Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HEITOR GONÇALVES | ||
Descritores: | INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO DEVER DE INFORMAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/05/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário : Enquanto instituições de crédito (artigo 3º, al. a), do DL 298/92, de 31.12, e artigo 293º, nº1, al. a), do CVM) os bancos podem prestar os serviços de intermediação financeira elencados no art. 290º do CVM, desde que o façam a coberto de um contrato escrito de mediação financeira (arts 321º a 324º CVM) ou na execução de ordens isoladas adrede transmitidas pelos clientes, as quais podem ser dadas por escrito ou oralmente (artigo 327º, nº1, do CVM). O dever de informação é o núcleo central na relação bancária, e só com o seu cabal cumprimento se pode afirmar a perfeição da prestação debitória do intermediário financeiro. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª S. CÍVEL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. (…) e mulher, Maria (…), demandaram nesta acção declarativa o Banco (…), S.A., pedindo que seja condenado a pagar-lhes: a) A quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 09/5/2016 até integral pagamento, que em 29/10/2018 se contabilizam em 4.947,95€, como indemnização dos danos patrimoniais; e b) uma indemnização não inferior a € 1.500,00 para cada um dos autores, para reparação dos danos não patrimoniais sofridos, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a sentença até integral pagamento. Alegaram, em síntese: o gestor de conta da agência de Fafe do Banco ... canalizou a quantia de € 50.000,00 que possuíam numa conta para a compra de obrigações Sociedade De Negócios ... Rendimento Mais 2016, sem sua autorização e sem seu conhecimento; quando disso tomaram conhecimento, dirigiram-se àquela agência para exigirem a devolução do referido montante, tendo-lhe então sido explicado que se tratava de uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, sem risco de perda de capital, pelo que aceitaram manter tal aplicação, ainda que verbalmente; só em 2008, aquando da nacionalização do Banco ..., é que tiveram conhecimento que o seu dinheiro não havia sido aplicado num depósito a prazo ou semelhante, mas sim numa aplicação de risco cuja responsável pela restituição era a Sociedade de Negócios ... e não o BANCO ...; nunca foram informados sobre o significado da compra de obrigações Sociedade De Negócios ... Mais 2006, nunca lhes foi explicado o que eram obrigações subordinadas, nem o que eram obrigações Sociedade De Negócios ... Mais 2006, nenhuma informação lhes tendo sido prestada quanto à entidade emissora, à liquidez do capital e ao vencimento da retribuição. Na contestação, por excepção, a Ré arguiu a incompetência territorial do tribunal e a prescrição do direito dos autores. Por impugnação, alegou que, no momento da subscrição e tendo por base um juízo de prognose que era então possível de fazer com os dados conhecidos, as obrigações em causa eram um produto conservador, com risco reduzido, face à solidez financeira da sociedade emitente que, aliás, era “mãe” do banco, sendo este um dos seus principais activos e estando o risco da Sociedade De Negócios ... indexado ao risco do próprio banco, sendo a probabilidade da sociedade emitente não cumprir semelhante à do banco Banco .... Alegou ainda que não era previsível que em 2008 ocorresse a nacionalização parcelar do grupo com divisão do mesmo em parte financeira e não financeira, mas que, de todo o modo, nunca a Ré transmitiu aos seus clientes que o banco garantia a emissão em causa, não tendo sido violado qualquer dever legal de informação, porquanto foi transmitida a informação relativa à entidade emitente, às possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa da Sociedade De Negócios ... e com prévio acordo do Banco de Portugal e que a única forma de liquidar unilateralmente o produto era transmitindo a obrigação a terceiro, o que à época era comum dado que os títulos tinham grande procura, atenta a sua elevada rentabilidade. II. A sentença final julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Banco ..., S.A. a pagar aos AA.: a). € 50.000,00, acrescida de juros à taxa legal emergente do disposto no artº. 559º/1 do Cód. Civil, actualmente 4%, desde 09.05.2016 e até integral pagamento, e b) € 750,00 a cada um dos AA, num total de € 1.500,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados desde a presente data e até integral pagamento, à taxa legal emergente do disposto no artigo 559º/1 do Código Civil, actualmente 4%. IV. O réu interpôs recurso, terminando com as seguintes conclusões: I. O Banco Recorrente não pode concordar com a matéria de facto dada como provada nos pontos 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 24, 25. II. Esta discordância tem com base o depoimento da testemunha J. R. no seu depoimento gravado no sistema ciTus no ficheiro com a referência 20190321101223_5629903_2870527 e ainda com base nos documentos relativos ao produto em causa nos presentes autos, nomeadamente a ficha informativa e a nota interna juntos aos autos III. Entende ainda o recorrente que, com base nos mesmo elementos de prova, deverá ser dado como provado o seguinte facto: a) - O funcionário bancário explicou ao Autor que o produto em causa se tratava de obrigações da Sociedade De Negócios ..., entidade que era dona do Banco Réu, que era um produto a 10 anos, com uma remuneração superior à dos depósitos a prazo e que a liquidez antecipada perderia ser obtida através do endosso do mesmo a um outro cliente interessado. IV.A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco, com capital garantido, equivalente a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação, configura a prestação de uma informação falsa. V. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa. VI. Não adianta aliás a sentença qual o risco que associa às Obrigações Sociedade De Negócios ... e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso… VII.O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso. VIII. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO! IX. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos! X. Do incumprimento da obrigação de reembolso da enTdade emitente, em 2014 e 2016, não podemos, sem mais, reTrar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2004 e 2006, dez anos antes! XI. A Sociedade De Negócios ... era Titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este. XII. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da Sociedade De Negócios .... XIII. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco! XIV. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela Sociedade De Negócios ... seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no Banco .... XV. O risco Banco ... ou risco Sociedade De Negócios ..., da perspectiva da insolvência era também equivalente! XVI.A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido. XVII.A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis. XVIII.A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação… XIX.A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! XX. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor. XXI. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave! XXII. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo soa obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação. XXIII. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais. XXIV. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente. XXV. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco. XXVI. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o Tpo de informação em causa. XXVII. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investido em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança. XXVIII. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente. XXIX. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente. XXX.Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes. XXXI. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actvidade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actvidade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. XXXII. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. XXXIII. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. XXXIV. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si! XXXV. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa. XXXVI.O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro als do nº 2 do art. 312º-E. XXXVII. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do Tio do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM. XXXVIII. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. XXXIX. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo. XL.O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volaTlidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do rotulo (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade. XLI. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa! XLII. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do Tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem! XLIII. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actvidade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens. XLIV. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo! XLV. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o Tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente! XLVI. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actvidade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto. XLVII. Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição. XLVIII. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque. XLIX. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse! L. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade. LI. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei! LII. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato. LIII. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actvidade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo tipico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptivel de o caracterizar. LIV. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes. LV.A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente. LVI. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade. LVII. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato! LVIII. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira. LIX. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento. LX. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato? LXI. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador! LXII. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito. LXIII. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem! LXIV. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito – uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)! LXV. Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano! LXVI. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. LXVII. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. LXVIII. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão. LXIX. E nada disto foi feito! LXX. A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da Sociedade De Negócios ... em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio! LXXI. A decisão recorrida violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º, 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE. Nas contra-alegações, os recorridos pugnam pela manutenção do julgado em 1ª instância, nos segmentos de facto e de direito V. Cumpre apreciar e decidir. No segmento de facto, a recorrente alega o erro de julgamento dos factos insertos nos pontos 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 24 e 25, e reclama a inclusão na matéria provada dos seguintes factos: «o funcionário bancário explicou ao autor que o produto em causa se tratava de obrigações Sociedade De Negócios ..., entidade que era dona do Banco réu, que era um produto a 10 anos, com uma remuneração superior à dos depósitos a prazo e que a liquidez antecipada poderia ser obtida através de endosso do mesmo a um outro cliente interessado»; No segmento de direito, as questões prendem-se com os pressupostos da responsabilidade civil contratual do banco réu, por não ter devolvido aos AA. os €50.000,00 investido em obrigações Sociedade De Negócios ... 2006. Alega a recorrente que se configuram dois contratos distintos: por um lado i) um contrato de execução de intermediação financeira; e por outro lado ii) um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato; mais conclui que se está perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira, que foi cumprido no acto da subscrição. A impugnação incide sobre os seguintes factos provados: 5. Em data não concretamente apurada, mas seguramente no mês de Maio de 2007, os AA. aperceberam-se de que eram titulares de obrigações Sociedade De Negócios ... Rendimento Mais 2006. 6. Sem que para tal tivessem dado a qualquer ordem ou autorização. 7. Dirigiram-se, então, ao balcão e foram informados pelo seu gestor de conta, J. R., que este havia investido parte das suas poupanças numa aplicação segura, em tudo equivalente a um depósito a prazo. 8. Nesse momento, o mencionado J. R., explicou aos Autores que se tratava de uma aplicação com reembolso de capital garantido pelo Banco ..., com rentabilidade assegurada, denominado de obrigações Sociedade De Negócios ... Rendimento Mais 2006. 10. Estando convencidos de que Sociedade De Negócios ... Rendimento Mais 2006 era o nome comercial que o Banco ... havia atribuído àquele concreto depósito a prazo que, acreditaram, tinha sido constituído à revelia da sua vontade. 11. Os AA., quando se dirigiram à agência bancária do Banco ..., em Fafe, apenas tinham como intuito exigir a devolução dos seus 50.000,00€. 12. Mas depois de lhe ter sido explicado que era uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, sem risco de perderem parte ou a totalidade do capital em causa e a sua rentabilidade, aceitaram manter a aplicação, ratificando-a que verbalmente. 14. Os AA. não sabiam, à data da ratificação da subscrição, nem no momento em que receberam a informação referida no artigo precedente, o que era a Sociedade De Negócios .... 15. Desconheciam os AA., porque tal lhes foi omitido pelo Banco ..., que tinham adquirido uma aplicação de risco, muito diferente de um depósito a prazo. 16. E desconheciam que a entidade obrigada à restituição do capital investido não era o próprio Banco... que conheciam e em quem confiavam, mas era uma empresa gestora de participações que desconheciam por completo, nem sequer entendendo o seu objecto social. 17. Em momento algum, foram os AA. informados sobre o significado da compra de Obrigações Sociedade De Negócios ... Mais 2006, nunca lhes tendo sido lido ou explicado o que eram obrigações subordinadas, e o que eram as Obrigações Sociedade De Negócios ... Mais 2006, 18. Não tendo havido de parte do banco um qualquer procedimento informativo, designadamente quanto à entidade emissora, à liquidez do capital e ao vencimento de retribuição. 21. Aos AA. não foi dado sequer qualquer documento comprovativo da subscrição efectuada. 22. O Banco... comercializou o produto financeiro em causa como se de um depósito a prazo se tratasse, semelhante a um depósito a prazo, com restituição do capital e com retribuição de juros garantidas pelo Banco .... 24. Sabem agora os AA. que o banco havia dado instruções expressas aos seus funcionários para promoverem as vendas destas aplicações e lhes darem prioridade sobre qualquer depósito a prazo 25. Ordenando aos mencionados funcionários que os valores superiores a € 50.000,00 fossem sempre canalizados, mediante convencimento dos clientes com os falsos argumentos acima expostos, para estas aplicações em detrimento de quaisquer depósitos a prazo. A impugnação deduzida à decisão de facto é manifestamente inepta. A recorrente evoca unicamente passagens isoladas do depoimento prestado pela testemunha J. R. (gerente do Banco ... e gestor da conta do A. à data da aquisição das obrigações), enquanto o Juiz formou a sua convicção na correlação crítica de diversas provas: documentos e testemunhas. E quanto ao depoimento prestado pela testemunha J. R., o recorrente nenhuma espécie de censura imputa à motivação. Não afirma que o julgador tenha referido coisas que a testemunha não tenha dito, ou que tenha captado uma mensagem de sentido diferente da transmitida; Sobre os demais elementos probatórios, e razões de índole argumentativa que constam da motivação da decisão recorrida, o recorrente não faz alusão a qualquer vício de raciocínio, à violação das regras da experiência e/ou dos princípios basilares do direito probatório material. Ainda assim se consigna que, uma vez analisada toda a prova, a nossa convicção converge na sua globalidade com a do tribunal recorrido. O primeiro grupo de factos (pontos 5, 6 e 7) anuncia que a aplicação de 50.000,00€ em obrigações Sociedade De Negócios ... foi feita pelo gestor de conta Banco ... J. R. sem ordem ou autorização do autor, e que este só posteriormente (seguramente em maio de 2007) teve conhecimento dessa subscrição, sendo então por aquele informado que havia investido parte das suas poupanças numa aplicação segura, em tudo equivalente a um depósito a prazo. As ordens relativas a instrumentos financeiros não dependem necessariamente da preexistência dum contrato-quadro escrito que defina as regras por que se devem reger as relações de clientela (1), podendo ser transmitidas de forma isolada, por escrito ou de forma oral, e tratando-se de ordens orais “devem ser reduzidas a escrito pelo receptor e, se presenciais, subscritas pelo ordenador” (nº2 do artigo 327º do CVM). No caso não existe qualquer escrito que documente a ordem dada pelo A. para a realização do negócio, e nem sequer há notícia de que na sua conta tenha sido feito o débito de 50.000,00€, contudo está provado por acordo nos articulados que o A. é titular desde 23 de abril de 2007 de obrigações Sociedade De Negócios ... (que o réu confirmou pelo extracto de fls. 12 emitido em 2018), compradas com poupanças do A. pelo então gerente do Banco ... J. R.. O gerente J. R. não tem memória sobre as vicissitudes do referido negócio, mas admitiu que o possa ter sido realizado sem o prévio contacto e autorização do autor, o que aliás sucedia noutras circunstâncias sempre que não conseguia contactar com os clientes e entendia por bem não deixar perder oportunidades de investimento – o parecer do Departamento Jurídico do Banco ... vai de encontro a essa versão, porquanto dá conta da reclamação de outros clientes sobre a aquisição produtos em seu nome, sem autorização (doc. de fls. 284 e ss). Por outro lado, a testemunha M. R. (funcionária do Banco ...) refere que o autor se deslocou à agência de Fafe meses antes da saída do gerente J. R. (dezembro de 2008) e relatou-lhe a reclamação que então acabara de fazer sobre uma aquisição não autorizada de obrigações (é muito provável que tenha sido nesse encontro que o autor acabou por ratificar o negócio em face das explicações que lhe foram dadas pelo J. R., que aliás também confirma em audiência de julgamento que na verdade teve uma acesa troca de palavras com o A. Albano). Como refere o Sr. Juiz na motivação da decisão, não se alcança da prova o modo e a concreta data em que o A. tomou conhecimento da existência das obrigações Sociedade De Negócios ..., mas podemos concluir que ocorreu algures no hiato de tempo situado entre a subscrição/compra das obrigações e dezembro 2008 (o mês em que o J. R. entrou de baixa, como o próprio refere, e não mais regressou ao serviço). As descritas circunstâncias abonam o acerto da decisão relativa aos factos provados enunciados nos referidos pontos 5, 6 e 7, porém com a alteração da redação do ponto 5, dele passando a constar que “em data não concretamente, mas situada entre abril de 2007 e dezembro de 2008, o A. apercebeu-se que eram titulares de obrigações Sociedade De Negócios ... Rendimento Mais 2006». Não obstante, a situação manteve-se como estava. O que leva a crer que o autor ratificou o negócio e desistiu da sua inicial ideia de exigir a devolução imediata do dinheiro, e é verosímil que só tenha tomado essa decisão depois do gerente o ter informado sobre a natureza do produto nos termos que estão descritos nos pontos 8, 12, 19, 22, 23 e 38, correspondendo ao que era a essência do argumentário mandada utilizar aos funcionários para lograrem convencer os clientes. Saliente-se que a testemunha J. R., sendo-lhe perguntado sobre as explicações que dava sobre a entidade que garantia o capital, referiu mais que uma vez: - “era o banco, tinha de ser o banco”. Também nesse âmbito o Sr. Juiz sopesou devidamente a prova: «a testemunha J. R. confirmou, também, que o A. se preocupava sempre em “rentabilizar os seus fundos o melhor possível”, tendo como premissa e exigência a aplicação em produtos de capital garantido pelo Banco (….) Nessa linha, a testemunha, sempre sem lembrança do concretamente ocorrido, admitiu como possível ter passado a informação ao Autor de que tal produto tinha capital garantido pelo Banco, sendo este o responsável pelo pagamento do mesmo, como um depósito a prazo, pelo que só podia julgar-se como não provada a factualidade inserta no ponto II.9. De resto, tal testemunha confirmou que isso correspondia ao argumentário da instituição bancária, sendo que o depoente e demais funcionários também acreditavam nesse conjunto de pressupostos, pelo que é natural, expectável e verosímil que tenha passado essa informação ao Autor e, nessa medida, o tenha tranquilizado, tudo o que faz acreditar na veracidade do referido em I.13 a I.25, tanto mais que a dita testemunha confirmou também que não entrava em grandes pormenores nas informações e explicações que dava aos clientes (confirmando, porém, que transmitia sempre o referido em I.38 e I.39) e não entregava qualquer documento informativo sobre o produto (quando muito, apenas, o boletim de subscrição, o que, como vimos, nem sequer ocorreu neste caso), tudo o que levou às decisões constantes de II.15 a II.17. Por fim, a referida testemunha desvendou que lhe foram pagos prémios de produtividade em cash, entregues em envelopes no Porto “por cima da mesa”, os quais dividia pelos demais funcionários da agência. O referido procedimento da testemunha é corroborado, de modo inequívoco, pelo teor do Acórdão proferido no proc crime nº. 414/09.0TAFAF (cfr. fls.176 e seg. e no qual o arguido J. R. confessou, integralmente e sem reservas, a factualidade relevante que lhe era ali imputada) e pelo teor do relatório de auditoria O-5/2009 da Direcção de Auditoria e Inspecção do Banco ..., junto a fls.96 e seg., o qual descreve, pormenorizadamente, o modo como tal testemunha se relacionava com os clientes da instituição e como canalizava fundos dos clientes para a subscrição de Obrigações Sociedade De Negócios ... sem qualquer autorização escrita assinada. Com efeito, temos a título de exemplo: cfr. p.9 do referido relatório onde se menciona existirem 24 clientes envolvidos em subscrições sem título; cfr. p.13 do referido relatório, com referência ao cliente José; cfr. p.36 do referido relatório, com referência ao cliente M.R., onde foi passado um documento assinado pelo J. R. …, onde consta, relativamente às Obrigações Sociedade De Negócios ..., “capital garantido” e “garantia de reembolso do capital na data de pagamento de juros” (cfr. doc nº 2 do Anexo 26); cfr. p.60 do referido relatório, relativa à situação do cliente C. M. que tinha em carteira seis Obrigações Sociedade De Negócios ..., sem documento de subscrição e com uma promissória, em papel timbrado do Banco ..., com os dizeres “capital garantido” e “reembolso assegurado nas datas de pagamento de juros, mediante pré-aviso de 5 dias” (cfr. documentos nº 10 a 11 do Anexo 26); cfr. p.64, a situação semelhante da cliente A. M., que era possuidora de uma promissória em papel em papel timbrado do Banco ..., do produto Obrigações Sociedade De Negócios ... Rendimento Mais, com os dizeres “capital garantido” e “reembolso assegurado nas datas de pagamento de juros, mediante pré-aviso de 5 dias” (cfr. doc nº 12 do Anexo 26); cfr. p.69 do mesmo relatório, em que se menciona o cliente J. C. com um património de € 471.000,00 em Obrigações Sociedade De Negócios ... e Papel Comercial Sociedade De Negócios ..., cuja subscrição foi feita sem qualquer suporte documental, tendo tal cliente uma promissória com as indicações “capital garantido na data de aniversário”, assinada pelo J. R. (cfr. documento nº 13 do Anexo 26); etc, etc.» Tal como se antecipou, a impugnação deduzida improcede. Pelo exposto, considera-se estabilizada a seguinte matéria de facto provada: 1. Os AA. eram clientes do Banco … (doravante apenas designado por Banco ...), na sua agência de Fafe, onde movimentavam parte dos seus dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças. 2. O Banco ... foi adquirido pelo Banco ..., incorporando-se neste por fusão, na sequência da qual todos os direitos e obrigações dos Autores perante o Banco ... passaram para a esfera do Banco .... 3. A conta bancária dos AA. foi aberta na agência do Banco ..., na Rua …, freguesia e concelho de Fafe, …após a fusão, nessa mesma morada ficou a ser explorada a sucursal do Banco ... para a qual transitaram as contas detidas pelos AA. no Banco .... 4. O valor de 50.000,00€ encontra-se, ainda, aplicado em obrigações Sociedade De Negócios ... Rendimento Mais 2006, as quais permanecem, por força da fusão do Banco ... com o Banco ..., depositadas nesta instituição bancária sob a conta nº. 12581282.10.001, recusando o Banco ... a entregar tal valor aos aqui AA. 5. “em data não concretamente, mas situada entre abril de 2007 e dezembro de 2008, o A. apercebeu-se que eram titulares de obrigações Sociedade De Negócios ... Rendimento Mais ». 6. Sem que para tal tivessem dado a qualquer ordem ou autorização. 7. Dirigiram-se, então, ao balcão e foram informados pelo seu gestor de conta, J. R., que este havia investido parte das suas poupanças numa aplicação segura, em tudo equivalente a um depósito a prazo. 8. Nesse momento, o mencionado J. R., explicou aos Autores que se tratava de uma aplicação com reembolso de capital garantido pelo banco Banco ..., com rentabilidade assegurada, denominado de obrigações Sociedade De Negócios ... Rendimento Mais. 9. Os AA. desconheciam, por completo, ao tempo da mencionada subscrição, a existência das obrigações Sociedade De Negócios ... Rendimento Mais, não tendo formação técnica que lhes permitisse conhecer este tipo de produto financeiro e avaliar os inerentes riscos. 10. Estando convencidos de que Sociedade De Negócios ... Rendimento Mais era o nome comercial que o Banco ... havia atribuído aquele concreto depósito a prazo que, acreditaram, tinha sido constituído à revelia da sua vontade. 11. Os AA., quando se dirigiram à agência bancária do Banco ..., em Fafe, apenas tinham como intuito exigir a devolução dos seus 50.000,00€. 12. Mas depois de lhe ter sido explicado que era uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, sem risco de perderem parte ou a totalidade do capital em causa e a sua rentabilidade, aceitaram manter a aplicação, ratificando-a que verbalmente. 13. Em data não concretamente apurada, os Autores tomaram conhecimento que o seu dinheiro não havia sido aplicado num depósito a prazo (ou numa aplicação semelhante sem risco), tendo-lhe sido transmitido pelo Banco ... que a entidade responsável pela restituição da quantia aplicada era, a final, a Sociedade De Negócios ... e não o próprio banco.... 14. Os AA. não sabiam, à data da ratificação da subscrição, nem no momento em que receberam a informação referida no artigo precedente, o que era a Sociedade De Negócios .... 15. Desconheciam os AA., porque tal lhes foi omitido pelo Banco ..., que tinham adquirido uma aplicação de risco, muito diferente de um depósito a prazo. 16. E desconheciam que a entidade obrigada à restituição do capital investido não era o próprio Banco... que conheciam e em quem confiavam, mas era uma empresa gestora de participações que desconheciam por completo, nem sequer entendendo o seu objecto social. 17. Em momento algum, foram os AA. informados sobre o significado da compra de Obrigações Sociedade De Negócios ... Mais, nunca lhes tendo sido lido ou explicado o que eram obrigações subordinadas, e o que eram as Obrigações Sociedade De Negócios ... Mais 2006, 18. Não tendo havido de parte do banco um qualquer procedimento informativo, designadamente quanto à entidade emissora, à liquidez do capital e ao vencimento de retribuição. 19. Souberam, apenas, aquilo que então lhes foi transmitido e que os levou a aceitar a manutenção da aplicação abusivamente feita: o prazo de reembolso era garantido pelo próprio Banco ... ao fim de 10 anos e os juros a pagar nos primeiros 2 semestres eram à taxa anual nominal bruta de 4,5%, nos 8 semestres seguintes eram à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de 1,15% e nos restantes semestres eram à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de 1,50%. 20. Aos AA. nunca foi lido, entregue ou sequer explicado qualquer documento que contivesse o regime aplicável às sobreditas obrigações subordinadas Sociedade De Negócios .... 21. Aos AA. não foi dado sequer qualquer documento comprovativo da subscrição efectuada. 22. O Banco... comercializou o produto financeiro em causa como se de um depósito a prazo se tratasse, semelhante a um depósito a prazo, com restituição do capital e com retribuição de juros garantidas pelo Banco .... 23. Fazendo os AA. acreditarem que nenhum risco corriam em ratificar a subscrição feita pelo gestor de conta. 24. Sabem agora os AA. que o banco havia dado instruções expressas aos seus funcionários para promoverem as vendas destas aplicações e lhes darem prioridade sobre qualquer depósito a prazo 25. Ordenando aos mencionados funcionários que os valores superiores a € 50.000,00 fossem sempre canalizados, mediante convencimento dos clientes com os falsos argumentos acima expostos, para estas aplicações em detrimento de quaisquer depósitos a prazo. 26. Na data de vencimento contratada, os AA. tentaram levantar os montantes que confiaram ao Banco ..., contudo tal quantia não lhes foi disponibilizada, nem então, nem posteriormente. 27. O capital de € 50.000,00 deveria ter sido restituído aos AA. na data da maturação do investimento que os AA, ou seja, em 9 de Maio de 2016. 28. De um momento para o outro, os AA. foram confrontados com a retenção dos seus 50.000,00€, vivendo na permanente incerteza da recuperação das suas poupanças, desde 09/05/2016. 29. Tendo sido impedidos de recuperar e usar o seu dinheiro da forma como bem entendessem. 30. O que causou, causa e continuará a causar, até à decisão definitiva do pleito, ansiedade aos AA., que os faz sentir nervosos, angustiados e preocupados, 31. Os AA. sentem-se enganados pela instituição bancária de que eram clientes, andando em permanente estado de “stress” e revoltados, sentindo-se desapossados das suas poupanças, sem perspectivas de futuro na sua restituição. 32. Não era previsível, e como tal nunca poderia ter sido comunicado ao cliente, era que em 2008 aconteceria uma nacionalização parcelar do grupo, que veio dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira. 33. Foram sendo creditados em conta aos Autores os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo nos seus extractos. 34. O Autor sempre foi pessoa cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património, preferindo sempre rentabilizar os seus fundos, mas exigindo sempre capital garantido pelo Banco. 35. O Autor é Presidente do Conselho de Administração da sociedade A. V. - SGPS, S.A., Administrador Único da sociedade … - Imobiliária, S.A., Gerente da … - Desenho e Indústria Têxtil, Lda. e Administrador Único da sociedade ... Comércio e Indústria De Vestuário, S.A.. 36. O Autor é empresário experiente. 37. O Autor investiu, junto do banco Réu, em outros produtos que não os “vulgares” depósitos a prazo, como é o caso do Papel Comercial X produto no qual o Autor investiu em 20.09.2004, 19.09.2005, 18.09.2006 e 17.09.2007 - conforme extracto junto como documento 5. 38. O A. foi informado de que a única forma de liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso. 39. O que na altura era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade. O direito. A abertura de conta é o contrato matriz duma relação bancária complexa e duradoura entre a entidade bancária e o cliente, isto é, disciplina e define as regras básicas dos diversos negócios e actos subsequentes previstos no nº1 do artigo 4º do RGICSF aprovado pelo DL 298/92, de 31.12, designadamente a recepção de depósitos, operações de crédito e de pagamento, mediação de seguros, consultadoria, operações cambiárias, gestão de valores mobiliários, mediação financeira etc… Foi na sequência da celebração e continuada execução de um contrato dessa natureza celebrado com o Banco ... que os AA., na agência de Fafe, movimentaram dinheiro, fizeram pagamentos, depositaram poupanças (item 1), investiram no Papel Comercial X em 20.09.2004,19.09.2005, 18.09.2006 e 17.09.2007 (item 37), e foram-lhe creditados numa das contas juros relativos aos cupões das ditas obrigações Sociedade De Negócios ... (item 33), subscritas/adquiridas pelo funcionário do banco J. R., sem que os autores tivessem dado qualquer ordem ou autorização (itens 5 e 6). Enquanto instituições de crédito (artigo 3º, alínea a), do DL 298/92, de 31.12, e artigo 293º, nº1, alínea a), do CVM) os bancos podem realizar os serviços de intermediação financeira elencados no artigo 290º do CVM, desde que o façam a coberto de um contrato escrito de mediação financeira (2) (artigos 321º a 324º CVM) ou na execução de ordens isoladas adrede transmitidas pelos clientes (3), as quais podem ser dadas por escrito ou oralmente (artigo 327º, nº1, do CVM). No caso, dizem os factos provados que o funcionário do Banco ... adquiriu para o autor as obrigações Sociedade De Negócios ..., mas sem a referida cobertura contratual ou ordem dos autores, ou seja, actuou sem poderes de representação, daí ser errado afirmar-se na LVII conclusão recursiva que a situação configura dois contratos – um de execução de intermediação financeira entre o banco e o cliente, e outro de contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira – e que o contrato de execução de intermediação financeira se acha cumprido no acto da subscrição das obrigações (conc. LIX). Nos termos do nº1, do art. 268º, do Cód. Civil, «o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebra em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado». Como refere o Prof. A. Varela, a ratificação é o instrumento pelo qual o dono do negócio «chama a si, à sua esfera jurídica, os efeitos do acto praticado pelo gestor» (Código Civil Anotado, Vol. 3ª ed., p. 246), e havendo ratificação sem aprovação da gestão (art. 469º Cód. Civil), o gestor responde pelos danos que haja causado, caso não faça a prova de ter agido em conformidade com o interesse e a vontade do dominus negotii (cfr. Das Obrigações em Geral, 2ª ed. pág. 349). Significa que seria ineficaz em relação aos autores o referido negócio de subscrição das obrigações Sociedade De Negócios ... feita pelo gerente do banco... não fora a circunstância de ter sido por eles ratificado. Contudo, os factos não evidenciam que essa ratificação tenha sido simultaneamente acompanhada da aprovação da actuação do gerente e do reconhecimento de que a aplicação financeira estava conforme a vontade e interesse dos autores. A actuação ilicitude do gestor do Banco ... iniciou-se com a violação do contrato de depósito, ao retirar da conta dos AA. €50.000,00€ para fazer a subscrição das obrigações (a indisponibilidade do dinheiro poderia ter impedido os autores de cumprir contratos e honrar pagamentos, daí derivando prejuízos e a afectação do seu bom nome). É que no depósito bancário, independentemente da natureza jurídica que lhe seja atribuída (um verdadeiro depósito irregular; um mútuo; uma figura autónoma), o depositante mantém sobre os valores depositados uma “constante disponibilidade, podendo exigir a sua restituição a qualquer momento” (Miguel Pestana de Vasconcelos in Direito Bancário, p. 139). Detecta-se aí, como na subscrição não autorizada das obrigações e também aquando da ratificação do negócio pelo A., a violação pelo Banco ... do dever geral de boa fé enunciado no nº2, do artigo 762º do Código Civil - ao qual “estão ligados os deveres de fidelidade, lealdade e o direito de confiança na realização e fiel cumprimento dos negócios jurídicos” (cfr. citada obra Código Civil Anotado, Vol. II, pág. 2)-, regras previstas no RGICSF que impõem às entidades bancárias um dever geral de informação (artigo 77º: “as instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”) e uma actuação tecnicamente competente, leal e diligente para com os seus clientes (artigos 73º a 76º). Na altura em que apresentou ao A. o negócio consumado, para o qual não tinha recebido ordem ou autorização, o Banco ... deveria ter-lhe prestado uma informação “completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita” sobre as obrigações transacionadas e as entidades envolvidas (artigo 7º do CVM). Ao invés, o gerente do banco prestou ao autor informações lacunares e não verdadeiras, e desse modo impediu que a ratificação do negócio fosse uma decisão esclarecida e fundamentada. Com efeito, não foi explicado ao A. que o Banco ... e a Sociedade De Negócios ... eram duas entidades distintas, foi-lhe referido que a aplicação financeira era em tudo equivalente a um depósito a prazo (informação não verdadeira, desde logo quanto à disponibilidade do dinheiro e à natureza do crédito em caso de insolvência), e que o reembolso de capital era garantido pelo banco Banco .... Apesar do autor estar ligado à administração de várias sociedades e de ter já investido em papel comercial, o Banco ... não estava desonerado de cumprir os deveres específicos de informação que lhe eram impostos pelo CVM, pois estava perante um investidor não profissional. O A. não procurou na ocasião o Banco para fazer aplicações financeiras, mas simplesmente para reclamar a devolução dos 50.000,00€, e só desistiu dessa pretensão e ratificou o negócio em função das garantias dadas pelo gerente, designadamente que era o banco a entidade responsável pelo reembolso do capital e que nenhum risco corria. Tanto basta para se afirmar a existência do nexo de causalidade entre a actuação ilícita do Banco ... e o dano sofrido pelos autores. Pode argumentar-se que os bancos também correm o risco de insolvência, mas é sabido que a ideia da generalidade das pessoas era de confiança, até porque os bancos estavam sob a alçada de entidades de supervisão e era a cada passo anunciada a superação dos “testes de stress” a que eram sujeitos. Ademais, insolvendo, sempre existia um Fundo de Garantia de devolução até 25.000,00€ por cada depositante (artigo 166º do RGICSF). Não se apurou se à data da ratificação do negócio vigoravam as alterações introduzidas pelo DL 357-A/07, de 31.10, mas do anterior regime do CVM já constava a densificação dos deveres de informação (artigo 312º) bem como a necessidade dos intermediários financeiros observarem elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (art. 304º, nº2). E o artigo 314º previa a obrigação dos intermediários financeiros de “indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública” (nº1) e a sua presunção de culpa “quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação” (nº2. O dever de informação é o núcleo central na relação bancária, e só com o seu cabal cumprimento se pode afirmar a perfeição da prestação debitória do intermediário financeiro. O não recebimento do valor nominal das obrigações subordinadas traduz o incumprimento da entidade emitente (Sociedade De Negócios ...) mas, simultaneamente, constitui o dano que o autor sofreu em consequência da actuação ilícita e culposa do banco. Não é o incumprimento do empréstimo obrigacionista que é imputado ao réu, mas sim a responsabilidade de ter condicionado a liberdade e vontade do autor na decisão de ratificação do negócio, por via de uma informação enganosa e deficiente sobre aspectos relevantes do produto em causa e da qualidade dos sujeitos. Estão por isso verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar (cfr. arts 483º, nº1, 562º e 566º, nº2, do Código Civil. A descrita actuação ilícita e culposa do Banco ... levou a que o autor não tivesse exercido o direito de exigir a restituição dos 50.000,00 que tinha depositado na sua conta, daí poder afirmar-se o nexo de causalidade entre a conduta do Banco ... e o dano. Decisão. Em face das considerações expostas, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação. Custas pela recorrente. TRG, 05-12-2019 1. Mas raramente são estranhas a qualquer relação de clientela, antes são o resultado da relação estabelecida entre o cliente e a entidade bancária na sequência duma abertura de conta. Um “cliente é tido como qualquer pessoa, singular ou colectiva, a quem o intermediário preste serviço de investimento ou auxiliares” (cfr. artigo 4º, nº1-10 da Directiva 2004/39/CE e 94/19/CE)- Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ªa edição. 2. José A. Engrácia Antunes, in Direito dos Contratos Comerciais, edição de 2009, pág. 573, define os contratos de intermediação financeira como “negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativo à prestação de actividades de intermediação financeira”. 3. Refere José A. Engrácia Antunes, citada obra p. 580, que as ordens relativas a instrumentos financeiros, vulgarmente denominadas “ordens de bolsa” “constituem declarações negociais tendentes à celebração de contratos de comissão, de mandato ou de mediação de um intermediador financeiro e um investidor para a realização de negócios sobre instrumentos financeiros”. |