Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1826/20.4T8VCT-A.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: INCUMPRIMENTO DA PENSÃO DE ALIMENTOS
VALOR DA ACÇÃO
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, estando em causa apenas a pensão de alimentos, o valor do incidente é o valor total que resulta da soma das prestações concretamente incumpridas, já que não estão em causa direitos indisponíveis.
II - Para efeitos de admissibilidade de recurso, dever-se-á atender não apenas ao valor da acção (superior à alçada da Relação), mas também ao da sucumbência aferido em função do montante em dívida.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
*
1 RELATÓRIO

C. M. intentou em 22-12-2021 incidente de incumprimento das responsabilidades parentais (1) contra L. F., alegando que por decisão de 13-01-2021 que homologou o acordo a que chegaram as partes no processo principal, o requerido ficou obrigado a pagar metade das despesas de saúde, escolares, com propinas e alojamento a partir do momento em que os filhos passassem a frequentar o ensino superior. Acontece que desde Setembro a Dezembro de 2021, a requerente despendeu a quantia de € 2.569,50 de propinas, alojamento e consulta médica relativamente ao filho D. L. e € 2.775,44 de propinas, alojamento, material escolar, consultas médicas e exames de diagnóstico, relativamente ao filho J. T., sendo certo que frequentam ambos o ensino superior. Tendo solicitado o pagamento de metade do valor das mesmas, o requerido nada pagou. Conclui dever este as quantias de € 1.284,75, a título de despesas do filho D. L. e de € 1.387,72 a título de despesas do filho J. T., da sua responsabilidade, devidamente reclamadas e não pagas.

Notificado para alegar o que tivesse por conveniente nos termos do art. 41º/3 do RGPTC, o requerido nada disse.

Decidiu-se, então, nos seguintes termos:

C. M. intentou incidente de incumprimento contra L. F., alegando que por decisão de 13/1/21 que homologou o acordo a que chegaram as partes no processo principal, o requerido ficou obrigado a pagar metade das despesas de saúde, escolares, com propinas e alojamento a partir do momento em que os filhos passassem a frequentar o ensino superior. Acontece que desde Setembro a Dezembro de 2021, a requerente despendeu a quantia de € 2.569,50 de propinas, alojamento e consulta médica relativamente ao filho D. L. e € 2.775,44 de propinas, alojamento, material escolar, consultas médicas e exames de diagnóstico, relativamente ao filho J. T., sendo certo que frequentam ambos o ensino superior.
Devidamente notificado nos termos do art. 41º do RGPTC, o requerido nada disse.
Ora, à requerente cabia alegar e provar os factos constitutivos da dívida relativa aos alimentos em falta. Ao requerido cabia fazer a prova do pagamento das prestações de alimentos e, consequentemente, da inexistência da dívida (art. 342º, nº 2 do CC).
Como se vê, essa prova não foi efectuada, pelo que o incidente de incumprimento é necessariamente procedente.
Não obstante, uma vez que se desconhecem as circunstâncias do incumprimento, não condeno o requerido em multa.
Custas pelo requerido.
Valor do incidente: € 2.672,47 (arts. 304º, nº 1 e 297º do CPC).
Notifique.
*

Inconformado com essa decisão, apresentou o requerido L. F. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1º - Ressalvando sempre melhor e mais avalizada opinião, nos presentes autos de incumprimento que constituem uma instância incidental há nulidade da citação (por violação do artº 247º do CPC) e falta de cumprimento das regras legais referentes às notificações, o que determina a nulidade de todo o processado subsequente à notificação e, por outro lado, a sentença em apreço também padece de nulidade, em violação do disposto no art° 615º, n.º 1 al. b), c) e d), e por existir erro na aplicação do direito aos factos, erro na apreciação da prova, como se tentará demonstrar.
2º - Não obstante, antes de mais importa suscitar o que se segue:

I - Do valor do incidente

3º - A sentença sub iudice fixou o valor do incidente em 2.672,47€ (dois mil seiscentos e setenta e dois euros e quarenta e sete cêntimos).
4º - Atento a doutrina dominante e até os entendimentos do CEJ, salvo melhor opinião, no caso dos presentes autos o valor do incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, por se tratar de uma ação sobre o estado das pessoas, deve ser fixado, nos termos e para os efeitos do artigo 303.º, n.º 1 do CPC, pelo valor de 30.000,01€ (trinta mil euros e um cêntimo), o que desde já se requer.
5º - Caso para efeitos da interposição do presente recurso se atente no valor da sucumbência, considerando que o valor da causa é superior à alçada do tribunal de que se recorre e que a decisão impugnada é desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, deve, por isso, o presente recurso ser admitido nos termos do art.º 629, n.º 1 al. b), do CPC, o que subsidiariamente se requer.

II – Do recurso

6º - Por despacho liminar, proferido em 06.01.2022, com a Ref.ª Citius: 47986405, foi ordenada a notificação do requerido para se pronunciar no prazo de 5 dias.
7º - No cumprimento do despacho acima identificado, foi expedida carta de notificação, datada de 06.01.2022, para o requerido, concedendo-lhe um prazo de cinco dias para apresentar alegações, no entanto tal missiva não foi por este recepcionada, alegadamente por não ter sido reclamada, conforme se verifica pela indicação aposta naquela carta pelos serviços CTT a qual se encontra junta aos autos.
8º - Da simples consulta dos autos, é possível constatar que à data da instauração do incidente de incumprimento, o requerido/recorrente encontrava-se representado por mandatária Advogada, a M.I. Dra. P. A., conforme se verifica pela procuração junta aos autos principais, a qual não foi notificada para o incidente, como se impunha (art.º 247º do CPC).
9º - Além de não ter sido notificada a IM mandatária constituída e associada aos autos principais no sistema Citius, também não foi a IM associada ao presente apenso A., desconhecendo a mesma a existência do presente incidente.
10º - Ora, tratando-se os presentes autos de incidente do processo de regulação do exercício das responsabilidades e não de processo novo, e tendo o recorrente mandatário constituído no processo, como efetivamente tinha (até à junção de procuração pelo agora mandatário signatário, em 08.02.2022), as notificações referentes a este incidente tinham necessariamente que ser enviadas para o mandatário (e não só para o requerido), atento o disposto no artigo 247º do Código do Processo Civil.
11º - Por outro lado, tendo-se verificado a devolução da notificação expedida ao requerido por este não a ter podido receber, ao abrigo dos mais elementares princípios, nomeadamente da cooperação (artº 7º do CPC), o Tribunal poderia ter insistido pela repetição da notificação do requerido, tanto mais que, na situação pandémica que se vive, existem várias razões ponderosas para a impossibilidade de receber cartas, como foi o caso e que, mas tal nunca foi cogitado.
12º - E, portanto, o procedimento em apreço começa “manco” desde o início, porque não houve o cuidado, quer da requerente, quer depois do Tribunal, em verificar das razões pelas quais o requerido não dava sinais de si, sendo lícito pensar que a requerente só não o fez para evitar que o recorrente as discutisse, na medida em que a falsidade do que vem alegado nos pontos 15. e 16. do requerimento de incumprimento é tão evidente, que dispensa comentários, pois nem diz como o avisou, nem junta qualquer elemento probatório a tentar demostrá-lo.
13º - Aliás, depois de ter recebido uma mensagem da requerida através da aplicação “WhatsApp”, quer o recorrente, quer a sua mandatária constituída, aguardavam a normal e habitual notificação, a qual, como se sabe nunca foi realizada – vide doc. junto.
14º - O Tribunal tinha à sua disposição todos os meios e conhecimentos para proceder à regular, válida e legal notificação do recorrente através do seu mandatário e da repetição da sua notificação (uma vez que a primeira não foi entregue), no entanto, tal não se verificou.
15 º - Pois, tratando-se de dar conhecimento ao requerido do procedimento em causa e de o ouvir quanto ao alegado na petição de incumprimento a "notificação" deveria ter sido efetuada com as formalidades previstas no processo civil para a citação (como, aliás, acontece em qualquer execução de sentença), o que não aconteceu e constitui facto que a lei não admite.
16º - Além disso, nos termos do art. 41º do RGPTC, o Tribunal deve convocar os pais para uma conferência e só excecionalmente manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente, o que não aconteceu no caso, pois da exceção foi feita regra, com prejuízo para o requerido.
17º - O recorrente desconhece a razão pela qual foi dispensada a conferência de interessados, por não existir nos autos qualquer despacho que a tivesse dispensado ou fundamentado essa dispensa, o que não se concede.
18º - Estamos perante formalidades que a lei impõe sejam concretizadas, mas não foram, com graves prejuízos para o recorrente.
19º - Ora, a prática de um acto que a lei não admita ou a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, produz nulidade, quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, como é o caso em apreço (art.º 195º e 199º CPC).
20º - E, neste quadro, na ausência da notificação pessoal do mandatário do requerido e da verificada falta de recepção da notificação do requerido (e consequente falta de alegações por parte deste) foi, de imediato, proferido sentença a condená-lo no peticionado.
21º - Não tendo o Tribunal a quo observado, como se impunha, as formalidades prescritas na lei referente à notificação do requerido, é nula a notificação efetuada (art.º 191º, 195º e 199º do CPC), o que determina a nulidade de todo o processado a partir do momento em que se omitiu a notificação (artº 187º, al. a) do mesmo código), incluindo a sentença proferida nos termos em que o foi, o que desde já se invoca.

Sem prescindir,
22º - Na sentença recorrida o Tribunal limitou-se a considerar confessados os factos invocados pela recorrida, sem qualquer análise da prova produzida, sem apreciar se a mesma era apta a demonstrá-los e se estavam cumpridos os pressupostos acordados no acordo alcançado no âmbito dos autos principais, e a julgar verificado o incumprimento, sem qualquer consideração pelo direito aplicável, sendo, por isso, manifestamente ilegal por violação as normas jurídicas ínsitas nos artigos 567º do CPC, 41º e 48º do RGPTC e 2003º e 2006º do CC.
23º - É certo que o artigo 567º do CPC, que regula os efeitos da revelia, estabelece no n.º 1 um efeito cominatório (semi-pleno) de se considerarem confessados os factos na falta de contestação (silêncio) do Réu, no entanto, tal efeito operante não é aplicável aos incidentes ocorridos no âmbito do regime geral de processo tutelar cível, porquanto este não prevê qualquer efeito cominatório para a ausência de "alegação".
24º - Não obstante, o efeito cominatório previsto no art.º 567º do CPC só pode ocorrer caso estejam verificados todos os demais requisitos ali previstos, isto é, que os mandatários das partes sejam notificados para alegar, o que não sucedeu no caso concreto dos autos como acima se referiu, e que a causa seja julgada conforme for de direito, o que neste caso também não sucedeu.
25º - Além disso, o efeito cominatório da revelia é um efeito semi-pleno, já que o Tribunal está obrigado a julgar a causa aplicando o direito aos factos admitidos e como tal, o desfecho da lide pode não ser, necessariamente, aquele que o A. pretende.
26º - No caso concreto dos autos, a prova produzida (ou seja, os elementos juntos) não era apta a demonstrar o que foi alegado pela requerida, porquanto nenhuma prova é feita acerca da interpelação do recorrente para proceder ao pagamento das quantias peticionadas nos Autos, e também não foi feita qualquer prova que, a existir interpelação, a mesma obedecia aos critérios estipulados para o efeito no acordo homologado no âmbito da regulação das responsabilidades parentais.
27º - E impunha-se fazer prova da interpelação do recorrente e da vontade em incumprir, já que no acordo alcançado e homologado no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais, ficou expressamente reduzido a escrito que cada um dos progenitores é responsável por metade das despesas ali estipuladas e efetuadas com os filhos e que o pai pagará a sua parte, mediante a apresentação do respetivo recibo/fatura, que a mãe (progenitora) comunicará assim que a realizar, no mês seguinte, com a prestação de alimentos.
28º - Da prova junta pela requerida, é possível aferir facilmente que a mesma não deu cumprimento ao estipulado no acordo quanto à interpelação do requerido - e nem este foi ouvido ou tido em consideração nas nos actos/decisões que originaram a emissão das faturas. Porquanto,
29º - Apenas foi solicitado ao recorrente (em 30.09.2021), o pagamento de algumas das despesas, via “Whatsapp”, com o envio de uma fotografia de um rascunho escrito à mão, mas sem a identificação concreta por data ou referência das despesas (algumas rubricas em siglas e numa letra pouco perceptível), o que impossibilitou o recorrente de apurar quais as datas, a natureza da despesa e se as mesmas são ou não devidas e, logo, se tinha ou não a obrigação de as pagar – vide doc. junto.
30º - Ora, aquela mensagem e conteúdo jamais pode ser prova de uma interpelação séria e cuidada, válida e eficaz…
31º - Acresce que, ao requerido jamais foi dado conhecimento das faturas respeitantes às despesas indicadas naquele ficheiro, assim como nunca lhe foi dado conhecimento das demais faturas cujos valores foram peticionados neste incidente (realizadas após 30.09.2021), contrariamente ao que falsamente alega, como se disse, enganando assim o Tribunal de uma forma lamentável.
32º - Por forma a julgar a causa conforme é de direito, não poderia o Tribunal, com referência às datas das alegadas despesas e aos documentos juntos pela requerente, reconhecer qualquer incumprimento, por o recorrente não ter sido prévia e oportunamente interpelado, nos termos da sentença de homologação do acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais e, ao fazê-lo, incorreu na violação dos artigos 41º e 48º do RGPTC.
33º - Pelo que, não se compreende como o é que Tribunal a quo considerou existir a obrigação de o recorrente proceder à liquidação de metade das despesas de saúde, alojamento e propinas dos filhos maiores e a sentença recorrida também não o fundamenta, como deveria, questão que igualmente aqui também se invoca.
34º - Por outro lado, entende o recorrente que há que ter ainda em consideração a natureza das despesas concretamente peticionadas nos Autos, por forma a aferir se as mesmas se encontram ou não contempladas na obrigação genérica do pai prover ao sustento do(s) filho(s) e suportar despesas de valor tão elevado por escolhas feitas exclusivamente pela progenitora quanto à Universidade, alojamento privado, hospital particular, e contra a opinião do recorrente quando confrontado com o facto consumado e sem sequer considerar se este as podia suportar (com a agravante de a requerida alegar que aufere um rendimento de 650,00€…).
35º - Impor tais obrigações, sem a audição e anuência do requerido e que implicam um nível de vida em muito superior (e até com luxos, como resulta da mera visualização no Google da imagens da residência universitária escolhida) ao que os progenitores podem suportar, traduz-se na obrigação de alimentos, relativamente à qual o artigo 2003º do Código Civil estabelece um importante princípio geral, que é o facto de apenas poder ser considerado alimentos aquilo que é indispensável ao sustento, mas que no caso em muito se ultrapassaram esse limite do indispensável e, por isso, se excluem dessa obrigação.
36º - Também os exames efetuados no hospital particular de Viana do Castelo (pagos pela requerida apesar de “não ter meios” e sem consideração do recorrente. Como nunca é!) poderiam ter sido realizados através do Serviço Nacional de Saúde, sem custos.
37º - Salvo o devido respeito, a sentença proferida além de nula por falta da notificação, ao ser proferida sem qualquer atenção pelas normas legais aplicáveis e pelo acordo homologado por sentença, em 13.01.2021, que impunham a análise das despesas peticionadas pela recorrida e respectivas datas e a verificação da efetiva e eficaz interpelação do recorrido para o seu pagamento.
38º - Ao não considerar tais elementos, a sentença em crise padece de vício de violação de normas jurídicas, nomeadamente das normas contidas no artigo 567º do Código do Processo Civil quanto aos efeitos da revelia, nos artigos 41º e 48º do RGPTC, quanto à verificação do incumprimento e efectivação coerciva por referência à imposição de existência de regime judicialmente fixado quanto ao mesmo, e nos artigos 2003º e 2006º do Código Civil quanto ao conceito jurídico de alimentos devidos e momento a partir do qual são devidos.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, consequentemente, deverá ser considerada verificada a nulidade da notificação e, consequentemente, nulo todo o processado após a omissão da referida formalidade.
Ainda que assim não se considere, dado que a sentença recorrida foi proferida em violação das normas legais previstas nos artigos 567º do Código do Processo Civil, 41º e 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e em violação do disposto pelos artigos 2003º e 2006º do Código Civil, deverá ser revogada e substituída por outra que considere como não verificado o incumprimento por falta de interpelação do requerido para o seu pagamento, e da falta de participação do recorrido para as decisões que originaram a feitura daquelas despesas, cujos valores ultrapassam o rendimento disponível do requerido e “alegadamente” da requerida.
Assim, se fazendo a habitual e costumada Justiça!
*
A requerente apresentou contra-alegações, que finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. O recorrente invoca a falta ou nulidade da sua notificação, quer por via postal quer através do respetivo mandatário, para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente, nos termos do disposto no artigo 41º, n.º 3 do RGPTC.
2. Acontece que a falta ou nulidade da notificação deve ser arguida pela parte, logo que intervém no processo ou no prazo de dez dias a contar da data em que foi notificada para qualquer termo do mesmo, sob pena de considerar-se sanada, nos termos do disposto nos artigos 189º, 191º e 199º do Código de Processo Civil.
3. Ora, o aqui recorrente foi notificado da douta sentença proferida nestes autos, por carta registada elaborada e expedida em 28/01/2022, notificação essa que se presume efetuada no dia 03/02/2022.
4. Em 08/02/2022, o aqui recorrente juntou, aos autos, uma nova procuração forense, não tendo arguido, nessa altura, a alegada falta ou nulidade da sua notificação, quer por via postal quer através da respetiva mandatária.
5. O aqui recorrente só arguiu a nulidade da sua notificação, quer por via postal quer através da respetiva mandatária, em 14/02/2022, ou seja, depois de intervir no processo e decorridos mais de dez dias da data em que foi notificado da douta sentença.
6. Por tudo o exposto, deve considerar-se sanada a falta/nulidade de notificação, quer por via postal quer através de mandatário, arguida pelo aqui recorrente.
7. Uma vez que o aqui recorrente não apresentou alegações, devem considerar-se confessados todos os factos alegados pela aqui recorrida, no requerimento inicial, por força do disposto no artigo 567º, n.º 1 do Código de Processo Civil aplicável por força do disposto no artigo 33º, n.º 1 do RGPTC e manter-se a sentença recorrida.
8. Sem prescindir do supra exposto, no caso de se entender que a falta/ausência de apresentação de alegações pelo requerido não tem o efeito cominatório previsto no artigo 567º, n.º 1 do Código de Processo Civil, deveria ter sido agendada data para a audiência de julgamento, a fim de ser produzida a prova indicada pela aqui recorrida, no requerimento inicial, para prova dos factos que alegou naquele articulado, entre eles, a apresentação/comunicação, ao requerido, das despesas e pedido de pagamento de metade do valor das mesmas, ou seja, a interpelação para pagamento, conforme resulta do disposto no artigo 41º, n.º 7 e 39º, n.º 7 do RGPTC.
9. A apresentação das faturas e/ou recibos das despesas e a interpelação do para pagamento de metade do seu valor podem ser efetuadas por qualquer forma e demonstradas/provadas, nestes autos, por documentos e testemunhas.
10. Assim, tendo o tribunal omitido uma formalidade que a lei prescreve que influi no exame e decisão da causa deve a sentença ser declarada nula e ser agendada data para a audiência de julgamento.
11. A recorrida pode e deve provar que apresentou todas as faturas e/ou recibos das despesas peticionadas, ao recorrente, e solicitou o pagamento de metade do valor das mesmas, na audiência de julgamento a que se refere o artigo 39º, n.º 7 do RGPTC.
12. As demais questões levantadas pelo recorrente no recurso - natureza das despesas, capacidade económica dos progenitores, consentimento ou oposição à sua realização, – são novas, não foram alegadas e muito menos provadas perante o tribunal a quo, e por isso, não podem ser apreciadas e valoradas em sede de recurso.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado improcedente, por não provado, o recurso e manter-se a decisão recorrida.
Sem prescindir, no caso de assim não se entender, requer que seja agendada data para a audiência de julgamento, nos termos do disposto no artigo 39º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
*

A Exmª Juiz a quo pronunciou-se sobre as invocadas nulidades e proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida, nos seguintes termos:

O requerido apresentou recurso da sentença proferida a 27/1/22. Nas suas alegações vem arguir duas nulidades. Uma delas é a nulidade da citação, por violação do art. 247º do CPC e sem o cumprimento das regras legais referentes às notificações.
Acontece que o requerido, se entendia estar verificada uma nulidade processual e não se verificando a situação a que alude o nº 3 do art. 199º do CPC, devia ter reclamado dessa mesma nulidade perante este tribunal, em requerimento próprio, no prazo de 10 dias (art. 149º do CPC) e não em sede de recurso como veio a fazê-lo.
Como se disse, a sentença foi proferida no dia 27/1/22. A sua notificação foi expedida no dia 28/1/22, pelo que se presume que o requerido foi notificado no dia 31/1/22. O requerido tinha então 10 dias para arguir a nulidade invocada – art. 199º, nº 2 do CPC. Assim, é extemporânea a arguição da apontada nulidade nas alegações de recurso apresentadas no dia 15/2/22, pelo que dela não se vai conhecer.
*
Admito o recurso interposto pelo requerida à decisão que decidiu pelo incumprimento da pensão de alimentos, recurso este que é de apelação, com subida nos próprios autos, de imediato e com efeito meramente devolutivo (não está suficientemente justificado o alegado prejuízo considerável na execução da sentença) – arts. 644º, nº 1, a), 645º, nº 1, a) e 647º, nº 1 do CPC e art. 32º, nºs 3 e 4 do RGPTC.
*
Exmos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães:
A recorrente vem arguir nulidades.
A primeira, ao abrigo do disposto no art. 195º do CPC cuja arguição, como referido supra, se entende ser extemporânea.
Outra decorre do facto de a sentença em apreço violar o disposto no art. 615º, nº 1 al. b), c) d) do CPC, por erro na aplicação do direito aos factos, erro na apreciação da prova.

Cumpre apreciar:
Em relação à segunda nulidade apontada, diremos apenas que o tribunal não deu cumprimento ao disposto no art. 567º do CPC na medida em que não é aplicável ao caso concreto em que, por estarem em causa direito indisponíveis, não podem ser confessados os factos perante o silêncio do requerido. O que o tribunal fez foi considerar os factos alegados na petição inicial quanto às despesas, sendo certo que era ao requerido que cabia invocar factos impeditivos ou modificativos do direito alegado (art. 342, nº 2 do CC), o que não foi feito.
Por todo as razões expostas, não vislumbramos a existência de qualquer nulidade.
V. Exas. dirão, porém, como sempre, o que for de Justiça!
*
Subam os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães.
Autorize-se o acesso ao processo e demais apensos através do citius.
*

Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
*

2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que:

I - seja fixado o valor do incidente em € 30.000,01, em vez de € 2.672,47 que a sentença fixou;
II - se determine a nulidade de todo o processado subsequente à notificação do requerido, por falta de notificação da sua mandatária – arts. 247º e 195º do CPC;
III - se determine a nulidade de todo o processado subsequente à notificação do requerido, por falta de notificação do mesmo;
IV - seja declarada nula a decisão recorrida, por violar o disposto no art. 615º/1, b), c) e d) do CPC;
V - seja reapreciado o mérito da causa.
*
3 – OS FACTOS

São os que constam já do relatório supra.
*
4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Antes de mais, uma nota quanto ao modo como se encontra formulado o recurso.
Nos termos do nº 1 do art. 639º do CPC, o recorrente deve terminar as alegações com as respectivas conclusões, que são a indicação de forma sintética dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
A formulação das conclusões do recurso tem como objectivo sintetizar os argumentos do recurso e precisar as questões a decidir e os motivos pelos quais as decisões devem ser no sentido pretendido. Com isso pretende-se alertar a parte contrária – com vista ao pleno exercício do contraditório – e o tribunal para as questões que devem ser decididas e os argumentos em que o recurso se baseia, evitando que alguma escape na leitura da voragem da alegação, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares.
Esse objectivo da boa administração da justiça é, ou devia ser, um fim em si. O não cumprimento dessa exigência constitui não apenas uma violação da lei processual como um menosprezo pelo trabalho da parte contrária e do próprio tribunal. Daí que o art. 641º/2 do CPC comine a falta de conclusões com a sanção da rejeição do requerimento de interposição de recurso, funcionando essa sanção de forma automática, sem qualquer convite prévio ao aperfeiçoamento, como sucede quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas (art. 639º/3 do CPC).
Ora, in casu, verifica-se que as apelidadas conclusões, entendidas como proposições sintéticas e arrumadas graficamente, inexistem, pois o que há é um arrazoado extenso que “conta” a versão do recorrente, ainda que numerado (cfr. conclusões a 38º), sem quaisquer proposições sintéticas, arrumadas graficamente, emanadas naturalmente do exposto e considerado antes.
Do ponto de vista substancial, o recorrente não formulou conclusões do recurso como devia, limitando-se a repetir a alegação duas vezes seguidas, intitulando a “segunda alegação” como “conclusões”, precedendo as mesmas de números, o que manifestamente não constitui uma forma válida de cumprimento da exigência legal.
Por conseguinte, do ponto de vista substancial, a consequência devia ser a pura e simples rejeição do recurso por falta de conclusões. Com efeito, se essa sanção se aplica mesmo nas situações em que a falta se deve à mera desatenção ou até lapso informático, por maioria de razão deve aplicar-se às situações em que consciente e deliberadamente o mandatário se limita a alegar duas vezes, não podendo deixar de saber que não está, como devia, a formular conclusões.
Com muito boa vontade e atendendo apenas ao aspecto formal, poder-se-ia convidar o recorrente a aperfeiçoar (melhor dizendo, a formular) as “conclusões”. Considerando, no entanto, a simplicidade do recurso em apreciação, decidimos prosseguir e apreciar as questões.
E fazendo-o, passemos a expor o entendimento que temos, começando pela questão do valor.

I) Valor do incidente

Estando também em causa no recurso a questão do valor da acção, se € 2.672,47 como entendeu a decisão recorrida, se € 30.000,01 como propõe o recorrente, decisão que sempre admite recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência nos termos do art. 629º/2, b) do CPC (2), das duas uma:

- ou o tribunal ad quem conclui que o valor da causa não excede a alçada do tribunal a quo, e nesse caso o recurso deve ser imediatamente julgado improcedente, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelo recorrente (por falta de alçada, a decisão não admite recurso) (3);
- ou o tribunal ad quem conclui que o valor da causa excede a alçada do tribunal a quo e nesse caso passa a conhecer das restantes questões suscitadas pelo recorrente (nulidades e reapreciação do mérito da causa).
Mas vejamos a concreta questão a analisar.
Apresenta-se um incidente de incumprimento das responsabilidades parentais que C. M. intentou contra L. F., ambos progenitores do D. L. (nascido em ..-04-2001) e do J. T. (nascido em ..-08-2003).
A sentença sub iudice fixou o valor do incidente em € 2.672,47 (4), assim acompanhando o valor que a requerente havia indicado no requerimento inicial.
Entendendo o recorrente que, por se tratar de uma acção sobre o estado das pessoas, face à doutrina dominante, deve ser fixado, nos termos e para os efeitos do art. 303º/1 do CPC, o valor de € 30.000,01.

Quid iuris?

É questão debatida nos tribunais portugueses saber se, no incidente de incumprimento da prestação alimentícia, o valor do incidente é o valor total que resulta da soma das prestações concretamente incumpridas, ou se, pelo contrário, é o valor da própria causa principal que versa sobre o estado das pessoas.
Questão que tem consequências, desde logo, para efeitos da admissibilidade do recurso, pois deve atender-se não apenas ao valor da acção (superior à alçada da Relação), mas também ao da sucumbência aferido em função do montante em dívida.
Ora, entende-se que a solução para a questão não pode ser linear, nem é susceptível de generalização, antes se impondo casuisticamente a sua análise. Lembrando-se que, embora competindo ao juiz a fixação do valor da causa, este não pode deixar de ter em conta a posição das partes, assumida no processo, relativamente ao valor (cfr. art. 306º do CPC).
Temos, pois, como mais assertivo que, no incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, quando estão em causa apenas a pensão de alimentos (5), já que não estão em causa direitos indisponíveis (6), o valor do incidente é o valor total que resulta da soma das prestações concretamente incumpridas. Solução que por maioria de razão se verifica nos processos relativos a filhos maiores, já não sujeitos às responsabilidades parentais (cfr. rt. 1877º do CC), em que apenas se mantém em certas situações e durante algum tempo a obrigação de prover ao sustento dos filhos (cfr. art. 1880º do CC). Inexistindo aqui o argumento em que assenta a posição dominante na doutrina e na jurisprudência portuguesa - que vai no sentido de considerar que o valor do incidente de incumprimento da prestação alimentícia é o valor da própria causa principal que versa sobre o estado das pessoas, pelo que o valor do incidente deverá ser de € 30.000,01, independentemente do valor pecuniário da soma das prestações em dívida (7) -, de que, apesar de poderem estar em causa apenas valores monetários concretos relativos ao incumprimento da prestação de alimentos, a verdade é que no incidente de incumprimento, os progenitores podem acordar sobre os termos de outros segmentos do regime das responsabilidades parentais e a esses termos, porque pertinentes ao estado das pessoas, não pode deixar de se considerar adequado o valor que resulta do disposto no art. 303º/1 do CPC.
In casu, em que apenas foram peticionados valores monetários concretos relativos ao incumprimento da prestação de alimentos, foi a solução para a qual propendemos que a Srª Juiz a quo acolheu na sentença ora em recurso, ao fixar o valor do incidente em € 2.672,47, nos termos do art. 304º/1 do CPC, assim acompanhando o valor que a requerente havia indicado no requerimento inicial.
Em face do exposto, tal conduz prima facie e necessariamente à improcedência das conclusões do apelante em vista da fixação do valor do incidente em € 30.000,01 e à imediata improcedência do recurso, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelo recorrente, pois, como já supra referido, por falta de alçada, a decisão recorrida não admite recurso.
*
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I - No incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, estando em causa apenas a pensão de alimentos, o valor do incidente é o valor total que resulta da soma das prestações concretamente incumpridas, já que não estão em causa direitos indisponíveis.
II - Para efeitos de admissibilidade de recurso, dever-se-á atender não apenas ao valor da acção (superior à alçada da Relação), mas também ao da sucumbência aferido em função do montante em dívida.
*
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
*
Guimarães, 07-04-2022

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, V.Castelo - Juízo Fam. Menores - Juiz 2
2. Em regra, carece a admissibilidade de recurso ordinário da verificação cumulativa dos referidos requisitos, um respeitando ao valor da causa, outro ao valor da sucumbência. Na verdade, tratando-se de decisão do Tribunal de 1.ª Instância, ainda que o valor da causa seja superior à respectiva alçada (€ 5.000), o recurso não é admissível, em regra, se o valor da sucumbência não exceder € 2.500.
3. Nesse caso não é possível conhecer do objecto do recurso interposto por falta de requisitos formais, mais concretamente pela falta de valor da causa, já que é bastante o valor da sucumbência [cfr. art. 641º/2, a) e 5 do CPC].
4. Somatório das quantias devidas pelo requerido e da sua responsabilidade, a título de despesas dos filhos D. L. (€ 1.284,75) e J. T. (€ 1.387,72).
5. E já não assim, quando estão ou também estão em causa questões relativas ao regime de visitas e da residência.
6. Situação diferente era se estivesse em causa o direito a alimentos, o que não se passa num incidente de incumprimento, aquele sim indisponível no sentido de que não pode ser renunciado ou cedido.
7. Vd., por todos, o recente Ac. da RE de 13-01-2022, prolatado no Proc. nº 1790/20.0T8STR-D.E1 e acessível in www.dgsi.pt.