Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES | ||
Descritores: | NULIDADE DE SENTENÇA NULIDADE PROCESSUAL MEIO PROBATÓRIO INSPECÇÃO JUDICIAL IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROPRIEDADE SOBRE A ÁGUA SERVIDÃO EXTINÇÃO DA SERVIDÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/10/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – Tendo sido requerida pelos autores a inspecção ao local, tendo sido decidido, aquando da prolacção do despacho saneador, que a mesma seria determinada se fosse necessária para a descoberta da verdade e não tendo o tribunal se pronunciado mais acerca do requerido é nula a sentença por omissão de pronúncia. II - O direito à água das fontes ou nascente que existem em prédio alheio pode configurar um direito de propriedade ou um direito de servidão, sendo que ambos podem ser adquiridos por usucapião desde que sejam acompanhados pela construção de obras visíveis e permanentes no prédio onde existe a fonte ou nascente que revelem a captação e a posse da água nesse prédio. III - Se o titular do direito à água puder captá-la subterraneamente e dela dispor livremente, alienando-a ou usando-a sem subordinação ou vínculo de utilização exclusiva num prédio determinado seu ou alheio, terá um direito de propriedade sobre a água; se o direito ao aproveitamento da água estiver limitado a determinado prédio será titular de um direito de servidão. IV – A extinção de uma servidão pelo não uso durante vinte anos pressupõe uma inércia voluntária de utilização da água por parte do seu titular. VI – A extinção de uma servidão por impossibilidade de exercício ocorre decorrido o prazo de 20 anos a contar do facto que impossibilita tal utilização. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório J. F. e C. P., residentes no Lugar ..., em ..., instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A. F. e C. R., residentes na Rua …, na freguesia de ..., J. N. e S. C., residentes na Rua …, na freguesia de ..., A. O. e A. N., residentes na Rua …, na freguesia de ..., e M. F. e J. R., residentes na Rua ..., na freguesia de ..., pedindo: a) a condenação de todos os réus a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre os prédios referidos no art. 1º da p.i., e sobre a água referida, e, bem assim, o direito de servidão de aqueduto melhor descrito na petição, constituído, pelo menos, por usucapião e onerando os prédios de todos os réus, nos termos descritos; b) a condenação dos primeiros réus a reporem a situação anterior às obras de construção da vinha que realizaram no local, por forma a assegurar o completo e irrestrito trânsito da água pelo seu prédio, repondo a mina e a canalização no estado anterior, esta em toda a extensão que for necessária até ao prédio dos autores, isto é, também pelos prédios dos demais réus. Para tanto alegam, em síntese, que são donos e possuidores de uma água de nascente, que nasce na parte norte do terreno dos 1º réus, e que depois de duas caixas de visita, segue por um tubo pelos terrenos dos 2º, 3º e 4º réus até ao prédio dos autores, onde é recolhida num tanque e aí aproveitada para fins habitacionais e agrícolas. Esta servidão de rego e aqueduto existe há mais de 100 anos, desde o tempo dos avós do autor, e este consentiu que o pai do 1º réu passasse a utilizar ½ da água, recolhida na segunda caixa de visita, até um tanque existente na propriedade dos 1º réus. Acrescentaram que o 1º réu há cerca de 10 anos pediu autorização aos autores para fazer obras na mina, para construção de uma vinha, obrigando-se a repor a circulação de água, mas tal não aconteceu, jamais ficando a sair qualquer quantidade de água a partir da mina existente. Após reuniões constataram que existia água abundante na mina, mas que não prosseguia por o réu ter tapado a zona da base da mina com um murete que ficou a impedir em definitivo o acesso da água ao tubo, sendo necessárias obras de reposição num montante de € 31.760,00, acrescidos de IVA à taxa legal, que o 1º réu se recusou a suportar. Os autores requereram, além do mais, a inspecção ao local. * Os 1º réus contestaram dizendo que, quando muito, aceitam que os autores beneficiam de uma servidão de metade da água admitindo que o avô do 1º réu permitiu tal utilização, contudo tal servidão extinguiu-se há mais de 40 anos por não uso, pois desde 1960 – altura em que se construiu a estrada a norte – que tal nascente secou. Assim era quando em 1986 os autores adquiriram a propriedade ... pelo que nunca tiveram qualquer interesse de inspecção, limpeza ou reposição. Aquando da construção das casas dos 2º a 4º réus foram destruídas as condutas que eventualmente atravessassem as suas propriedades. Impugnam a responsabilidade de tais factos às alegadas obras realizadas que se resumiram à colocação de uma argola e tampa na segunda caixa.* Os 2º réus contestaram impugnando nos mesmos termos dos 1º réus. Referiram que, como não beneficiavam de qualquer água, construíram um poço. Acrescentaram que, em 2002, quando começaram a construção da habitação no seu prédio, os tubos antigos já não existiam, estando podres e degradados pelo que autorizaram o autor a colocar novos tubos que ainda lá estão sem qualquer ligação. * Os 3º e 4º réus não apresentaram contestação.* Os autores apresentaram resposta negando a extinção da servidão de aqueduto por não uso.* Foi proferido despacho saneador, fixado o valor da acção, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os requerimentos probatórios sendo que, nesta sede, foi proferido, além do mais, o seguinte despacho: “A inspeção ao local será determinada se for necessária para a descoberta da verdade.”* Procedeu-se a perícia cujo relatório foi junto,* Na audiência de julgamento pelos autores foi requerido que se procedessem às diligências de prospecção recomendadas pelo perito, o que veio a ser indeferido. Desta decisão foi interposto recurso em separado - Apenso A – tendo esta Relação julgado o mesmo improcedente por Acórdão de 23/09/2021. Foi interposto recurso para o S.T.J. que, por Acórdão de 09/12/2021, negou a revista. * Finda a audiência de julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos:““Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência: - condeno os 1º Réus A. F. e C. R. a reconhecerem o direito de propriedade dos Autores J. F. e C. P. sobre ½ da água que nasce no limite norte do prédio daqueles referido supra em 2) dos factos provados e que segue, no sentido norte-sul, até uma caixa onde é dividida. - condeno os Réus a reconhecerem que o prédio dos Autores identificado supra em 1) dos factos provados beneficia de servidão de aqueduto que onera, sucessivamente os prédios dos Réus, descritos supra nos factos 2) a 5), relativamente à água que deriva da mina existente no prédio dos 1º Réus para o prédio dos Autores. Absolvo os Réus do restante peticionado. Custas pelas partes, na proporção do decaimento, fixando em 95% a responsabilidade dos Autores e 5% dos Réus contestantes (artigo 527.º, n.º1 do C.P.C.). (…)”. * Não se conformando com esta sentença vieram os autores dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:1ª Os autores requereram a inspeção do local, por muito relevante numa ação como esta relativa a direitos reais, tendo o requerimento merecido despacho segundo o qual a inspeção seria determinada posteriormente se se entendesse necessária para a descoberta da verdade, mas, não obstante, o tribunal não voltou a pronunciar-se, designadamente em sede de julgamento ou em sentença sobre essa questão, o que implica nulidade por omissão de pronúncia, que importa reverter, decidindo e efetuando a inspeção requerida (art. 615º nº1 al. d) CPC), com a consequência de, conhecida essa nulidade, ocorrer nulidade per sequens da sentença recorrida. 2ª O tribunal determinou a submissão a arbitramento, com formulação de vários quesitos, que entendeu necessário deverem ser respondidos, que exigiam vistoria da água, da mina e de encanamentos, tendo o perito declinado responder sem a realização prévia de trabalhos de campo que sugeriu, pelo que o tribunal teria sempre pelo menos na sentença de se pronunciar sobre a necessidade desses trabalhos, com vista a completar a prova, em vez do que, apreciando apenas aspetos formais, decidiu que as diligencias que o perito julgava necessárias só podiam ter lugar por acordo das partes – decisão, alias, sem qualquer suporte legal, tão pouco invocado – o que só seria compreensível se o tribunal já estivesse esclarecido sobre a matéria mesmo sem essas diligencias, o que, porém, a sentença acabou por infirmar, pois é inteiramente omissa quanto a qualquer dessas matérias, o que integra também nulidade por omissão de pronuncia nos termos do art.615º nº1 al. d) CPC. Sem prescindir 3ª Os autores moveram a presente ação reivindicando a propriedade de uma água que nasce no terreno dos primeiros réus e é depois transportada, primeiro através de uma mina, depois por canos subterrâneos, até um tanque situado em prédios dos autores, ou seja, invocaram também uma servidão de aqueduto para transporte da água, alegando que os primeiros réus construíram no seu prédio uma vinha, tendo dessa construção resultado danos na mina e encanamentos, que provocaram que a água deixasse de correr nessa mina e encanamentos, pedindo, a final, a condenação dos primeiros réus a reporem a situação anterior, por forma a serem restituídos à água que lhes pertence. 4ª No requerimento probatório incorporado na petição inicial, os autores pediram a realização de prova por arbitramento com o objetivo de “comprovar o estado atual do sistema (…) as causas da inexistência da água (…) bem com o para definir as medidas – e o seu custo – que em concreto se tornam necessárias para que a água dos autores volte a aceder aos seus prédios”, tendo o despacho saneador, sem se pronunciar sobre esse pedido dos autores, determinado a realização de uma perícia para a qual formulou quesitos (“qual o estado atual da mina e encanamentos; qual a causa da (in)existência da água no prédio dos autores; quais as obras realizadas no prédio dos réus que pudessem ter impedido a passagem da água e, na afirmativa, quais as medidas necessárias – e o seu custo – para que a água dos autores volte a aceder aos seus prédios”). 5ª Efetuada a visita do perito ao local, este, no seu relatório, pronunciando-se aos quesitos formulados pelo tribunal, sustentou que: a) quanto ao “estado atual da mina e encanamentos”: “não foi possível aceder ao interior da mina por ausência de condições de segurança no poço de inspeção (2) e porque a mesma não é acessível a partir da caixa de visita (3)” b) quanto à “possível causa de inexistência de água no prédio dos autores”, depois de referir em abstrato as causas possíveis, não pôde concluir por falta de acesso ao poço e mina, declarando que, a seu ver, necessário se tornava “que em primeiro lugar se faça uma inspeção neste troço de servidão, por uma equipa de prospeção habilitada a executar este tipo de trabalhos, com indicação dos avanços em termos de comprimento alcançado e registo vídeo em continuo” c) quanto às “obras realizadas no prédio dos réus que pudessem ter impedido a passagem da água e, na afirmativa, quais as medidas necessárias e o seu custo, para que a água dos autores volte a aceder aos seus prédios”, o perito disse não poder responder senão depois de conhecer o resultado da solicitada prospeção. 6ª O tribunal não se pronunciou, e, por isso, (cfr. a ata de audiência de julgamento de 14 de Maio de 2021), no início do julgamento, os autores lembraram que era necessário proceder à diligencia de prospeção recomendada pelo perito no relatório em causa, “após o que a Mm.a Juíza proferiu despacho remetendo para momento posterior à audição das testemunhas a decisão sobre a necessidade de tal diligência”, ao que se seguiu a produção da prova com prestação de depoimentos de parte e das testemunhas indicadas pelos autores, findo o que, foi interrompida a audiência e designado o seguinte dia 2 de Julho de 2021 para continuação, com prestação de depoimentos das testemunhas indicadas pelos réus, concluindo a ata com um novo despacho do seguinte teor: “Atendendo ao requerimento agora apresentado e à prova produzida, entendo que a diligência, a realizar-se, deverá ser com o acordo de todas as partes, concedendo 5 (cinco) dias para se pronunciarem sobre o requerimento de prova representado pelos autores no início da presente audiência”. 7ª Os réus responderam nesse prazo que não davam o seu assentimento à realização de nova ou complementar inspeção ou perícia, e os autores, notificados desse requerimento, insistiram na necessidade da diligência, porque a peritagem estava incompleta e o perito afirmara no seu relatório que “não foi de todo possível por questões de segurança aceder ao fundo (…) para observação do estado da mina, quer para o lado da nascente (1) quer para o lado da caixa de visita (3)” e que, em consequência, recomendara que “se faça uma inspeção neste troço de servidão, por uma equipa de prospeção habilitada” para lhe permitir “futuramente” responder aos quesitos, lembrando ainda que já estava decidido que a decisão sobre essa matéria só seria tomada “em momento posterior à audição das testemunhas”, ou seja, após a conclusão dos depoimentos das testemunhas ainda não ouvidas, - mas o tribunal indeferiu a continuação da perícia, em despacho de que foi interposta apelação autónoma que aguarda decisão. 8ª Produzida, a final do julgamento, sentença, nesta o tribunal fixou a matéria de facto que julgou pertinente, a partir das questões inicialmente elencadas como temas de prova (saber se existe água na mina, saber se a falta de água no prédio dos autores se deveu à intervenção dos primeiros réus por alteração do aqueduto existente e tapamento da base da mina, em caso afirmativo, quais as obras necessárias para repor a situação anterior e o seu valor), e por outro lado, aquela que entendeu não se ter provado (que a mina sempre teve água abundante até à realização das obras pelos primeiros réus e que a nascente ainda tem água, bem como que se não provou que o primeiro réu marido, ao fazer as obras de construção de uma vinha, no seu prédio, tapou a zona de acesso da água a partir mina, impedindo em definitivo esse acesso da água ao tubo que segue para os prédios dos autores). 9ª No que respeita à matéria de direito, a sentença entendeu por um lado, que a propriedade da água devia ser reconhecida quanto a metade aos autores e metade aos primeiros réus, e que, atenta a regra do art. 1398º nº1 CC cabia aos autores, querendo, realizar as obras necessárias e de pesquisa até à mina, porque não resultou provado que os primeiros réus tenham praticado quaisquer atos que afetem a água dos autores. 10ª Dessa sentença foi interposto o presente recurso de apelação, quer quanto ao modo como foram fixados os factos que se consideraram não provados, quer quanto ao direito aplicável por se entender, quanto aos factos, que aqueles que o tribunal considerou não se terem provado, estavam, pelo contrário, provados, e porque, quanto ao direito, se entendeu que nem os primeiros réus podiam ser considerados proprietários de metade da água, nem podiam ser eximidos de responsabilidade, na medida em teriam de repor a situação anterior. 11ª No que respeita à matéria de facto, sustentaram os recorrentes, em cumprimento do disposto no art.640º nº1 al. c) CPC, que devia ter sido dado por provado, não apenas a descrição completa das diligências a que se refere por remissão o facto 14, uma vez que estas descrevem em pormenor as obras a realizar, independentemente de o seu custo ser esse ou outro, bem como que deviam ter sido dados por provados mais os seguintes dois factos: “15 A mina sempre teve água até à construção da vinha pelos primeiros réus” “16 Os primeiros réus, ao procederem à construção da mina, instalaram na caixa de visita argolas circulares de betão compactas, que não deixam passar a água, e dois tubos com passador, um a nível superior, destinado à condução da água para o prédio dos autores, e outro a nível mais baixo, situado ao fundo da caixa, destinado à condução da água que serve o prédio dos primeiros réus”. 12ª Os autores sustentaram a prova desses factos no que a própria sentença escreveu, em relação ao depoimento de um filho dos primeiros réus, nas declarações confessórias de dois depoimentos de parte, atrás transcritos, nos depoimentos das duas testemunhas igualmente transcritos, e no relatório pericial, para o que: a) transcreveram o afirmado na sentença, segundo o qual “o filho dos primeiros réus desceu à mina em 1986 e no verão pouca água corria” e confessou que “entre 1996/98 fizeram a vinha e onde estava um poço a céu aberto colocaram anilhas e tampa”; b) transcreveram o teor do depoimento de parte do primeiro réu, de natureza confessória igualmente, que referiu (conforme consta da ata de gravação do julgamento, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal, ficheiro 20210514143554-5710853-2870583.wma - de 00:00:01 a 00:28:06;), nos pontos atrás assinalados, que aqui se consideram integralmente reproduzidos; c) transcreveram o teor do depoimento de parte de M. F. que, conforme consta daquela ata ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal, ficheiro 2021051450553-5710853-2870583.wma - de 00:00:01 a 00:25:51, nos pontos atrás assinalados, que aqui se consideram integralmente reproduzidos; d) transcreveram o depoimento das testemunhas G. P., que, conforme consta daquela ata ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal, ficheiro 20210514162519-5710853-2870583.wma - de 00:00:01 a 00:09:14 e M. C., que, conforme consta daquela ata ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal, ficheiro 20210514164355-5710853-2870583.wma de 00:00:01 a 00:08:17 nos pontos atrás assinalados, que aqui se consideram integralmente reproduzidos; e) transcreveram o que consta do relatório do arbitramento, embora incompleto, a que se procedeu (designadamente no que respeita à obra efetuada pelos primeiros réus e à necessária oclusão que dela resulta para a passagem da água, quer por o tubo dos autores ter sido colocado num plano mais alto em relação ao dos primeiros réus, quer por o poço de visita onde a água devia cair ter sido anilhado até ao cimo, o que impede a entrada da água). 13ª Desse conjunto de meios de prova resulta inequivocamente provado, por referência aos elementos probatórios acabados de citar, que para além da descriminação que se sugere relativamente ao facto 14, de acordo com o depoimento prestado pelo seu próprio autor, impõe-se dar por provada também a matéria atrás indicada na conclusão 11ª, em parte por ela resultar de confissão dos réus, noutra parte por resultar do depoimento da testemunha que avaliou e descreveu as obras que necessário se torna efetuar, e de outra testemunha que utilizou a água e dela se serviu até há 6 anos, e, por fim, dos factos constatados pela peritagem e que a sentença indevidamente ignorou. 14ª No que respeita à matéria de direito, os autores contestaram a possibilidade de ter sido reconhecida aos primeiros réus a propriedade de metade da água reivindicada, porque a sentença não podia ter assim decidido, já que esses réus não invocaram qualquer forma de aquisição derivada (contrato, sucessão, acessão, usufruto, arrendamento, ou outra) quer porque nem sequer invocaram a aquisição por usucapião (que, de resto, seria impossível, uma vez que eles dizem que a água já não existe há cerca de 60 anos e por isso não podiam invocar atos de posse pelo menos por 15 ou 20 anos) do mesmo modo que tendo os autores direito de propriedade sobre a água (que não é confundível, como os réus pretendiam com qualquer direito de servidão), não faz qualquer sentido a sentença dizer que a situação deve ser disciplinada pelo disposto nos arts.1568º nº1 e 1567º nº1 CC, que respeitam a situações decorrentes de direitos de servidão, no caso só configuráveis em relação à servidão de aqueduto correspondente ao direito de transportar a água pelos prédios vizinhos. 15ª Pelo contrário, os autores sustentaram que, no caso concreto e para esse efeito é irrelevante discernir se o direito dos autores à água é de propriedade ou de servidão, ou se têm ou não uma servidão de aqueduto, porque o que importa estabelecer é se os primeiros réus, com a construção da sua vinha, causaram ou não danos ressarcíveis aos autores, quer em relação à água (propriedade) quer em relação ao transporte dela (aqueduto), e para isso apenas importava avaliar a repercussão dos factos naturalísticos e evidentes, a subsumir ao conceito de causalidade adequada: os autores tinham uma água, serviam-se dela, os primeiros réus fizeram obras na mina e alteraram o sistema que previamente existia, com a consequência de a água desaparecer dos tubos e canos. 16ª Ora, o artigo 563º CC prescreve que a obrigação de indemnizar existe em relação aos danos que provavelmente o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão, o que tem sido interpretado pela jurisprudência como significando que esta norma adere à doutrina da causalidade adequada para a qual um facto é causa de um dano desde que no plano naturalístico seja condição sem a qual o dano não se teria verificado, em obediência também à doutrina daquilo a que se tem chamado a causa virtual, (cfr. os acórdãos do STJ de 02.03.1995, BMJ 445,445 e de 03.02.1999, Col. Jurisp. STJ 1999, I, pág. 73), sendo certo que a jurisprudência também tem entendido que “o facto será causa adequada do dano, sempre que este constitua uma consequência normal ou típica daquele” (cfr. acórdão do STJ 29.01.2002, JSTJ 00042358/ITIJ/net), o que parece indiscutível suceder, mesmo que se entenda que a perícia não deve, ou não precisa de ser concluída.” Pugna, pela revogação da sentença que deve ser substituída por outra que julgue a acção inteiramente procedente e provada, reconhecendo-se que os autores são os únicos donos e possuidores da referida água e que os primeiros réus devem ser condenados a reporem a situação anterior às obras de construção da vinha que realizaram no local, por forma a assegurar o completo e irrestrito trânsito da água pelo seu prédio, repondo a mina e canalização do estado anterior, em toda a extensão que for necessária entre a nascente e o prédio dos autores. Ou, quando assim se não entenda por ora, substituir-se por decisão que declare nulos todos os actos posteriores ao arbitramento que teve lugar, com repetição deste após a realização das diligências que o perito impôs como condição de adequada resposta aos quesitos. * Não foram apresentadas contra-alegações.* O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.* Foram colhidos os vistos legais.Cumpre apreciar e decidir. * Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do .P.C., as questões a decidir são:A) Saber se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia; B) Apurar se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto; C) E erro na subsunção jurídica. * II – FundamentaçãoForam considerados provados os seguintes factos: 1. Encontram-se registados a favor dos autores os seguintes prédios, sitos na freguesia de ... deste concelho de Guimarães: a) Propriedade ..., situada no Lugar ..., da freguesia de ..., deste concelho de Guimarães, constituída por casa de r/c e andar, terreno de horta, Campo …, terreno de lavradio, Pinheiral ... e Sorte no Monte …, terrenos de mato, a confrontar de Norte com a Rua …, e A. R., de Sul e Poente com D. P., e de Nascente com outros prédios dos autores, inscrita na matriz urbana sobre os artigos …, … e … e na rústica sobre os artigos … e …, que correspondem na antiga matriz aos artigos … urbano e … rústico, e descritos na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o nº …/19860811, por os terem adquirido por compra, levada ao registo predial em 11 de agosto de 1986. b) Prédio misto, situado no mesmo lugar e freguesia, constituído por casa de cave e r/c, dependência e logradouro, com terreno de cultura arvense, vinha e eucaliptal, a confrontar de Norte e Poente com a Propriedade ..., já referida, de Sul com D. P. e de Nascente com caminho de servidão e A. R., inscrito na matriz sob os artigos 304º urbano e 72º rústico, descritos na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o n.º …/20021108. c) Prédio urbano, de r/c, dependência e quintal, a confrontar de Norte com caminho público e a Propriedade ..., dos autores, de Nascente com caminho de servidão, de Sul com M. F., de Poente com a Propriedade ... de R. F., sita no mesmo lugar e freguesia, inscrita na matriz urbana sob o artigo … e descrita atualmente na Conservatória do Registo Predial sob o número …/20011023. 2. Os primeiros réus A. F. e mulher C. R. são donos e possuidores de um prédio misto, que se desenvolve dos dois lados da Rua ..., sito no mesmo lugar, que se compõe de casa de r/c e em parte 1º andar, dependência e logradouro, tendo um armazém no r/c destinado a atividades económicas, um logradouro no exterior, e do lado oposto da Rua, os campos da Casa e da Poça do …, a Leira do … e da Pintura …, a confrontar de Nascente com a Sorte da …, de Poente e Sul com a Bouça ... e do Norte com o Casal …, situada no Lugar ..., da freguesia de ..., deste concelho inscrito na matriz urbana sob os artigos … e … e na rústica sob o artigo … e descrita na Conservatória do Registo Predial atualmente sob o número 220/19970619, por aquisição através de partilha a 1982/03/29. 3. Os segundos réus J. N. e mulher S. C. são donos e possuidores de um prédio urbano situado ainda no mesmo Lugar, no Monte ... ou Monte …, da freguesia de ..., deste concelho, composto de casa de cave, r/c e logradouro, a confrontar de Norte com A. T., de Sul com caminho público, de Nascente com F. A., e de poente com A. O., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …/20011128, por aquisição registada em 2002. 4. Os réus A. O. e mulher A. N., por sua vez, são donos e possuidores de um prédio urbano sito no mesmo lugar e freguesia, composto de casa, de cave, r/c e logradouro a confrontar de Norte com A. T. e a Propriedade ..., já citada, de Sul com caminho público, de Nascente com F. A. e de Poente com A. O., inscrito na matriz urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …/19950321, por aquisição registada em 2000. 5. Os quartos réus M. F. e mulher J. R. são donos e possuidores de um prédio urbano, sito também no mesmo Lugar ... ou Lugar ..., Rua ..., na freguesia de ..., já referida, composto de r/c e 1º Andar, frações autónomas A e B, anexo e logradouro, inscrito na matriz urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número …/20030408, por aquisição registada em 2003. 6. No identificado prédio dos 1º réus, mais a norte, próximo da zona da estrada municipal que liga ... a S. …, actualmente denominada Rua ..., existe uma mina subterrânea com uma nascente de água, que segue, no sentido norte-sul, primeiro no subsolo do prédio dos 1º réus, onde dispõe de duas caixas de visita e limpeza implantadas no solo. 7. Na segunda das referidas caixas de visita, há mais de 90 anos, os avós de autores e 1º Réus dividiram a água, seguindo, por um lado, encanada para um tanque que se situa na zona nascente da propriedade dos primeiros réus e, por outro, seguindo encanada, até próximo do limite sul do prédio desses 1º réus, em tubo de ferro de ¾ de polegada, 8. Seguindo para sul, entrando no prédio referido dos 2º réus, e depois entra no prédio pertencente aos 3º réus, seguindo, sempre para sul, e após cruza transversalmente a Rua …, para o prédio pertencente aos 4º réus, de onde entra no prédio dos autores, onde era recolhida num tanque e aí aproveitada para fins habitacionais e agrícolas, designadamente nos identificados prédios dos autores. 9. Estes elementos, a referida mina e, após ela, o tubo condutor da água que põe em comunicação os terrenos mais a norte e em ponto mais alto, até à casa de habitação dos autores, situada a de 350 metros mais para sul, existiam há mais de 90 anos. 10. Os autores e antepossuidores dos prédios há mais de 90 anos usufruíam da água, na convicção de estarem a exercer um direito próprio, à vista de toda a gente, e sem oposição de ninguém. 11. Esta nascente foi dando cada vez menos água, tendo sido substituída por furos e poços de captação de água abertos nas propriedades, não havendo limpeza regular há mais de 40 anos. 12. Por volta de 1996, os 1º réus disseram ao autor que iam fazer obras na mina, uma vez que pretendiam proceder no local à construção de uma vinha, alterando o sistema de forma a tapar o poço, que aceitou, tendo sido mais enterrados pelos autores os tubos que seguiam para a sua propriedade. 13. Em 2002, quando os 2º réus começaram a construção do seu prédio, os autores solicitaram a autorização para colocação de novo tubo, tendo sido os antigos destruídos por estarem degradados e podres, ficando os novos sem qualquer ligação nessa altura. 14. Os autores, em 2018, chamaram um técnico que orçamentou os trabalhos necessários, em toda a estrutura, para reposição da água, nos termos do doc. junto e que se dá aqui como reproduzido, ascendendo a € 31.760, acrescidos de IVA à taxa legal. * Não se provaram quaisquer outros factos não transcritos ou com estes em contradição, designadamente que (cuja numeração é por nós introduzida com vista a facilidade de exposição): 15. A mina sempre teve água abundante até à realização das obras pelos 1º réus; 16. Que a nascente tem água abundante; 17. Que o 1º réu marido, ao fazer as obras, tapou a zona da base da mina com um murete há cerca de 10 anos, que ficou a impedir em definitivo o acesso da água ao tubo que segue para os autores; 18. Que já não existe água desde 1960, tendo secado de vez a nascente, por altura da construção da nova estrada. * A) Nulidades da sentença Os apelantes defendem que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia em relação a dois aspectos, por um lado, acerca da requerida inspecção ao local e, por outro, acerca das questões suscitadas pelo perito no seu relatório que deveriam ter merecido uma decisão no sentido de se considerar ou não suficientes as respostas aos quesitos formulados pelo tribunal (acresce uma contradição: primeiro remeteu a pronúncia para depois da inquirição das testemunhas, mas na acta da 1ª sessão de julgamento surge a menção que a diligência requerida deve ter o acordo das partes, razão pela qual, na ausência deste, foi indeferida, pelo que defende que deve cumprir-se a primeira decisão nos termos do art. 625º nº 1 e 2 do C.P.C.). Vejamos. Dispõe o art. 615º do C.P.C.: “1. É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento; (…)” As nulidades da sentença estão típica e taxativamente previstas no art. 615º do C.P.C. Reconduzem-se a vícios formais da decisão decorrentes de erro de actividade ou de procedimento - error in procedendo - referente à disciplina legal e que impedem o pronunciamento do mérito. Situação distinta é o erro de julgamento - error in judicando -, quer quanto à apreciação da matéria de facto (error facti), quer quanto à determinação e interpretação da norma jurídica aplicável (error juris). Os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia previstos na al. d) do citado artigo incidem sobre as questões a resolver nos termos e para os efeitos do disposto no art. 608º nº 2 do C.P.C. - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Questões cuja omissão de pronúncia conduz à nulidade de decisão são “(…) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos pelas partes (…)” (Antunes Varela, in R.L.J., Ano 122, p. 112). São “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2º, 2ª ed., p. 704). Assim, as questões não se confundem com argumentos, razões (de facto ou de direito) ou motivos invocados pelas partes em defesa ou reforço das suas posições Para que esta nulidade ocorra é necessário que ocorra omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão não prejudicada e não uma fundamentação deficiente. 1. Começando pela segunda apontada nulidade entendemos que não nos encontramos perante qualquer omissão de pronúncia uma vez que as considerações feitas pelo perito, de modo algum, obviamente que se enquadram nas pretensões processuais formuladas pelas partes, nos pedidos, causa de pedir ou excepções. No que concerne à alegada contradição de decisões importa referir que esta questão foi já objecto da apelação em separado que considerou que a primeira decisão de relegar a eventual decisão acerca do referido pelo perito para depois consubstancia um despacho de mero expediente que não faz caso julgado formal. E como tal, acrescentamos nós, é insusceptível de poder estar em contradição com a decisão posterior que exige o acordo das partes para levar a cabo as diligências sugeridas pelo perito. 2. No que concerne à primeira apontada nulidade verificamos que os autores requereram a inspecção ao local na petição inicial, que aquando da prolacção do despacho saneador foi proferido o seguinte despacho: “A inspeção ao local será determinada se for necessária para a descoberta da verdade.”, mas o tribunal não mais se pronunciou acerca do requerido. Acerca deste tipo de omissão na jurisprudência têm-se defendido duas posições. A primeira considera que a admissão ou não de uma diligência probatória não consubstancia uma questão nos termos e para os efeitos do disposto no art. 608º nº 2 do C.P.C.. Qualifica tal eventual omissão como uma irregularidade processual ou “nulidade secundária” que, no caso, por a parte ter estado presente, por si ou por mandatário, no momento em que foi cometida, a mesma podia ser arguida até ao encerramento da audiência de julgamento, sob pena de se considerar sanada nos termos do art. 199º do C.P.C.. Neste sentido vide Ac. desta Relação de 14/02/2008 (Conceição Bucho), in www.dgsi.pt., endereço a que pertencerão os acórdãos a citar sem menção de origem. No mesmo sentido vide Ac. também desta Relação de 19/03/2020 (António Barroca Penha), em cujo sumário se lê: “I. A “nulidade secundária”, referida no art. 195º, n.º 1, do C. P. Civil, tem de ser arguida pela parte através de reclamação (cfr. art. 196º, parte final do C. P. Civil), sob pena de sanação ou de preclusão do direito, a menos que o respetivo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal “ad quem”. II. A ausência de despacho sobre a admissibilidade de meios probatórios traduz-se numa “nulidade secundária” a ser arguida pelo interessado em momento próprio (arts. 195º, n.º 1 e 199º, n.º 1, do C. P. Civil), sob pena de se considerar sanada. III. Assim, neste caso, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por aquela nulidade – e não a nulidade ela mesma.” Uma segunda posição, distinguindo a nulidade processual da nulidade da sentença ou despacho, defende que a omissão de pronúncia em relação a um requerimento probatório conduz à nulidade da decisão. A mesma baseia-se na posição de Miguel Teixeira de Sousa publicada em 21/09/2020 no blogue do Instituto Português de Processo Civil (IPCC), na qual critica o Ac. desta Relação de 19/03/2020 supra referido, e nas publicações do mesmo autor no mesmo blogue, designadamente na de 17/04/2018, em que se pronuncia acerca do conceito de nulidade processual aí referindo que esta se reporta ao “acto pertencente a uma tramitação processual” e não ao “acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal” ou ao conteúdo do acto, sendo que esta consubstancia uma nulidade da decisão. Neste sentido vide Ac. da R.C. de 08/07/2021 (Moreira Carmo). Acompanhamos esta segunda posição uma vez que a admissão ou não do meio de prova inspecção judicial é uma pretensão, uma questão, acerca da qual o tribunal tem que de pronunciar fundamentadamente tanto mais que a decisão em causa, não assentando no exercício de um poder discricionário do julgador (quanto a nós), é susceptível de recurso. No caso em apreço, é um vício de conteúdo da sentença recorrida uma vez que se pronuncia sobre o mérito antes de praticar o acto omitido (até à prolacção daquela não há vício contra o qual os autores pudessem reagir e apenas com a mesma é que o mesmo se manifesta e constitui). Pelo exposto, concluímos que a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia. * Uma vez que os apelantes já se pronunciaram acerca da necessidade da inspecção judicial e que os apelados tiveram oportunidade de apresentar a sua argumentação acerca do requerido, embora não o tenham feito, incumbe a esta Relação, nos termos do artigo 665º, nº 1, do C.P.C., conhecer da questão que foi indevidamente omitida.* Dispõe o art. 490º, nº 1 do C.P.C., sob a epígrafe “Fim da inspecção”: O tribunal, sempre que o julgue conveniente, pode, por sua iniciativa ou a requerimento das partes, (…) inspecionar coisas (…) a fim de se esclarecer sobre qualquer facto que interesse à decisão da causa, podendo deslocar-se ao local em questão (…).Deste preceito resulta que o critério que deve presidir à decisão de proceder à inspecção ao local é o da conveniência para a formação da convicção a formar. No caso em apreço entendemos que a requerida inspecção ao local não é conveniente, nem necessária, desde logo porque, atendendo à prova produzida, designadamente pericial, a observação directa da nascente, da mina e tubagem não se mostra possível por ser subterrânea, e quanto ao mais mostram-se suficientes as fotografias do poço de inspecção e da caixa de visita e as conclusões constantes do relatório pericial. Assim sendo, é de indeferir a mesma. * B) Reapreciação da provaInsurgem-se os apelantes contra o ponto 14 dos factos provados que deve ser completado com o teor do documento aí referido e defendem que devem ser dados como provados dois factos com a seguinte redacção: “A mina sempre teve água até à construção da vinha pelos primeiros réus” e “Os primeiros réus, ao procederem à construção da mina, instalaram na caixa de visita argolas circulares de betão compactas, que não deixam passar a água, e dois tubos com passador, um a nível superior, destinado à condução da água para o prédio dos autores, e outro a nível mais baixo, situado ao fundo da caixa, destinado à condução da água que serve o prédio dos primeiros réus”. Ora, nos termos do art. 662º nº 1 do C.P.C. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.). Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência. A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância. Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no acima art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso. Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Não deixando de ter presente que o tribunal da 1ª instância, por força da imediação, é o tribunal melhor posicionado para proceder ao julgamento de facto, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido desde que tenha bases sólidas e objectivas. Contudo, não poderá deixar-se de ter presente que, por força da imediação, o tribunal da primeira instância é o que se encontra melhor colocado para apreciar a prova, designadamente a testemunhal. Feitos estes considerandos verificamos que os apelantes deram cumprimento ao disposto no art. 640º nº 1 do C.P.C., pois indicaram Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (a)), Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (b)) e A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (c)). Depois de ouvida a prova vejamos, então, os pontos da matéria de facto acerca dos quais os apelantes discordam. - Facto provado nº 14 Uma vez que entendemos que a remissão para um documento não corresponde à melhor técnica de redacção de factos (nem de alegação dos mesmos), e que este facto tem a sua génese no referido no art. 35º da petição inicial e no documento nº 21 junto com esta, determinamos que o mesmo passe a ter a seguinte redacção: “14. Os autores, em 2018, chamaram um técnico que considerou que, para assegurar o restabelecimento da condução da água para o prédio dos autores, é necessário verificar o estado da mina e dos encanamentos, designadamente é necessário: a) abrir uma entrada para a mina durante as obras; b) proceder à instalação de um tubo novo até à mina; c) destruir o murete referido; d) limpar o excesso de terra, vegetação e areia do interior da mina, ao longo de pelo menos 100 metros; e) reconstruir, se necessário as partes das galerias da mina onde cresceu vegetação; f) abrir valas para colocação de tubos atravessado todas as propriedades dos réus numa extensão de cerca de 350 metros até ao tanque dos autores; g) colocar e assentar o tubo com caimento a jusante, por forma a facilitar o correr da água e reduzir os riscos de posteriores estrangulamentos; h) construir caixas de visita ao longo do percurso.” - Factos a dar como provados O depoimento da testemunha dos autores G. P. é irrelevante na medida que o seu pouco conhecimento se reporta ao ano de 2018 (e não ao momento de construção da vinha pelo 1º réu no ano de 1996) e conforme referiu, e resulta do documento por si subscrito e junto como doc. nº 21 com a p.i., este é uma mera estimativa uma vez que não teve acesso à nascente, nem à mina. Não mereceu credibilidade o depoimento da testemunha dos autores M. C. uma vez que, primeiro afirmou que tinha saído do local em causa há cerca de 6 anos e que nesse momento ainda havia água no tanque existente na propriedade do autor, e depois que só aí há uns 10 anos é que o 1º réu impediu o acesso à água…. As referências que a testemunha dos autores J. F. fez à existência da água no referido tanto reportam-se a cerca de 55 anos atrás e as da testemunha dos réus J. T. há cerca de 40 anos. Das declarações do 1º réu e da testemunha C. A., filho daquele, resulta que, aquando da construção da vinha, por volta de 1996, ainda havia um pouco de água na mina no inverno, daí que o primeiro tenha conversado com o autor (também com vista a que este suportasse parte das despesas), tenha substituído e enterrado tubos para a eventualidade de passar a haver água com abundância e feito um poço de argolas de cimento onde a água seria dividida e colocado um tubo desde este poço até à extrema da propriedade com os 2º réus. A este propósito é o próprio autor, numas declarações que divergem do referido na petição (!), que refere expressamente que depois da construção da vinha a água voltou a correr. As declarações do 4º réu não mereceram credibilidade uma vez que foi peremptório em afirmar que até 2003 iam buscar água à propriedade do autor, mas das declarações da testemunha J. C., pai da 2ª ré, que merecem credibilidade, resulta que, quando esta iniciou a construção da sua moradia (2001/2002), apareceram bocados de tubo de ferro, mas sem vestígios de água, pelo que o referido pelo primeiro não poderia ter acontecido. Acresce que esta testemunha referiu que, nessa altura, o autor pediu àquela a colocação de um tubo para “tentar reverter a água”. Assim, do conjunto da prova produzida resulta que antigamente havia água em abundância que vinha pelos prédios dos réus até ao tanque existente na propriedade que agora é dos autores; que na data da construção da vinha apenas havia na mina alguma pouca água no inverno, daí a colocação de tubagem e construção do caixa de visita; essa pouca água manteve-se depois disto; e que, pelo menos por volta do ano de 2002, altura do início da construção da moradia da 2ª ré, tal conduta de água estava, além do mais, interrompida no prédio desta. Por outro lado, não se provou qualquer conduta da parte dos 1º réus que tivesse impedido a passagem da água antes desta data na caixa de visita/”segundo poço”, quer através da tapagem da zona da base da mina com um murete, quer com a instalação nessa caixa de argolas circulares de betão compactas que não deixam passar a água. Da perícia resulta com clareza que, no primeiro poço existente na propriedade dos 1º réus, não havia água; que a água estagnada existente no segundo poço seria produto da acumulação da água da chuva e que a tubagem aí existente não debitava qualquer caudal. Pelo exposto, é de manter os factos dados como não provados e de não aditar aos factos provados os factos sugeridos pelos apelantes. * C) Subsunção jurídicaDefendem igualmente os apelantes que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento de direito. Antes de mais, afigura-se-nos que a sentença recorrida padece de imprecisões no que concerne à qualificação do direito dos autores que urge corrigir. Vejamos. As águas são coisas imóveis susceptíveis de ser objecto de direitos privados (art. 202º e 204º nº 1 b) do C.C., diploma a que pertencerão os preceitos a citar sem menção de origem). As mesmas são públicas ou particulares (art. 1385º). São particulares, entre outras, as águas subterrâneas existentes em prédios particulares (art. 1386º nº 1 b)) e são particulares os poços, canais, aquedutos, reservatórios e demais obras destinadas à captação, derivação ou armazenamento de águas públicas ou particulares (art. 1387º nº 1 a)). Dispõe o art. 1344º, nº 1: A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico. Assim, a propriedade do prédio abrange o subsolo incluindo-se a água das fontes e nascentes nele existentes, contudo a propriedade da água pode ser destacada do prédio e pertencer a dono diferente (art. 1389º). O art. 1390º, sob a epígrafe “Títulos de aquisição”, contrariou a doutrina defendida por Guilherme Moreira, nos termos da qual o direito à água das fontes ou nascente que existem em prédio alheio é sempre um direito de propriedade e nunca de servidão, e consagrou a doutrina que tal direito pode configurar um direito de propriedade ou um direito de servidão sendo que ambos podem ser adquiridos por usucapião desde que se verifiquem os requisitos previstos no nº 2 desse preceito – construção de obras visíveis e permanentes no prédio onde existe a fonte ou nascente que revelem a captação e a posse da água nesse prédio. A este propósito refere Mário Tavarela Lobo, in Manual do Direito das Águas, vol. II, Coimbra ed., p. 153-154: “A amplitude do direito de uso da água determinará a natureza desse direito. Se o titular do direito à água puder captá-la subterraneamente e dela dispor livremente, alienando-a ou usando-a sem subordinação ou vínculo de utilização exclusiva num prédio determinado seu ou alheio, existirá um amplo direito de propriedade sobre a água. Se, ao contrário, o direito ao aproveitamento da água estiver limitado a determinado prédio o direito à água constituirá um mais limitado direito de servidão. Consequentemente, podendo o titular do direito de propriedade sobre a água existente num prédio alheio dispor ou aliená-la livremente, é vedado ao dono do prédio da nascente efectuar outra cessão de direitos a essa água, devendo mesmo abster-se de a utilizar pessoalmente. Diferentemente é o regime da servidão. O proprietário do prédio dominante em princípio só no interesse exclusivo do seu prédio poderá utilizar a água na satisfação das necessidades ou de certas necessidades desse mesmo prédio, conforme a amplitude do título constitutivo daquele ónus. Não pode, por isso, cedê-lo a outras pessoas e é facultado ao proprietário da nascente usar livremente da água com a condição de não prejudicar a servidão constituída.” Quer num direito, como noutro, o direito à água é pressuposto do direito de a represar, derivar e conduzir. A propriedade das águas é regulada no art. 1389º a 1402º (nos art. 1398º a 1402º prevê-se o “condomínio das águas” ou a compropriedade das mesmas) e a servidão de águas nos art. 1557º a 1563º, sendo que, quanto à aquisição de tais direitos, regem os preceitos gerais, o art. 1316º em relação à propriedade (contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos por lei) e o art. 1547º em relação à servidão (contrato, testamento, usucapião, destinação do pai de família e, quanto às servidões legais, sentença judicial ou decisão administrativa). * Revertendo ao caso em apreço, quanto à qualificação do direito dos autores à água, da matéria de facto dada como provada não resulta, de modo algum, que o seu direito seja de propriedade exclusiva ou mesmo de compropriedade, mas antes de servidão.Com efeito, de tal matéria resulta que a nascente de água encontra-se no prédio dos 1º réus e que esta foi canalizada por tubos pelos prédios dos réus (sendo que no prédio dos 1º réus existem duas caixas de visita e limpeza) antes de chegar ao prédio dos autores, onde os seus antecessores e estes a usaram e fruíram (corpus) durante mais de 90 anos na convicção de estarem a exercer um direito próprio, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém (animus). Não tendo os autores logrado provar que tivessem a faculdade de dispor dela livremente, alienando-a ou usando-a sem vínculo de utilização exclusiva ao seu prédio (art. 1305º) o animus da posse referido no facto provado nº 10 não se pode reportar ao direito de propriedade, mas ao direito de servidão (art. 1543º, 1544º). Ora, a servidão predial, cuja noção está prevista no art. 1543º do C.C., é um direito real em virtude do qual é possibilitado ao proprietário de um prédio (prédio dominante) o gozo de certas utilidades do prédio (ius in re aliena) pertencente a dono diferente (prédio serviente). Este proveito ou vantagem de que um prédio beneficia tem de encontrar-se objectivamente ligado a outro prédio, implicando consequentemente uma restrição ou limitação do direito de propriedade do prédio onerado, inibindo o respectivo proprietário de praticar actos que possam perturbar ou impedir o exercício da servidão. Segundo Menezes Leitão, in Direitos Reais, Almedina, 2009, p. 394 e ss. as servidões prediais possuem as seguintes características: a) ligação necessária ao prédio por intermédio do qual ela se exerce; b) atipicidade do seu conteúdo - art. 1544º do C.C.. Por exemplo, servidão de passagem (servitus itineri), de aqueduto (servitus aqueductus), de aproveitamento de águas (servitus aquae haustos), de escoamento, etc.; c) inseparabilidade (art. 1545º do C.C.); d) indivisibilidade (art. 1546º do C.C.). Como referido supra o modo de constituição das servidões está previsto no art. 1547º do C.C.. As servidões legais de águas (i.e. que podem ser coactivamente impostas) podem ser: a) servidão de presa – direito de represamento e derivação da água (art. 1559º); b) servidão de aqueduto – direito de condução da água para o prédio onde é utilizada por meio de cano ou rego condutor através de prédio alheio (art. 1561º); c) servidão de escoamento – visa solucionar o problema das águas sobejas que não tenham uma via natural de escoamento (art. 1563º); d) servidão de aproveitamento das águas para gastos domésticos (art. 1557º); e e) servidão de aproveitamento das águas para fins agrícolas (art. 1558º). Revertendo ao caso em apreço verificamos que da matéria de facto provada resulta que os antecessores dos autores e estes sempre usufruíram da água convictos do seu “direito à mesma”, na modalidade de usufruir da mesma no seu prédio, direito este que sempre foi aceite pelos 1º réus que, aliás, em 1996, aquando da construção da sua vinha, fizeram obras na mina, taparam um poço e enterraram mais fundo os tubos que seguiam na direcção da propriedade dos autores. Esta utilização da água pelos antecessores dos autores e por estes durante mais de 90 anos permite concluir pela aquisição por estes por usucapião do direito de servidão da água, na modalidade de servição de aqueduto. * Na sua contestação os 1º réus referiram que, admitindo que os autores têm direito de servidão, esta ter-se-á que considerar extinta pelo não uso durante mais de 20, 30, 40 anos uma vez que desde 1960 que não corre qualquer água na mina.Quid iuris? Dispõe o art. 1569º nº 1: As servidões extinguem-se: (…) b) Pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo (…). O disposto nesta alínea está em conformidade com o que dispõe o nº 3 do art. 298º, que prevê a possibilidade de extinção por não uso dos direitos reais de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão. Como se lê no Ac. desta Relação de 01/07/2021 (Lígia Venade) “O não uso, por qualquer que seja o motivo, estipulado na al. b) do n.º 1 do artigo 1569.º do Código Civil como pressuposto da extinção do direito, refere-se à demissão do uso por parte do titular do direito, qualquer que seja o motivo deste; e não qualquer que seja o motivo que levou à cessação do uso (…). Melhor dizendo, o não uso corresponde ao não exercício; à situação objectiva de cessação do aproveitamento das utilidades do direito, qualquer que seja o motivo (individual) do titular do direito que possa estar por detrás daquela cessação” E o art. 1570º nº 1: O prazo para a extinção das servidões pelo não uso conta-se a partir do momento em que deixaram de ser usadas; tratando-se de servidões para cujo exercício não é necessário o facto do homem, o prazo corre desde a verificação de algum facto que impeça o seu exercício. E ainda o art. 1571º: A impossibilidade de exercer a servidão não importa a sua extinção, enquanto não decorrer o prazo da alínea b) do nº 1 do art. 1569º. A propósito da ratio legis deste preceito referem Pires de Lima e Antunes Varela, in (Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, págs. 680 e 681): “Suponhamos que seca a nascente de água que servia de objecto à servidão, ou que é dado outro destino ao edifício onde estava a igreja ou a fábrica, às quais tinha acesso o dono do prédio dominante. Se os factos forem temporários, seria manifesto desacerto considerar extinta a servidão, prejudicando definitivamente os interesses do proprietário dominante. Mesmo, porém, que a impossibilidade seja considerada permanente e irremediável, se nenhum interesse reveste a afirmação (platónica) de que a servidão se mantém, também se afigura manifestamente inútil a declaração formal da sua extinção. A solução deste artigo 1571.º, remetendo para o prazo aplicável ao não uso (art.º 1569.º, 1, alínea b)), tem, entre outras, a vantagem não despicienda de, imprimindo maior certeza ao direito, evitar que os tribunais se vejam envolvidos em indagações, nem sempre fáceis de levar a bom termo, sobre o carácter temporário ou permanente da impossibilidade. Os termos amplos em que o artigo 1571.º se refere à impossibilidade de exercício são de molde a abranger todos os casos de verdadeira impossibilidade, onde quer que radique a sua causa: no prédio dominante, no prédio serviente ou fora deles…. E pouco importa também à aplicação da norma que a causa da impossibilidade provenha de factos naturais, ou de facto imputável ao titular da servidão, ao dono do prédio serviente ou a terceiro” No caso sub judice apurou-se que a nascente foi dando cada vez menos água (a que não será alheio o facto de haverem sido feitos naquela zona, furos ou poços de captação de água) e que, pelo menos a partir de 2002, altura em que os 2º réus construíram a sua habitação e em que se verificou que os antigos tubos de ferro que passavam na propriedade destes tinham sido destruídos por estarem degradados e pobres, os autores já não tinham acesso a qualquer água. Assim sendo, não tendo ocorrido uma inércia voluntária de utilização da água por parte dos autores, mas antes uma impossibilidade de utilização devido a uma decrescente quantidade de água e à destruição de parte da tubagem, não se pode qualificar tal não exercício como não uso. Atento o facto de apenas em 2002 se ter verificado aquela impossibilidade de exercício da servidão e da presente acção ter dado entrada em 2019, não se pode concluir pela extinção da servidão por impossibilidade de exercício nos termos do art. 1571º, 1569º nº 1 b) e 1570º. * Por fim, não se tendo provado qualquer comportamento por parte dos 1º réus com vista a impedir a passagem da água na caixa de visita/”segundo poço”, quer através da tapagem da zona da base da mina com um murete, quer com a instalação nessa caixa de argolas circulares de betão compactas, é de manter a absolvição destes do pedido de reposição da situação anterior às obras da construção da vinha.* As custas da acção e da apelação são da responsabilidade dos apelantes e apelados na proporção de 80% e 20% respectivamente (art. 527º, nº 1 e 2 do C.P.C.).* Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:I – Tendo sido requerida pelos autores a inspecção ao local, tendo sido decidido, aquando da prolacção do despacho saneador, que a mesma seria determinada se fosse necessária para a descoberta da verdade e não tendo o tribunal se pronunciado mais acerca do requerido é nula a sentença por omissão de pronúncia. II - O direito à água das fontes ou nascente que existem em prédio alheio pode configurar um direito de propriedade ou um direito de servidão, sendo que ambos podem ser adquiridos por usucapião desde que sejam acompanhados pela construção de obras visíveis e permanentes no prédio onde existe a fonte ou nascente que revelem a captação e a posse da água nesse prédio. III - Se o titular do direito à água puder captá-la subterraneamente e dela dispor livremente, alienando-a ou usando-a sem subordinação ou vínculo de utilização exclusiva num prédio determinado seu ou alheio, terá um direito de propriedade sobre a água; se o direito ao aproveitamento da água estiver limitado a determinado prédio será titular de um direito de servidão. IV – A extinção de uma servidão pelo não uso durante vinte anos pressupõe uma inércia voluntária de utilização da água por parte do seu titular. VI – A extinção de uma servidão por impossibilidade de exercício ocorre decorrido o prazo de 20 anos a contar do facto que impossibilita tal utilização. * III – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, - Indeferem a requerida inspecção local; - Julgam a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenam réus a reconhecerem que o prédio dos autores identificado no ponto 1 dos factos provados beneficia de servidão de aqueduto - em relação à água que nasce no limite norte do prédio dos 1º réus identificado no ponto 2 dos factos provados, água essa que segue no sentido norte-sul, pelo prédio destes (onde passa por duas caixas), segue pelos prédios dos 2º e 3º réus identificados nos pontos 3 a 5 dos factos provados, e que depois entra no referido prédio do autor -, servidão essa que onera sucessivamente os prédios identificados nos pontos 2 a 5 dos factos provados; e absolvem os 1º réus quanto ao restante peticionado. Custas da acção e da apelação pelos apelantes e apelados na proporção de 80% e 20% respectivamente. ** Guimarães, 10/02/2022 Relatora: Margarida Almeida Fernandes Adjuntos: Afonso Cabral de Andrade Alcides Rodrigues |