Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães  | |||
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| Relator: | PAULO REIS | ||
| Descritores: |  PROCESSO DE INVENTÁRIO PARA PARTILHA DE BENS COMUNS DO EX-CASAL RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS DÍVIDAS PRINCÍPIO INQUISITÓRIO  | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 04/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: |   I - O efeito cominatório pleno previsto no artigo 1106.º, n.º 1 do CPC para o reconhecimento das dívidas relacionadas que não hajam sido impugnadas pelos interessados não ocorre quando os factos constitutivos das dívidas relacionadas só puderem ser provados por documento escrito, o que implica que as correspondentes dívidas não possam considerar-se reconhecidas por acordo, por via da exceção ao referido efeito cominatório prevista no artigo 574.º, n.º 2 do CPC; II - No âmbito da tramitação específica da reclamação apresentada quanto à relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, sustentando a insuficiência dos bens relacionados, as provas devem ser indicadas com os requerimentos e respostas; III - Se a reclamante não apresentou com a reclamação qualquer meio de prova nem requereu ao Tribunal qualquer diligência específica em sede probatória relativamente à insuficiência de bens que invocou, não se impunha ao Tribunal recorrido que tomasse a iniciativa de realizar oficiosamente quaisquer diligências destinadas a suprir a falta de impulso da interessada sobre esta matéria, tanto mais que as questões em causa envolvem indagação que se antevê necessariamente morosa e relativamente complexa em termos factuais e probatórios.  | ||
| Decisão Texto Integral: |   Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório No processo de Inventário/Partilha de Bens em Casos Especiais subsequente a divórcio[1], instaurado em ../../2020, para partilha do património comum do dissolvido casal, constituído por AA (requerente) e BB (cabeça de casal)[2], foi proferida decisão, de 23-12-2024, conhecendo da reclamação apresentada pela Interessada/requerente contra a relação de bens, a qual se transcreve nos segmentos que relevam para o objeto da presente apelação: «(…) Por conseguinte, o objecto da presente reclamação é, necessariamente, fixado nos requerimentos de 28.09.2021, pelo que tudo o demais invocado que não seja consequência directa dos ajustes que foram solicitados pelo Tribunal, não são admissíveis, atento o efeito preclusivo ocorrido quanto à reclamação da relação de bens. Assim, compulsados os autos e, em concreto, o teor do requerimento de 28.09.2021, denota-se que a interessada acrescentou - além do objecto da presente reclamação - logo no requerimento de 11.07.2024 reclamação relativa ao passivo da relação de bens, na qual afirma que o valor da verba n.º 1 do passivo se encontra incorrecta e ainda que a verba n.º 2 não é da responsabilidade do casal, mas sim do Cabeça-de-casal. Ora, tal passivo já integrava a relação de bens apresentada em 09.07.2021, nada tendo a interessada dito quanto ao mesmo em sede de reclamação à relação de bens apresentada em 28.09.2021 pelo que precludiu o direito de impugnar o passivo referido, pelo que improcede a reclamação neste âmbito. (…) Quanto à alegada omissão de bens referidos na reclamação inicial das verbas n.º 32 a 80, correspondentes às verbas n.º 65 a 113 do último requerimento de contraditório da interessada (05.06.2024), cumpre desde logo ter em conta que, a prova da existência desde incumbe, naturalmente, nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil e 1105.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a quem alega a sua existência, devendo a prova ser indicada com o requerimento. Assim, para decisão das mesmas, impõe-se apreciar as provas juntas no requerimento de incidente da reclamação à relação de bens e na respectiva resposta apresentada pelo cabeça-de-casal. Ora, do cotejo dos autos, constata-se que nenhuma prova foi realizada relativamente à existência dos referidos bens, nem tão-pouco à propriedade comum dos mesmos. Como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães supra mencionado, relativo a processo de inventário por óbito, mas cujo princípio subjacente é plenamente aplicável aos presentes autos, «O processo de inventário não se destina a fazer investigação sobre as despesas e liberalidades feitas pelo de cuius ainda em vida, e ainda atentas as regras da alegação de factos constitutivos do direito e do ónus da prova. A investigação tem de ser feita extra-judicialmente pelo interessado para recolher os factos e as provas que lhe permita intentar uma acção». Por conseguinte, inexistindo prova quanto ao alegado, improcede o requerido quanto às verbas n.º 65 a 113 do requerimento de 05.06.2024 da interessada. (…) Custas pelas partes de acordo com o decaimento, que se fixam em 30% para o Cabeça-de-casal e em 70% para a Interessada, fixando-se a taxa de justiça do incidente em 2 UC (duas unidades de conta) considerando o volume processual do presente processo bem como as vastas questões suscitadas na reclamação apresentada, tudo, sem prejuízo de isenção de que as partes beneficiem. Valor do incidente: € 280.899,14 (duzentos mil, oitocentos e noventa e nove euros e catorze cêntimos) - cfr. os arts. 302.º, n.º 3 aplicável ex vi do disposto no art. 307.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. II. Notifique o Cabeça-de-casal e a Interessada para, no prazo de 20 (vinte) dias, proporem a forma da partilha, nos termos do disposto no art. 1110.º, n.º 1, b), do Código de Processo Civil. (…)». Inconformada com esta decisão, a Interessada/requerente, apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da decisão recorrida, na parte que lhe é desfavorável. Termina as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Os presentes autos tornaram-se tão caóticos, que não condenamos o Tribunal a quo pelo despacho proferido. 2. Mas não o podemos aceitar na íntegra. 3. A discordância da Recorrente prende-se apenas com dois pontos: a questão do passivo e a questão dos bens omitidos, mais concretamente quanto às máquinas da actividade comercial do Cabeça-de-Casal. 4. No que diz respeito ao passivo, não se pode considerar que a primeira reclamação é a que vale (nem quanto ao passivo, e na verdade nem quanto ao demais) pois o Cabeça-de-Casal alterou o valor do passivo e acrescentou informação. 5. Entre a primeira relação de bens e esta (que na verdade é a terceira) sobre a qual a Recorrente se pronuncia expressamente sobre o passivo, houve uma alteração das circunstâncias, nomeadamente um processo executivo com penhora e consequente liquidação das dívidas pelo Cabeça-de-Casal. 6. A Recorrente fez prova de tudo o que alegou na sua reclamação de 11.07.2022. 7. Os valores em dívida e a responsabilidade de cada interveniente nos contratos em causa decorre da própria lei e o Tribunal tem a obrigação de analisar a questão, ainda mais quando tem todos os elementos para o fazer. 8. Havendo uma alteração dos factos quanto à questão do passivo, que de facto se verificou, o Tribunal não podia ter o entendimento que teve no douto despacho recorrido. 9. Assim, deve a decisão ser alterada, apreciando-se a reclamação feita em 11.07.2022, de forma a que seja fixado devidamente o valor do passivo do casal. 10. Quanto aos bens omitidos, 11. Há anos (tantos quantos os da separação) que a Recorrente faz queixas, informa os processos, faz tudo e mais alguma coisa para que alguém lhe dê ouvidos quanto a estas máquinas. 12. O casal tinha uma “fábrica de granitos”. 13. Primeiro em nome individual do Cabeça-de-Casal, e mais tarde em nome de uma sociedade comercial, entretanto declarada insolvente e dissolvida. 14. Enquanto empresário em nome individual, o Cabeça-de-Casal adquiriu muita maquinaria para esta atividade, a qual nunca foi transferida (em termos de direito de propriedade) para a empresa. 15. Portanto, esses bens são bens do casal. 16. O problema é que os mesmos estão desde a data da separação do casal, na posse do Cabeça-de-Casal. 17. São milhares de euros em máquinas, que são essenciais para a partilha do património. 18. O Tribunal a quo entende que a Recorrente não fez prova da existência destes bens, como era sua obrigação, e como tal os mesmos não devem ser relacionados. 19. Discordamos totalmente deste entendimento. 20. Desde a primeira reclamação que a Recorrente fala nesta maquinaria e diz onde está. 21. Ao dizer onde estão está a indicar prova. 22. O Cabeça-de-Casal tenta, ainda que de uma forma pouco clara, dizer que os bens eram da empresa e foram vendidos na insolvência. 23. A Requerente pede ao Tribunal para que seja junto o auto de apreensão de bens na insolvência, o que nunca foi feito e na verdade nem houve despacho sobre tal pedido. 24. Destas voltas e voltas que se deram em torno das máquinas concluímos duas coisas: que o Cabeça-de-Casal assume a existência desses bens, ainda que os tente “empurrar” para a insolvência, e que o Tribunal não tomou as diligências que deveria sobre a questão. 25. Assim, deve o despacho ser revogado também nesta parte e serem tomadas as medidas ao alcance do Tribunal para localizar as máquinas a fim de serem as mesmas relacionadas nos autos e partilhadas. 26. Revogando-se o despacho recorrido nos termos requeridos, caminharemos em direção à justiça! Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, em conformidade com as conclusões formuladas. Assim se fazendo JUSTIÇA!». O recurso foi admitido para subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo. Os autos foram remetidos a este tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos. II. Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões: A) aferir se a falta de impugnação, pela ora apelante, do passivo relacionado pelo cabeça de casal sob as verbas 1 a 3 da relação inicial de bens (apresentada em 09-07-2021), tem, ou não, o efeito cominatório enunciado na decisão recorrida, precludindo o direito de impugnar o passivo posteriormente relacionado pelo cabeça de casal com a nova relação de bens apresentada a 06-06-2022 (renovada em 29-04-2024); em consequência, se deve o Tribunal recorrido apreciar a reclamação apresentada pela ora apelante em 11-07-2022 (e renovada nos requerimentos de 03-12-2023 e 05-06-2024) relativamente às verbas 1 a 3 do passivo relacionado a 06-06-2022; B) se cabia ao Tribunal recorrido tomar as medidas ao seu alcance para localizar as verbas n.º 35 a 80 - enunciadas na reclamação de 28-09-2021 como “bens omitidos” (a que correspondem as verbas 68 a 113 da nova reclamação apresentada pela ora apelante em 05-06-2024) - a fim de serem as mesmas relacionadas no inventário e partilhadas. Corridos os vistos, cumpre decidir. III. Fundamentação 1. Os factos 1.1. Os factos a considerar na decisão deste recurso são as que já constam do relatório enunciado em I supra, relevando ainda as seguintes ocorrências/incidências processuais devidamente documentadas nos autos: 1. Por requerimento de 09-07-2021, o cabeça de casal, BB, apresentou a Relação de Bens, da qual constam as verbas 1 a 29 (Ativo) e Passivo (verbas 1 a 3), sendo este com o seguinte teor: «(…) Passivo Verba n.º 1 Crédito Habitação e comercial, - Banco 1.... R.L. com as referências ...10; PROC/Avalista - em divida 30.659,25€ Verba n.º 2 Crédito Habitação e comercial, Banco 1.... R.L com as referências ...61, .../ - em divida 10.424,77€ Verba n.º 3 Crédito Habitação e comercial, Banco 1..., C.R.L com as referências ...15, .../ - em divida 74.846,44€ TOTAL: 115.930,46€». 2. Com a Relação de Bens aludida em 1., o cabeça de casal juntou os seguintes documentos: Autos de Arrolamento no p. 1015/17....- Tribunal Judicial da Comarca de Bragança - Juízo de Competência Genérica de Miranda do Douro; - Declaração de Saldos - Banco 1... (Consulta da Posição de Cliente). 3. Mediante requerimento de 28-09-2021 (ref.ª Citius 1858239), a interessada/requerente, AA, veio reclamar da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, alegando, entre o mais, e no que releva para o objeto da presente apelação, o seguintes: «(…) O Cabeça-de-Casal omite uma enorme quantidade de bens pertencentes ao património comum do ex-casal. Importa referir que o Cabeça-de-Casal era sócio da sociedade comercial EMP01..., Unipessoal, Lda., empresa que se encontra insolvente e cujo património já foi liquidado, correndo termos o processo neste Juízo de Competência Genérica com o nº 24/19..... Ora, antes de constituir a sociedade, o Cabeça-de-Casal havia sido empresário em nome individual, pelo que muitas das máquinas e equipamentos ali existentes foram adquiridas pelo mesmo em nome individual, no estado de casado com a Requerente, ou seja, são património comum do dissolvido casal. Não tendo sido estes bens relacionados e vendidos no processo de insolvência, por não pertencerem à insolvente, são os mesmos património comum do casal. Importa desde já referir que alguns destes bens estão na antiga fábrica onde laborava a insolvente, outros estão na fábrica do irmão do Cabeça-de-casal, onde este agora é trabalhador, e que já existem queixas apresentadas junto da GNR sobre a ocultação/dissipação de algumas das máquinas, nomeadamente máquinas industriais utilizadas na transformação dos granitos, e com grande valor comercial. (…) BENS OMITIDOS: (…) Móveis: (…) Verba nº 35: uma máquina de corte de granito, marca ..., tipo ... nº 286, do ano de 1997. Verba nº 36: uma máquina corta topos ..., do ano de 1997. Verba nº 37: uma máquina de serra elétrica, modelo ......-A, do ano de 1999. Verba nº 38: uma retroescavadora, marca .... Verba nº 39: uma máquina de jatear, marca .... Verba nº 40: dois compressores. Verba nº 41: uma máquina de corte de paralelos. Verba nº 42: um compressor 10MP. Verba nº 43: uma máquina de jato de areia, de cor ..., marca .... Verba nº 44: dois compressores de cor .... Verba nº 45: um gerador a gasolina. Verba nº 46: três armários de lata de duas portas. Verba nº 47: uma mesa com quatro cadeiras. Verba nº 48: 1 micro-ondas. Verba nº 49: uma máquina de café. Verba nº 50: dois frigoríficos. Verba nº 51: um banco de jardim de cor .... Verba nº 52: 1 cilindro de águas quentes. Verba nº 53: dois compressores de cor .... Verba nº 54: um compressor vermelho. Verba nº 55: uma máquina de alta pressão de cor ... e verde. Verba nº 56: uma máquina de gravar letras para campas e placas de cor .... Verba nº 57: uma máquina soldador de cor .... Verba nº 58: quatro ventosas. Verba nº 59: um aspirador. Verba nº 60: duas carretas. Verba nº 61: um motor de rega. Verba nº 62: vários discos de polir com várias medidas. Verba nº 63: vários discos de corte. Verba nº 64: várias rebarbadoras de várias cores e tamanhos. Verba nº 65: vários berbequins de vários tamanhos e marcas. Verba nº 66: várias máquinas de bateria (ex. berbequins e aparafusadoras). Verba nº 67: um martelo perfurador a bateria. Verba nº 68: um martelo perfurador elétrico. Verba nº 69: várias máquinas pequenas para outras funções nomeadamente para restaurar livros de cemitério. Verba nº 70: uma rebarbadora de polir a água. Verba nº 71: um carrinho de mão de cor .... Verba nº 72: um computador de marca ..., 19 polegadas. Verba nº 73: quatro impressoras. Verba nº 74: uma secretária de escritório. Verba nº 75: duas cadeiras de escritório vermelha. Verba nº 76: dois armários pretos de escritório. Verba nº 77: um armário cinza de escritório. Verba nº 78: quatro cadeiras de escritório. Verba nº 79: seis cavaletes em ferro para suporte de pedras. Verba nº 80: um contentor industrial de cor .... Todos os bens indicados a partir da verba nº 35 estavam na fábrica de granitos e continuam na posse exclusiva do Cabeça-de-Casal. A Requerente tem fotografias de muitos destes bens, que poderá juntar aos autos. A Requerente desconhece o valor destes bens, pelo que será necessário apurar o mesmo. Por tudo o exposto, reclama-se da relação de bens indicada, devendo a mesma ser alterada, de acordo com a presente reclamação». 4. Com o requerimento aludido em 3., não foram juntos documentos, nem indicados outros meios de prova. 5. Na sequência da notificação da reclamação aludida em 3., o cabeça de casal respondeu, por requerimento de 11-10-2021, sustentando, no essencial, que o teor da reclamação apresentada não correspondia à verdade. 6. Por despacho de 21-02-2022, foi o cabeça-de-casal convidado a aperfeiçoar a relação de bens, procedendo à completa identificação dos bens relacionados (ativo e passivo) e a juntar os documentos comprovativos da situação de registo dos bens a isso sujeitos, cadernetas prediais acompanhadas de certidão permanente quanto aos imóveis por si relacionados, documentos comprovativos do passivo e valor da participação social que indica. 7. Por requerimento apresentado a 28-03-2022, o cabeça de casal apresentou nova relação de bens, com o teor já enunciado em 1., e os documentos aludidos em 2., mas requerendo o seguinte: «Considerando os Autos de Arrolamento, e as responsabilidades inerentes ao fiel depositário - Requer a V. Ex.ª, que seja oficiado o Banco de Portugal, para aferir dos Saldos Bancários, junto das Instituições Bancarias identificadas, por referência á data da dissolução-conforme Autos-». 8. Por requerimento de 10-05-2022, veio a interessada/requerente reiterar o teor da reclamação já apresentada em 28-09-2021. 9. Em 17-05-2022 foi proferido despacho no qual se indeferiu a requerida diligência junto do Banco de Portugal, concedendo ao cabeça-de-casal prazo de 10 dias para juntar a referida documentação aos autos, bem como nova relação de bens, acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo respetivo e, se for o caso, da matriz e bem ainda, da relação dos créditos e das dívidas da herança, acompanhada das provas que possam ser juntas. 10. Por requerimento apresentado a 06-06-2022, o cabeça de casal apresentou nova relação de bens, da qual constam as verbas 1 a 29 (Ativo) e Passivo (verbas 1 a 3), sendo este com o seguinte teor: «(…) Passivo Verba n.º 1 Crédito ao cabeça-de-casal do valor de 86.667,49 € - processo executivo n.º 668/19.... - Crédito Habitação e comercial, Banco 1.... R.L com as referências ...15, ... divida comum do casal - paga pelo cabeça de casal. Na presente data, sendo este credor do valor da correspondente à quota parte – seja, 50% - - em divida 86.667,49 Verba n.º 3 Crédito ao cabeça-de-casal do valor de 39.124,08 € - processo executivo n.º 49/21.... - ref. Crédito Habitação e comercial, Banco 1.... R.L com as referências ...15, ... divida comum do casal - paga pelo cabeça de casal. Na presente data, sendo este credor do valor da correspondente à quota parte - seja, 50% - /- em divida 39.124,08 Verba n.º 3 Crédito Habitação e comercial, Banco 1.... R.L com as referências ...61, .../ - em divida 12.139,77€. processo executivo n.º 57/21.... - TOTAL: 137.931,34€ - sendo o cabeça de casal credor de 62.895,79€». 11. Com a Relação de Bens aludida em 10., o cabeça de casal referiu-se aos documentos, nos seguintes termos: «Documentos - os juntos anteriormente, em complemento na presente - junta: Certidão permanente atualizada - - Autos de Diligencia - Processos executivos e respetivas notas de Liquidação - prova do credito/passivo». 12. Por requerimento de 11-07-2022, veio a interessada/requerente exercer o contraditório, reiterando o conteúdo da reclamação já apresentada em 28-09-2021, bem como o conteúdo do requerimento de 10-05-2022, acrescentando, no que ora releva, o seguinte: «(…) Vamos agora analisar o Passivo relacionado na Relação de Bens apresentada. Verba nº 1: a dívida relacionada nesta verba diz respeito ao montante contraído pelo extinto casal na aquisição da casa de morada de família (verba nº 26). O Cabeça-de-Casal efectivamente pagou esta dívida na totalidade no âmbito dos autos de processo executivo nº 668/19..... No entanto, o valor pago não foi 86.667,49€ como referido na relação apresentada, mas sim 85.667,49€, conforme auto de diligência junto com a própria relação de bens. Quanto a este valor (85.667,49€) o mesmo é sim responsabilidade do extinto casal em partes iguais. Verba nº 2 (apesar de estar identificada como verba nº 3): identifica o Cabeça-de-Casal este crédito como “crédito ao cabeça-de-casal do valor de 39.124,08€ - processo executivo nº 49/21.... - ref. Crédito Habitação e Comercial, Banco 1..., CRL, com as referências ...15”. Ora, além de falsas estas declarações, as mesmas são dúbias, pois a responsabilidade não era do extinto casal. Vejamos, Este crédito, no montante inicial de 140.000,00€ foi concedido à sociedade EMP01... Unipessoal, Lda. (ainda quando a mesma tinha a denominação de EMP02... - Transformação e Comércio de Granitos, Lda.), tendo sido dado como garantia - entre outras - o imóvel relacionado como verba nº 26 -, conforme AP. ...97 de 2013/04/26 constante da certidão permanente predial com o código de acesso ...32, que se junta como documento nº 5. Perante o incumprimento do contrato em causa, foi este imóvel penhorado em 23/04/2021, conforme AP. ...84 constante da referida certidão permanente predial junta como documento nº 5, no âmbito dos autos de execução 49/21...., nos quais eram executados (por serem sujeitos passivos da relação contratual): CC, DD, BB, EMP01..., Unipessoal, Lda, e AA. O Cabeça-de-Casal fez o pagamento integral desta dívida no montante de 39.124,67€, conforme auto de diligência junto com a própria relação de bens. No entanto esta dívida não era do casal, e teremos de falar nas obrigações solidárias. Dispõe o artigo 524º quanto ao direito de regresso que “O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.” Vejamos então qual a responsabilidade da Requerente neste crédito. Sendo a responsável principal pela divida a sociedade extinta, o Cabeça-de-Casal, como devedor que satisfez o crédito na totalidade, tem um direito de regresso sobre CC, DD e AA, na parte que a cada um destes compete. Sendo quatro os responsáveis pela dívida, o Cabeça-de Casal tem direito de regresso de 29.343,51€ sobre os demais devedores. Neste caso, a responsabilidade de cada um deles é no montante de 9.781,17€. Assim, apenas poderemos considerar como crédito do casal a quantia de 19.562,34€, sendo o Cabeça-de-Casal credor sobre a requerente, quanto a esta dívida, da quantia de 9.781,17€. Tem assim este valor de ser corrigido nos termos expostos. Verba nº 3: identifica o Cabeça-de-Casal este crédito como “Crédito Habitação e Comercial, Banco 1..., CRL, com as referências ...61 - em dívida 12.139,77€, processo executivo 57/21....”. Mais uma falsa declaração. Este crédito não era um crédito habitação, mas sim um crédito contraído pelo Cabeça-de-Casal, exclusivamente por si e sem o conhecimento da Requerente, para a extinta sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda. Concluímos este facto da análise da certidão permanente predial com o código de acesso ...32, junta como documento nº 5, através da penhora que recaiu sobre a casa de morada de família, registada predialmente pela AP. ...91 de 2021/05/07. São da exclusiva responsabilidade do cônjuge que a contraiu, entre outras, as dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, por cada um dos cônjuges sem o consentimento do outro, que não sejam destinadas a suportar os custos correntes da vida familiar nem tenham sido contraídas em proveito comum do casal - artigo 1692º a) do Código Civil. Assim, esta dívida não pode ser relacionada, uma vez que a mesma é responsabilidade exclusiva do Cabeça-de-Casal. Por tudo o exposto, reclama-se da relação de bens apresentada, devendo a mesma ser alterada, de acordo com a presente reclamação, a qual terá de ser relacionada com a reclamação apresentada em 28/08/2021». 13. Em sede de (nova) resposta à reclamação da relação de bens, realizada em 27-09-2022, veio o cabeça-de-casal afirmar, no que ora interessa, o seguinte: «(…) Quanto à reclamação do passivo - carece de razão a interessada, para tanto atentar-se-á ao que resulta dos documentos juntos, que comprovam o pagamento em concreto nos processos de execução em causa, assim como das responsabilidades do casal. Nestes termos e nos melhores de Direito que V.Ex.ª Doutamente Suprirá Deve improceder por não provada a Reclamação apresentada, pela Interessada, seguindo os ulteriores termos processuais». 14. Após várias vicissitudes processuais que ora não relevam, foi proferido despacho, de 15-11-2023, no qual, entre o mais, se consignou o seguinte: «(…) Atendendo que nos autos a Requerente apresentou várias reclamações à relação de bens, considera-se pertinente que a mesma junte uma única reclamação à relação de bens de modo a facilitar a tramitação do incidente de reclamação à relação de bens. Em face do exposto, notifique a Requerente para, no prazo de 10 (dez) dias, vir juntar aos autos uma reclamação de bens que substitua as anteriores, tal como sugerido pela própria». 15. Em 03-12-2023, a interessada/requerente apresentou requerimento no qual reclama da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, alegando, entre o mais, e no que releva para o objeto da presente apelação, o seguinte: «(…) O Cabeça-de-Casal omite uma enorme quantidade de bens pertencentes ao património comum do ex-casal. Importa referir que o Cabeça-de-Casal era sócio da sociedade comercial EMP01..., Unipessoal, Lda., empresa que se encontra insolvente e cujo património já foi liquidado, correndo termos o processo neste Juízo de Competência Genérica com o nº 24/19..... Ora, antes de constituir a sociedade, o Cabeça-de-Casal havia sido empresário em nome individual, pelo que muitas das máquinas e equipamentos ali existentes foram adquiridas pelo mesmo em nome individual, no estado de casado com a Requerente, ou seja, são património comum do dissolvido casal. Não tendo sido estes bens relacionados e vendidos no processo de insolvência, por não pertencerem à insolvente, são os mesmos património comum do casal. Importa desde já referir que alguns destes bens estão na antiga fábrica onde laborava a insolvente, que, encerrada a insolvência está de novo a laborar, sendo a cara da mesma o Cabeça-de-Casal, mas em termos jurídicos a empresa estará em nome do irmão, para quem o mesmo trabalha. Tanto anos depois, tantas denúncias feitas quanto a estes factos, a verdade é que hoje temos a fábrica de novo a laborar como se nada fosse, e os bens ali existentes, e que fazem parte deste inventário, desconhecemos por onde andam. Ninguém quis saber, ninguém se importou, mas a Requerente importa-se e vai até ao fim insistir no aparecimento destes bens. Além dos bens que ficaram na fábrica aquando da insolvência, outros há que foram mudados para a fábrica do irmão do Cabeça-de-casal. Desconhecemos onde estão neste momento, atento o início de laboração da antiga fábrica do Cabeça-de-casal. De todo o modo, falamos de máquinas industriais utilizadas na transformação dos granitos, e com grande valor comercial. Primeiramente, antes de inserirmos os bens omitidos pelo cabeça-de-casal, começamos por nos pronunciar sobre os bens relacionados. (…) BENS OMITIDOS: (…) Móveis: (…) Verba nº 30: uma máquina de corte de granito, marca ..., tipo ... nº 286, do ano de 1997. Verba nº 31: uma máquina corta topos ..., do ano de 1997. Verba nº 32: uma máquina de serra elétrica, modelo ......-A, do ano de 1999. Verba nº 33: uma retroescavadora, marca .... Verba nº 34: uma máquina de jatear, marca .... Verba nº 35: dois compressores. Verba nº 36: uma máquina de corte de paralelos. Verba nº 37: um compressor 10MP. Verba nº 38: uma máquina de jato de areia, de cor ..., marca .... Verba nº 39: dois compressores de cor .... Verba nº 40: um gerador a gasolina. Verba nº 41: três armários de lata de duas portas. Verba nº 42: uma mesa com quatro cadeiras. Verba nº 43: 1 micro-ondas. Verba nº 44: uma máquina de café. Verba nº 45: dois frigoríficos. Verba nº 46: um banco de jardim de cor .... Verba nº 47: 1 cilindro de águas quentes. Verba nº 48: dois compressores de cor .... Verba nº 49: um compressor vermelho. Verba nº 50: uma máquina de alta pressão de cor ... e verde. Verba nº 51: uma máquina de gravar letras para campas e placas de cor .... Verba nº 52: uma máquina soldador de cor .... Verba nº 53: quatro ventosas. Verba nº 54: um aspirador. Verba nº 55: duas carretas. Verba nº 56: um motor de rega Verba nº 57: vários discos de polir com várias medidas. Verba nº 58: vários discos de corte. Verba nº 59: várias rebarbadoras de várias cores e tamanhos. Verba nº 60: vários berbequins de vários tamanhos e marcas. Verba nº 61: várias máquinas de bateria (ex. berbequins e aparafusadoras). Verba nº 62: um martelo perfurador a bateria. Verba nº 63: um martelo perfurador elétrico. Verba nº 64: várias máquinas pequenas para outras funções nomeadamente para restaurar livros de cemitério. Verba nº 65: uma rebarbadora de polir a água. Verba nº 66: um carrinho de mão de cor .... Verba nº 67: um computador de marca ..., 19 polegadas. Verba nº 68: quatro impressoras. Verba nº 69: uma secretária de escritório. Verba nº 70: duas cadeiras de escritório vermelha. Verba nº 71: dois armários pretos de escritório. Verba nº 72: um armário cinza de escritório. Verba nº 73: quatro cadeiras de escritório. Verba nº 74: seis cavaletes em ferro para suporte de pedras. Verba nº 75: um contentor industrial de cor .... Todos os bens indicados a partir da verba nº 30 estavam na fábrica de granitos e continuam na posse exclusiva do Cabeça-de-Casal. A Requerente tem fotografias de muitos destes bens, que poderá juntar aos autos. A Requerente desconhece o valor destes bens, pelo que será necessário apurar o mesmo. Vamos agora analisar o Passivo relacionado na Relação de Bens apresentada. Verba nº 1: a dívida relacionada nesta verba diz respeito ao montante contraído pelo extinto casal na aquisição da casa de morada de família (verba nº 23). O Cabeça-de-Casal efectivamente pagou esta dívida na totalidade no âmbito dos autos de processo executivo nº 668/19..... No entanto, o valor pago não foi 86.667,49€ como referido na relação apresentada, mas sim 85.667,49€, conforme auto de diligência junto já aos autos. Quanto a este valor (85.667,49€) o mesmo é sim responsabilidade do extinto casal em partes iguais. Verba nº 2 : identifica o Cabeça-de-Casal este crédito como “crédito ao cabeça-de- casal do valor de 39.124,08€ - processo executivo nº 49/21.... – ref. Crédito Habitação e Comercial, Banco 1..., CRL, com as referências ...15”. Ora, além de falsas estas declarações, as mesmas são dúbias, pois a pois a responsabilidade não era do extinto casal. Vejamos, Este crédito, no montante inicial de 140.000,00€ foi concedido à sociedade EMP01... Unipessoal, Lda. (ainda quando a mesma tinha a denominação de EMP02... - Transformação e Comércio de Granitos, Lda.), tendo sido dado como garantia - entre outras - o imóvel relacionado como verba nº 23 -, conforme AP. ...97 de 2013/04/26 constante da certidão permanente predial com o código de acesso ...32, que se junta como documento nº 1. Perante o incumprimento do contrato em causa, foi este imóvel penhorado em 23/04/2021, conforme AP. ...84 constante da referida certidão permanente predial junta como documento nº 1, no âmbito dos autos de execução 49/21...., nos quais eram executados (por serem sujeitos passivos da relação contratual): CC, DD, BB, EMP01..., Unipessoal, Lda, e AA. O Cabeça-de-Casal fez o pagamento integral desta dívida no montante de 39.124,67€, conforme auto de diligência junto com a própria relação de bens. No entanto esta dívida não era do casal, e teremos de falar nas obrigações solidárias. Dispõe o artigo 524º quanto ao direito de regresso que “O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.” Vejamos então qual a responsabilidade da Requerente neste crédito. Sendo a responsável principal pela divida a sociedade extinta, o Cabeça-de-Casal, como devedor que satisfez o crédito na totalidade, tem um direito de regresso sobre CC, DD e AA, na parte que a cada um destes compete. Sendo quatro os responsáveis pela dívida, o Cabeça-de Casal tem direito de regresso de 29.343,51€ sobre os demais devedores. Neste caso, a responsabilidade de cada um deles é no montante de 9.781,17€. Assim, apenas poderemos considerar como crédito do casal a quantia de 19.562,34€, sendo o Cabeça-de-Casal credor sobre a requerente, quanto a esta dívida, da quantia de 9.781,17€. Tem assim este valor de ser corrigido nos termos expostos. Verba nº 3: identifica o Cabeça-de-Casal este crédito como “Crédito Habitação e Comercial, Banco 1..., CRL, com as referências ...61 – em dívida 12.139,77€, processo executivo 57/21....”. Mais uma falsa declaração. Este crédito não era um crédito habitação, mas sim um crédito contraído pelo Cabeça-de-Casal, exclusivamente por si e sem o conhecimento da Requerente, para a extinta sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda. Concluímos este facto da análise da certidão permanente predial com o código de acesso ...32, junta como documento nº 1, através da penhora que recaiu sobre a casa de morada de família, registada predialmente pela AP. ...91 de 2021/05/07. São da exclusiva responsabilidade do cônjuge que a contraiu, entre outras, as dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, por cada um dos cônjuges sem o consentimento do outro, que não sejam destinadas a suportar os custos correntes da vida familiar nem tenham sido contraídas em proveito comum do casal – artigo 1692º a) do Código Civil. Assim, esta dívida não pode ser relacionada, uma vez que a mesma é responsabilidade exclusiva do Cabeça-de-Casal. Por tudo o exposto, reclama-se da relação de bens indicada, devendo a mesma ser alterada, de acordo com a presente reclamação». 16. Na sequência da notificação da reclamação aludida em 15., o cabeça de casal respondeu, por requerimento de 18-12-2023, sustentando, no essencial, o seguinte: «(…) «Impugna, expressamente, o conteúdo da mesma, porquanto que o conteúdo de tal Reclamação é dolosamente falso. - Contrariamente ao alegado pela Reclamante, o cabeça de casal não sonegou nem tão pouco omitiu a existência de bens, conforme resulta dos autos de Arrolamento - P. cautelar que correu por apenso e documentos juntos, os bens comuns encontram-se devidamente relacionados e identificados na relação de bens apresentada - tendo estes sido devidamente identificados pela Interessada ora reclamante, razão pela qual, só podemos entender tal Reclamação, alguma falta de memória! O que realmente até é aceitável face ao hiato temporal decorrido, o que é bastante conveniente à Reclamante, considerando que só esta está na posse, usufruindo de todos os bens moveis e imóveis! Sendo tudo quanto tem a dizer sobre a acusação da falta de bens, às verbas relacionadas da relação, que, oportunamente apresentou. (…) No que diz respeito ao passivo, a Reclamante carece de razão - atente-se a toda a documentação junta, pelo que também nesta parte deve improceder a Reclamação apresentada. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Ex,ª Doutamente Suprirá deve ser Julgada Improcedente por não Provada a Reclamação apresentada». 17. Em 14-02-2024 veio o cabeça de casal juntar aos autos certidão judicial com sentença de declaração da insolvência proferida no processo de Insolvência pessoa coletiva (Apresentação) n.º 24/19...., relativo a EMP01... Unipessoal, Lda., e respetivo despacho de encerramento. 18. Em requerimento de 01-03-2024, veio a interessada realizar contraditório sobre o documento junto pelo cabeça de casal (aludido em 17), com o seguinte teor: «(…) Requerente nos presentes autos de inventário, notificada da sentença de declaração de insolvência da empresa que pertencia ao casal, vem sobre a mesma dizer o seguinte. Não se alcança a pretensão do cabeça-de-casal ao juntar esta sentença. Deduzimos que seja para demonstrar que os bens que a Requerente refere na sua reclamação já foram vendidos. Pois bem, cumpre desde já dizer que a sentença nada diz quanto aos bens apreendidos e vendidos na insolvência, portanto, de nada serve. Mas mais, os bens relacionados pela Requerente e omitidos pelo Cabeça-de-casal não foram apreendidos nem vendidos na insolvência da empresa porquanto os mesmos foram adquiridos pelo cabeça-de-casal e pela Requerente em nome próprio, pelo que não eram bens da empresa. E como tal, não poderiam ser apreendidos e vendidos na insolvência. A verdade é que estes bens existem e estão na posse do Cabeça-de-Casal, que na verdade apresentou esta empresa à insolvência mas hoje a empresa funciona novamente, nas mesmas instalações, com a mesma maquinaria, mas em nome do irmão do Cabeça-de-Casal». 19. Por despacho de 10-04-2024 o Tribunal recorrido proferiu despacho a determinar a notificação do cabeça de casal para vir alterar as verbas n.ºs 3 e 15 de modo a dar cumprimento ao disposto no artigo 1098.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, juntando para o efeito nova relação de bens. 20. Por requerimento apresentado a 29-04-2024, o cabeça de casal veio apresentar nova relação de bens, da qual constam as verbas 1 a 63 (Ativo) e Passivo (verbas 1 a 3), sendo este com o seguinte teor: «(…) Passivo Verba n.º 1 Crédito ao cabeça-de-casal do valor de 86.667,49 € - processo executivo n.º 668/19.... - Crédito Habitação e comercial, Banco 1.... R.L com as referências ...15, ... divida comum do casal - paga pelo cabeça de casal. Na presente data, sendo este credor do valor da correspondente à quota parte – seja, 50% - - em divida 86.667,49 Verba n.º 2 Crédito ao cabeça-de-casal do valor de 39.124,08 € - processo executivo n.º 49/21.... - ref. Crédito Habitação e comercial, Banco 1.... R.L com as referências ...15, ... divida comum do casal - paga pelo cabeça de casal. Na presente data, sendo este credor do valor da correspondente à quota parte - seja, 50% - /- em divida 39.124,08 Verba n.º 3 Crédito Habitação e comercial, Banco 1.... R.L com as referências ...61, .../ - em divida 12.139,77€. processo executivo n.º 57/21.... - TOTAL: 137.931,34€ - sendo o cabeça de casal credor de 62.895,79€». 21. Notificada para se pronunciar sobre a nova relação de bens apresentada, veio a interessada/requerente, em 05-06-2024, renovar os fundamentos já apresentados no requerimento de 03-12-2023 (aludido em 15 supra), no que concerne ao passivo relacionado pelo cabeça de casal, mais alegando, no que releva para o objeto da presente apelação, o seguinte: «(…) O Cabeça-de-Casal continua a omitir uma série de bens móveis pertencentes ao casal. Foi por nós já requerido, e no seguimento da certidão de insolvência junta pelo Cabeça-de-Casal, que seja junto aos autos documento comprovativo dos bens apreendidos na insolvência, pois os bens que a Requerente invoca serem do casal existem, e não foram vendidos na insolvência. Se tivessem sido estariam obrigatoriamente no apenso da apreensão de bens. Sendo bens móveis não sujeitos a registo, a sua dissipação mostra-se fácil, e a Requerente anda há anos a alertar o Tribunal para esse facto. (…) Quanto aos bens omitidos, O Cabeça-de-Casal não relacionou os seguintes bens (que iremos numerar como começando na verba 64): Verba nº 64: trator agrícola, de cor ..., marca ..., cuja matrícula desconhece. Já referido na análise à verba nº 1. Verba nº 65: uma arca frigorífica marca ..., no valor de 300,00€. Verba nº 66: ½ de um a betoneira (já referida na verba nº 18), no valor de 125,00€. Verba nº 67: Um compressor de cor ... sujo, no valor de 450,00€ Verba nº 68: uma máquina de corte de granito, marca ..., tipo ... nº 286, do ano de 1997. Verba nº 69: uma máquina corta topos ..., do ano de 1997. Verba nº 70: uma máquina de serra elétrica, modelo ......-A, do ano de 1999. Verba nº 71: uma retroescavadora, marca .... Verba nº 72: uma máquina de jatear, marca .... Verba nº 73: dois compressores. Verba nº 74: uma máquina de corte de paralelos. Verba nº 75: um compressor 10MP. Verba nº 76: uma máquina de jato de areia, de cor ..., marca .... Verba nº 77: dois compressores de cor .... Verba nº 78: um gerador a gasolina. Verba nº 79: três armários de lata de duas portas. Verba nº 80: uma mesa com quatro cadeiras. Verba nº 81: 1 micro-ondas. Verba nº 82: uma máquina de café. Verba nº 83: dois frigoríficos. Verba nº 84: um banco de jardim de cor .... Verba nº 85: 1 cilindro de águas quentes. Verba nº 86: dois compressores de cor .... Verba nº 87: um compressor vermelho. Verba nº 88: uma máquina de alta pressão de cor ... e verde. Verba nº 89: uma máquina de gravar letras para campas e placas de cor .... Verba nº 90: uma máquina soldador de cor .... Verba nº 91: quatro ventosas. Verba nº 92: um aspirador. Verba nº 93: duas carretas. Verba nº 94: um motor de rega. Verba nº 95: vários discos de polir com várias medidas. Verba nº 96: vários discos de corte. Verba nº 97: várias rebarbadoras de várias cores e tamanhos. Verba nº 98: vários berbequins de vários tamanhos e marcas. Verba nº 99: várias máquinas de bateria (ex. berbequins e aparafusadoras). Verba nº 100: um martelo perfurador a bateria. Verba nº 101: um martelo perfurador elétrico. Verba nº 102: várias máquinas pequenas para outras funções nomeadamente para restaurar livros de cemitério. Verba nº 103: uma rebarbadora de polir a água. Verba nº 104: um carrinho de mão de cor .... Verba nº 105: um computador de marca ..., 19 polegadas. Verba nº 106: quatro impressoras. Verba nº 107: uma secretária de escritório. Verba nº 108: duas cadeiras de escritório vermelha. Verba nº 109: dois armários pretos de escritório. Verba nº 110: um armário cinza de escritório. Verba nº 111: quatro cadeiras de escritório. Verba nº 112: seis cavaletes em ferro para suporte de pedras. Verba nº 113: um contentor industrial de cor .... (…) Todos os bens indicados a partir da verba nº 68 até à verba 113 estavam na fábrica de granitos e continuam na posse exclusiva do Cabeça-de-Casal. A Requerente tem fotografias de muitos destes bens, que poderá juntar aos autos. A Requerente desconhece o valor destes bens, pelo que será necessário apurar o mesmo. Requer-se seja prestada informação pelo IFAP quanto ao valor dos subsídios agrícolas recebidos, e a conta para onde os mesmos foram transferidos. Mais se requer seja solicitado ao Banco 2..., S.A., qual ou quais as contas tituladas pelas partes nessa instituição bancária, a fim de aferir a aplicação em causa e o montante existente na mesma». 21. Na sequência da notificação do requerimento aludida em 20., o cabeça de casal exerceu o contraditório, por requerimento de 28-10-2024, mantendo o ativo e passivo já relacionado. 2. Apreciação sobre o objeto do recurso. 2.1. A apelante recorre do despacho que decidiu a reclamação contra a relação de bens, no segmento específico em que entendeu estar precludido o direito de impugnar o passivo relacionado pelo cabeça de casal com a nova relação de bens apresentada a 06-06-2022, julgando improcedente a reclamação deduzida pela ora apelante neste âmbito. O segmento decisório aqui impugnado baseou-se exclusivamente no pressuposto de que tal passivo já integrava a relação de bens apresentada em 09-07-2021, nada tendo a interessada dito quanto ao mesmo em sede de reclamação à relação de bens apresentada em 28-09-2021 pelo que precludiu o direito de impugnar o passivo referido. Quanto a esta questão, a apelante alega em sede recursiva que não se pode considerar que a primeira reclamação é a que vale, pois entre a primeira relação de bens e esta (que na verdade é a terceira) sobre a qual a recorrente se pronuncia expressamente sobre o passivo, houve uma alteração das circunstâncias, nomeadamente um processo executivo com penhora e consequente liquidação das dívidas pelo cabeça de casal. Sustenta que a responsabilidade de cada uma das partes, e por cada um dos créditos, decorre da própria lei, não podendo o Tribunal sobrepor-se à lei apenas porque entende que a recorrente aceitou o passivo. Defende que esta alteração superveniente faz com que deixe de existir um passivo do casal e passe a existir um direito de crédito do cabeça de casal sobre a ora recorrente, crédito esse que tem de ser apurado de acordo com os elementos juntos aos autos, razão pela qual, conforme alega, a reclamação apresentada pela recorrente em 11-07-2022 deve ser apreciada, fixando-se o verdadeiro valor do passivo. Atenta a data de instauração do inventário em referência, mostra-se concretamente aplicável o regime estabelecido pelo CPC vigente, tal como aditado pela Lei n.º 117/19, de 13-09[3], especificamente o artigo 1133.º do CPC e, em tudo o que não estiver especificamente regulado em tal preceito, o regime definido para o inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária - cf. os artigos 1082.º, al. d), e 1084.º, n.º 2 do CPC. Os artigos 1104.º e 1105.º do CPC regulam a contestação dos interessados diretos e do Ministério Público ao requerimento inicial do cabeça de casal (previsto no artigo 1097.º do CPC) ou do requerente (artigo 1099.º do CPC) ou ao articulado complementar do cabeça de casal (artigo 1102.º do CPC), prescrevendo o seguinte: Artigo 1104.º Oposição, impugnação e reclamação 1 - Os interessados diretos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal, podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação: a) Deduzir oposição ao inventário; b) Impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros; c) Impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações; d) Apresentar reclamação à relação de bens; e) Impugnar os créditos e as dívidas da herança. 2 - As faculdades previstas no número anterior também podem ser exercidas, com as necessárias adaptações, pelo requerente do inventário ou pelo cabeça de casal, contando-se o prazo, quanto ao requerente, da notificação referida no n.º 3 do artigo 1100.º e, quanto ao cabeça de casal, da citação efetuada nos termos da alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo. 3 - Quando houver herdeiros legitimários, os legatários e donatários são admitidos a deduzir impugnação relativamente às questões que possam afetar os seus direitos. Artigo 1105.º Tramitação subsequente 1 - Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada. 2 - As provas são indicadas com os requerimentos e respostas. 3 - A questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092.º e 1093.º (…) 5 - Se estiver em causa reclamação deduzida contra a relação de bens ou pretensão deduzida por terceiro que se arrogue titular dos bens relacionados e se os interessados tiverem sido remetidos para os meios comuns, o processo prossegue os seus termos quanto aos demais bens. 6 - Se o crédito relacionado pelo cabeça de casal e negado pelo pretenso devedor for mantido na relação, reputa-se litigioso. 7 - Se o crédito previsto no número anterior for eliminado, entende-se que fica ressalvado aos interessados o direito de exigir o pagamento pelos meios adequados. Relativamente à verificação do passivo, o artigo 1106.º do CPC prevê a tramitação da verificação do passivo nos casos das dívidas que são relacionadas pelo cabeça de casal, dispondo o seguinte: 1 - As dívidas relacionadas que não hajam sido impugnadas pelos interessados diretos consideram-se reconhecidas, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 574.º, devendo a sentença homologatória da partilha condenar no respetivo pagamento. (…) 3 - Se todos os interessados se opuserem ao reconhecimento da dívida, o juiz deve apreciar a sua existência e montante quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados. 4 - Se houver divergências entre os interessados acerca do reconhecimento da dívida, aplica-se o disposto nos n.ºs 1 e 2 relativamente à quota-parte dos interessados que a não impugnem e quanto à parte restante observa-se o disposto no número anterior. (…)». Analisando os traços essenciais da tramitação da verificação do passivo nos casos das dívidas que são relacionadas pelo cabeça de casal, referem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres[4], em anotação ao artigo 1106.º do CPC, que «no actual modelo do processo de inventário, recai sobre os interessados directos um ónus de impugnação, na subfase da oposição, não apenas da composição do activo - isto é, do acervo patrimonial hereditário consubstanciado nos bens relacionados -, mas também do passivo - ou seja, das dívidas que se mostrem relacionadas - com a cominação de, não o fazendo nesse momento processual, a dívida se ter, em regra, por reconhecida (art. 1004.º, n.º 1, al. e); n.º1). Sobre o reconhecimento das dívidas da herança importa ter presente os seguintes aspectos: a) O reconhecimento de qualquer dívida da herança pode decorrer, não apenas de um acto de explícita e voluntária aprovação do débito pelos interessados legitimados para a verificação do passivo, mas também do comportamento omissivo destes, ditando este, face ao ónus de impugnação, a admissão por acordo da dívida relacionada nos autos. É este regime inovatório que consta do n.º 1, ao estabelecer, como princípio, que as dívidas relacionadas ou reclamadas que não tenham sido contestadas pelos interessados directos no inventário (…) se consideram reconhecidas. Assim, a omissão da contestação da dívida da herança conduz a um efeito cominatório pleno, implicando o reconhecimento da própria dívida relacionada, e não apenas a admissão por acordo dos factos constitutivos desta, nomeadamente os alegados pelo cabeça de casal. Saliente-se que, enquanto no regime do CPC/61, a exigência de prova documental para a demonstração da dívida apenas obstava à respectiva aprovação pelos representantes de menores e equiparados (…), no actual regime esse obstáculo assume um âmbito geral, obstando, em qualquer caso, ao reconhecimento do débito sem o indispensável documento: é o que resulta da ressalva do disposto no art. 574.º, n.º 2, que consta do n. º1. b) O ónus da impugnação - e a consequente cominação do reconhecimento da dívida - comporta, porém, excepções. Desde logo, nos termos do n.º 1, constituem excepção ao referido efeito cominatório as situações em que, por força das regras gerais vigentes no processo de declaração comum, a produção do efeito cominatório, traduzido na admissão por acordo, se mostra excluído segundo o estabelecido no art. 574.º, n.º 2, ou seja, particularmente nos casos em que o facto constitutivo da dívida só possa ser provado por documento escrito ou em que não seja admissível a confissão sobre a fonte do débito. Depois, as que decorrem de eventuais situações de superveniência objectiva ou subjectiva, em que, nos termos gerais (cf. art. 588.º, n.º 2), provada a ocorrência desta, ainda será possível ao interessado deduzir a posterior impugnação (cf. art. 573.º, n. º2). (…) O n.º 3 continua a atribuir uma importância determinante à prova documental, dado que a decisão do juiz acerca da dívida impugnada exige que os documento apresentados forneçam um critério decisório suficiente e permitam uma pronúncia segura sobre a dívida. Se tal não suceder, nomeadamente quando se trate de relações creditórias cujos factos constitutivos se não conseguem demonstrar através de prova documental, o juiz deve abster-se de decidir o litígio acerca do débito controvertido e remeter os interessados para os meios comuns (cf. art. 1093.º, n.º 1)». A este propósito, não podemos deixar de considerar o que vem enunciado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-10-2024[5], do qual se realça o seguinte: «(…) No art. 1106º do C.P.C. prevê-se a tramitação da verificação do passivo nos casos das dívidas que são relacionadas pelo cabeça-de-casal: - consideram-se reconhecidas as que não sejam impugnadas pelos interessados directos (nº 1); - se todos os interessados se opuserem ao reconhecimento da dívida, o juiz deve apreciar a sua existência e montante quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados (nº 3); - se houver divergências entre os interessados acerca do reconhecimento da dívida, aplica-se o disposto no nº 1 relativamente à quota-parte dos interessados que a não impugnem e quanto à parte restante observa-se o disposto no nº 3 (nº 4). Cabendo ao juiz decidir (seja porque há impugnação de passivo relacionado pelo cabeça-de-casal, seja porque não há acordo em conferência de interessados quanto a passivo reclamado pelo credor respectivo), ou os documentos que se encontrem juntos permitem com segurança verificar a questão da existência da dívida ou não permitem, caso em que o juiz remeterá as partes para os meios comuns, onde poderão produzir todas as provas que entenderem relevantes ao caso - a apreciação dos documentos não serve apenas para decidir que a dívida existe, também serve para decidir que a mesma não existe sempre de acordo com o referido princípio: “a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados”. Assim, caso os documentos não permitam concluir com segurança nem por uma coisa, nem por outra, a decisão do juiz não pode ser a do não reconhecimento da existência da dívida, mas a remessa das partes para os meios comuns, de acordo com o princípio geral do art. 1093º do C.P.C.». No caso dos autos, tendo a ora recorrente sido notificada da relação de bens inicialmente apresentada pelo cabeça de casal, de 09-07-2021, absteve-se de deduzir qualquer impugnação relativamente ao passivo ali relacionado, com o seguinte teor: «(…) Passivo Verba n.º 1 Crédito Habitação e comercial, - Banco 1.... R.L. com as referências ...10; PROC/Avalista - em divida 30.659,25€ Verba n.º 2 Crédito Habitação e comercial, Banco 1.... R.L com as referências ...61, .../ - em divida 10.424,77€ Verba n.º 3 Crédito Habitação e comercial, Banco 1..., C.R.L com as referências ...15, .../ - em divida 74.846,44€ TOTAL: 115.930,46€». Sucede que, posteriormente, em 06-06-2022, o cabeça de casal apresentou nova relação de bens, da qual constam as verbas 1 a 29 (Ativo) e Passivo (verbas 1 a 3), sendo este com o seguinte teor: «(…) Passivo Verba n.º 1 Crédito ao cabeça-de-casal do valor de 86.667,49 € - processo executivo n.º 668/19.... - Crédito Habitação e comercial, Banco 1.... R.L com as referências ...15, ... divida comum do casal - paga pelo cabeça de casal. Na presente data, sendo este credor do valor da correspondente à quota parte – seja, 50% - - em divida 86.667,49 Verba n.º 3 Crédito ao cabeça-de-casal do valor de 39.124,08 € - processo executivo n.º 49/21.... - ref. Crédito Habitação e comercial, Banco 1.... R.L com as referências ...15, ... divida comum do casal - paga pelo cabeça de casal. Na presente data, sendo este credor do valor da correspondente à quota parte - seja, 50% - /- em divida 39.124,08 Verba n.º 3 Crédito Habitação e comercial, Banco 1..., C.R.L com as referências ...61, .../ - em divida 12.139,77€. processo executivo n.º 57/21.... - TOTAL: 137.931,34€ - sendo o cabeça de casal credor de 62.895,79€». Mais se verifica que, em face da junção da nova relação de bens, a interessada/requerente veio tomar posição expressa sobre o passivo relacionado na mesma relação (requerimento de 11-07-2022, entretanto reiterado no processo), nos seguintes termos: i) impugna o valor que consta da Verba n.º 1 do passivo (86.667,49€), aceitando que o cabeça de casal pagou efetivamente a dívida originária no âmbito dos autos de processo executivo n.º 668/19...., mas alegando que o valor pago pelo cabeça de casal não foi 86.667,49€ como referido na relação apresentada, mas sim 85.667,49€, conforme documento (auto de diligência) junto com a própria relação de bens; ii) impugna a Verba n.º 2 do passivo (incorretamente referenciada na relação de bens como verba 3 - 1.ª) no valor de 39.124,08€, sustentando que parte desse valor não é da responsabilidade do dissolvido casal, apenas admitindo como crédito do casal a quantia de 19.562,34€, sendo o cabeça de casal credor sobre a requerente, quanto a esta dívida, da quantia de 9.781,17€; iii) impugna a Verba n.º 3 do passivo (Crédito Habitação e comercial, Banco 1.... R.L com as referências ...61, .../ - em divida 12.139,77€ processo executivo n.º 57/21....), sustentando que a causa desse crédito não é um crédito à habitação, mas sim um crédito contraído pelo cabeça de casal, exclusivamente por si e sem o conhecimento da requerente, para a extinta sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda., sendo uma dívida da responsabilidade exclusiva do cabeça de casal. No que concerne às novas verbas 1 e 2 da relação de bens apresentada em 06-06-2022, verifica-se que o cabeça de casal veio substituir as correspondentes verbas do passivo da relação de bens inicial pelo crédito de compensação sobre o património comum, invocando o pagamento, entretanto efetuado pelo próprio das correspondentes dívidas comuns (anteriormente relacionadas). Ora, a nova reclamação deduzida relativamente à verba n.º 1 da relação de relação de bens apresentada em 06-06-2022 incide sobre o próprio facto extintivo da dívida comum alegado pela cabeça de casal (aceitando a reclamante que o cabeça de casal pagou efetivamente a dívida originária no âmbito dos autos de processo executivo n.º 668/19...., mas alegando que o valor pago pelo cabeça de casal não foi 86.667,49€ como referido na relação apresentada, mas sim 85.667,49€), pelo que, consubstanciando este pagamento uma situação de superveniência objetiva relativamente à relação de bens inicial, mostra-se admissível a impugnação feita pela ora recorrente em 11-07-2022 quanto a esta verba, devendo por isso tal questão ser resolvida em face do exame e da devida ponderação dos documentos apresentados, nos termos aplicáveis do disposto no artigo 1106.º, n.º 3 do CPC. Quanto às restantes verbas do passivo, a recorrente, em 11-07-2022, veio pôr em causa os próprios factos constitutivos das dívidas comuns inicialmente relacionadas no inventário, sustentando que parte (verba 2) ou a totalidade (verba 3) desse valor não é da responsabilidade do dissolvido casal, apesar de nada ter dito quanto ao passivo em sede de reclamação à relação de bens inicialmente apresentada em 28-09-2021. Porém, resulta manifesto que o efeito cominatório previsto no artigo 1106.º, n.º 1 do CPC também não pode ocorrer em relação a estas verbas do passivo, posto que, como se viu, a aplicação do regime geral vigente em processo declarativo comum implica que devam manter-se as exceções ao referido efeito cominatório, como sucede em relação a factos que só possam ser provados por documento escrito, nos termos previstos no artigo 574.º, n.º 2 do CPC. Assim, «[n]ão opera o ónus de impugnação quanto aos factos que careçam de ser provados por documento escrito. Apesar de, em matéria de declaração negocial, vigorar o princípio da consensualidade ou da liberdade de forma (art. 219º do CC), há diversas situações em que a lei exige, sob pena de nulidade (art. 220º do CC), documento escrito ou uma formalidade ainda mais solene para a celebração de certos negócios, o que constitui um requisito ad substantiam (cf., entre outros, os arts. 875º, 947º, 1143º e 1250º). Noutros casos, o documento é exigido para prova da declaração (requisito ad probationem). Assim, se o autor invocar, como fundamento do pedido, um contrato para a celebração do qual a lei exija a observância de forma especial ou que apenas possa provar-se por documento, ainda que o réu não impugne esse facto, nem por isso se dará como assente tal negócio (art. 364º, nº 1, do CC)»[6]. Ora, apesar de terem sido descritos de forma lacónica, resulta das sucessivas relações de bens apresentadas pelo cabeça de casal que a verba n.º 2 do passivo tem na sua génese um Crédito Habitação e comercial, Banco 1..., C.R.L com as referências ...15, enquanto a fonte do crédito relacionado sob a verba n.º 3 do passivo consiste em Crédito Habitação e comercial, Banco 1..., C.R.L com as referências ...61, elementos que permitem indiciar que estamos perante típicos contratos de mútuo bancário, onerosos por natureza, subordinados ao disposto nos artigos 1142.º e ss. do Código Civil, artigos 394.º e ss. do Cód. Comercial e demais legislação avulsa bancária aplicável, sendo que a forma escrita exigida para esse tipo de contrato constitui uma formalidade ad substantiam, que não pode ser substituída por qualquer outra com força probatória inferior[7]. Como tal, haveria que averiguar se os documentos existentes no processo permitem decidir sobre as verbas do passivo reclamadas, uma vez que os factos constitutivos dos créditos relacionados sob as verbas 2 e 3 do passivo só podem ser provados por documento escrito, o que implica que as correspondentes dívidas não possam considerar-se reconhecidas por acordo, por via da exceção ao referido efeito cominatório prevista no artigo 574.º, n.º 2 do CPC (artigo 1106.º, n.º 1 do CPC), sendo certo que é ao cabeça de casal que compete juntar a relação dos créditos e das dívidas, acompanhadas das respetivas provas, com identificação dos respetivos devedores e credores - cf. os artigos 1097.º, n.º 3, al. d), e 1098.º, n.º 3 do CPC. Aliás, a identificação dos credores revela-se essencial para garantir o contraditório dos mesmos, sendo que o artigo 1088.º, n.º 2 do CPC prevê a citação dos titulares ativos de encargos da herança, o que no caso se verifica não ter sido feito relativamente ao crédito que permanece relacionado na verba n.º 3. Com efeito, o credor, na sequência da sua citação, pode deduzir oposição relativamente ao montante, natureza e origem, vencimento e demais cláusulas que moldam o crédito relacionado (artigo 1104.º, n.º 1, al. e)[8]. Procedem, assim, nesta parte, as conclusões da apelação, impondo-se a revogação da decisão recorrida no segmento em que considerou precludido o direito de impugnar o passivo relacionado pelo cabeça de casal com a nova relação de bens apresentada a 06-06-2022, julgando improcedente a reclamação deduzida pela ora apelante neste âmbito, devendo assim tal reclamação ser apreciada e decidida em face do exame e da devida ponderação dos documentos já juntos e/ou que vierem a ser apresentados, nos termos aplicáveis do disposto nos artigos 574.º, n.º 2, 1105.º, n.º 3 e 1106.º, n.ºs 1 e 3 do CPC. 2.2. A decisão recorrida julgou improcedente a reclamada omissão de relacionação dos bens referidos na reclamação inicial sob as verbas n.ºs 32 a 80, correspondentes às verbas n.ºs 65 a 113 do último requerimento de contraditório da interessada (05-06-2024), por inexistência de prova quanto ao alegado. A apelante insurge-se contra tal segmento da decisão recorrida, alegando, no essencial, que o Tribunal não tomou as diligências que deveria sobre a questão, devendo o despacho ser revogado e serem tomadas as medidas ao alcance do Tribunal para localizar as máquinas a fim de serem as mesmas relacionadas nos autos e partilhadas (reportando-se às verbas n.º 35 a 80 - enunciadas na reclamação de 28-09-2021 como “bens omitidos” (a que correspondem as verbas 68 a 113 da nova reclamação apresentada pela ora apelante em 05-06-2024). O segmento decisório agora em causa baseou-se nos seguintes fundamentos: «(…) Quanto à alegada omissão de bens referidos na reclamação inicial das verbas n.º 32 a 80, correspondentes às verbas n.º 65 a 113 do último requerimento de contraditório da interessada (05.06.2024), cumpre desde logo ter em conta que, a prova da existência desde incumbe, naturalmente, nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil e 1105.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a quem alega a sua existência, devendo a prova ser indicada com o requerimento. Assim, para decisão das mesmas, impõe-se apreciar as provas juntas no requerimento de incidente da reclamação à relação de bens e na respectiva resposta apresentada pelo cabeça-de-casal. Ora, do cotejo dos autos, constata-se que nenhuma prova foi realizada relativamente à existência dos referidos bens, nem tão-pouco à propriedade comum dos mesmos. Como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães supra mencionado, relativo a processo de inventário por óbito, mas cujo princípio subjacente é plenamente aplicável aos presentes autos, «O processo de inventário não se destina a fazer investigação sobre as despesas e liberalidades feitas pelo de cuius ainda em vida, e ainda atentas as regras da alegação de factos constitutivos do direito e do ónus da prova. A investigação tem de ser feita extra-judicialmente pelo interessado para recolher os factos e as provas que lhe permita intentar uma acção». Por conseguinte, inexistindo prova quanto ao alegado, improcede o requerido quanto às verbas n.º 65 a 113 do requerimento de 05.06.2024 da interessada». Analisadas as concretas incidências processuais que o processo revela, não vemos razões para divergir da fundamentação e do juízo decisório efetuado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida a propósito da questão em análise. Como se viu, no âmbito da tramitação do processo de inventário cabe aos interessados diretos deduzir no articulado de oposição qualquer reclamação quanto à relação de bens apresentada pelo requerente ou pelo cabeça de casal (n.º 1, al. d), sustentando nomeadamente, a insuficiência dos bens, o excesso dos bens relacionados, a inexatidão na sua descrição ou impugnando o valor que lhes foi atribuído. Este ónus de concentração das reclamações contra a relação de bens no âmbito da oposição ao inventário é consequência de a fase inicial do processo se não encerrar sem que se mostre apresentada pelo cabeça de casal a relação de bens[9]. Neste domínio, o artigo 1105.º do CPC prevê a tramitação subsequente da oposição, impugnação ou reclamação, dispondo que, se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada (n.º 1), sendo as provas indicadas com os requerimentos e respostas (n.º 2) e a questão decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092.º e 1093.º (n.º 3). No caso, a ora recorrente não apresentou com a reclamação qualquer meio de prova nem requereu ao Tribunal a quo qualquer diligência específica em sede probatória relativamente à insuficiência de bens em causa. Apenas no requerimento apresentado em 05-06-2024 referiu ter já requerido, no seguimento da certidão de insolvência junta pelo Cabeça-de-Casal, que fosse junto aos autos documento comprovativo dos bens apreendidos na insolvência, pois os bens que a Requerente invoca serem do casal existem, e não foram vendidos na insolvência. Se tivessem sido estariam obrigatoriamente no apenso da apreensão de bens. Sucede que tal diligência não se mostra objetivada no segmento petitório do requerimento em referência, nem em qualquer outro anteriormente apresentado pela reclamante nos autos. Aliás, no requerimento apresentado em 01-03-2024, a reclamante não indicia qualquer interesse na junção de documento comprovativo dos bens apreendidos na insolvência, dando por assente que os bens relacionados pela Requerente e omitidos pelo Cabeça-de-casal não foram apreendidos nem vendidos na insolvência da empresa porquanto os mesmos foram adquiridos pelo cabeça-de-casal e pela Requerente em nome próprio, pelo que não eram bens da empresa. E como tal, não poderiam ser apreendidos e vendidos na insolvência. De acordo com o princípio do inquisitório, expressamente consagrado no artigo 411.º do CPC, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. Trata-se de um princípio que coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, funcionando de um modo geral o princípio do dispositivo no que concerne à alegação de factos, mas concede-se ao juiz a faculdade e, simultaneamente, o dever de, tanto quanto possível, aferir da veracidade desses factos, «utilizando um critério objetivo para aferir da necessidade ou da conveniência das diligências probatórias suplementares com vista ao apuramento da verdade»[10]. Neste contexto, apesar dos poderes oficiosos de que dispõe, «a intervenção do tribunal deve ser entendida em termos subsidiários relativamente à iniciativa das partes, tornando-se já exigível tal intervenção quando a parte demonstre que fez as diligências ao seu alcance para conseguir as informações e/ou documentos, mas não os logrou obter, por facto que não lhe é imputável (…). Como é evidente, o princípio do inquisitório não é pretexto para as partes delegarem ou confiarem, sem mais, no tribunal a realização de diligências probatórias, recaindo, pois, sobre elas o ónus da iniciativa da prova. As competências instrutórias outorgadas ao juiz estão longe de constituir mera faculdade legitimadora de inércia (…)»[11]. Por conseguinte, também no caso em análise não se impunha ao Tribunal recorrido que tomasse a iniciativa de realizar oficiosamente diligências destinadas a suprir a falta de impulso da reclamante/Interessada sobre esta matéria, tanto mais que as questões em causa envolvem indagação que se antevê necessariamente morosa e relativamente complexa em termos factuais e probatórios. Termos em que improcedem, nesta parte, os fundamentos da apelação. IV. Decisão Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência: - revoga-se a decisão recorrida no segmento em que considerou precludido o direito da ora recorrente impugnar o passivo relacionado pelo cabeça de casal com a nova relação de bens apresentada a 06-06-2022 e julgou improcedente a reclamação deduzida neste âmbito, devendo assim tal reclamação ser apreciada e decidida em face do exame e da devida ponderação dos documentos já juntos e/ou que vierem a ser apresentados, nos termos aplicáveis do disposto nos artigos 574.º, n.º 2, 1105.º, n.º 3 e 1106.º, n.ºs 1 e 3 do CPC. - confirma-se, no mais, a decisão recorrida. Custas da apelação a cargo da apelante e do apelado, na proporção de metade. Guimarães, 02 de abril de 2025 (Acórdão assinado digitalmente) Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator) Alcides Rodrigues (Juiz Desembargador - 1.º adjunto) António Beça Pereira (Juiz Desembargador - 2.º adjunto) [1] Decretado por sentença de ../../2018, transitada em 11-07-2019, proferida no processo de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge, em apenso. [2] Casaram um com o outro em ../../2000, sem convenção antenupcial. [3] Artigo 15.º da Lei n.º 117/19, de 13-09. [4] O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, (Reimpressão), 2020, Almedina, Coimbra, pgs. 91-92. [5] Relatora Isabel Ferreira, p. 1341/22.1T8VNG.P1, disponível em www.dgsi.pt. [6] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 648. [7] A propósito, cf., por todos, o Ac. TRL de 25-10-2022 (relator: Carlos Oliveira), p. 11939/21.0T8SNT.L1-7 em www.dgsi.pt. [8] Cf. Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres - obra citada - p. 39. [9] Cf. Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres - obra citada - p. 82. [10] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 484. [11] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 508.  |