Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA AUGUSTA | ||
Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO COIMA DECISÃO ADMINISTRATIVA FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/03/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - No âmbito do processo de contra-ordenação, a decisão administrativa que não foi impugnada no prazo legal assume carácter definitivo, formando-se caso decidido ou caso resolvido o qual deve ser equiparado ao instituto do caso julgado. II - Assim, na execução baseada em decisão da autoridade administrativa, que não foi objecto de impugnação judicial, o executado está limitado aos fundamentos de oposição previstos no art.º 814.º do Código de Processo Civil para a execução baseada em sentença. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: Por apenso à execução movida pelo MºPº contra o ora recorrente JOAQUIM O...para pagamento da coima veio este deduzir oposição à execução, alegando, em síntese: - desconhecer «todos os factos prolatados no título dado à execução», por nunca ter sido notificado da decisão proferida na contra-ordenação; - o procedimento contra-ordenacional encontra-se prescrito; - nunca foi notificado «para o exercício do direito do contraditório», pelo que «o procedimento padece de flagrante nulidade»; - a «decisão final» padece de caducidade, nos termos do nº2 artº82º do Dec-Lei nº433/82; - «o executado/oponente não foi motivo de citação prévia da presente execução»; - os «factos imputados e constantes da decisão do procedimento Conta Ordenacional, não foram praticados pelo aqui oponente». Conclui pedindo que «a presente oposição seja recebida, apreciadas as excepções invocadas, suspensa e julgada procedente, por provada, declarando-se a sua extinção, tudo com as demais consequências legais». Admitida a oposição, foi ordenada a notificação do exequente (MºPº), que apresentou contestação na qual conclui pela sua improcedência. Foi proferido despacho saneador/sentença que julgou improcedente a oposição à execução. Inconformado com tal decisão, interpôs o oponente recurso ora em apreço, que terminou com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. O Tribunal a quo ao não ponderar a aplicação do Regime Especial do instituto da atenuação especial da pena/coimas, plasmado no atº72º e segs. Do C.P, sindicando como devia os critérios subjacentes à sua aplicação pela entidade administrativa, ferindo de nulidade o douto acórdão recorrido. 2. De igual modo o Tribunal a quo não permitiu ao arguido deitar mão de todos os meios tendentes à sua defesa. Com efeito, ao mesmo foi vedado o direito de se pronunciar e fazer a prova do invocado na sua oposição, em sede de audiência de julgamento violando-se assim o princípio do contraditório e artº 510º do C:p.Civil e os artºs 120º nº2al. d) e 379º nº1 al.c) 3. Por força e valor que à mesma Oposição o Tribunal quo conferiu, a decisão proferida deveria ter sustentação na audiência final de julgamento, o que não sucedeu. Acto e audiência que deveria ter sido AGENDADA e praticado pelo Tribunal (artºs 120º, nº2 al. d) do CPP e 517º do C.P.Civil). 4. A douta sentença laborou em erro na apreciação da matéria factual (não considerou, desde logo, o invocado na oposição, e também de direito ao contraditório. 5. A decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, não cuidou de respeitar o artº 508º nº 1 al. b) e nº3 do Código de Processo Civil. Impedindo o recorrente de fazer prova da impossibilidade material de apresentar em prazo impugnação judicial da contra-ordenação em causa, que, se antes não o tivesse feito, na audiência final de julgamento é manifesto e plausível que o faria. Deve pois, o douto acórdão recorrido ser revogado, Disposições violadas: - Os artºs. 120ºnº 2, 374º al d)., n.2 e 379º., ns.1 e 410º., n.3 do C.P.P.. - Artºs 508º nº 1 e nº 3 e artº517º ambos do C.P. Civil - Artg.ºs 71º do Código Penal. - Artºs 16º e 17º do Dec. Lei 433/82, actualizado pelos Dec.-Leis 356/89 e 244/95. O MºPº apresentou “Resposta”, concluindo pela improcedência do recurso Nesta Relação a Ex.ª Procuradora-geral Adjunta concluiu pela improcedência do recurso. Cumpre decidir: O âmbito do recurso é definido pelas conclusões das alegações, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº3, 684º-B, nº 2 e 685º-A, todos do C.P.Civil). Por outro lado, não visando os recursos criar decisões sobre matéria nova, o seu objecto é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Por isso, a questão a decidir é apenas uma: Saber se na execução baseada em decisão da autoridade administrativa, que não foi objecto de impugnação judicial, está o executado limitado aos fundamentos de oposição previstos no art.º 814.º do C.P.Civil para a execução fundada em sentença. Vejamos os factos com interesse para a decisão: - Na sequência de auto de notícia levantado contra o ora recorrente, foi instaurado, investigado e instruído processo de contra-ordenação pela Câmara Municipal de Guimarães e, a final, proferida decisão aplicando-lhe a coima de € 30 000,00; - O ora recorrente foi notificado dessa decisão em 16/06/2009 – cfr. 45 – e não interpôs recurso de impugnação. Nos termos do artº45º do C.P.Civil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva. E o artº46º enumera os títulos que servem de base à execução, de entre os quais ressaltam as sentenças condenatórias. A questão fulcral é a de saber se a decisão da autoridade administrativa, que não foi objecto de impugnação judicial, é equiparável a sentença. Dispõe o nº5 do artº169/99, de 18/09, na redacção da Lei nº5-A/02, de 11/01: Compete à câmara municipal, em matéria de licenciamento e fiscalização: a) Conceder licenças nos casos e nos termos estabelecidos por lei, designadamente para construção, reedificação, utilização, conservação ou demolição de edifícios, assim como para estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos; b) Realizar vistorias e executar, de forma exclusiva ou participada, a actividade fiscalizadora atribuída por lei, nos termos por esta definidos; c) Ordenar, precedendo vistoria, a demolição total ou parcial ou a beneficiação de construções que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde ou segurança das pessoas; d) (…) No caso, não há dúvida de que a Câmara Municipal, como autoridade administrativa que é, dispõe de competência para investigar e instruir o processo de contra-ordenação, aplicar a respectiva coima (artº33 e 54º, nº2 do Dec-Lei nº433/82, de 27/10, com as alterações introduzidas pelos Dec-Lei nº244/95, de 14/9, nº323/de 17/12 e Lei nº 109/2001, de 24/12) e notificar o ora recorrente dessa decisão (artºs46º e 47º do citado Dec-Lei), como o fez, podendo ele impugná-la judicialmente, no prazo de 20 dias, após o seu conhecimento nos termos do artº59º do Dec-Lei nº433/82. Não tendo sido impugnada, decorrido esse prazo a decisão da autoridade administrativa assume carácter definitivo, começando, então, a correr o prazo para pagamento (cfr. artºs79º e 88º do Dec-Lei nº433/82). Essa decisão configura um verdadeiro acto administrativo, definido Freitas do Amaral como o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto Direito Administrativo - 3ºVol., pag.66)", em que a forma processual adequada para a impugnar é o recurso judicial. Não havendo impugnação, no prazo legal, forma-se caso decidido ou caso resolvido. Embora esta figura seja distinta do instituto do caso julgado O caso julgado, pressupondo a repetição de uma causa – a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir [cfr. artigos 497º e 498º do CPCivil] –, tem dois efeitos processuais característicos: um efeito negativo, que se traduz na insusceptibilidade de qualquer tribunal [mesmo aquele que proferiu a decisão] se voltar a pronunciar sobre a decisão proferida; e um efeito positivo, que resulta da vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais, ao que nela foi definido ou estabelecido [neste sentido, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, a págs. 572]. Já o “caso decidido” ou “caso resolvido”, embora tenha um efeito análogo ao da sentença transitada em julgado, só se reflecte num concreto procedimento entre um particular e a Administração, justificando que esta não tenha de voltar a apreciar uma pretensão que já decidiu – obviamente uma pretensão não renovável – e que não foi objecto de impugnação ou que, tendo-o sido, não foi atendida em tribunal., entendemos que não pode deixar de lhe ser dada equiparação, sob pena de flagrante violação, designadamente, do princípio geral da estabilidade do acto administrativo, «com tradução prática na certeza e na segurança das relações jurídico-administrativas e, designadamente, na intangibilidade dos direitos e interesses legitimamente adquiridos dos cidadãos». É também neste sentido que decidiu o Ac. Rel. de Lisboa, de 27/09/2006 http://www.dgsi.pt/jtrl., segundo o qual a decisão da autoridade administrativa, não tendo sido objecto de impugnação judicial constituiu caso decidido ou caso resolvido, (…), consolidando-se o acto administrativo na ordem jurídica, atendendo ao princípio da estabilidade dos actos administrativos, e que a doutrina faz uma equiparação entre o caso julgado judicial, decisão judicial que já não pode ser objecto de recurso, por ter transitado em julgado (art. 677º, do CPC), e o caso decidido ou resolvido dos actos administrativos, pelo que, por força do art. 79º, do DL nº 433/82, de 27OUT, que fixa o alcance definitivo da decisão administrativa, conferindo-lhe um valor em tudo igual ao caso julgado de uma decisão judicial, mais não significa que, uma vez proferida a decisão administrativa, que não foi objecto de impugnação judicial, por não ter sido interposta em tempo, ou porque o não foi mesmo, por o arguido com ela se ter conformado, constitui caso decidido ou resolvido. Neste mesmo sentido cfr. ainda Ac. Rel. de Lisboa de 08/11/2007 - http://www.dgsi.pt/jtrl., Ac. da Rel. de Coimbra, de 04/03/2008 - http://www.dgsi.pt/jtrc. e Ac. da Rel. do Porto, de 08/03/2005 - http://www.dgsi.pt/jtrp. Sendo este o efeito da decisão administrativa, não pode o ora recorrente deduzir oposição à execução com fundamentos que podia e devia ter usado em sede de impugnação judicial, ficando, por isso, limitado aos fundamentos à oposição baseados em sentença e previstos no artº814º do C.P.C.. Como nenhum dos fundamentos invocados se integra em nenhuma das alíneas do citado artigo, bem andou o Tribunal a quo ao julgar improcedente a oposição. Improcedem, assim, as conclusões da alegação do recorrente. ***** DECISÃO: Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e, consequentemente, confirma-se a a decisão recorrida. Custas pelo recorrente. ***** Guimarães, 03/05/2011 |