Lei nº 15/01 de 15-7 e,
1.2 - Considera-se o arguido "B" autor material de um crime de abuso de confiança fiscal em relação à segurança social previsto e punido pelo artºs 107º e 105º, nº 1 da Lei nº 15/01 de 15-7, sendo a sociedade arguida - "A" responsável face ao disposto no artº 7º do citado diploma e, consequentemente:
- condena-se o arguido "B" na pena de 14 (catorze) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos sob a condição de pagar ao Estado a quantia em falta no mesmo prazo;
- condena-se a arguida sociedade - "A", responsável por esse mesmo ilícito (artºs 5º, 7º, nº 1, 9º, nº 2, do RJIFNA, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de 8 (oito) Euros o que perfaz um montante total de 3200 (três mil e duzentos) Euros;

2 - Parte Civil

2.1 - Julga-se o pedido de indemnização civil deduzido pelo INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL contra "A" e "B", parcialmente procedente, por parcialmente provado e, consequentemente, condenam-se os demandados ao pagamento solidário da quantia de esc: 9.565.621$00 (nove milhões, quinhentos e sessenta e cinco mil, seiscentos e vinte e um escudos), ou seja, 47.713.12 Euros (quarenta e sete mil, setecentos e treze euros e doze cêntimos), acrescido de juros às taxas legais supra referidas vencidos desde as respectivas datas de vencimento e vincendos até efectivo e integral pagamento.
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É dessa decisão que vem interposto o presente recurso pelo arguido, que entende que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida por acórdão que absolva o arguido quer dos crimes de que vinha acusado, quer do pedido cível, ou pelo menos o absolva parcialmente e o isente de pena relativamente ás condutas de Julho, Setembro, Outubro e Novembro de 1999 por ter pago as contribuições em dívida e legais acréscimos.
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FACTOS PROVADOS
Ipsis verbis, tal decisão assentou na seguinte matéria de facto:
1 - A arguida "A" é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objecto social o fabrico de malhas e confecção, tendo iniciado a sua actividade em Setembro de 1989;
2 - "B" é sócio-gerente, de direito e de facto, dessa sociedade, desde 29-3-1993, até à data de hoje;
3 - No exercício das suas funções o arguido "B", de forma sistemática e organizada, administrou a arguida empresa, decidindo sobre os pagamentos aos diversos credores, entre os quais se incluía a Segurança Social, o pagamento dos salários aos trabalhadores, a elaboração da contabilidade, a abertura e movimentação de contas bancárias, etc;
4 - O arguido "B", enquanto gerente da empresa, sempre fez o desconto no vencimento mensal dos trabalhadores dos montantes legalmente destinados à Segurança Social e que deveriam ser entregues no Centro Regional de Segurança Social;
5 - No decurso da actividade comercial da arguida empresa, em data anterior a Junho de 1995, o arguido "B", enquanto representante daquela, decidiu que as contribuições obrigatórias à Segurança Social que a arguida empresa tivesse de entregar e cujo montante era descontado do valor das remunerações pagas aos trabalhadores, não seriam entregues sempre que entendesse que isso beneficiaria a empresa;
6 - Assim, nos períodos compreendidos entres os meses de Junho de 1995 a Março de 1996, Agosto, Setembro e Dezembro de 1996, Julho de 1997 a Novembro de 1998, Julho de 1999, e Setembro de 1999 a Dezembro de 1999, o arguido "B", enquanto representante da arguida empresa, descontou do valor das remunerações pagas aos trabalhadores o montante de esc: 10.133.781$00, relativo às contribuições por estes devidas, assim distribuídos pelos diversos meses:
- MÊS - CONTRIBUIÇÕES RETIDAS NÃO PAGAS:
- Junho de 1995 - esc: 257.237$00;
- Julho de 1995 - esc: 266.712$00;
- Agosto de 1995 - esc: 517.040$00;
- Setembro de 1995 - esc: 281.209$00;
- Outubro de 1995 - esc: 277.009$00;
- Novembro de 1995 - esc: 259.474$00;
- Dezembro de 1995 - esc: 515.808$00;
- Janeiro de 1996 - esc: 256.406$00;
- Fevereiro de 1996 - esc: 287.938$00;
- Março de 1996 - esc. 256.689$00;
- Agosto de 1996 - esc: 232.048$00;
- Setembro de 1996 - esc: 238.387$00;
- Dezembro de 1996 - esc: 244.766$00;
- Julho de 1997 - esc: 307.680$00;
- Agosto de 1997 - esc: 436.407$00;
- Setembro de 1997 - esc. 202.860$00;
- Outubro de 1997 - esc: 218.256$00;
- Novembro de 1997 - esc: 222.284$00;
- Dezembro de 1997 - esc: 253.879$00;
- Janeiro de 1998 - esc: 246.884$00;
- Fevereiro de 1998 - esc: 264.245$00;
- Março de 1998 - esc: 254.521$00;
- Abril de 1998 - esc: 283.873$00;
- Maio de 1998 - esc: 288.410$00;
- Junho de 1998 - esc: 285.577$00;
- Julho de 1998 - esc: 269.415$00;
- Agosto de 1998 - esc: 549.665$00;
- Setembro de 1998 - esc: 264.424$00;
- Outubro de 1998 - esc: 255.499$00;
- Novembro de 1998 - esc: 222.395$00:
- Julho de 1999 - esc: 226.288$00;
- Setembro de 1999 - esc. 241.687$00;
- Outubro de 1999 - esc: 241.739$00;
- Novembro de 1999 - esc: 239.548$00;
- Dezembro de 1999 - esc: 467.522$00;
7 - Acontece que, nos períodos de tempo referidos na alínea anterior, o arguido "B", enquanto representante da arguida empresa, apesar de ter enviado regularmente à Segurança Social as folhas de remuneração relativas aos seus empregados, depois de assim o ter decidido, arrecadou e não enviou ou entregou nos cofres da Segurança Social, fazendo suas, as quantias referidas na alínea anterior, cada uma delas a entregar até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitava;
8 - Tais quantias, num total de esc: 10.133.781$00, ou seja, 50.547.09 Euros referentes a contribuições à Segurança Social, foram retidas e não entregues nos cofres daquela entidade, nem no prazo legal que supra se referiu - até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitava - nem decorridos sobre cada um deles o prazo de 90 dias;
9 - A conduta do arguido "B", por acção e por omissão, foi adequada à obtenção de vantagens patrimoniais e à consequente diminuição das receitas tributárias da Segurança Social, em igual valor;
10 - O arguido "B" sabia que era obrigado a restituir o montante de salário retido a título de contribuição para a Segurança Social, logo que atingidos os prazos legais;
11 - Todavia, o arguido "B" não entregou nenhuma das quantias descontadas e retidas a título de contribuição referentes a salários pagos aos seus trabalhadores, supra referidas, nos cofres da Segurança Social, antes se apoderou das mesmas, com o propósito de obter para si, como obteve, um aumento das suas disponibilidades financeiras e de caixa, a que sabia não ter direito, e que agia sem autorização e contra a vontade da Segurança Social, prejudicando-a;
12 - Apoderou-se daquelas quantias de imposto, para fazer face às dificuldades que a arguida empresa atravessava;
13 - O arguido "B" agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo a sua conduta proibida e punida por lei;
14 - O arguido não tem antecedentes criminais;
15 - Confessou parcialmente a prática dos factos revelando atitude contrita;
16 - Por conta das quantias aludidas em 6), o arguido "B" em 15-9-2000 procedeu ao pagamento da quantia de esc: 467.522$00 referente às cotizações retidas sobre os salários dos trabalhadores no mês de Dezembro de 1999 bem como ao pagamento da quantia de esc: 100.638$00 referente a parte das cotizações retidas sobre os salários no mês de Novembro de 1999;
17 - O arguido é advogado, está inscrito na Ordem dos Advogados mas não exerce advocacia;
18 - Actualmente o arguido trabalha como gestor de empresas, administra duas empresas e aufere a esse título por mês a quantia de 1800 Euros;
19 - É separado de pessoas e bens, tem 2 filhos menores e vive só em casa arrendada;
20 - Paga mensalmente a título de alimentos para os seus filhos a quantia total de 650 Euros.
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Não há factos não provados.
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MOTIVAÇÃO/CONCLUSÕES
São as seguintes as conclusões do recurso:

CONCLUSÕES:
1. Deve ser aditada à matéria de facto assente como provada por força dos documentos de fls. 457 a 460 que o arguido é credor da empresa "A" pelo montante de Esc. 17.362.685$50 crédito reconhecido por sentença no processo de falência.
2. A douta decisão "a quo" violou o disposto nos nºs 1 e 4 do artº 2° e 121° do Cód Penal, Assentos 1/99 e 10/2000 do STJ, artº 15 do RJIFNA e artº 21 e 105 n° 7 e 107 nº 2 do RGIT ,
3. Os ilícitos relativos à falta de entrega à Seg. Social das contribuições retidas dos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 1995 estão prescritos porque praticados anteriormente á entrada em vigor do DL 48/95 (1/10/95) e decorridos mais de cinco anos antes do 1° interrogatório efectuado pelo juiz em 12/12/2003.
4. Mas mesmo que lhe não fosse aplicável - como de facto é - o Cód. Penal de 1982, e a constituição como arguido interrompesse a prescrição; ainda assim estariam tais condutas prescritas porque o arguido foi constituído como tal em 9/10/2000 ou seja decorridos mais de cinco anos sobre os mesmos. Pelo que ao não declarar a prescrição, a sentença recorrida violou o n° 1 e 4 do artº 2° do C. Penal, Assentos 1/99 e 10/2000 do STJ ~ 15 do RJIFNA e artº 21 do RGIT.
5. Mesmo relativamente às condutas ilícitas posteriores a 1 de Outubro de 1995 à luz do nº 4 do artº 2° do Código Penal havendo condutas nos dois regimes deve-se aplicar à totalidade dos ilícitos o regime mais favorável ao arguido pelo que todos os crimes praticados até 5 anos antes do interrogatório judicial ocorrido a 12/12/2003 estão prescritos; ou seja estão prescritos todos os ilícitos até Novembro de 1998 e relativamente às condutas posteriores a tal data porque o arguido pagou entretanto o seu valor total acrescido dos juros legais (4.232,93 € + 1.257,29€) deve ser isento de pena (al. a) do n° 1 do artº 22° do RGIT).
6. Todavia se não for este o entendimento de V .Exas e quiserem aplicar às condutas posteriores a 1/10/95 a nova lei, ainda assim estarão prescritos os ilícitos relativos aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1995 e Janeiro, Fevereiro e Março de 1996 já que sobre eles já decorreu o prazo normal de prescrição de 5 anos acrescido de metade (nº 3 do artº 121° do Cód. Penal conjugado com os artºs 15° do RJlFNA e 21º do RGIT.
7. Sendo a prescrição favorável ao arguido é de conhecimento oficioso, pelo que ao não apreciar a prescrição o Tribunal violou a Constituição e a lei penal e especificamente as normas referidas no item 1° pelo que a decisão recorrida tem que ser revogada e substituída por outra que decida pela prescrição das condutas do arguido.
8. .Acresce que na definição da medida concreta da pena o Tribunal "a quo" considerou o valor de 9.565.621$00 violando o disposto no n° 7 do artº 105º e nº 2 do artº 107º do RGIT que impõe que "os valores a copnsiderar são os que devam constar de cada declaração a apresentar à Administração Tributária" ou seja 549.665$00, por ser o montante maior.
9. Se o Tribunal "a quo" tivesse tomado o valor 549.665$00 a pena concreta aplicada não seria 14 meses de prisão mas uma pena substancialmente inferior e com certeza uma pena não privativa da liberdade atento o principio da proporcionalidade e da preferência pelas penas não privativas de liberdade – artº 71 do Cód. Penal.
10. Estando prescritas as condutas ilícitas, o arguido não pode ser
responsabilizado civilmente e por outro lado, não tendo sido por culpa sua que as contribuições retidas não foram entregues, não pode ser responsabilizado pelo seu pagamento (artº 80 nº 1 a) do RGIT e artº 24º nº 1 a) da LGT).
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RESPOSTA
O Ministério Público, na 1ª instância, responde ao recurso para salientar que o recorrente prescindiu do defensor oficioso nomeado nos autos e que aí o acompanhou e representou, designadamente em sede de audiência de julgamento, subscrevendo ele próprio o recurso, o que não pode fazer.
Por consequência, entende que o recurso deve ser rejeitado, nos termos dos artºs 64º, nº 1, al. d), 119º, c), 414º, nº 2 e 420º nº 1 do C.P.Penal.
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PARECER
Nesta instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto deu o seguinte parecer:
A . Por sentença prolatada em 2003 / 12 / 19 no processo comum singular n º ... / 02.OTBBCL do 2º Juízo Criminal da comarca de Barcelos, foi o arguido – "B" -, como autor de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos artigos 107º; 105º, n º s 1 e 5, da Lei n º 15 / 2001, de 5 de Junho, condenado na pena de catorze (14 ) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período dois ( 2 ) anos, sob a condição de dentro do mesmo prazo, ser efectuado o pagamento da quantia em dívida ao Estado.
Inconformado com tal decisão, vem dela o recorrente interpor recurso, por si subscrito, enquanto “advogado em causa própria“ –cfr. fls. 585-589- vindo posteriormente a apresentar requerimento complementar – cfr. fls. 593 -.

B. O MP respondeu levantando a questão prévia da falta de assistência de defensor no recurso, já que o mesmo surge assinado pelo próprio arguido, prescindindo do defensor oficioso que o havia acompanhado, pelo que, sustenta, o recurso interposto directamente pelo próprio, não era admissível- CRP 33º, n º 3; CPP 64º, n º 1 d); 414º, n º s 2 e 3; 420º, n º 1- devendo, assim, ser rejeitado, sendo que ainda que assim não se entenda, deve o mesmo ser julgado improcedente.

C. Acompanhamos inteiramente a posição assumida pelo MP na 1ª instância, desde logo, na supra referida questão prévia.
Complementarmente, diremos apenas e simplesmente que o estatuto do arguido não é compaginável com os poderes / deveres legalmente conferidos ao defensor, cuja existência se funda na necessidade de uma defesa eficaz, mas que não deixa de dever prestar toda a colaboração á administração da justiça, devendo como tal, cooperar com o tribunal tendo em vista a descoberta da verdade material e a realização do direito.
Enquanto sujeito processual concreto- o arguido- tem direito “ a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória “ – CRP 32º, n º 3-.
Ora precisamente, como vem assinalado na resposta, um dos casos de assistência obrigatória do defensor é o de interposição de recurso – CPP 64º, n º 1, d).
Assim tendo sido esta efectuada “ a non domino “ incorreu-se na nulidade insanável, do artigo 119º, c) do CPP ( havendo mesmo quem entenda, que se trata da invalidade “ major “ da inexistência, porquanto se trata de acto processual praticado por quem não detinha poderes para tal- neste sentido cfr. ACSTJ de 1997-11-13 ).

Assim, a conclusão que se impõe, como doutamente vem anotado, é a de o recurso não devia ter sido admitido- CPP 414º, n º 2 – por o recorrente não ter as condições necessárias para recorrer, o que conduz á preconizada rejeição do recurso – CPP 420º, n º 1-.
Tal entendimento, vem sendo “nemine discrepante” sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente nos seguintes arestos de: - 2002.05.23; 2001.12.06; 1998.03.19; 1997.11.13; 1997.02.27.

Em conformidade, também entende que o recurso deve ser rejeitado.
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PODERES DE COGNIÇÃO
O objecto do recurso é demarcado pelas conclusões da motivação – artº 412º do C.P.Penal, sem prejuízo do conhecimento oficioso nos termos do artº 410º, nº 2 do mesmo Código, do qual serão as citações sem referência expressa.
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QUESTÃO PRÉVIA
Nos termos do artº 32º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, o arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.
A escolha de defensor tanto pode ser por mandato a advogado como ao abrigo do regime de apoio judiciário (cf. artº 50º da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro).
A razão de ser deste preceito é a de garantir a qualquer pessoa o patrocínio por pessoa habilitada, ou seja, por advogado ou advogado estagiário ou, até, por pessoa idónea (cf. artº 62º).
Em conformidade, o Código estabelece, no artº 64º, os casos em que é obrigatória a assistência do defensor, onde se inclui o dos recursos.
Segundo Maia Gonçalves - Código de Processo Penal Anotado, 12ª edição, 210 -, a al. d), estabelecendo que é obrigatória a assistência de defensor ao arguido nos recursos, tanto ordinários como extraordinários, contém normativo que se fundamenta na necessidade ou na alta conveniência da assistência, porque nos recursos normalmente se debatem questões de natureza jurídica que em regra o próprio arguido se não encontra preparado para discutir com competência e eficiência.
Os estatutos dos Magistrados e o dos Advogados concedem, contudo, a possibilidade de advogar em causa própria e àqueles, também, nas causas dos cônjuges e dos descendentes, não se distinguindo as jurisdições onde tal pode ser feito.
Põe-se, contudo, a questão de tal actividade poder ou não ser exercida quando o magistrado ou o advogado são eles próprios arguidos e a doutrina e a jurisprudência são praticamente unânimes no sentido negativo, uma vez que em processo penal, os poderes que por lei são atribuídos ao defensor não são conciliáveis com a sua posição de arguido - cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 316, notA 2 e Ac. S.T.J., de 19-03-98, BMJ, 475-498.
Parece mais que evidente que um arguido apto ao exercício da advocacia não pode exercer tal actividade em certos actos e fases processuais, como é o caso, por exemplo, da inquirição de testemunhas, seja em inquérito, em instrução ou em julgamento.
Essa incompatibilidade estende-se, afinal, a todas as fases processuais, incluindo o recurso, pois, apesar de nele poder até haver melhor apuro técnico-jurídico da parte do próprio arguido, mantêm-se a exigência de assistência de defensor, fundamentada, não só na necessidade de continuar a garantir que o arguido tenha uma defesa eficaz, mas também que o defensor dê toda a colaboração que, por seu lado, deve ser dada à administração da justiça, pois o defensor é um órgão autónomo da administração da justiça, competindo-lhe, como tal, colaborar com o Tribunal, de forma diferenciada, na descoberta da verdade e na realização do direito - cf. Ac. S.T.J., de 06-12-01, Pº 3.347/01, Rel. Simas Santos.
E se um arguido daquelas qualidades quiser prestar os seus conhecimentos ao seu defensor, é óbvio que sempre o poderá fazer, sem que o seu nome apareça envolvido no patrocínio judiciário.
Alíás, se um arguido naquelas condições tem que ter defensor, não se justifica que se abra a excepção para a fase de recurso, pois, bem pode acontecer que, por exemplo, o processo seja reenviado e o defensor ter, então, que retomar as suas funções.
O arguido tem defensora nomeada, mas, como se vê de fls. 589, subscreveu o recurso como advogado em causa própria.
Nestas circunstâncias, e não havendo que se conceder prazo para suprimento do patrocínio judiciário, aquele acto é ineficaz e, parafraseando o aresto acima citado, tendo sido o recurso interposto só pelo arguido e mostrando-se decorrido o prazo respectivo, não pode a defensora oficiosa sequer ratificar o processado, não se devendo conhecer do recurso.
Com efeito, uma vez que se mostra ultrapassado o prazo peremptório em que o acto podia ser validamente praticado pela entidade competente, sendo ineficaz a interposição de recurso e a apresentação da motivação, não pode este Tribunal dele conhecer.
É que, ao contrário do que vem apontado, a interposição de recurso pelo arguido não constitui nulidade - a prevista no artº 119º, c); não se trata de “ausência” do defensor -, mas verificando-se, sim, que o subscritor não tem as condições necessárias para o efeito, não devendo o recurso ter sido recebido, nos termos do artº 414º, nº 2.
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ACÓRDÃO

Pelo exposto, e nos termos do artº 420º, nº 1, acorda-se em se rejeitar o recurso, condenando-se o arguido no pagamento da importância de 3 (três) UC’s.
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Custas pelo recorrente.
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Guimarães, de 2004

Relator: Des. Anselmo Lopes
Adjuntos: Des. Nazaré Saraiva e Des. Maria Augusta
Procurador-Geral Adjunto: P.G.A. Amaro Neves