Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ BRANCO | ||
Descritores: | QUEIXA CRIME SEMI-PÚBLICO CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/13/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
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Sumário: | I – É sabido que um dos princípios fundamentais do nosso processo penal é o princípio da oficialidade, consagrado no art° 48° do C.P., cujo significado é o de que cabe ao M° P° a investigação da prática de infracções penais e, finda a investigação, deduzir ou não acusação. II – Este princípio, contudo, sofre algumas restrições, designadamente, em função da natureza dos crimes – semi-públicos (art° 49°) ou particulares (art° 50º), pois que, quanto aos primeiros, o M° P° só pode promover o processo se o “ofendido” ou “outras pessoas” lhe derem conhecimento “do facto” e quanto aos segundos, para que o M° P° possa desencadear a investigação é necessário que seja apresentada queixa, o queixoso se constitua assistente e, a seu tempo, deduza acusação particular. III – Quanto à forma da queixa, ensina Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, pág. 675, parágrafo 1086), tanto o C.P. como C.P.P. são omissos, devendo por isso entender-se que ela pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por certo facto. (…) Indispensável é só que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes (eventuais) pelo substracto fáctico que descreve ou menciona. IV – Ora, no caso dos autos, parece-nos claro que todos os referidos ofendidos manifestaram inequivocamente a sua vontade de que viesse a ter lugar procedimento criminal contra o arguido. V – E isto em nada é afectado pelo facto de apenas figurar no rosto da queixa apresentada o ofendido A, pois que, tal queixa está assinada por todos os queixosos, A, B e C. VI – A não se entender assim, não se perceberia o sentido das referidas assinaturas na queixa apresentada. VII – De resto, esta ideia sai reforçado pelo facto de que, em fase de inquérito, os ofendidos B e C, quando prestaram declarações, disseram confirmar na integra a denuncia que cada um deles havia apresentado e que continuavam a desejar procedimento criminal . É, pois, de concluir que a condição objectiva de procedibilidade – queixa dos ofendidos B e C – existe no caso dos autos, pelo que o M° P° tinha legitimidade para exercer a acção penal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Reg.342 Rec. nº 901/05 Acordam, em audiência, na Secção Criminal do tribunal da Relação de Guimarães I) RelatórioNo processo comum singular nº 958/03.8GBBCL do 1º juízo Criminal de Barcelos, por sentença de 7.01.2005, foi para além do mais, decidido: Condenar o arguido JOSÉ O..., pela prática de cada um de três crimes de ameaça, pp. e pp. pelo artº 153º, nºs 1 e 2 do C. Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5 Euros. Condenar o arguido, pela prática de cada um de três crimes de injúria, pp. e pp. pelo artº 181º, nºs 1 e 2 do C. Penal, na pena de 50 dias de multa, à referida taxa diária de 5 Euros. Efectuado o cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 250 dias de multa, à referida taxa diária de 5 Euros. Foi também decidido julgar parcialmente procedente o pedido cível e, em consequência: Condenou-se o demandado José O... a pagar a Alfredo S... o montante de 1.000 Euros, acrescido de juros moratórios calculados à taxa legal desde a data da sentença, até efectivo e integral pagamento. Condenou-se o demandado José O... a pagar a Armindo S... o montante de 1.000 Euros, acrescido de juros moratórios calculados à taxa legal desde a data da sentença, até efectivo e integral pagamento. Condenou-se o demandado José O... a pagar a Jorge S.... o montante de 1.000 Euros, acrescido de juros moratórios calculados à taxa legal desde a data da sentença, até efectivo e integral pagamento. Inconformado o arguido José O... interpôs recurso da sentença, concluindo na sua motivação: (transcrição) «I - Questão Prévia Compulsados os autos, verifica-se que apenas o queixoso Armindo S... apresentou queixa contra o arguido, tendo os outros dois assistentes se limitado a assinar o auto de notícia. Ora, nos termos dos arts. 49 e 50 do C.P .P ., para que haja promoção processual do M.P ., é necessário que o ofendido se queixe, e na hipótese de se tratar de crime particular, que também se constitua assistente e deduza acusação particular. No caso em apreço, se os dois ofendidos Alfredo e César se constituíram assistentes e deduziram acusação particular, contudo não fizeram queixa, condição de procedibilidade criminal. Face ao exposto deve ser dado sem efeito as acusações do crime de ameaças e as acusações particulares de Alfredo e César e os respectivos pedidos cíveis, por se encontrar extinto o direito de queixa. II - De facto - Encontra-se erradamente julgada provada a seguinte matéria: 1-Localização do terreno onde os assistentes colocaram as fitas: arguido - cassete 1, lado A 12-20 ; Anuindo S...- cassete 2, lado A -23 ; Alfredo S...- cassete 2, lado B - 062-064; mulher do arguido- cass.3, lado D- 776- 777; António L... - cass. 5, lado A, 035-036. 2- Saída e chegada do arguido a casa dele: arguido- cass.1, lado A -12 ;mulher do arguido-cass.3 lado B- 836-859, cass.4, lado A 000- 040; António L... -cass 5, lado A; Domingos D... -cass. 5 lado B --045-189; António Oliveira -cass.6 lado A 070-217; 3- Lugar onde alegadamente o arguido deixou o carro: Armindo: cass.2, lado A -455-456; Alfredo Silva, cass.2, lado B-062-064 ; Jorge Silva, cass.3, lado A-003, 136; Alberto A..., cass. 3, lado A - 238-239,279-280,510-532; Helder M...., cass.3, lado B-085-090; 249-250. 4- Expressões alegadamente proferidas pelo arguido: - mulher do arguido:cass.3 lado B-836~859, cass.4, lado A 000- 040; António L... -cass 5, lado A -025-160 ;Domingos D... -cass. 5 lado B --045-189; António O... -cass.6, lado A- 070-217; transcrição do depoimento do Francisco R...- cass.31ado B -283-710. 5- Colocação do "cano" da arma em cima do peitoril da janela:(Anuindo, cass.1, lado A-137-139, 273-280; test. Alberto A..., cass.3 lado A- 299-301; 372-373; test. Helder, cass. 3 lado B- 120-121) III - De Direito A - Erro notório na apreciação da prova 1 - Houve erro notório na apreciação da prova, ao ser utilizado mais de um critério na avaliação da prova. 2 - Ou seja, omitir as relações de parentesco e amizade dos assistentes e testemunhas destes e mencionar essa qualidade na apreciação da prova do arguido, apontando de seguida contradições acerca de questões menores. 3 - Tal constitui uma violação clara do princípio in dubio pro reo, porque face às contradições de uns e outros, o juiz decidiu na dúvida contra o arguido. 4 - O erro na apreciação da prova é assim notório porque os critérios utilizados para julgar foram distintos. 5 - Em conclusão foram violadas as normas dos arts.126º e 410º do C.P.P. B - Contradição insanável da fundamentação 1 - A douta decisão dá como provado que o arguido apontou aos assistentes uma arma de um cano. 2 - Mas e inexplicavelmente põe em causa os documentos apresentados pelo arguido, relativos à arma de um cano que este possui, dizendo "que não foram igualmente suficientes para afastar aquela prova", alegando em suma que ele pode ter uma outra arma, ou seja a de dois canos, a referida pelos assistentes, com a qual o arguido alegadamente terá praticado o crime de ameaça. 3 - Existe por conseguinte contradição insanável na fundamentação no que respeita ao facto de se dar como provado que o arguido aponta uma arma de um cano, como provado que o arguido terá usado uma arma de canos sobrepostos- a referida pelos assistentes e por último, como não provado que ele possua uma arma de um cano. 4 - Mais uma vez e após atenta leitura da sentença constata-se que ficou provado que o arguido chegou de carro, mas a marca e cor do mesmo embora referidas pelos assistentes não resulta provado, fazendo a sentença apenas referência indistinta a um veículo. Aliás tal não consta em todo o texto da sentença, muito embora os documentos referentes a esse mesmo veículo e juntos pelo arguido, não façam prova na convicção do juiz a quo de que o veículo referido pelos assistentes estava na oficina. 5 - Também se dá como não provado que o arguido tivesse aberto a janela, onde alegadamente terá colocado os canos da arma. 6 - Isto, apesar da douta sentença não concluir que a mesma já se encontrava aberta. 7 - Existe contradição total entre dar como não provado que o arguido abrisse a janela e inexplicavelmente dar como provado que ele colocou o "cano" da arma no peitoril da janela. 8 - Esquecendo-se com isto, a douta sentença, que das duas uma, ou a janela estava aberta e só assim o arguido poderia colocar o cano ou então a janela estava fechada e nunca o cano da arma poderia ter sido colocado no peitoril da janela. 9 - Em conclusão foram violadas as normas dos arts.126º e 410º do C.P .P . 10 - A verificação da existência dos vícios referidos nas alíneas do no2 do art.410 do C.P .P ., determina o reenvio do processo para novo julgamento». Responderam os assistentes Armindo S... e Jorge C..., batendo-se pela manutenção do julgado. Também o Mº Pº junto da 1ª instância, ofereceu resposta, defendendo, desde logo, a improcedência da questão prévia suscitada pelo arguido, já que em seu entender todos os ofendidos apresentaram queixa nos termos e nos condicionalismos referidos nos artºs 113º, nº 1, 115º e 117º do C. Penal. Quanto ao mais, argumenta no sentido da inexistência de qualquer um dos vícios apontados na decisão recorrida pelo arguido. O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer, no qual aduz argumentação jurídica tendente a demonstrar a sem razão do recorrente Conclui, assim, que o recurso não merece provimento. Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir. O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade: No dia 18 de Julho de 2003, cerca das 23.45 horas, os assistentes Armindo S... e Alfredo S...., respectivamente Presidente e Tesoureiro da Junta de Freguesia de Gamil, acompanhados de Jorge S..., filho do primeiro, encontravam-se nos terrenos envolventes da Capela de Santa Cruz, em Gamil e procediam à sua vedação, colocando fitas em toda a sua extensão. Com esta conduta pretendiam os assistentes impedir a entrada de veículos e pessoas. A dada altura chega o arguido, conduzindo um seu veículo, onde também seguia a sua mulher. Quando passava pelos assistentes, vindo da capela, onde, depois de chegar no seu veículo, se tinha deslocado com a sua mulher, dirigiu-se-lhes dizendo-lhes "eu já vos fodo", "seus filhos da puta, paneleiros", ao mesmo tempo que em passo apressado se dirige para a sua residência. Pouco tempo depois de entrar na residência, o arguido dirigiu-se a uma janela e, colocando o "cano" de uma espingarda em cima do peitoril da mesma, apontou-o na direcção dos assistentes, voltando a dizer-lhes "eu já vos fodo". Por temer pela respectiva integridade física e pela vida todos os assistentes fugiram do local. Ao proferir as frases supra referidas o arguido queria dizer que iria disparar na direcção dos ofendidos, tendo utilizado expediente adequado a provocar medo em toda e qualquer pessoa que se encontrasse naquelas circunstâncias e fosse visada com tal expressão. As expressões foram pronunciadas pelo arguido em frente às pessoas que ali se encontravam com intenção ainda de ofender a honra e consideração dos assistentes. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente. O arguido sabia que tal conduta não era permitida. Os assistentes sofreram desgosto, vergonha e humilhação com a conduta do arguido. Os assistentes são pessoas sérias, respeitadas e consideradas no meio social em que vivem. Constou-se na freguesia a conduta do arguido. Os assistentes recearam que o arguido concretizasse as ameaças e disparasse a arma de fogo que tinha nas suas mãos, tendo, assim, aqueles receado pela sua integridade física e vida. O arguido é agente da PSP no posto de Barcelos, encontrando-se actualmente de baixa médica. O arguido vive com a mulher e três filhos de 20, 12 e 3 anos de idade em casa própria. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta. Factos que o Tribunal a quo considerou como não provados: O arguido abriu a janela. O arguido dirigiu-se aos assistentes de imediato após ter saído do carro. Os assistentes sentem receio de se cruzarem na rua com o arguido e de serem novamente ameaçados. O tribunal a quo motivou a matéria de facto da seguinte forma O Tribunal proferiu a decisão quanto à matéria provada e não provada com base na prova produzida em audiência de julgamento analisada e conjugada criticamente à luz das regras da experiência. Assim, consideraram-se as declarações dos assistentes/demandantes que de forma global relataram o enquadramento fáctico de forma idêntica, sendo certo que, pela forma desprendida quanto aos factos e credível como depôs, se consideraram particularmente e quanto ao concreto modo de actuação do arguido, designadamente quanto às concretas expressões proferidas pelo arguido em cada um dos momentos, as declarações do assistente Armindo S..... As declarações dos assistentes encontraram ainda apoio nos depoimentos das testemunhas Alberto A... e Hélder A..., que referiram encontrar-se com aqueles no local e que depuseram de forma que se considerou desinteressada e credível. Estas testemunhas confirmaram igualmente o enquadramento dos factos referido pelos assistentes e esclareceram sobre as posições de cada um na altura em que os factos se sucederam. Mais se consideraram as declarações dos assistentes quanto ao conhecimento do sucedido, ao modo como reagiram à actuação do arguido, bem como quanto ao estado em que ficaram, considerando ainda quanto a este aspecto as regras da experiência (atenta a sua posição na comunidade em que se inserem). As declarações do arguido, por seu turno, não foram adequadas a afastar a prova supra referida, sendo certo que as testemunhas que procuraram sustentar a versão daquele (Isabel S..., mulher do arguido, António L..., Domingos D... e António J..., amigos do arguido) apresentaram depoimentos que se afiguraram parciais, inconsistentes e contraditórios entre si quanto a alguns aspectos (note-se, por exemplo, que enquanto o arguido disse que no dia em causa estiveram dois homens a trabalhar lá em casa, sendo certo que um deles o Sebastião ficou até ao fim, a testemunha António C... referiu que foi a primeira a chegar a casa daquele e nessa altura só o arguido aí se encontrava; enquanto esta testemunha António C... diz que foram todos embora da casa do arguido ao mesmo tempo, a testemunha Domingos D... esclareceu que as presentes foram saindo de cada vez) e mesmo incongruentes (note-se, por exemplo, que à luz das regras da experiência não é razoável que a testemunha Domingos D.... que referiu ter descido para ir à rua quando a mulher do arguido entrou em casa vinda da capela se recorde dos caros que ainda viu e não saiba dizer em que carro e com quem foi embora da casa do arguido nessa noite ). Diga-se ainda que os documentos apresentados pelo arguido em sede de audiência de julgamento não foram igualmente suficientes para afastar aquela prova. O facto de o arguido ter um registo de uma arma de um cano, não significa que o arguido continue a ter tal arma e nem tão-pouco que só tenha tal arma ( designadamente não significa que o arguido não tenha além dessa arma a arma de dois canos referida pelos assistentes). De igual modo, o orçamento apresentado em audiência de julgamento, datado do dia anterior ao dos factos, não passa de um mero orçamento que não é suficiente para provar que o veículo que os assistentes disseram ter sido aquele em que o arguido chegou não estava com o mesmo, mas na oficina. Finalmente, a carta da seguradora apresentada em audiência de julgamento em nada afasta igualmente aquela prova, certo como é que nem sequer identifica a marca do veículo a que se refere. Os factos relativos à situação económica e social do arguido resultaram das suas declarações, prestadas quanto a este aspecto de forma espontânea. Considerou-se ainda o certificado de registo criminal junto aos autos. Os factos considerados como não provados resultaram do facto de sobre os mesmos não ter sido produzida prova e prova suficiente nesse sentido. *** Antes de entrarmos na apreciação do recurso, cumpre, desde já conhecer da questão prévia suscitada pelo recorrente relativa à queixa apresentada nos presentes autos.Segundo o recorrente, se é certo que os ofendidos Alfredo e César se constituíram assistentes e deduziram acusação particular, o certo é que não apresentaram queixa, condição de procedibilidade criminal e, por isso, devem ser dadas sem efeito as acusações pelo crime de ameaças e as acusações particulares daqueles dois ofendidos e respectivos pedidos cíveis. Mas não tem razão. Senão vejamos: É sabido que um dos princípios fundamentais do nosso processo penal é o princípio da oficialidade, consagrado no artº 48º do C.P., cujo significado é o de que cabe ao Mº Pº a investigação da prática de infracções penais e, finda a investigação, deduzir ou não acusação. Este princípio, contudo, sofre algumas restrições, designadamente, em função da natureza dos crimes - semi-públicos (artº 49º) ou particulares (artº 50º). Quanto aos primeiros, o Mº Pº só pode promover o processo se o "ofendido" ou "outras pessoas" lhe derem conhecimento "do facto". Quanto aos segundos, para que o Mº Pº possa desencadear a investigação é necessário que seja apresentada queixa, o queixoso se constitua assistente e, a seu tempo, deduza acusação particular.. Quanto à forma da queixa, ensina Figueiredo Dias Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, pág. 675, parágrafo 1086.: tanto o C.P. como C.P.P. são omissos, devendo por isso entender-se que ela pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por certo facto. (...) Indispensável é só que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes (eventuais) pelo substracto fáctico que descreve ou menciona. Ora, no caso dos autos, parece-nos claro que todos os referidos ofendidos manifestaram inequivocamente a sua vontade de que viesse a ter lugar procedimento criminal contra o arguido. E isto em nada é afectado pelo facto de que apenas figurar no rosto da queixa apresentada o ofendido Armindo S..., pois que, tal queixa está assinada por todos os queixosos, Armindo, Alfredo e César (Cfr. fls. 2 e 3). A não se entender assim, não se perceberia o sentido das referidas assinaturas na queixa apresentada. De resto, e como bem salienta o Mº Pº na 1ª instância este entendimento é reforçado pelo facto de que, em 15 de Outubro de 2003, em fase de inquérito, os ofendidos Alfredo e Jorge quando prestaram declarações, disseram confirmar na íntegra a denúncia que cada um deles havia apresentado e que continuavam a desejar procedimento criminal (Cfr. fls. 34 e 35). É, pois, de concluir que a condição objectiva de procedibilidade - queixa dos ofendidos Alfredo e Jorge C.... - existe no caso dos autos, pelo que o Mº Pº tinha legitimidade para exercer a acção penal. Improcede, assim, a questão prévia suscitada pelo recorrente. II) Dado que as declarações prestadas oralmente em audiência se mostram documentadas, este Tribunal conhece de facto e de direito, nos termos dos artºs 364º, nº 1 e 428º, nºs 1 e 2 do C.P.P.As conclusões da motivação balizam o objecto do recurso (artº 412º, nº 1 do C.P.P.). Assim as questões suscitadas no recurso são as seguintes: Impugnação da matéria de facto. Erro notório na apreciação da prova. Contradição insanável da fundamentação. Violação do princípio in dubio pro reo. Postas as questões passemos à sua apreciação: Recurso sobre a matéria de facto. A divergência do recorrente quanto à apreciação da prova feita pelo Tribunal, é a de que aquele entende que foi incorrectamente julgada a matéria de facto referente aos seguintes pontos: - localização do terreno onde os assistentes colocaram as fitas; - à saída e chegada do arguido a casa dele; - lugar onde alegadamente o arguido deixou o carro; - expressões alegadamente proferidas pelo arguido; - colocação do "cano" da arma em cima do peitoril da janela. Pois bem, e o que desde já se dirá é que, analisando os depoimentos transcritos, não podem restar dúvidas de que a razão está do lado do Tribunal recorrido, na forma como apreciou a prova produzida. Desde logo, na medida em que a ponderação do Tribunal a quo sobre a prova produzida em audiência de julgamento, com os beneficios da oralidade e da imediação e com respeito pelo disposto, maxime, nos arts.125º e 127º, do Código de Processo Penal (CPP), não pode ser infirmada pela mera alegação de que o Tribunal valorou este depoimento em beneficio de outro, ou de que credibilizou uma versão dos factos em desabono de outra, quando se não demonstra nem, ex officio, se detecta, a ocorrência de um flagrante erro de julgamento ou mesmo a forte possibilidade de que um tal erro possa ter ocorrido - o Tribunal ad quem, que não tem a sensibilidade aportada pela cor, pelo cheiro, pela vida em acção, decorrentes da referida imediação, não pode, sem estruturado abono, desconsiderar o julgamento realizado em primeira mão pelo Tribunal recorrido. Depois, por que, no caso, o Tribunal de 1ª instância, com escrupuloso respeito pela regra estabelecida no artº 374º, nº 2 do C.P.P., revela, de forma rigorosa e transparente, as razões que, em sede de decisão sobre a matéria de facto, justificam as opções que tomou. Por fim, na medida em que, vistas e revistas as transcrições das declarações oralmente produzidas no julgamento em 1ª instância, em apenso, se afigura que outra não podia ser a decisão sobre a matéria de facto. Mas analisemos, em pormenor, cada uma das divergências suscitadas pelo recorrente: a) O primeiro ponto em que o arguido assenta a sua divergência quanto à apreciação da prova feita pelo tribunal, tem a ver com o facto referente à localização do terreno onde os assistentes colocaram as fitas. Na sua perspectiva das declarações do arguido, dos assistentes e dos depoimentos das testemunhas resulta que o terreno onde se encontravam os assistentes situava-se "do outro lado da estrada, que passa entre a Capela e o terreno em causa". Vejamos: Foi a seguinte a matéria dada como provada nesse ponto: "No dia 18 de Julho de 2003, cerca das 23.45 horas, os assistentes Armindo S... e Alfredo S...., respectivamente Presidente e Tesoureiro da Junta de Freguesia de Gamil, acompanhados de Jorge S..., filho do primeiro, encontravam-se nos terrenos envolventes da Capela de Santa Cruz, em Gamil e procediam à sua vedação, colocando fitas em toda a sua extensão". Ora quanto a este ponto, não descortinamos lida a transcrição feita e, designadamente, as declarações do arguido e dos assistentes, a existência de qualquer erro patente de julgamento. Na verdade, as declarações do arguido quanto a esta matéria não são muito esclarecedoras, pois que, como ele próprio afirma no dia a que se reportam os factos dos autos, não saiu de sua casa "esteve com uns colegas em casa a fazer os preparativos para um piquenique", e da sua casa mal se vê a Capela "vê-se da frente um bocadinho, se se estiver muito cá em cima, nas traseiras", "a entrada da Capela não se vê propriamente, porque as árvores do meu jardim dificultam a visibilidade toda cá para baixo". Já os assistentes confirmaram que o local onde se encontravam estava junto à capela. Armindo S...: "o terreno fica junto à casa do arguido. Em frente à Capela, é um terreno que está junto à Capela de Santa Cruz". Alfredo Silva: o terreiro que vedaram existe no lugar de santa Cruz. "Aquilo é tudo ali juntinho, tudo pertinho o terreiro e a Capela, só mete a estrada pelo meio". Jorge S...: os factos ocorreram no "terreno público no lugar de Santa Cruz, o local onde se costuma fazer a festa". Alberto P...: "Estava eu e o Marco do lado de cá da Capela e eles (referindo-se aos ofendidos) estavam ainda quando passa, do lado onde estavam a colocar as fitas, do lado do terreiro onde ia fazer a...". Também as testemunhas Alberto Pereira e Hélder Azevedo confirmaram que o terreno onde os ofendidos procederam à vedação, com a colocação de fitas, se situava na zona da Capela. E refira-se, desde já que não nos merece qualquer reserva (lida a transcrição da prova) a explicação dada pela Senhora Juíza para não atribuir credibilidade aos depoimentos das testemunhas que procuraram sustentar a versão do arguido. Assim não há nenhuma razão para pôr em causa o decidido neste ponto. b) O segundo facto objecto de discórdia do recorrente e que diz erradamente julgado consiste em ter-se dado como assente que "a dada altura chega o arguido, conduzindo um seu veículo, onde também seguia a sua mulher". Também quanto a esta matéria não resultam da leitura de toda a transcrição motivos capazes de a infirmar. Já dissemos que no essencial estamos perante duas versões sobre os mesmos factos, sendo que a decisão recorrida acolheu a versão dada pelos assistentes. E como também já acima frisámos a Senhora Juíza explica de forma clara e consistente as razões dessa opção. Contra essa versão bate-se o arguido/recorrente utilizando uma estratégia processual que, diga-se, é compreensível, procurando desvalorizar desde logo as declarações dos assistentes e das testemunhas Alberto e Helder, salientando algumas discrepâncias existentes nessas declarações, tentando desta forma abalar a credibilidade do seu testemunho. Importa, no entanto, desde já dizer que as discrepâncias registadas nas suas declarações limitam-se a pormenores secundários, e nunca aos factos integrantes dos elementos constitutivos do tipo de crime dos crimes de injúrias e ameaças. Assim e ao contrário do que sustenta o arguido resulta da transcrição que os assistentes e as testemunhas Alberto e Helder especificam o lugar onde o arguido José O... deixou o seu automóvel, antes de se dirigir à Capela. Alfredo S...: (...) "e nós pusemos a fita. E estávamos a acabar de pôr a fita e não estava lá ninguém, nem estava o carro, nem estava gente, nem estava ninguém Srª Drª. E acabámos de pôr a fita e chega o Sr. José Maria mais a sua esposa no seu carro, carro dele claro, num Mercedes branco e parou na frente da entrada dele. Assim uma entrada para a casa dele, e ele parou ali assim...." Jorge S...: (...) "Entretanto quando tínhamos terminado de fazer isto (referindo-se à colocação das fitas junto à Capela) chegou num Mercedes branco o Sr. José O... com a esposa.. Num carro, num Mercedes branco que ele tem. Parou o carro logo ali à entrada da casa dele, do Acesso à propriedade dele, veio para trás com a esposa para junto de nós..." Alberto P...: ( ...) eu e o Marco ficámos cá atrás a conversar. Entretanto, chega o Sr. José, com o carro para cima (ele e a esposa) e parou o carro de frente á escada. E sai para fora, ai fim sai a esposa e vai direito... passa por nós e entrou... estávamos nós num lado e o Presidente..." Também a testemunha Hélder M..., respondeu a esta questão da seguinte forma: P: (...) onde é que o arguido estacionou o carro quando chegou ? Hélder: Em frente à casa, em frente à entrada que dá para casa. P: Aquilo tem portão, tem uma descida, tem uma subida... ? Hélder: Tem uma subida, tem um portão e tem... Tem um portão de um lado e tem uma subida que dá para casa do outro e ele meteu o carro na subida. Daí que se conclua que o referido ponto da matéria de facto tem pleno suporte na prova produzida. c) O terceiro facto que o recorrente percebe como erradamente julgado é que se tenha dado como assente que "Quando passava pelos assistentes, vindo da Capela, onde, depois de chegar no seu veículo, se tinha deslocado com a sua mulher, dirigiu-se-lhes dizendo-lhes "eu já vos fodo", "seus filhos da puta, paneleiros", ao mesmo tempo que em passo apressado se dirige para a sua residência". E também quanto a este ponto nada há a censurar. Na verdade, a versão dada pelos assistentes e pelas testemunhas Alberto e Hélder (que presenciaram os factos) a este propósito é no essencial coincidente, já que confirmaram de forma inequívoca, não apenas o teor das injúrias e das ameaças proferidas pelo arguido, mas também as concretas circunstâncias em que os factos se desencadearam. É certo que a testemunha Francisco R... que também presenciou os factos (mora em frente à Capela) refere no seu depoimento que as únicas palavras que ouviu pronunciar ao arguido quando regressava da Capela foram "eu mato este filho da puta". Mas será que esta testemunha viu e ouviu realmente tudo o que o que na altura se passou ? Cremos que não, e isto em nada abala o seu depoimento. A nosso ver e dadas as circunstâncias em que o arguido se dirigiu aos assistentes, é bem possível que tenha escapado ao ouvido da testemunha Francisco R.... expressões injuriosas que ele efectivamente proferiu. Por outro lado, saliente-se, que tudo o que ocorreu depois de o arguido se haver dirigido para a sua residência, não foi presenciado pela referenciada testemunha como, de resto, ela própria refere: "depois de ele ir para casa (referindo-se naturalmente ao arguido), não sei o que é que se passou, porque depois, a casa dele está à frente da minha, o espaço é mais à frente, não sei, não vi mais nada". Por isso o Tribunal não deu grande relevância ao seu depoimento Do exposto resulta que, face à prova produzida dúvidas não há de que não é possível chegar a uma conclusão diferente da recorrida quanto a este ponto, antes haverá que confirmá-la. d) Finalmente opõe-se ainda o arguido a que seja dado como provado que " Pouco tempo depois de entrar na residência, o arguido dirigiu-se a uma janela e, colocando o "cano" de uma espingarda em cima do peitoril da mesma, apontou-o na direcção dos assistentes, voltando a dizer-lhes "eu já vos fodo". No entender do recorrente não há suporte probatório para considerar que a referida arma possuía apenas um cano, uma vez que os assistentes e as testemunhas Alberto e Hélder afirma peremptoriamente que a arma apontada pelo arguido tinha dois canos sobrepostos, sendo certo que tais depoimentos foram considerados credíveis pela Senhora Juíza. Por outro lado, no entender do arguido não resulta provado que haja aberto a janela e sobretudo que a dita janela já se encontrasse aberta. E o que desde já se dirá é que também neste particular não assiste razão ao recorrente. Desde logo, importa dizer que o interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à crítica do juiz que o poderá considerar, todo verdadeiro ou todos falso, mas que poderá aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras Cfr. Psicologia Judiciária, Vol. III, 3ª Ed., pág. 12.. Depois, há que chamar a atenção para o facto de que na decisão impugnada não se dar como assente que o arguido haja apontado uma arma de um cano aos assistentes. O que se diz é que o arguido colocou o cano de uma espingarda em cima do peitoril de uma janela da sua residência. Ora esta factualidade não está em desarmonia como teor dos depoimentos citados pelo arguido para fundamentar a sua discordância nesta matéria. De facto, todos eles coincidem no que é essencial para o ponto em análise, ou seja, todos se pronunciaram no sentido de que, efectivamente, o arguido/recorrente depois de se dirigir à sua residência, colocou uma arma em cima do peitoril de uma janela, tendo então proferido as referidas ameaças. Do mesmo passo que a apontada divergência relativamente à questão da janela (saber se a mesma já se encontrava aberta ou não) não fundamento. Basta atentar nas declarações do assistente Jorge Silva e no depoimento da testemunha Alberto P... (...) Juíza: antes disso, quem é que estava em casa do arguido, antes de ele chegar ? Jorge S...: Que eu saiba, ninguém. Estava tudo apagado. Juíza: Não estavam luzes acesas ? Jorge S...: Não. Tinha as janelas abertas, não estavam luzes acesas, tudo apagado. Juíza: Era ? Jorge S...: As janelas estavam abertas, que ele não abriu as janelas depois quando apareceu, só acendeu a luz e apareceu logo. (...) Advogada: Viu luzes acesas, lá na casa dele ? Alberto P...: Não, não. Estava tudo apagado. Advogada: Só depois de eles chegarem é que acenderam as luzes ? Alberto P...: Acenderam as luzes, sim. Advogada: Reparou nas janelas, como é que estavam ? Alberto P...: Estava aberta. A do coiso estava aberta mesmo. Advogada: A do quarto dele já estava aberta ? Alberto P...: Não sei se é do quarto. Cuidado que eu não sei como são... Advogada: Peço desculpa. O Sr. também não referiu que era quarto. Portanto, nessa janela onde ele apareceu com a arma... Alberto P...: Ele apareceu com a arma, a janela estava aberta. Advogada: estava aberta ? Alberto P...: Estava aberta, sim Sr. Por isso que apesar do esforço argumentativo do recorrente, o recurso não pode deixar igualmente de improceder neste ponto. Em suma, a Sra. Juíza a quo, ao apreciar as provas produzidas em audiência de julgamento, com imediação e oralidade, dando crédito a algumas delas e negando-o relativamente a outras, mais não fez do que cumprir com o disposto no artº 127º do C.P.P., segundo o qual, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (excepto quando a lei dispuser diferentemente). Acresce que, do texto da decisão recorrida, não resulta que a Sra. Juíza a quo tivesse tido dúvidas sobre a existência dos factos impugnados. E, por isso mesmo, não há que chamar à colação o princípio in dubio pro reo. Assim há que considerar definitivamente fixada a matéria de facto atrás escrita, a menos que ocorra qualquer dos vícios referidos nas diferentes alíneas do n° 2 do artº 410º do referido Código, cujo conhecimento é oficioso. Sucede porém que, como já referimos anteriormente, é o próprio recorrente quem invoca a existência dos vícios de erro notório na apreciação da prova e da contradição insanável da fundamentação. Antes de tomarmos em atenção o caso em apreço, importa relembrar o enquadramento processual dos vícios em questão, e bem assim sublinhar os mais consensuais e impressivos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência que, in casu, possam relevar. Nos termos prevenidos no art. 410º, nº 2, do CPP, «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova.» Assim, os vícios da matéria de facto em referência têm de resultar do texto da decisão recorrida e, como é jurisprudência pacífica e sedimentada, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, não sendo admissível, designadamente, o recurso a declarações ou depoimentos exarados no processo, não podendo basear-se em documentos juntos ao processo e nenhum relevo assumindo as regras da experiência comum.(Por mais significativos, vide acórdãos, do STJ, de 31.01.90 BMJ 393-333; 8.01.97 BMJ 463-189; 9.12.98 BMJ 482-68;) Tais vícios não podem, designadamente, ser confundidos com uma divergência entre a convicção alcançada pelo recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela convicção que, nos termos prevenidos no art.127º do CPP e com respeito, designadamente, pelo disposto no art.125º, do mesmo Código, o Tribunal «a quo» alcançou sobre os factos. Como escrevem Simas Santos e Leal Henriques (in C.P.P. Anotado, II Vol., pág. 140) "Verifica-se erro notório quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto ( positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida. Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos". A caracterização do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão - art. 410º, 2, b), do CPP- pode encontrar-se na síntese oferecida por Simas Santos e Leal Henriques (C.P.P. Anotado, Vol. II, pág. 739): «só existe contradição insanável de fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados. Retomando o caso em apreço. Alega a recorrente que o vício do erro notório na apreciação da prova se verifica, na medida em que a Senhora Juíza, utilizou mais do que um critério na valoração da prova (omissão das relações de parentesco e amizade dos assistentes e testemunhas por estes arroladas, sendo que mencionou esse tipo de relações no concernente à prova do arguido). E também conclui que a decisão impugnada padece também do referido vício a que alude o artº 410º, 2, b) do C.P.P., pois que "dá como provado que o arguido apontou aos assistentes uma arma de um cano, mas e inexplicave1mente põe em causa os documentos apresentados pelo arguido, relativos à arma de um cano que este possui, dizendo "que não foram igualmente suficientes para afastar aquela prova", alegando em suma que ele pode ter uma outra arma, ou seja a de dois canos, a referida pelos assistentes, com a qual o arguido alegadadamente terá praticado o crime de ameaça. Existe por conseguinte contradição insanável na fundamentação no que respeita ao facto de se dar como provado que o arguido aponta uma arma de um cano, como provado que o arguido terá usado uma arma de canos sobrepostos- a referida pelos assistentes e por último, como não provado que ele possua uma arma de um cano". Mas não lhe assiste razão. Na verdade, o que acontece é que o arguido vislumbra aqueles vícios na divergência que tem relativamente à apreciação da prova que foi levada a cabo por parte do tribunal, isto é não concorda com os factos que foram dados como provados, o que, face a tudo quanto acaba de ser exposto nada tem a ver com os referidos vícios. Ou seja, o que diz o recorrente nesta matéria é que na sua perspectiva face à prova produzida a sua conclusão era diferente daquela que foi tirada pelo tribunal "a quo". Só que essa divergência quanto à forma como o tribunal valorou a prova produzida, nada tem a ver com os vícios previstos no citado artº 410º, nº 2 a) e c) do C.P.P. Uma coisa é a apreciação da prova pelo juiz que tem de decidir sobre os factos trazidos a juízo e outra a apreciação da prova feita pela recorrente. Essa convicção - já acima o frisámos - conforme o estatuído no artº 127º do C.P.P., é formada, salvo quando a lei dispuser diferentemente, segundo as regras da experiência e a livre convicção. E a circunstância de a prova produzida em audiência de julgamento haver sido valorada de modo diferente do pretendido pelo recorrente não envolve qualquer violação dos critérios legais sobre apreciação de prova, como parece pretender ao arguido. Daí que não se verifica o apontado erro notório na apreciação da prova. Tão pouco se vislumbra qualquer contradição e muito menos insanável na transcrita fundamentação. De resto o recorrente incorre num lapso quanto a esta matéria, ao reafirmar que a decisão impugnada deu como provado que o arguido apontou aos assistentes uma arma de um cano, que o arguido terá usado uma arma de canos sobrepostos- a referida pelos assistentes e por último, considere como não provado que ele possua uma arma de um cano. Ora, nada disto consta da decisão impugnada. O que efectivamente consta na sentença é que, relembremo-lo, uma vez mais, «Pouco tempo depois de entrar na residência, o arguido dirigiu-se a uma janela e, colocando o "cano" de uma espingarda em cima do peitoril da mesma, apontou-o na direcção dos assistentes, voltando a dizer-lhes "eu já vos fodo". E não consta dos factos considerados como não provados que o arguido possua uma arma de um cano. Em suma, no caso dos autos, examinado e revisto, à luz dos ditames e ensinamentos que acima referimos, o texto da decisão recorrida, não se vê, de todo, que o tribunal a quo haja incorrido no pretextados vício. Antes se afigura que o esforço argumentativo da recorrente traduz uma divergência de convicção relativamente à prova produzida e aos factos dela decantados, como provados, divergência a que este tribunal não pode, como acima se deixou explicitado, dar qualquer relevância processual. Assim sendo, julgam-se manifestamente improcedente os invocados vícios. Em suma: segundo os meios de prova dos autos concluiu-se pela condenação do arguido JOSÉ O..., como autor de três crimes de ameaças e de outros tantos delitos de injúrias, o que notoriamente não está errado, pois que, atentando na fundamentação da matéria de facto dada com assente, é patente que se não valorizaram provas contra as regras da experiência comum ou "contra legem", nem se afirmou algo de impossível verificação (em si ou por inconciliável ou contraditório com outro algo). Face ao exposto se conclui que improcede sob todos os aspectos o recurso do arguido. III) DECISÃO Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se, in integrum, a douta Decisão recorrida. Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em quatro Ucs. Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º, nº 2 do C.P.P.) Guimarães, |