Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
197/2002.G1
Relator: GOUVEIA BARROS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I) Na colisão entre um veículo cujo condutor desrespeitou o sinal de stop e entrou em diagonal na estrada por onde circula outro veículo em excesso de velocidade é substancialmente maior a culpa do primeiro do que a do condutor deste último que beneficiava de prioridade de passagem.
II) Não pode ser erigida em prova bastante para ancorar a convicção do tribunal sobre o rendimento auferido pelo autor ao serviço de seu pai o simples depoimento do progenitor, desacompanhado de qualquer outra prova, ainda mais quando vem alegado perdurar a relação laboral desde há cinco anos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


F. F. F., residente em Vargas, Venezuela, intentou em 18/11/02 a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, contra a Companhia de Seguros FM, S.A., com sede em Lisboa e contra a Companhia de Seguros PP, S.A., com sede em Lisboa, actualmente incorporada na Companhia de Seguro A. P., S.A., pedindo a sua condenação solidária a pagarem-lhe a quantia global de €151.108,17 (conforme ampliação constante de fls 379), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados a partir da citação e até efectivo e integral pagamento, bem como os demais danos futuros decorrentes do mesmo sinistro, a liquidar ulteriormente, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência de um acidente de viação ocorrido no dia 14 de Maio e no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 49-17-MG e o ciclomotor de matrícula 1PCR-14-97 onde o autor era transportado, aquele segurado da segunda ré e este segurado da ré Fidelidade.
Alega para o efeito e em síntese que no dia referido, pelas 15h15m, ao Km 38,530 da E.N. nº 301, na freguesia de Lamamã, Paredes de Coura, ocorreu um acidente de viação em que estiveram envolvidos os mencionados veículos, o MG conduzido por José Gomes e o ciclomotor, conduzido por Jorge Barbosa e no qual o autor seguia como passageiro, sofrendo lesões várias cujo ressarcimento pede às duas seguradoras, porquanto em seu entender a culpa do acidente é imputável a ambos os condutores envolvidos.
Contestou a ré A. P. para impugnar os danos invocados e declinar a responsabilidade do condutor do veículo do MG, seu segurado, imputando a culpa exclusiva do sinistro ao condutor do ciclomotor em que o autor se fazia transportar, porquanto este, quando o MG já era avistável a transitar na E.N. 301, decidiu entrar nesta sem aguardar que aquele veículo passasse, confiando que conseguiria alcançar a faixa de rodagem a que se dirigia, concluindo assim a pugnar pela sua absolvição do pedido.
Contestou também a ré F. M., confessando a existência do contrato de seguro relativo ao ciclomotor, mas impugnando também os danos invocados e seus montantes, bem como a culpa do sinistro, atribuindo-a por seu turno ao condutor do veículo segurado da co-ré A.P..
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Em 8/5/03 no mesmo tribunal de Paredes de Coura foi distribuída outra acção declarativa, registada sob o nº103/03.0TBPCR, intentada por J. F. B., alegando ser herdeiro de Jorge Barbosa (condutor do ciclomotor onde era transportado o autor da anterior acção), em que pede a condenação da ré A. P., S.A. a pagar, a si e demais herdeiros cuja chamamento requereu, a quantia de €175.000 pelos danos não patrimoniais por todos sofridos em consequência do decesso de seu irmão, bem como pelos danos não patrimoniais sofridos pelo falecido e atinentes ao lapso de tempo que mediou entre o acidente e a sua morte (ocorrida em 19/5), alegando para tal que o acidente foi causado por culpa exclusiva do condutor do veículo ligeiro segurado da ré.
Contestou a ré para reiterar o que dissera na anterior acção atinente ao sinistro, ou seja, para impugnar o montante dos danos e declinar a sua responsabilidade, dizendo que o acidente foi causado pelo inditoso irmão dos autores, condutor do ciclomotor interveniente.
Admitido o chamamento dos restantes herdeiros, foram os mesmos citados para os termos da causa, nada tendo dito.
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Prosseguiram os autos seus termos autonomamente, sendo proferido despacho saneador em cada um dos processos e seleccionada a matéria de facto pertinente a cada uma das causas.
Porém, sob requerimento da ré A.P. formulado a fls 168 da primeira acção (Proc. nº197/02), foi ordenada a apensação dos processos (despacho de fls 214 do volume), prosseguindo depois a tramitação unitária dos processos com a legal instrução.
Discutida a causa, foi proferida sentença julgando a acção nº197/02 parcialmente provada e condenando as rés a pagar ao autor F.F.F. a quantia de €128.033,00, na proporção de 80% pela ré A.P. e 20% pela ré F.M., bem como por eventuais danos futuros e na mesma proporção e, simultaneamente, julgou também a acção nº103/03 parcialmente procedente e condenou a ré A.P. no pagamento aos autores da quantia de €110.000,00 e juros desde a sentença, dos quais €50.000 pela lesão do direito à vida do falecido irmão dos autores e €60.000 pelos danos não patrimoniais próprios (€7.500 a cada um dos autores).
Inconformados recorrem o autor F. F. F. e a ré A. P., S.A., ambos defendendo a revogação da sentença, aquele para pugnar pela elevação da indemnização arbitrada e esta para defender a sua absolvição do pedido, alinhando para tal e em síntese as seguintes ordens de considerações:
Diz o autor:
- Deve ser condenada apenas a ré A.P. na totalidade do pedido, ou pelo menos, na proporção de 95% e os restantes 5% pela F.M., fixando-se nessa percentagem a culpa dos condutores intervenientes.
- Caso se mantenha a repartição de culpas fixada na decisão, deve ser proferida condenação solidária entre as rés, nos termos previstos no artigo 497º, nº1 e 2 do CC.
- A indemnização arbitrada a seu favor e atinente à incapacidade permanente sofrida deve ser fixada em €110.000,00 e a relativa aos danos não patrimoniais, em €15.000,00.
- Os juros atinentes ao dano não patrimonial arbitrado devem contar-se desde a citação e não desde a prolação da sentença.
- Na eventualidade de vir a obter integral provimento o recurso da ré A.P. no que tange à culpa do seu segurado, então deve ser condenada a ré F.M. na totalidade da indemnização que for fixada.
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Diz a ré Allianz:
- Deve ser alterada a resposta dada aos “quesitos”51º, 56º e 62º da base instrutória (factos enunciados sob os artigos 13º, 14º e 16º da sentença), bem como aos quesitos 74º, 82º, 187º e 188º (respondidos negativamente), com incidência sobre o grau de culpa do condutor do veículo MG, isentando-se de culpa ou, pelo menos, reduzindo-o para 20%.
- Deve ser igualmente alterada a resposta dada aos quesitos 125º, 129º e 130º (factos recolhidos sob os artigos 60º e 62º da sentença), reduzindo-se consequentemente a indemnização do autor a título de dano futuro para €50.000 e para €7500 a indemnização pelo dano não patrimonial.
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Nem os autores do processo nº103/03 nem a ré F.M. apresentaram resposta à alegação dos recorrentes.
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Fundamentação:
Antes de mais e em jeito de nota prévia cumpre assinalar que na sentença está dado como assente que o infeliz condutor do ciclomotor, Jorge Barbosa, faleceu no próprio dia do acidente, isto é, em 14 de Maio de 2002, facto alegado por seu irmão no processo apenso mas que não se harmoniza com o teor do artigo 72º da petição inicial da mesma acção e é decisivamente infirmado pelo assento de óbito de fls 30 dos mesmos autos que comprova a morte no dia 19 de Maio, às 19,30 horas.
Feito este reparo e passando então à apreciação do mérito da alegação, verifica-se do teor das conclusões formuladas pelos recorrentes que as questões sobre que nos cabe debruçar são as seguintes:

A) Alteração da matéria de facto dada por provada pelo tribunal a quo;
B) Grau de culpa dos dois condutores envolvidos na colisão;
C) Montante da indemnização arbitrada ao autor recorrente a título de dano biológico ou corporal e dano não patrimonial;
D) Actualização da componente atribuída a título de dano não patrimonial ao autor recorrente e modalidade da obrigação das rés seguradoras.
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Sobre a alteração da matéria de facto:
Na sentença considerou-se ser desigual a responsabilidade dos condutores pela produção do sinistro, repartindo-se na proporção de 80% para o condutor do MG e de 20% para o inditoso condutor do ciclomotor.
A ancorar tal entendimento esteve manifestamente a consideração sobre a velocidade próxima dos 100kms/hora a que seguia aquele veículo e a relevância causal de tal circunstância na eclosão do acidente e na potenciação dos seus efeitos.
Mas não foi apenas esse elemento que mereceu reparo do Sr. juiz a quo pois a seguir censura também o facto de conduzir de “forma desatenta, imprudente e imperita, não logrando imobilizar o veículo que conduzia no espaço livre e visível à sua frente, não obstante os cerca de 80m de que dispunha para o efeito, antes de atingir o ciclomotor, tal como não foi capaz de procurar manter a sua trajectória na restante metade direita da estrada E.N.301 (ou até penetrar na via municipal de onde provinha o ciclomotor, uma vez que a colisão se dá na desembocadura da mesma, e que esta conta uma largura de cerca de 50 metros) e, dessa forma, contornar o IPCR, deixando-o concluir a sua travessia daquela hemi-faixa de rodagem, ou então tentar desviar-se pela metade esquerda da mesma E.N. e prosseguir a sua marcha. Sendo certo que no momento do embate essas hemi-faixas da E.N.301 se encontravam, na sua quase totalidade, livres e desimpedidas”.
Também nós pensamos, como adiante justificaremos, que a conduta do condutor visado foi imprudente, mas entendemos que as demais considerações são absolutamente injustificadas e revelam porventura falta de experiência na prática da condução automóvel.
Com efeito, circulando a 100 quilómetros/hora o referido condutor percorreria cerca de 27/28 metros por segundo, o que implicaria que andasse cerca de 20 metros antes de iniciar a travagem (ou seja, presumindo um tempo de reacção de ¾ de segundo, cientificamente aceite como normal).
Tendo o embate ocorrido a cerca de 13,5 metros após o início da travagem, afigura-se razoável pensar que o condutor apenas presenciara a temerária manobra do infeliz condutor do motociclo a escassos 35/40 metros, o que aliás é compatível com a distância percorrida por este: foi atingido ainda antes de a frente do ciclomotor ter atingido o eixo da faixa de rodagem que no local mede 4,90metros.
Como pode exigir-se a um condutor que circula a 100kms/hora que, surgindo-lhe inopinadamente na sua faixa de rodagem (e em contramão) um ciclomotor a escassos 40 metros, “procure manter a sua trajectória na restante metade direita da estrada nº301”?
Não será óbvio que se assim tivesse feito os efeitos da colisão seriam bem mais devastadores uma vez que necessariamente colhia em cheio os dois ocupantes do ciclomotor?
Poderia o referido condutor guinar à sua direita e tentar passar pela traseira do outro veículo ou mesmo virar para a estrada donde ele procedia?
Importa ter presente que ao condutor do MG se lhe depara um obstáculo em movimento procedente da direita da faixa de rodagem que, apesar de a hemifaixa de rodagem só ter 2,90metros de largura, não atingiu sequer o eixo da via com a dianteira do ciclomotor, o que legitima a presunção de que no momento em que aquele condutor o avista ele estaria a entrar na faixa por onde ele seguia.
Nesse quadro, seria patentemente temerária tal manobra, pois corria o risco de colher o ciclomotor na eventualidade de ele deter a marcha ou se desviar para a estrada donde procedia.
De todo o modo, as regras da experiência dizem-nos que a manobra de recurso ensaiada pelo condutor do MG é a única que qualquer outro condutor faria nas mesmas circunstâncias, não por força de qualquer regra estabelecida mas por uma razão bem mais forte e decisiva: é uma reacção puramente instintiva.
Ou seja, qualquer condutor a que se depare um obstáculo em movimento vindo do seu lado direito guina para a esquerda, do mesmo modo que flecte instintivamente para a sua direita se o perigo provém da sua esquerda.
Aliás, a fotografia do ciclomotor embatido (fls 52 do processo apenso) conjugada com as circunstâncias que envolveram a colisão, legitima a convicção de que a manobra de recurso teria tido êxito se o condutor falecido tivesse parado em vez de prosseguir a insensata travessia que em tão má hora encetara, pois apenas a frente foi atingida pelo impacto do GM.
Seja como for e tal como repetidamente temos decidido em situações similares “não é sindicável a opção do condutor sobre a manobra de recurso que utiliza para evitar o atropelamento, nem pode ser responsabilizado pelo hipotético desacerto da manobra de recurso de que lançou mão, sob pena de, em situações como a dos autos, no limite e por absurdo, ele ser responsabilizado por ter travado, dado que atrasou a marcha do veículo e assim tornou possível que o autor, com a sua temerária conduta, tivesse atingido a sua linha de marcha…”
Na verdade, consistindo a culpa na omissão da conduta que constituiria a actuação diligente, necessariamente tal omissão tem de ter carácter voluntário (Pessoa Jorge, Ensaio, pág. 323), não podendo assim surpreender-se culpa em condutas mecânicas ou puramente instintivas.
E sobre a velocidade do MG?
Com o devido respeito pelo ilustre mandatário da ré recorrente, louva-se o esforço tendente a demonstrar que o veículo seu segurado não seguia à velocidade acolhida na sentença, mas a invocação do depoimento prestado pelas testemunhas oculares só atesta a pertinência do que temos escrito sobre o tema e aqui reiteramos:
(…) o julgamento dos acidentes de viação é, por excelência, o campo de aplicação de presunções judiciais ou naturais, uma vez que raramente é possível a prova directa sobre as circunstâncias que rodeiam os sinistros que vão ser reconstituídos por aplicação das regras da experiência aos indícios materiais recolhidos pela autoridade policial ou decorrentes da produção da prova.
Por via de regra, são bem mais importantes os indícios materiais recolhidos no local do acidente, ou nos veículos intervenientes do que a prova obtida junto dos intervenientes ou das testemunhas presenciais, aqueles normalmente preocupados em alijar a própria culpa, estas incapazes de reconstituir um processo causal que lhes escapa na parte mais significativa” (citámos Ac.2347/08).
Também não atingimos o alcance da invocação do pretenso rebentamento do pneu sofrido pelo MG, pois enquanto na contestação foi invocado para justificar o desvio da trajectória do veículo (artigo 29º) parece agora destinada a justificar a extensão da travagem do mesmo veículo.
Já acima dissemos que a trajectória do veículo é a normal para as circunstâncias: o condutor guina à sua esquerda para evitar a colisão com o veículo que lhe surge inopinadamente da direita e todos faríamos desse modo colocados naquela situação concreta!
O pretenso rebentamento não teve – nem vem alegado com tal intenção – qualquer intervenção causal no processo que provocou o embate, sendo apenas uma hipotética consequência do mesmo.
Não nos parece que houvesse nos autos qualquer indício do alegado rebentamento e as fotografias também nada acrescentam nesse sentido, servindo até para abalar decisivamente a verosimilhança de tal evento.
Antes de mais a natureza do embate não se coaduna com a hipótese de rebentamento, pois o pneu não bate em nenhuma parte do ciclomotor por tal ser impossível naquelas circunstâncias (choque entre a frente do Opel Astra e do ciclomotor).
Nenhum relevo podem ter os pretensos vincos assinalados pela recorrente no rasto de travagem subsequente ao embate e atribuídos à jante direita, pois tal pressuporia que o pneu rebentado saísse da jante e ficasse no asfalto.
Ora custa-nos admitir que o agente de autoridade tivesse certificado que os órgãos de travagem estivessem “aparentemente em bom estado” quando no exame directo lhe surgia uma das rodas só com a jante…
E já para não falar no facto de ter assinalado os vestígios e não ter mencionado o pneu rebentado!
Mas decisivamente, o rebentamento alegado é incompatível com a configuração perfeitamente rectilínea da própria travagem, pois ele determinaria necessariamente um desvio significativo da trajectória do veículo (no mínimo, o alargamento substancial do rasto de travagem) por força da repentina mudança de direcção sofrida.
Ora nada disso sucede, vendo-se pelo contrário um rasto bem vincado e perfeitamente regular do rodado direito do veículo sobre a linha divisória da estrada, ou seja, já depois de ter ocorrido o embate.
Refere-se por fim a recorrente que, de acordo com as tabelas de distância de paragem, o MG não podia seguir a mais de 70kms/hora.
Também não acompanhamos esta afirmação: na verdade desde o início da travagem e até se imobilizar, o veículo deixou um rasto de travagem bem vincado com uma extensão de cerca de 40 metros.
Estando o piso seco e o tempo bom como está processualmente adquirido, tal rasto de travagem corresponde a uma velocidade de 90kms/hora (Marguerite Mercier, Les Accidents de la circulation, citado por Oliveira Matos em Código da Estrada, pag.72).
Mas é de todos conhecida a extrema desactualização de tais tabelas pois os sistemas de travagem evoluíram de forma tão significativa na última década que a simples invocação dos valores nelas apontados causa até desconforto pelo seu desajustamento evidente.
Será sustentável que um veículo dotado de ABS ou sistema equivalente, que circule a 50kms/hora deixe um rasto de travagem de 12 metros antes de se imobilizar? Ou de 24 metros, a uns módicos 70kms/hora? Ou que precise de 70 metros para se deter quando circula a 100kms/hora? Todos sabemos que não!
E que dizer do facto de o ciclomotor, apesar de levar dois adultos em cima (o autor e seu falecido tio), ter sido projectado e seguir de rastos pelo asfalto e só parar a 44,2metros?
Em suma, não se vislumbra nenhum fundamento para se alterar a resposta dada aos quesitos 51º, 56º e 62º da base instrutória que corresponde a uma adequada valoração dos elementos objectivos fornecidos pela documentação constante do processo.
E quanto aos quesitos 74, 187 e 187 cuja resposta negativa a recorrente pretende ver alterada?
Como dizia o Prof. Vaz Serra (BMJ, 110, pág.82) “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do julgador uma absoluta certeza acerca dos factos a provar”. Na verdade a prova – escreve A. Varela, Manual, pag. 435/436 - “visa apenas, de acordo com critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”.
A essa luz não vemos decisivamente como pode sustentar-se tal resposta negativa.
Claro que, em tese, não poderá descartar-se a possibilidade de o inditoso condutor do ciclomotor já por outras vezes o ter utilizado à revelia da vontade da dona ou pelo menos sem o seu consentimento prévio, tal como supostamente sucederia no dia do acidente.
Tal eventualidade não afasta a certeza relativa do facto alegado e, nessa conformidade, a resposta aos mencionados quesitos não pode deixar de ser afirmativa.
Em suma, altera-se a resposta aos quesitos 74º, 187º e 188º, declarando-os provados.
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Põe também a ré em causa o teor da resposta dada aos quesitos 125º, 129º e 130º, vertida nos artigos 60 e 62 de “factos provados”.
Não nos deteremos sobre o teor da resposta dada ao quesito 130º por ele ser rigorosamente vicioso: durante o período de doença, o A. não teria de receber os rendimentos correspondentes ao seu trabalho, ainda que eventualmente tenha direito a outras prestações sociais pagas por outras entidades.
Não se entende decisivamente a afirmação da recorrente de que “não vemos o porquê dum pai retirar rendimentos ao filho quando este deles mais precisa”
Será naturalmente expectável que o pai ou alguém tivesse de auxiliar economicamente o autor durante os 160 dias em que ele não pôde trabalhar, mas seria imoral pretender fazer reverter tal auxílio em benefício do lesante (ou da sua seguradora), deduzindo o seu montante à indemnização arbitrada.
O que está em causa é a perda de rendimento (real ou legalmente ficcionado) decorrente do sinistro, sendo irrelevante qualquer ajuda de terceiro a outro título, como indiferente será qualquer mobilização de fundos ao alcance do sinistrado para prover aos encargos da sua sobrevivência no período da ITA.
Resta então conferir o acerto da resposta recolhida no artigo 62º que se transcreve:
“O autor auferia um ordenado de €2000 dólares americanos mensais”.
Antes ficara consignado (e tal resposta não vem posta em causa) que o autor era encarregado de um restaurante pertencente a seu pai, em cuja exploração auxilia.
Na motivação exarou-se que a resposta acima transcrita se tinha apoiado no depoimento do progenitor do autor “que conhecia as suas condições laborais e vencimentos, que já tinham sido demonstrados pela declaração de fls 54”.
Acompanhamos a recorrente na sua perplexidade pois não é aceitável tal ligeireza na avaliação da prova: o tribunal a quo julgou provado o valor do salário pago ao autor pelo próprio pai, unicamente com base no depoimento deste e numa declaração por ele antes emitida de teor equivalente.
Importa ter presente que a nossa lei processual, ressalvado o domínio dos procedimentos cautelares, molda a convicção judiciária sobre a chamada prova suficiente que representa, do ponto de vista jurídico, um juízo de certeza.
Não se trata, como já se disse, de uma certeza absoluta, mas apenas de uma certeza empírica, construída sobre um mero juízo de probabilidade, embora de uma alta probabilidade.
Satisfará a declaração do progenitor do autor tal requisito?
Não está em causa como é óbvio a veracidade do depoimento, mas antes e apenas a sua suficiência para sobre ele se ancorar uma resposta com tão significativa repercussão sobre os termos da causa.
Sopesa-se o facto de, sendo filho do patrão e simultaneamente encarregado do restaurante, a quantia que o pai diz pagar-lhe poder ser um misto de retribuição, participação nos lucros e generosidade parental.
Mesmo admitindo-se alguma particularidade do regime jurídico laboral do país onde exerce a sua actividade profissional (Venezuela), não se nos afigura credível que nos cinco anos de actividade ao serviço de seu pai que o autor já levava à data do acidente, não tivesse um recibo, um documento bancário, um manifesto fiscal, etc, para coadjuvar e conferir verosimilhança ao testemunho paterno.
Porque o tema é recorrente, já tivemos ensejo de nos pronunciar sobre ele em casos anteriores e por isso transcrevemos o que dissemos no Proc. nº 2347/08, também sob apelação da ré Allianz:
“(…)É tempo de os tribunais, por imperativo de cidadania, relevarem apenas os rendimentos auferidos às claras pelos lesados e não os que eles invocam apenas quando lhes convém, não obstante a sua comprovação só possa fazer-se com o contributo dos amigos e familiares.
E, à semelhança do previsto na Portaria nº377/08, de 26 de Maio, o apuramento do rendimento dos lesados há-de também reportar-se ao valor líquido auferido e fiscalmente comprovado.
Aliás e como certeiramente a ré assinala, o regime instituído por tal diploma será “letra morta” se, à revelia do rendimento fiscalmente comprovado, os tribunais continuarem a louvar-se nos rendimentos que cada um molda às suas pessoais conveniências, conforme é credor ou devedor da indemnização a arbitrar nos processos.
Como quer que seja, devendo a convicção do tribunal fundar-se na chamada “prova suficiente”, temos como seguro que a prova testemunhal produzida é absolutamente inconsistente para justificar a resposta afirmativa visada pelo autor”.
Nesta mesma linha decidiram o Ac. de 22/1/09, proferido no processo nº2739/08, e o Ac. de 5/3/09 proferido por este mesmo colectivo no Proc. nº2041/05.
Não temos nenhuma razão para mudar de opinião e consideramos mesmo que essa constância é um imperativo de justiça e equidade, sob pena de se penalizarem os titulares de rendimentos publicamente comprováveis relativamente aos titulares de rendimentos ocultos ou não declarados, do mesmo modo que assegura tratamento igualitário a todos os lesados.
“O poder judicial – refere-se naquele processo nº2739/08 – tem como dever primário a fiscalização e controlo do cumprimento estrito da legalidade, devendo aplicar a lei, na forma prescrita, postulando por uma aplicação uniforme e igualitária da mesma”.
Assim concede-se também provimento ao recurso no tocante à alteração da resposta dada ao quesito 125º que se julga “não provado”.
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Nesta conformidade resultam provados os seguintes factos:
A) No dia 14 de Maio de 2000, pelas 15,15 horas, ocorreu um acidente de trânsito na Estrada Nacional nº301, na freguesia de Lamamã, comarca de Paredes de Coura.
B) Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos: ciclomotor de matricula 1-PCR-14-97; veículo automóvel ligeiro de passageiros de matricula 49-17-MG.
C) O ciclomotor de matrícula 1-PCR-14-97 era propriedade de Maria de F. B., residente na comarca de Paredes de Coura.
D) E era, na altura da ocorrência do acidente que deu origem aos presentes autos, conduzido por Jorge Barbosa, residente na freguesia de Cristelo, comarca de Paredes de Coura.
E) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 49-17-MG, por sua vez, era propriedade de José R. F., residente na freguesia de Castanheira, comarca de Paredes de Coura.
F) E era, na altura da ocorrência do acidente que deu origem aos presentes autos conduzido por José Gomes, residente na freguesia de Castanheira.
G) A Estrada Nacional n°301, no local do sinistro, configura dois (2) entroncamentos.
H) Um desses entroncamentos é configurado pela sua margem direita, tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Paredes de Coura-Moselos, pois, por essa margem da Estrada Nacional n°.301, entronca com ela a via publica que, no sentido Poente-Nascente, dá acesso ao interior da freguesia de Lamamã.
I) E um pouco mais à frente, tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Paredes de Coura-Moselos, a uma distância de cerca de vinte e cinco (25,OO) metros deste entroncamento, a E.N. n°.301 configura, pela sua margem esquerda, um outro entroncamento.
J) Este segundo entroncamento é configurado pela via pública que, pela margem esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional n°.301. tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Paredes de Coura-Moselos, dá acesso, no sentido Nascente-Poente, ao lugar de Santa.
L) A Estrada Nacional n°.301, imediatamente antes de chegar ao local do sinistro, para quem circula no sentido Sul-Norte, ou seja, Paredes de Coura-Moselos, desenha uma curva para o seu lado direito.
M) Essa curva é seguida de um troço de recta, para quem se dirige no sentido Paredes de Coura-Moselos.
N) Esse troço de recta apresenta uma extensão de cerca cento e oitenta (180,OO) metros, no sentido Norte, ou seja, em direcção a Moselos, a partir do local do entroncamento, onde o acidente dos presentes auto s autos ocorreu.
O) A Faixa de rodagem da E.N. nº301, no local do sinistro, tem uma largura de 4,90 metros.
P) O seu piso era, como é, pavimentado a asfalto.
Q) O tempo estava bom e seco.
R) A faixa de rodagem da via pública que entronca com a Estrada Nacional n°.301, pela sua margem direita, tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Paredes de Coura – Moselos, tem uma largura de 4,50 metros.
S) No entanto, à medida que se aproxima da faixa de rodagem da Estrada Nacional a faixa de rodagem dessa via que dá acesso ao interior da freguesia de Lamamã, alarga-se progressivamente, em forma de leque, através de curvas de concordância.
T) De tal modo que, no preciso local da confluência com a faixa de rodagem da Estrada Nacional n°.301, a faixa de rodagem dessa via apresenta uma largura de cinquenta (50,00) metros.
U) Correspondendo uma largura de vinte e cinco (25,OO) metros a cada uma das suas hemi-faixas de rodagem, divididas por um ilhéu direccional circular, ali existente, no preciso local do referido entroncamento.
V) E, fixo em suporte vertical, sobre esse ilhéu direccional circular, existia à data do acidente, como existe na presente data, um sinal de forma octogonal, com a sua orla pintada a cor branca e com o seu fundo vermelho, sobre o qual se encontrava pintada a cor branca a inscrição “STOP”:Sinal B2 – Paragem Obrigatória na Intersecção.
X) Para quem circula pela E.N. 301, no sentido Sul-Norte, Paredes de Coura-Moselos, existiam à data da ocorrência do acidente, como existem, ainda, fixos em suporte vertical, na sua margem direita, tendo em conta o indicado sentido de marcha, pelo menos, os seguintes sinais de trânsito: 1 – a uma distância de trinta (30) metros, uma zona de traços brancos, pintados sobre a faixa de rodagem, no sentido paralelo em relação ao eixo divisório da faixa de rodagem: Marca M11 – Passagem para peões; 2 – a esta mesma distância de trinta (30) metros, fixo em suporte vertical, um sinal quadrangular, com fundo pintado a cor azul, sobre o qual se encontra, um triângulo, pintado a cor branca e sobre este triângulo uma figura humana, pintada a cor preta, de forma estilizada, sobre uma zona tracejada a preto: Sinal H7 – Passagem para peões.
Z) Foi o ligeiro de passageiros de matrícula 49-17-MG que embateu contra o ciclomotor de matrícula 1-PCR-14-97.
AA) Momentos antes da ocorrência do acidente que deu origem aos presentes autos, o ciclomotor 1-PCR-14-97 transitava pela via pública que entronca com a Estrada Nacional n°301, pela sua margem direita, tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, P. Coura-Moselos e que, no sentido Poente-Nascente, dá acesso, da Estrada Nacional n°, 301, ao interior da freguesia de Lamamã.
AB) Como passageiro, seguia no referido ciclomotor, sentado no respectivo assento, atrás do condutor o A. na presente acção: F. F. F.
AC) O ciclomotor 1PCR desenvolvia a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, do interior da freguesia de Lamamã em direcção à Estrada Nacional nº.301.
AD) O seu condutor Jorge Barbosa pretendia entrar com o ciclomotor 1PCR-14-97 na faixa de rodagem da Estrada Nacional n°.301, efectuar a manobra de mudança de direcção à sua esquerda e prosseguir a sua marcha, através da Estrada Nacional no sentido Norte-Sul, em direcção ao centro urbano desta vila de Paredes de Coura.
AE) Momentos antes da ocorrência do acidente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros 49-17-MG seguia pela Estrada Nacional n°301.
AF) Desenvolvia a sua marcha no sentido Sul-Norte, ou seja, Paredes de Coura-Moselos, inicialmente pela metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº.301, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha.
AG) Entrou na curva descrita para o seu lado direito, tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Paredes de Coura-Moselos, e que precede o local do entroncamento onde ocorreu o sinistro;
AH) O seu condutor apenas conseguiu imobilizar o seu veículo, totalmente fora da faixa de rodagem da Estrada Nacional n°.301, a uma distância de 26,40 metros, após o local da colisão, pelo lado esquerdo desta via e fora da sua faixa de rodagem, sobre a faixa de rodagem da via pública que com ela entronca por esse lado e que dá acesso ao lugar de Santa, desta comarca de Paredes de Coura e já fora da Estrada Nacional n°.301.
AI) Para a primeira ré – “FIDELIDADE, SA” – encontrava-se transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo ciclomotor de matrícula 1-PCR-14-97, através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº5.929.606, em vigor à data da ocorrência dos factos.
AJ) E para a segunda ré – ALLIANZ PORTUGAL (ex “PORTUGAL PREVIDENTE, S.A.”) encontrava-se transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel de matrícula 49-17-MG, através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº. 000366385, em vigor à data da ocorrência dos factos.
AL) O A. contava, à data da ocorrência do acidente, (31) anos de idade, pois nasceu no dia 20 de Maio de 1969.
AM) O Jorge Fernandes Barbosa faleceu em 19/05/2000.
AN) No estado de solteiro.
AO) Não deixou descendentes nem ascendentes.
AP) Deixou os seguintes irmãos vivos: José F. B., casado; Maria A.; E. F. Barbosa, casada; F. F. B., solteiro; M. F., solteiro; N. F. B., casada; J. F. Barbosa, casada e A. F. Barbosa, casada.
AQ) O condutor do ciclomotor conhecia bem o local onde ocorreu o embate.
AR) Do acidente resultaram ferimentos graves no condutor do ciclomotor Jorge Fernandes Barbosa.
AS) Que acabou por falecer como consequência directa desses ferimentos sofridos, devido a traumatismo crânio-encefálico.
AT) O Jorge Barbosa era o mais novo de 9 irmãos.
- Constantes das respostas à matéria da base instrutória:
(Acção nº 197/02)

1) No local do sinistro apenas se consegue avistar a faixa de rodagem da E.N.301, em toda a sua largura, no sentido Sul, ou seja, em direcção a Paredes de Coura, ao longo de uma distância de cerca de 50 metros. Com o esclarecimento de que são avistáveis os veículos que circulam de Sul para Norte numa distância de cerca de 80 metros. -Quesito 5º
2) Quem circula pela Estrada Nacional n°.301, no sentido Sul-Norte, ou seja, Paredes de Coura-Moselos, apenas consegue avistar a faixa de rodagem da Estrada Nacional n°. 301, em toda a sua largura, em direcção ao local do sinistro, ao longo de uma distância de cerca de 50 metros. Com o esclarecimento de que são avistáveis os veículos que circulam nesse local do embate, e que provenham do entroncamento de onde saiu o 1PCR, numa distância de cerca de 80 metros. -Quesito 6º
3) Quem circula pela Estrada Nacional n°.301 no sentido Sul-Norte ou seja, Paredes de Coura-Moselos, consegue aperceber-se da existência e da presença do referido entroncamento. -Quesito 7º
4) O local onde se deu o sinistro fica situado dentro da área habitacional e urbana da Vila de Paredes de Coura, junto à escola secundária (EB 2/3) dessa vila e, em frente à embocadura do entroncamento onde se deu esse acidente, existe uma esplanada de café, que na altura comportava algumas pessoas. -Quesitos 9º a 16º inclusive
5) Para quem circula pela Estrada Nacional nº.301, no sentido Sul-Norte, ou seja, Paredes de Coura-Moselos, existiam à data do acidente, como existem na presente data, fixos em suporte vertical, na sua margem direita, tendo em conta o indicado sentido de marcha, para além dos sinais referidos em X), também os seguintes sinais de trânsito: 1-um sinal de forma triangular, com a orla pintada a cor vermelha, com o fundo branco, sobre o qual se encontrava pintado a cor branca, de forma estilizada, um “ponto de admiração” (“!”) Sinal A29- Outros perigos; 2- um sinal de forma triangular, com a orla pintada a cor vermelha e o fundo branco, sobre o qual se encontra pintada a cor preta uma figura humana, de forma estilizada; Sinal A16 – Travessia de Peões; 3- fixo no mesmo suporte vertical, por debaixo do sinal descrito no numero anterior, um sinal de forma circular, com a orla pintada a cor branca, com o fundo branco, sobre o qual se encontra pintada a cor preta a inscrição «50» Sinal C3 - Proibição de Exceder a Velocidade Máxima de Cinquenta K/h; 4- um sinal de forma triangular, com a orla pintada a cor vermelha, com o fundo branco, sobre o qual se encontra pintada a cor preta uma seta com a sua parte ponteaguda virada para o ar, e sobre essa seta, pintada também a cor preta, uma barra, mais estreita, na posição horizontal; 5- um sinal de forma triangular, com a orla pintada a cor vermelha, com o fundo branco, sobre o qual se encontram pintadas a cor preta, de forma estilizada, duas silhuetas de criança: Sinal A14 Crianças (Escola); 6- um sinal de forma quadrangular, com as seguintes inscrições e figuras na sua base: “ZONA ESCOLAR”: no seu canto superior esquerdo: uma silhueta de criança, com uma bola na ponta do esquerdo; no seu canto inferior esquerdo: uma figura de construção de uma casa, com a inscrição “ESCOLA”; ao seu centro: um sinal triangular, com um ponto de admiração ao meio, indicativo de “Perigos Vários”; no seu canto superior direito: uma figura de um veículo automóvel com sinais de derrapagem, indicativo de piso escorregadio; no seu canto inferior direito: duas figuras de criança, de forma estilizada, com as respectivas pastas ou sacolas escolares ao ombro: “CRIANÇAS-ESCOLA”. -Quesito 17º
6) O condutor do ligeiro de passageiros, José Gomes, residia à data da ocorrência do acidente, e sempre residiu, e reside ainda, na presente data, na freguesia de Castanheira, desta comarca. -Quesito 18º
7) Passa quase diariamente no local onde se deu o sinistro. -Quesito 19º
8) Ao chegar ao local em que a via por onde circulava entronca com a E.N. 301, o condutor do veículo 1PCR imobilizou a sua marcha. -Quesito 28º
9) Com o ciclomotor de matrícula 1-PCR-14-97 encostado ao eixo divisório da faixa de rodagem da via de onde provinha e junto ao ilhéu de forma circular ali existente. -Quesito 29º
10) E de forma a dar a sua esquerda, e a esquerda do ciclomotor que tripulava ao ilhéu direccional de forma circular ali existente. -Quesito 31º
11) O condutor do 1PCR arrancou, entrando com este veículo na metade direita da E.N. 301, atento o sentido de marcha Paredes de Coura/Moselos. -Quesito 36º
12) Após efectuar a manobra referida na resposta ao quesito 36º, e até ser embatido pelo veículo MG, o condutor do 1PCR não imobilizou a sua marcha. -Quesitos 38º, 39º e 40º
13) O veículo 49-17-MG circulava a uma velocidade de cerca de 100 Km/h. -Quesito 51º
14) Foi só depois de sair e desfazer a curva que precede o local do sinistro, quando se encontrava a cerca de 13,50 do local onde se deu o embate, que José Gomes accionou os travões do veículo MG. -Quesito 56º
15) O veículo MG seguiu de rastos, numa trajectória a derivar da hemi-faixa direita para a hemi-faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha, até ficar imobilizado nas condições referidas na alínea AH) da matéria assente. -Quesitos 57º a 61º inclusive
16) Apenas conseguindo imobilizar a sua marcha depois de ter deixado, marcados no pavimento, rastos de travagem, com uma extensão 40 metros. -Quesito 62º
17) O embate deu-se na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veículo MG, já próximo do eixo da via. -Quesito 63º
18) O embate deu-se entre a frente do MG e a frente e lateral esquerda do 1PCR. -Quesito 64º
19) Em consequência do embate o 1PCR foi projectado no sentido Norte, vindo a imobilizar-se a uma distância de 44,20 metros. -Quesitos 65º e 66º
19-A) O condutor do ciclomotor não era titular de qualquer licença de condução que o habilitasse a conduzir o referido veículo. – Quesito 74º.
20) A via, atento o sentido de circulação que o ciclomotor tomou, era ligeiramente ascendente. -Quesito 75º
21) O ciclomotor em causa é um veículo com caixa automática e embraiagem eléctrica. -Quesito 76º
22) Devido ao embate, o ciclomotor 1PCR não logrou alcançar a hemi-faixa da direita da E.N. 301, atento o sentido Moselos/Paredes de Coura, como era sua intenção no desenvolvimento da manobra que pretendia efectuar. -Quesito 77º
23) O condutor do MG accionou o sistema de travagem deste veículo, e o que consta das respostas aos quesitos 56º e 57º a 61º. -Quesitos 79º e 80º
24) Como consequência directa e necessária do acidente, resultaram para o A. as seguintes lesões: a) feridas incisas na região do cotovelo esquerdo, b) traumatismo craniano, c) escoriações no crânio, ao nível da região frontal e parietal, d) traumatismo do joelho esquerdo, e) lesão do ligamento cruzado posterior esquerdo, f) fractura do colo do quinto (5°) metacarpiano, g) fractura de dois dentes incisivos superiores, h) escoriações e hematomas espalhados pelo corpo todo. -Quesito 86º
25) Foi transportado de ambulância para o Centro de Saúde de Paredes de Coura, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, tendo-lhe, nomeadamente, sido feita lavagem cirúrgica às feridas sofridas. -Quesito 87º
26) E suturadas as feridas sofridas, com pontos de seda, num total de setenta (70,00). -Quesito 88º
27) E ministrados medicamentos vários, nomeadamente analgésicos e anti-inflamatórios, que se viu na necessidade de ingerir. -Quesito 89º
28) E curativos às lesões sofridas, nomeadamente com aplicação de betadine. -Quesito 90º
29) Foi transferido, no próprio dia da ocorrência do acidente, para o Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo. - Quesito 91º
30) Onde lhe foram efectuados exames radiológicos às regiões: do joelho esquerdo, do 5º metacarpiano esquerdo, da mão esquerda e da bacia. – Quesito 92º
31) E diagnosticada fractura do colo do 5º metacarpiano esquerdo. – Quesito 93º
32) Feita imobilização desse 5º metacarpiano esquerdo, com a aplicação de uma tala engessada – Zimmer. – Quesito 94º
33) Foi-lhe aplicado um aparelho de gesso na região do joelho do membro inferior esquerdo. – Quesito 95º
34) Foram-lhe ministrados medicamentos vários, nomeadamente, analgésicos e anti-inflamatórios. - Quesito 96º.
35) No próprio dia da ocorrência do acidente, o A. teve alta hospitalar e regressou a sua casa, residência de férias em Portugal, sita no lugar de Penegate, freguesia de Cristelo, comarca de Paredes de Coura, onde se manteve combalido e retido no leito, ao longo de um período de tempo de duas semanas. -Quesito 97º
36) Durante este período de convalescença, o A. apenas saiu da cama para se dirigir ao Centro de Saúde de Paredes de Coura, de dois em dois dias, para lhe serem, como foram, efectuados curativos. -Quesito 98º
37) No dia 29 de Junho de 2000, o A dirigiu-se, novamente, ao Hospital de Santa Luzia, onde lhe foram retirados o aparelho de gesso e a tala gessada ZIMMER. -Quesito 99º
38) Nos dias 2 de Agosto e 4 de Outubro de 2000, o A. dirigiu-se, mais uma vez, ao Hospital de Santa Luzia, onde lhe foi efectuada uma pequena cirurgia, para extracção de corpos estranhos vidros -, que se encontravam alojados na cicatriz do cotovelo esquerdo na sequência do acidente. -Quesito 100º
39) O A. dirigiu-se, também, a “NOBICLÍNICA – Clínica Dentaria, Lda.”, com sede na vila de Paredes de Coura, onde foi consultado e lhe foi diagnosticada a fractura dos dois dentes incisivos superiores, também em consequência do acidente dos presentes autos. – Quesito 101º
40) Fez, aí, exames radiológicos. – Quesito 102º
41) Tendo-lhe sido arrancados os dois dentes fracturados. - Quesito 103º
42) E aplicada uma prótese dentária fixa, de quatro elementos. – Quesito 104º
43) No dia 21 de Agosto de 2000, o A. foi submetido a uma consulta da especialidade de ortopedia, no Hospital Conde de Bertiandos de Ponte de Lima. -Quesito 105º
44) No dia 6 de Setembro de 2000, foi submetido a uma consulta da especia1idade de Estomatologia no Centro de Saúde de Valença. -Quesito 107º
45) Foi submetido a tratamento fisiátrico na “Clínica de Reabilitação do Vale do Lima, Lda.”, para recuperação funcional. -Quesitos 108º e 109º
46) E viu-se na necessidade de usar um par de canadianas, como auxiliar de locomoção, ao longo de um período de cerca de três meses. -Quesito 110º
47) No momento do acidente, e nos instantes que o precederam, o A. sofreu um enorme susto. -Quesito 111º
48) O A. sofreu dores muito intensas nas regiões do corpo atingidas, nomeadamente, ao nível do joelho esquerdo, do braço esquerdo, da fronte, da anca e do crânio. -Quesito 113º
49) Essas dores afectaram o A., ao longo de um período de tempo de seis meses. – Quesito 114º
50) Ainda actualmente o afectam, sempre que movimenta ou faz força com as regiões do joelho e do quinto metacarpiano esquerdos. – Quesito 115º
51) E, invariavelmente, nas mudanças climatéricas, nessas mesmas regiões do seu corpo. – Quesito 116º
52) Os aparelhos de gesso aplicados ao A causaram-lhe comichões e, até, dores. -Quesito 118º
53) Como sequelas relacionáveis com o acidente dos autos, o F. F. apresenta: prótese fixa dos dois incisivos superiores; no membro superior esquerdo: cicatriz de 6x4 cm no cotovelo; três cicatrizes de 1x1 cm no antebraço; calo vicioso do metacarpiano do 5º dedo, com dificuldade ligeira de preensão; no membro inferior esquerdo: rigidez e gonalgia incapacitante, com edema e com ressalto ao exame físico; dificuldade em correr e em saltar. -Quesito 119º
54) Não era conhecida ao autor qualquer doença incapacitante, deformação ou deficiência física. -Quesito 120º
55) Os factos descritos nos precedentes quesitos causam-lhe um profundo desgosto. -Quesito 121º
56) As lesões sofridas e sequelas delas resultantes determinaram-lhe um período de incapacidade temporária geral de 140 dias. -Quesito 122º
57) Ficou com um período de incapacidade absoluta para o trabalho de 170 dias. -Quesito 123º
58) E com uma IPP de 15%. -Quesito 123º-A
59) Encontrava-se, como se encontra, a residir, habitualmente na Venezuela, país onde exercia à data da ocorrência do acidente, como exerce na presente data, a profissão de encarregado por conta do restaurante pertencente ao pai e que ele auxilia na exploração desse estabelecimento. -Quesito 124º.
60) (eliminado).
61) O restaurante trabalha todos os dias da semana. -Quesito 129º
62) Durante o referido período de tempo de doença, o A. deixou de auferir os rendimentos correspondentes ao seu trabalho. -Quesito 130º
63) No exercício da sua actividade profissional, o A. recebe os clientes no restaurante em que trabalha, e conduz os mesmos às respectivas mesas. -Quesito 131º
64) O autor desenvolvia sem qualquer dificuldade a sua profissão, e a IPG de que ficou portador, de 15%, é compatível com o exercício da sua actividade, implicando porém esforços suplementares, o que justifica a incapacidade profissional fixada na resposta ao quesito 123º-A. -Quesitos 133º a 138º
65) Em virtude do acidente o A. efectuou as seguintes despesas: a) em consultas médicas gastou 300$00, b) em medicamentos 4.120$00, c) em taxas moderadoras 4.150$00, d) no custo de uma prótese dentária 215.000$00, e) no custo de uma viagem de avião do Porto para Caracas, no mês de Novembro de 2000, 1.400 Dólares Americanos, f) no custo de um (1) almoço no restaurante, 3.710$00, em deslocações de automóvel particular, € 124,70. -Quesito 145º
66) As peças de vestuário, calças e camisa, que trazia vestida e os sapatos que calçava, ficaram destruídos. -Quesitos 146º e 147º
67) É provável que o autor tenha de proceder à substituição da prótese dentária que aplicou no seu maxilar superior. -Quesito 156º
68) Caso essa probabilidade venha a ter confirmação, o autor vai ter de suportar as despesas inerentes a essa substituição. -Quesito 157º
69) Tudo isso para atenuar as lesões decorrentes do acidente. -Quesito 160º
70) Na proposta de seguro do contrato referido em AI) da matéria assente, na parte relativa às características do veículo, fez-se constar “Nº Lug. 01”. -Quesito 161º
71) Um veículo com as características do 1 PCR, devido à pouca potência do seu motor, torna-se mais lento ao transportar um passageiro. -Quesitos 165º e 166º

Do apenso 103.03.0

72) O piso da EN 301 encontrava-se em razoável estado de conservação. -Quesito 167º
73) O condutor do ciclomotor esteve internado no hospital durante 5 dias, politraumatizado, com traumatismo crânio encefálico. -Quesito 170º
74) Sujeito a intensos tratamentos hospitalares por equipas médicas especializadas. -Quesito 171º
75) Os irmãos mais velhos viam no falecido Jorge o irmão querido da família. -Quesito 172º
76) Sendo sempre acompanhado de perto por todos. -Quesito 173º
77) Entre os irmãos havia um carinho, estima e muita admiração pelo Jorge. -Quesito 174º
78) O Jorge era muito querido pelos familiares, amigos e vizinhos. -Quesitos 175º, 176º e 177º
79) A morte do Jorge foi para os irmãos muito sentida. -Quesito 178º
80) O Jorge tinha namorada. -Quesito 183º
81) Era um indivíduo alegre e feliz, não lhe eram conhecidas doenças. -Quesitos 184º, 185º e 186º.
82) O Jorge não estava habituado a conduzir o ciclomotor, sendo a primeira vez que o conduzia – Quesitos 187º e 188º.
83) Após ter imobilizado a sua marcha, o 1PCR efectuou a manobra referida na resposta ao quesito 36º em trajectória oblíqua, para a sua esquerda, relativamente ao eixo da via. -Quesitos 189º e 190º
84) Até ao local da colisão, o MG deixou um rasto de travagem de cerca de 13,50 metros. -Quesito 195º.
***
Sobre a culpa dos condutores:
Não obstante o decidido sobre a alteração da matéria de facto, pensamos que os factos aditados nenhuma incidência podem ter sobre a definição da culpa dos condutores intervenientes, pois que a violação da regra da prioridade ou a entrada irregular na faixa de rodagem não são apanágio dos principiantes…
Quer o exposto dizer que os factos que serviram para definir a culpa na primeira instância são exactamente os mesmos que agora nos cumpre considerar.
Alega a recorrente que o excesso de velocidade do veículo seu segurado não é causal do sinistro, o qual ficou a dever-se a conduta negligente do infeliz Jorge Barbosa.
Sem dúvida que a “velocidade excessiva” é o saco sem fundo das estatísticas da sinistralidade rodoviária onde são despejados todos os sinistros sem explicação objectiva óbvia, pois não se podendo provar que o condutor ia desatento, foi imperito ou vítima de acção de terceiro ou das condições do veículo ou da via, então, se embateu ou se despistou, foi porque não parou no espaço livre e visível à sua frente.
A jurisprudência tem contido a diabolização de tal conduta a limites razoáveis, obviando ao branqueamento de outras condutas tanto ou mais prejudiciais para a segurança rodoviária do que a infracção dos limites de velocidade.
Não alinha em tal corrente a sentença sob recurso que imputou ao condutor do ligeiro 80% da responsabilidade pelo sinistro, enquanto que o condutor do sinistrado que desrespeitou um sinal de STOP e depois entrou na via em diagonal, sendo colhido em contramão, teria sido responsável na proporção de 20%.
Não sufragamos a repartição feita pelo tribunal a quo da responsabilidade dos condutores e desde já adiantamos que por elementar imperativo ético não nos acolheremos no refúgio que o legislador edificou no nº 2 do artigo 506º do CC, porque não temos dúvida de que pela morte do inditoso Jorge Barbosa e pelas lesões do seu sobrinho e ora autor, ele foi o principal responsável.
Principal mas não único, assim se enjeitando também a tese da recorrente.
É inquestionável que ambos os condutores infringiram regras estradais e por isso a aferição da culpa do sinistro tem de fazer-se com base na implicação de cada uma das condutas ilícitas no respectivo processo causal, bem podendo vir a concluir-se que o acidente teria ocorrido sempre, tivesse ou não havido conduta ilícita de um dos intervenientes.
Como lapidarmente se refere no Ac. do STJ de 2/12/08 (Salazar Casanova) “no plano de um juízo atinente à causalidade adequada, a conduta ilícita culposa do sinistrado que invade a faixa de rodagem, implicará a ideia de exclusividade causal naqueles casos em que ocorre uma interrupção súbita do percurso normal do veículo que circula em condições normais de respeito das regras de trânsito”.
Ora, não se verificava no caso sub judicio este pressuposto, porquanto o veículo MG circulava ao dobro da velocidade que lhe era permitida.
Significa o exposto que essa velocidade excessiva implica automaticamente a co-responsabilização do respectivo condutor?
A resposta consta também do mesmo acórdão ao acrescentar:
“No entanto, quando tal não ocorre, então a consideração da causalidade adequada não pode ser afastada, provada a sequência causal no plano naturalístico, a não ser que se demonstre que, independentemente da violação da regra estradal (…) sempre a colisão ocorreria naqueles precisos termos, recaindo sobre o agente que incorreu no facto ilícito o ónus da prova destinada a ilidir a presunção de culpa”.
Consequentemente a absolvição visada pela recorrente pressupunha que tivesse sido alegado e provado que o sinistro sempre teria ocorrido mesmo que o MG circulasse a 50kms/hora.
E a essa velocidade, a fazer fé na tabela invocada pela recorrente, o veículo MG só precisava de 22 metros para parar, o que era mais do que suficiente para que a colisão não ocorresse.
Mas, como já dissemos, era ao condutor do ciclomotor que cumpria, em primeira linha, só entrar na faixa de rodagem depois de se certificar que isso não causaria perigo para a circulação automóvel, pois o sinal colocado no entroncamento da estrada de que procedia (B2) obrigava-o a parar antes de entrar e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via onde vai entrar.
Ora, para além de ter infringido essa regra elementar, o condutor do ciclomotor violou também o disposto no nº2 do artigo 44º do CE como certeiramente se refere na sentença ao escrever-se:
Ora, se atendermos às características do IPCR (veículo com caixa automática e embraiagem eléctrica), o número de pessoas que transportava (2), que a via se lhe apresentava com ligeiro ascendente, que a sua entrada na E.N.301 se verifica de forma enviesada relativamente ao seu eixo e a distância que este ciclomotor percorreu nessa via até ser embatido, que deve rondar os 5/6 metros (o embate deu-se próximo do eixo; a estrada tem 4,90 de largura, o IPCR não andou perpendicularmente a esse eixo (cfr. croqui de fls. 255), e que este veículo tinha acabado de reiniciar a sua marcha, após se ter imobilizado junto ao STOP existente na via de onde provinha, junto ao entroncamento, sendo evidente a sua reduzida capacidade de arranque e desenvolvimento do andamento, nomeadamente nessas circunstâncias, é perfeitamente plausível extrair-se a conclusão de que o IPCR terá iniciado a sua manobra de penetração na E.N.301 mais ou menos ao mesmo tempo que o MG surgiu no local da via onde a vista do seu condutor alcançava.
Conjugando todos estes factores somos levados a concluir que o surgimento dos veículos no troço da E.N.301 em que os seus condutores se poderiam alcançar visualmente é praticamente simultâneo, não sendo expectável para qualquer deles a presença do outro a circular nessa estrada”.
(é nosso o sublinhado).
Subscrevemos integralmente o entendimento do tribunal recorrido, mas divergimos dele decisivamente quanto à repartição de culpas porque:
- O condutor do ciclomotor não cedeu a passagem ao MG a que a lei o obrigava;
- Nem entrou na via na perpendicular como a lei lhe impunha, pois tendo percorrido 5/6 metros na faixa de rodagem (com uma largura de 4,90m) ainda não tinha sequer atingido o eixo da via.
- Por fim, decorre da passagem transcrita que, enquanto o condutor do MG procurava fugir para a sua esquerda, o condutor do ciclomotor, por distracção ou temeridade, prosseguiu a marcha ao encontro do embate fatídico.
Consequentemente, somos de opinião que a responsabilidade do infeliz Jorge Barbosa pelo sinistro não deve ser fixada em menos de 70%, ou seja, a responsabilidade do condutor do MG deve ser fixada em 30%.
***
Sobre o montante da indemnização:
Pela IPP:
Ao autor foi diagnosticada uma IPP de 15% que não tem rebate sobre a actividade profissional por ele exercida, mas implica esforços suplementares (fls 369).
Sobre este mesmo tema várias têm sido as decisões proferidas por este Colectivo em situações equivalentes cuja consideração não pode deixar de ter lugar em ordem a assegurar uma aplicação equitativa do Direito.
Para tal efeito temos entendido que, mais do que convocar fórmulas financeiras e bases de cálculo sofisticadas que a prática revela tão falíveis quanto contingentes, se reputa útil a ponderação de casos análogos tratados pela Jurisprudência, satisfazendo assim um desiderato de justiça que aos tribunais cumpre assegurar.
Nesse quadro e renovando a transcrição feita no acórdão de 5/3/09 (Apelação nº2041/05) serve-nos de referência o seguinte elenco de decisões:
“Assim por exemplo o Ac. do STJ de 13/1/05 considerou adequada a indemnização de €109.740,00 para ressarcir os danos futuros do lesado (…) que, tendo 17 anos, auferia o vencimento anual de €6.600,00 e ficou com uma I.P.Total.
O mesmo tribunal noutro Ac. de 13/1/05 considerou que se justifica a indemnização a título de danos futuros no montante de €12.600,00 a favor do lesado, com 50 anos e meio à data da alta médica e que auferia €436,22 mensais, que sofreu uma IPP de 15%.
“É correcta a indemnização a título de perda da capacidade de ganho de €12.469,95 a um lesado que na altura do acidente tinha 16 anos, auferia 54.600$00 e ficou com uma IPP de 9,75%” decidiu o Ac. do STJ de 3/2/05.
“Provando-se que o A., à data do acidente era estudante com 22 anos e ficou com uma IPP de 22% é adequado fixar a indemnização a título de danos patrimoniais futuros em €42.397,82” – Ac. de 15/2/05.
O Ac. do STJ de 12/4/05 considerou adequada a indemnização de 6.805.175$00 pelo mesmo título a favor do lesado com 20 anos (à data do acidente) que auferia 59.800$00 e ficou com IPP de 25%.
O Ac. do STJ de 29/6/05 considerou também adequada a indemnização de €35.391,90 para um lesado de 41 anos que auferia €9.437,84 anuais e sofreu IPP de 15% e o de 22/9/05 fixou em €30.000,00 a indemnização a favor de um jovem de 19 anos que auferia €304,71 mensais e sofreu IPP de 35% ainda que compatível com o exercício da sua profissão.
Em 11/10/05 o STJ arbitrou €44.891,81 a favor de outro jovem de 18 anos que frequentava o 12º ano de escolaridade e ficou a padecer de IPP de 32,5% e €35.444,38 a favor de trabalhador de 47 anos que sofreu IPP de 35%.
Em 3/11/05 fixou em 4.500.000$00 os danos futuros a um lesado de 21 anos que auferia o SMN e ficou afectado de 25% de incapacidade.”
(…)
Em acórdão do STJ de 17/6/08 (disponível, tal como os demais adiante citados no site da dgsi) considerou-se equitativa a indemnização de €28.500 por danos futuros a favor de pessoa com 32 anos (na data do acidente) que auferia 423,44 €/mês e sofreu uma IPP de 20%; o mesmo acórdão arbitrou 37.000€ a favor de outro sinistrado de 36 anos, que auferia 500€ e sofreu IPP de 25%.
Já o Ac de 15/5/08 do mesmo tribunal fixou €25.000 a lesado de 44 anos que auferia 490 euros e sofreu IPP de 16%; o acórdão de 4/10/07 julgou equitativa a indemnização de €38.212 a sinistrado de 41 anos que auferia €1705/mês e ficou com IPP de 10% e o acórdão de 10/5/07 (todos da mesma secção) arbitrou €12.131 por danos sofridos por pessoa de 39 anos que auferia €500/mês e sofreu IPP de 8%.
Por fim o acórdão de 4/12/07 fixou tal segmento da indemnização em €75.000 a favor de jovem de 23 anos que auferia 205.000$00/mês e sofreu como o autor uma IPP de 10%!”
Sopesando tais valores e os fixados em jurisprudência mais recente do mesmo Tribunal, fixámos ao sinistrado e autor no aludido processo (2041/05) a indemnização de €50.000,00, relevando o facto de ter 42 anos à data do sinistro, auferir o SMN e ter ficado com uma IPP de 31,7% que lhe determinava a incapacidade para exercer a sua actividade profissional habitual.
A própria recorrente propõe tal valor na sua minuta.
Concede-se que no caso vertente a idade do autor (31 anos à data do sinistro) representa um factor de relevo relativamente ao autor daquele processo mas, felizmente para ele, também a circunstância de a sua incapacidade ser (quase) residual e, sobretudo, de não o impedir de desenvolver a sua actividade profissional habitual, é razão mais do que suficiente para que se equiparem as situações, adoptando-se o valor proposto, seguramente dentro dos parâmetros por que nos temos regido.
Por conseguinte, julga-se procedente o recurso no tocante ao valor da IPP arbitrado que se reduz para €50.000.
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Danos não patrimoniais:
Sem embargo do dano estético e do quantum doloris sofrido pelo autor, também neste âmbito vimos entendendo que a quantificação dos danos não patrimoniais terá sempre de ser feita por referência ao valor jurisprudencialmente adoptado para o ressarcimento do dano morte.
Na mesma decisão sob recurso foi fixada em €50.000,00 a indemnização pela lesão do direito à vida do condutor do ciclomotor, acolhendo o valor peticionado pelos seus herdeiros, mas reportando-o à data da sentença.
Tal valor está alinhado pelo valor médio fixado nas decisões do STJ (vg. Ac. de 10/7/08, Fonseca Ramos), não tendo de resto merecido censura nem aos autores do processo apenso nem à recorrente Allianz, mesmo no que tange ao modo de actualização.
E é precisamente na ponderação de tais valores que a jurisprudência do Supremo Tribunal vem consagrando - com a natural oscilação decorrente das especificidades de cada caso ou porventura da sensibilidade própria de cada julgador - que há-de construir-se o juízo equitativo para que aponta o nº3 do artigo 496º do CC.
Só que, estando tais valores conexionados entre si, seria incoerente que um deles se fixasse em relação a um determinado momento temporal e o outro que lhe serve de referência adoptasse um momento diferente.
E sabendo-se da enorme evolução sofrida pela jurisprudência na última década neste domínio, no tocante aos montantes arbitrados pelo dano corporal ou biológico e pela lesão do direito à vida, seria incongruente adoptar os valores actuais e depois operar a sua actualização desde a citação (quantas vezes ocorrida cinco e mais anos antes).
A indemnização arbitrada na sentença afigura-se-nos ajustada em abstracto ao quadro de sofrimento e aos constrangimentos assinalados na sentença, até mesmo porque não foi relevante o período de clausura hospitalar.
Julgamos no entanto que, cabendo valorar em concreto a situação vivida pelo autor, não podemos deixar de assinalar que o episódio do acidente e todo o período de convalescença e tratamentos a que foi submetido, ocorre a milhares de quilómetros do seu meio familiar o que deve justificar a majoração do valor da indemnização concedida, acolhendo-se neste particular aspecto o valor por ele próprio peticionado, posto que reportado à data da decisão.
Dá-se por isso provimento nessa parte ao recurso interposto pelo autor e fixa-se a indemnização a título de danos não patrimoniais no montante de €15.000,00.
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Actualização e modalidade da obrigação:
No ponto anterior já justificámos a questão da actualização por, como é óbvio, estar naturalmente imbrincada com o próprio montante fixado: este será diverso conforme se considere reportado ao momento da citação ou ao da sentença.
Resta dizer que não surpreendemos na decisão sob recurso o propósito de subtrair a condenação proferida ao regime da solidariedade fixado nos artigos 512º e segs. aplicável ex vi do artigo 497º, todos do Código Civil.
Ainda assim a discriminação dos valores a cargo de cada uma das rés, apurados em função da respectiva quota de responsabilidade, comporta alguma equivocidade que agora se corrige.
E, por fim, assinala-se que na sentença proferida (fls 663) foram justificados os valores arbitrados a favor dos autores do processo apenso (103/03), sendo fixada em €50.000,00 a compensação pela perda do direito à vida do condutor do ciclomotor interveniente, Jorge Fernandes Barbosa, e em €60.000,00 os danos não patrimoniais daqueles autores seus irmãos, à razão de €7.500,00 para cada um.
Porque os autores apenas tinham demandado a seguradora Allianz e não também a Fidelidade, esclareceu-se na fundamentação que “pelo pagamento dos montantes fixados (…) é responsável a ré Allianz Portugal, na proporção da responsabilidade do veículo seu segurado no deflagrar do acidente.
Só que na parte decisória a ré Allianz foi condenada na totalidade do montante indicado e não de acordo com a proporção da responsabilidade como se fizera anunciar.
Tratar-se-á, porventura, de um lapso material a remediar em sede própria, dado que no que tange à decisão atinente ao processo apenso não foi interposto recurso, ainda que, naturalmente, sobre ela devesse repercutir-se a repartição de responsabilidades atrás operada (caso tal decisão tivesse sido impugnada).
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Sobre a não formulação atempada de conclusões:
A recorrente Allianz, na esteira do que vem fazendo noutros processos, não formulou conclusões, ficando a aguardar o convite a suprir tal falta que a própria qualifica como exercício de uma faculdade legal porquanto a lei obriga o relator a endereçar-lhe tal convite.
Como escrevemos no acórdão nº2347/08 a propósito deste entendimento e prática da recorrente, a falta deliberada em que incorre deve ser tributada pela seguinte ordem de considerações que agora se renovam:
(…) Muito embora a apresentação de alegações por parte do recorrente seja uma faculdade cujo não exercício acarreta a deserção, é entendimento consensual na jurisprudência que, ainda assim, deve ser tributada como incidente, porquanto retardou o trânsito em julgado da decisão.
Ora a falta de conclusões tem sobre a marcha do processo um efeito bem mais significativo, pois obriga à notificação da parte faltosa e à audição da parte contrária, justificando-se assim a sua tributação nos mesmos termos, residindo porventura nessa circunstância a equiparação operada pelo DL 303/07 entre a falta de alegação e a falta de conclusões (alínea b do nº2 do artigo 685º-C).
A diferenciação agora operada entre a falta de conclusões e a sua deficiência é perfeitamente lógica e plenamente justificada, pois enquanto a primeira obriga necessariamente a que se convide o recorrente faltoso a apresentá-las, a mera deficiência ou complexidade pode ser suprida oficiosamente as mais das vezes com vantagem, pois por via de regra as novas conclusões são tão deficientes e complexas como as anteriores.
Em todo o caso e como foi assinalado, a condenação não se ancorou na falta cometida (entenda-se na falta absoluta, pois que doutro modo o relator seguramente não lhe dirigiria o convite ao aperfeiçoamento!) mas antes na sua deliberada reiteração o que a aproxima da má fé a que se reporta a alínea d) do nº2 do artigo 456º do CPC”.
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Em resumo:
- Altera-se a decisão sobre a matéria de facto, considerando-se provados os quesitos 74º, 187º e 188º e não provado o quesito 125º.
- Fixa-se a indemnização a favor do autor F. F. pela IPP sofrida no montante de €50.000,00 e em €15.000,00 a indemnização pelos danos não patrimoniais.
- Mantém-se o regime de actualização fixado na sentença, posto que reportado aos montantes atrás indicados.
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Decisão:
Em face do exposto, julgam-se parcialmente procedentes as apelações e, por conseguinte, condenam-se as rés A.P. e F.M. a pagar solidariamente ao autor F.F.F. a quantia de €80.533,00 (oitenta mil, quinhentos e trinta e três euros), bem como os danos supervenientes que sejam causa directa e necessária do acidente, fixando-se em 30% a responsabilidade da primeira e em 70% a da segunda por tal pagamento, mantendo-se o mais decidido quanto ao regime de actualização dos danos parcelares englobados naquele montante.
Custas pelos AA e rés na proporção do respectivo decaimento, suportando a ré A.P. as do incidente pela reiterada não apresentação de conclusões, com 4UCs de taxa de justiça.
Guimarães, 16 de Abril de 2009