Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
858/15.9T8VNF-A.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: CASO JULGADO FORMAL
DESPACHO SANEADOR
DECISÃO SURPRESA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

1- O despacho saneador tabelar não opera caso julgado formal, pelo que a circunstância de, na sentença final, a 1ª Instância ter julgado a oposição à execução procedente, com fundamento na procedência da exceção da inexequibilidade do título executivo (de que conheceu oficiosamente), não viola o caso julgado operado por aquele despacho saneador tabelar.

2- Ocorre decisão surpresa quando a solução seguida pelo tribunal se desvincula totalmente da alegação das partes na sua substancialidade ou adjetividade, como é o caso em que as partes não centraram a sua discussão jurídica a propósito dos factos que alegaram em determinada exceção dilatória ou perentória, de conhecimento oficioso do tribunal e com base na qual este veio a decidir o litígio, conhecendo oficiosamente dessa exceção, sem notificar as partes para se pronunciarem, querendo, quanto à mesma.

3- Configura decisão surpresa a sentença proferida nos autos de oposição à execução, que julga procedente a exceção da inexequibilidade do título executivo dada à execução (ata de assembleia de condomínio), quando se verifica que apesar dessa exceção ser do conhecimento oficioso do tribunal, este não conheceu daquela aquando da prolação de despacho liminar na execução; a executada não invocou essa exceção como fundamento da oposição à execução que deduziu; o tribunal não conheceu oficiosamente dessa exceção no despacho saneador (tabelar) que proferiu nos autos de oposição mediante embargos; nesses autos, tendo a embargante, já após a prolação de despacho saneador, requerido que fosse proferida decisão, julgando extinta a execução, com fundamento na inexistência de título executivo (invocada aqui pela primeira vez), o tribunal limitou-se a conhecer da tempestividade desse requerimento, concluindo que este era intempestivo e determinando que o mesmo fosse desentranhado do processo físico e “ocultada da consulta pública” no processo eletrónico, de “modo a não influir no exame da causa”; quando a inexequibilidade das atas de assembleias de condóminos que liquidam as quantias já vencidas – em dívida – e não pagas ao condomínio, não é questão que tenha merecido tratamento uniforme pela jurisprudência, assim como não tem merecido tratamento jurisprudencial uniforme a interpretação da expressão “contribuições devidas ao condomínio” empregue no art. 6º, n.º 1 do DL n.º 268/94, de 25/10, no sentido de abranger ou não as sanções/multas pelo não pagamento atempado das contribuições, vindo o tribunal a conhecer dessa exceção oficiosamente na sentença, sem que antes tivesse notificado as partes para essa eventualidade e para se pronunciarem, querendo, quanto à mesma.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO

Recorrente: Condomínio RuA (..) – Lote 3,
Recorrida: (…)

Condomínio Rua (…) – Lote 3, instaurou execução para pagamento de quantia certa contra (..), visando a cobrança coerciva da quantia de 6.138,87 euros, acrescida de juros de mora e dando à execução a ata da assembleia de condomínio n.º 36, de 22/02/2014, alegando o seguinte em sede de requerimento executivo:
“(…)
4- …enquanto proprietária da fração “A”, conforme melhor consta da ata de condomínio n.º 36, de 02 de fevereiro de 2014 – doc. 1, atualizada pela conta corrente que foi remetida à executada com referência a 30 de outubro de 2014, a executada é devedora ao exequente da quantia de 4.615,23 euros, acrescida dos juros legais vencidos à taxa de 4% ao ano, no valor de 369,22 euros, que corresponde à medida da dívida ao longo do tempo, de acordo com os documentos 1 e 2.
(…)
6- Acresce que, de acordo com o Regulamento do Condomínio em vigor, do conhecimento da executada, no seu artigo 30º, “O condómino que não pagar os seus recibos no prazo previsto no artigo 7º deste regulamento fica sujeito ao pagamento de uma multa correspondente a vinte e cinco por cento do valor do recibo ou recibos em cobrança, no mínimo de cinco euros, acrescida dos juros à taxa de desconto do Banco de Portugal – Doc. nº 3, que se dá por reproduzido.
7- Assim, a tal título, uma vez que há anos que não vem cumprindo as obrigações sob a presente execução, resulta da ata – doc. n.º 1, deve a executada ao exequente, 1.153,83 euros.
8- No total, a dívida exequenda é de 6.138,37 euros (…).
(…)”

A executada deduziu oposição à execução mediante embargos invocando:

a- a exceção da compensação, alegando que a exequente tem perfeito conhecimento que a executada, pelo menos, desde março de 2011, ficou totalmente impossibilitada de habitar e utilizar o seu apartamento devido ao entupimento dos tubos da rede de saneamento das águas sujas domésticas e dos WCs das frações dos pisos inferiores do edifício;

No início de 2011, a cave do apartamento da executada foi, por diversas vezes, inundada com águas sujas e detritos, em todas as suas divisões, na sequência do que o apartamento daquela ficou repleto de moscas e mosquitos;

Em consequência dessas inundações, o apartamento da executada sofreu vários estragos, assim como os equipamentos e utensílios existentes nas suas divisões e na cave, que ficaram destruídos;

Realizada perícia, a Companhia de Seguros X, seguradora do edifício, constatou que a rede de escoamento das águas residuais domésticas do prédio contrariava as disposições regulamentares e declinou a responsabilidade quanto ao último entupimento dos esgotos;

Apesar de aceitar e se comprometer a reparar integralmente os estragos e a ressarci-la por todos os prejuízos sofridos, a exequente ainda não o fez, estando por realizar as obras na cozinha, substituir e/ou reparar as portas e paredes danificadas, pintar com primário e com, pelo menos, três demãos as paredes da cave;

Muito embora não seja possível à embargante calcular os prejuízos sofridos da responsabilidade da exequente, certo é que aquela é credora em relação à última de montante muito superior ao reclamado na execução, pelo que invoca a compensação de créditos;

b- a inexigibilidade da penalização ou multa, sustentando que esta não lhe pode ser aplicada porque inexiste mora de sua parte atento os fundamentos atrás mencionados, além de que a mesma desconhecia a existência da ata em referência e o regulamento do condomínio, dado que ninguém a havia informado a propósito da existência dessa ata e regulamento, sequer conheceu qualquer comunicação verbal ou escrita das deliberações aí tomadas e aprovadas.

Conclui pedindo que se julgue extinta a execução e, subsidiariamente, que se opere a compensação de créditos.

A exequente contestou, concluindo pela improcedência da exceção da compensação, sustentando que as obrigações em jogo não são da mesma espécie e qualidade;

Invocou a exceção da caducidade dos direitos indemnizatórios reclamados pela apelante e que esta pretende ver compensados com o crédito exequendo, nos termos da al. a), do n.º 1 do art. 847º do CC;

Invocou a exceção da ilegitimidade passiva em relação aos créditos indemnizatórios invocados pela embargante, sustentando que como esta invoca a intervenção da seguradora do edifício, referindo que esta seguradora concedeu ao embargado a quantia de 1.322,20 euros, que até hoje “pouco ou nada fez”, esta é parte ilegítima para só por si ser demandado nesta sede a propósito daquele crédito indemnizatório que pretende deter e que pretende ver compensado com o crédito exequendo;

Impugnou praticamente todos os factos alegados pela embargante;

Conclui pela improcedência dos embargos.

Fixou-se o valor da ação, proferiu-se despacho saneador tabelar, conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pela partes e designou-se data para a realização de audiência final.

Por requerimento entrado em juízo em 04/04/2019, a embargante apresentou o requerimento de fls. 70 a 73, requerendo que, ao abrigo do disposto no art. 734º, n.º 1 do CPC, se declare que não existe título executivo, e em consequência se declare extinta e execução.

Sobre este requerimento veio a recair o seguinte despacho:

“A embargante/executada, por requerimento de 04 de abril de 2019 veio requerer que o tribunal aprecie a falta de título executivo.

Neste caso concreto a questão da inexistência do título executivo deveria ter sido suscitada no momento processual próprio que radica no articulado da oposição à execução, sendo certo que a questão suscitada no requerimento que se aprecia, por parte da embargante/executada, trata-se inequivocamente de uma questão de direito, razão pela qual o requerimento em apreço se afigura processualmente inadmissível.

Com efeito, finda a fase dos articulados é possível deduzir articulado superveniente quanto a factos que lhe sejam posteriores.

Sucede que a questão ora suscitada é eminentemente jurídica, pelo que o momento processual próprio para argui-la seria o articulado de oposição à execução.

Em face do exposto, o requerimento ora apresentado pela embargante/executada é processualmente inadmissível (cfr. artigo 195º, n.º 1 do Código de Processo Civil), pois que se trata de ato que a lei não admite e que pode influir no exame ou na decisão da causa.

Razão pela qual o requerimento em apreço padece de nulidade, ordenando-se assim que o mesmo seja desentranhado e devolvido à apresentante e no que respeita ao processo eletrónico que o requerimento em apreço seja ocultado da consulta pública, tendo em vista, efetivamente que não influencie no exame da causa.

Condena-se a embargante/executada nas custas do incidente que se fixam em 1 UC nos termos do disposto no artigo 7º, n.ºs 4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais”.

Realizada a audiência final, proferiu-se sentença julgando procedente a oposição à execução por embargos e determinando a extinção da execução, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Nestes termos, julga-se procedente a presente oposição à execução deduzida pela embargante/executada Maria e, em consequência, absolve-se a mesma da execução instaurada pelo embargado/exequente “Condomínio Rua …- Lote 3-A.
Em conformidade, determina-se a extinção da execução.
*
Custas a cargo do embargado/exequente (cfr. artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), do presente apenso e da ação principal, sem prejuízo do direito a proteção jurídica de que (eventualmente) beneficie”.

Inconformada com o assim decidido, veio a exequente/embargada interpor o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

1- Salvo o devido e merecido respeito, o recorrente discorda da decisão proferida pelo tribunal a quo, que julgou procedente a oposição à execução deduzida pela embargante/executada e determinou a extinção da execução.

Vejamos:

a) Decisão em oposição com despacho anteriormente proferido:
2- Nos embargos de executado a embargada/executada não invocou a inexistência de título executivo.
3- Ao longo do processo, nos despachos proferidos, o tribunal a quo não conheceu oficiosamente da inexequibilidade do título executivo.
4- A embargante/recorrida, no dia 04.04.2019, antes da audiência de julgamento, apresentou requerimento, com a referência na plataforma citius n.º 8480417, no qual veio suscitar, pela primeira vez, a falta de título executivo.
5- Consequentemente, na audiência de julgamento do dia 04.04.2019, o tribunal a quo proferiu despacho em que declarou que o momento processual para ser arguida a inexistência de título executivo era no articulado de oposição à execução, ou seja, o conhecimento da questão suscitada estava dependente de arguição pela parte, sendo o momento processual para o fazer o articulado de oposição à execução.
6- Contrariamente ao despacho proferido, na douta sentença o tribunal a quo oficiosamente conclui que a ata oferecida à execução não constitui título executivo.
7- O Tribunal a quo ao decidir oficiosamente que a ata oferecida à execução não constitui título executivo, em contradição com a decisão anterior, no qual fez depender a sua invocação, pela parte, em sede de oposição à execução, violou o princípio do caso julgado – artigo 625º, n.º 2 do CPC.

b) Da decisão-surpresa/violação do princípio do contraditório:

8- O tribunal a quo, ao tomar conhecimento oficioso da inexequibilidade da ata oferecida à execução, errou, pois que, a solução jurídica apresentada na decisão não foi, ao longo do processo, equacionada e colocada em discussão às partes, sendo a decisão final uma surpresa.
9- Atentos os despachos proferidos ao longo do processo, designadamente o saneador e o proferido em audiência de julgamento do dia 04.04.2019, não era plausível o conhecimento oficioso da questão da inexiquibilidade da ata oferecida à execução na decisão final.
10- O artigo 3, º, n.º 3 do CPC consagra o princípio do contraditório, designadamente, através da proibição da decisão-surpresa, isto é, da decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
11- A sentença proferida pelo tribunal a quo, que conclui que a ata oferecida à execução não constitui título executivo, foi uma decisão-surpresa, dado tratar-se de questão nova, conhecida oficiosamente, para a qual a embargada/recorrente, contra quem a decisão foi proferida, não foi convidada a pronunciar-se (de facto e de direito).
12- tendo o tribunal a quo violado o princípio do contraditório – artigo 3.º, n.º 3 do CPC, cometendo uma nulidade – 195º, n.º 1 do CPC, dado a omissão cometida influenciar 37 no exame e decisão da causa.

c) Errada análise das provas constantes do processo/erro de decisão:

13- A embargante não impugnou o alegado no artigo 4.º do requerimento executivo no qual é alegada a falta de pagamento da recorrida do capital de 4.615,32 €, e do montante de 369,22 €, a título de juros,
14- tendo, apenas, impugnado o artigo 7.º do requerimento executivo, do qual consta o valor global em dívida, de 6.138,37 €, que incluí as penalizações decorrentes do regulamento de condomínio (documento este que também não foi impugnado pela embargante), no valor de 1.153,83 €.
15- Deste modo, o valor em dívida de 4.615,32 €, acrescido da quantia de 369,22 €, a título de juros, porque aceite pela recorrida, deve constar da matéria de facto provada, com a consequente alteração da decisão final.

Se assim não se entender:

16- A fundamentação do tribunal a quo e consequente decisão, não está em conformidade com os elementos probatórios dos autos.
17- O tribunal a quo decidiu da inexistência de título executivo, relativamente à dívida de capital de 4.615,32 €, tendo por base o ponto 2 da ordem de trabalhos da ata n.º 36, concluindo, além do mais, que, do referido ponto, nenhum dos valores discriminados coincide com a dívida de capital.
18- Na ata n.º 36, datada de 22.02.2014, discutiu-se e deliberou-se sobre a seguinte ordem de trabalhos: “Primeiro Eleição da Mesa da Assembleia; Segundo Análise e aprovação das contas relativas a 2013; Terceiro Eleição da administração para o ano 2014; Quarto -Apresentação, debate e aprovação do orçamento para 2014; Quinto Apresentação, debate e aprovação do orçamento de obras; Sexto Apresentação, debate e aprovação do orçamento de substituição da porta; e Sétimo Outros assuntos de interesse geral.”
19- Do ponto 2, da ata n.º 36 resultam deliberadas e aprovadas, por unanimidade o relatório e as contas de 2013, resultando discriminados os valores em dívida da recorrida à recorrente, cujo montante, em 2012, era de 308,88 € e, em 2013, já se cifrava no valor de 1.420,34 € (308,88 € relativos a 2012 + 1.111,46 € relativos a 2013).
20- A recorrente reclamou da recorrida o valor exato de 1.420,34 €, tal como, aliás, resulta do aviso de cobrança, valor que já se encontrava vencido, pelo que, não tinha a exequente que fixar na ata novo prazo para o referido pagamento.
21. Do n.º 6, do artigo 7.º do regulamento de condomínio, junto sob o doc. n.º 3, com o requerimento executivo, e que era do conhecimento da recorrida (da al. b) dos factos não provados declarou-se não provado que a embargante/executada desconhecesse a existência do regulamento do condomínio referido sob o n.º 7, dos factos assentes), resulta que: “A comparticipação das despesas comuns poderão ser liquidadas por mês, trimestre, semestre ou anuais, nos primeiros oito dias do primeiro mês da forma de pagamento escolhida (…).”
22. As restantes quantias em dívida pela recorrida, não estão aprovadas no ponto 2, como considerou o tribunal a quo, mas antes nos pontos quatro - “Apresentação, debate e aprovação do orçamento para 2014”, cinco “Apresentação, debate e aprovação do orçamento de obras” e seis“Apresentação, debate e aprovação do orçamento de substituição da porta”.
23. A responsabilidade dos condóminos nas despesas comuns é aferida na proporção dos valores das respectivas fracções, tendo em consideração a respectiva permilagem – artigos 2.º e 7.º do regulamento do condomínio – doc. n.º 3, do requerimento executivo.
24. A permilagem da fração da recorrida - fração “A” - corresponde a 200,0000 (20%) da permilagem total do prédio – cfr. lista de presenças na assembleia do dia 22.02.2014 junta à ata n.º 36 – doc. n.º 1 do requerimento executivo; atas n.ºs 30, 32 e 33, das quais resulta a presença da recorrida, representando 20% do capital do edifício e respetivas listas de presença – docs. n.ºs 3, 2 e 1 da contestação.
25- Ao contrário da douta sentença recorrida, as declarações de parte do representante da administração de condomínio, B. C., não versaram “exclusivamente” sobre o contra crédito, mas também sobre a dívida da embargante ao condomínio/embargada, explicando com pormenor os montantes constantes do requerimento executivo, perfazendo um global em dívida da embargante de 6.138,37 €, conforme melhor resulta do seu depoimento, prestado em sede de audiência de julgamento, do dia 04.04.2019, entre as 16h06m e as 17h13m, do minuto 47:45 ao 55:44 e do minuto 56:30 ao minuto 57:35.
26. Esclareceu que o capital em dívida pela executada, de 4.615,32 €, se encontra refletido na acta n.º 36, nos pontos 2, 4, 5 e 6.
27. Explicou o apuramento dos montantes constantes do ponto 2, referindo que no montante de 1.420,34 € (referentes à dívida em atraso de 2012 e 2013) já se encontram incluídos os 308,88 €, relativos a 2012.
28. Relativamente ao ano de 2014, cujo montante em dívida ascende a 3.194,98 €, confirmou que os valores tiveram por base as deliberações/aprovações dos pontos 4, 5 e 6 da ata n.º 36.
29- Reiterou o capital em dívida de 4.615,32 euros, reclamado no requerimento executivo e discriminado, também, no aviso de cobrança e confirmou a existência de uma penalização para os condóminos incumpridores no pagamento das despesas comuns, prevista no regulamento do condomínio, confirmando o valor reclamado, acrescido de juros, no valor total de 1.523,05 €.
30. Tendo em consideração as deliberações aprovadas na ata n.º 36, a percentagem da responsabilidade da recorrida nas despesas comuns, o regulamento do condomínio, o apuramento das quantias em dívida melhor discriminadas no aviso de cobrança e o depoimento prestado pelo representante da administração de condomínio, B. C., conclui-se da exequibilidade da ata n.º 36 e consequente responsabilidade da recorrida no capital em dívida de 4.615,32 €.
31. O tribunal a quo errou na análise da prova documental e declarações de parte produzidas em sede de audiência de julgamento, pelo que, a decisão proferida deve ser alterada, considerando-se matéria provada o teor dos pontos 4, 5 e 6, da ata n.º 36, e que a recorrida não pagou à exequente/recorrente a quantia de 4.615,32 €, e, consequentemente, a recorrida ser condenada ao pagamento da referida quantia, a que acrescem os respectivos juros de mora, os quais, à data da entrada do requerimento executivo, ascendiam a 369,22 €.

- Quanto às sanções/multas previstas no regulamento do condomínio:

32. Discorda a recorrente do entendimento do tribunal a quo no que diz respeito às sanções/multas previstas no regulamento de condomínio, e que considera que o valor de 1.153,83 € não cabe dentro dos limites da ata que se executa.
33. Uma vez previstas penalizações no artigo 30º do regulamento do condomínio, o qual foi aprovado em assembleia de condóminos, somos do entendimento que a recorrente está legitimada, em sede executiva, a reclamar a penalização no valor de 1.153,83 €.
34. Da matéria provada, deverá constar que a recorrida não pagou o montante de 1.153,83 € a título de sanção(ões)/penalização(ões), com a sua consequente condenação.
Ainda que assim se não entenda, sempre se dirá:

d) Do convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo:

35. Os autos de processo executivo tiveram início em 25.01.2015, sendo a sentença datada do dia 08.07.2019.
36. A sentença recorrida, invocando o disposto nos artigos 726º, n.ºs 1, 2 e 3 e 734º, n.º 1 do CPC, conheceu oficiosamente da falta de título executivo e julgou os embargos procedentes.
37. O tribunal a quo, ao invés da decisão proferida, devia ter convidado a parte/recorrente a aperfeiçoar o requerimento executivo, suprindo alegadas irregularidades de que o requerimento executivo padece, retificando o seu teor e/ou juntando documentação que se conhece existir, face ao teor dos documentos já juntos aos autos.
38. Não se pode olvidar o tempo já decorrido entre a data da propositura da ação e da decisão proferida, bem como, a data a que se reportam as dívidas da recorrida, 2012, 2013 e 2014, com as inerentes despesas suportadas pelo condóminos cumpridores, devendo o tribunal, na aplicação do direito, procurar, sempre, a decisão mais justa e conforme à verdade material.
39. O tribunal a quo, ao não convidar a exequente/recorrente a suprir irregularidades, corrigindo o requerimento executivo e/ou juntando documentação violou, por errada interpretação e aplicação o disposto no n.º 1 do artigo 734º, o n.º 4, do artigo 726º e o n.º 2, do artigo 6º, do CPC, tendo cometido irregularidade relevante – 195º, n.º 1 do CPC - a qual para os devidos e legais efeitos se invoca.

NESTES TERMOS, e mais de direito aplicáveis, deve ser concedido provimento ao presente recurso.

A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação, concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos:

1ª- A douta sentença recorrida, não merece qualquer reparo, primando a mesma pela total clareza, concisão e qualidade.
2ª- Nela o Tribunal “a quo”, interpretou bem os factos e fez uma correta aplicação do direito aos mesmos, nomeadamente, do preceituado no n.º 1 do art.º 6º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, artigo 1424º do Código Civil, e nos artigos, 10º nº 5, 726º, nº1, e 2, artigo 550º, nº1, 551º, nº3, 729º, 731º, 734º, nº1 todos do Código de Processo Civil,
3ª- Pelo que não obstante os esforços efectuados, não se verifica na douta decisão recorrida, nenhum dos vícios apontados pelo Recorrente.
4ª- Assim, a douta decisão ora em crise, deve ser mantida in totum.

TERMOS EM QUE, douta decisão ora em recurso, deve ser mantida in totum.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento do que se caba de dizer, as questões que se encontram submetidas pelo apelante à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:

a- se a sentença recorrida, ao conhecer oficiosamente da exceção da inexequibilidade do título executivo violou o caso julgado formal operado pela decisão proferida na ata de audiência final de 04/04/2019, junta a fls. 74 e 75 dos autos;
b- se essa sentença constitui uma decisão surpresa, sendo, por isso nula, por violação do princípio do contraditório;
c- se face à circunstância da apelada não ter alegadamente impugnado a matéria do art. 4º do requerimento executivo, se impõe considerar como provada a seguinte facticidade:
“O valor em dívida ascende a 4.615,32 euros, acrescido da quantia de 369,22 euros, a título de juros”;
d- se aquela sentença padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto considerada provada e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela prova do teor dos pontos 4, 5 e 6 da ata n.º 36 e, bem assim, que a recorrida não pagou à exequente a quantia de 4.615,32 euros;
e- se a sentença padece de erro de direito ao julgar procedente a exceção da inexequibilidade do título executivo e se se impunha que o tribunal tivesse formulado à apelante convite de aperfeiçoamento do requerimento executivo.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provados os seguintes factos:

1. No âmbito do processo de execução com o nº858/15.9T8VNF – de que os presentes autos constituem apenso –, instaurado no dia 25 de janeiro de 2015, o embargado/exequente “Condomínio” reclama da embargante/executada Maria o pagamento da quantia total de €6.138,37 (seis mil, cento e trinta e oito euros e trinta e sete cêntimos), a que acrescem juros de mora (entretanto já vencidos e vincendos) até efetivo e integral pagamento, assim discriminada: [i] o valor de €4.615,32 (quatro mil, seiscentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos), respeitante a contribuições em dívida; e [ii] o valor de €1.523,05 (mil quinhentos e vinte e três euros e cinco cêntimos), referente a sanção(ões)/multa(s) prevista(s) no Regulamento do Condomínio.
2. A embargante/executada é proprietária da fração autónoma, designada pela letra ‘A’, sita no prédio do Condomínio exequente.
3. O embargado/exequente fundou a execução dos autos principais na ata da Assembleia de Condóminos Ordinária nº36, de 22 de fevereiro de 2014.
4. A ordem de trabalhos da Assembleia referida em 3. incluiu, além do mais: ‘Segundo – Análise e aprovação das contas relativas a 2013’.
5. No que concerne ao ponto da ordem de trabalhos referido em 4. fez-se constar dessa ata, entre o mais, que: (…) foi apresentado pela administração, o Relatório e Contas 2013, conforme o Relatório de Gestão, enviado a todos os Condóminos aquando da convocatória para esta Assembleia, onde foram explicadas todas as Rubricas e a Administração (…) informou a ausência de pagamento de duas Frações à data da convocatória, que representavam um valor de 1.816,10€ (mil oitocentos e dezasseis euros e dez cêntimos), que reportam à Fração “A”, o valor de 1.420,34€ (mil quatrocentos e vinte euros e trinta e quatro cêntimos) e Fração “D” 395,76 (trezentos e noventa e cinco euros e setenta e seis cêntimos). A dívida da fração “D” à data da Assembleia já se encontrava liquidada pelo que a dívida da fração “A” é a única que se encontra em estado de cobrança no contencioso, que reportam 308,88€ (trezentos e oito euros e oitenta e oito cêntimos), relativos ao ano de 2012; 1.420,34 (mil e quatrocentos e vinte euros e trinta e quatro cêntimos), referentes ao ano de 2013, no qual estão incluídos o Desvio de obras da garagem, e a substituição dos caleiros (obras no telhado). Faltando ainda pagar a totalidade das obras, aprovadas na Ata 34, no dia 06 de abril de 2013, no valor global de 2.724,00€ (dois mil setecentos e vinte e quatro euros), assim como a conclusão da colocação dos tubos de saneamento na garagem no valor de 780,00€ (setecentos e oitenta euros) efetuada pelas Construções …, Lda., sendo as mesmas aprovadas por unanimidade (…).
6. O embargado/exequente, no dia 30 de outubro de 2014, emitiu um ‘Aviso de Cobrança’, que endereçou à embargante/executada, nele fazendo constar encontrar-se em dívida o valor total de €4.615,32 (quatro mil, seiscentos e quinze euros e trinta e dois cêntimos).
7. No artigo 30º, do Regulamento do Condomínio exequente, sob a epígrafe ‘Penalidades por falta de pagamento de recibos’, estipula-se que: 1 – O condómino que não pagar os seus recibos no prazo previsto no artigo 7º deste regulamento fica sujeito ao pagamento de uma multa correspondente a vinte e cinco por cento do valor do recibo ou recibos em cobrança, no mínimo de Cinco Euros, acrescida dos juros idênticos à taxa de desconto do Banco de Portugal. 2 – Decorridos noventa dias sobre a data da emissão de qualquer recibo, sem que este tenha sido pago com a respetiva multa de vinte e cinco por cento e juros, deverá o Administrador propor a correspondente ação judicial, devendo avisar o Condomínio devedor por carta registada com aviso de receção dessa intenção, dando-lhe um último prazo de dez dias para o respetivo pagamento. 3 – Serão suportadas pelo Condómino que causa ação, todas as despesas judiciais e extrajudiciais que o Administrador faça para haver quantia em dívida, incluindo os honorários de advogado e isto mesmo que, verificando-se o pagamento antes da propositura da ação, não se tenha passado dos atos preliminares a esta.
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E considerou como não provados os seguintes factos:

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente:

a) que a embargante/executada Maria desconhecesse a existência da ata referida sob o nº3 dos factos provados;
b) que a embargante/executada desconhecesse a existência do Regulamento do Condomínio referido sob o nº 7 da factualidade assente;
c) quaisquer outros factos para além dos descritos em sede de factualidade provada, que com os mesmos estejam em contradição ou que revelem interesse para a decisão a proferir.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

B.1- Violação do caso julgado formal.

Tendo a apelante/exequente instaurado execução com vista à cobrança coerciva da apelada/executada da quantia de 6.138,37 euros, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, sendo 4.615,32 euros respeitantes a contribuições de condomínio em dívida, e 1.523,05 euros de sanção/multa prevista no regulamento do condomínio pelo não pagamento atempado daquelas contribuições, tendo a apelada deduzido oposição à execução, mediante embargos, invocando a exceção da compensação do crédito exequendo com um contra crédito de que aquela será detentora perante a apelante e a da inexigibilidade da penalização ou multa reclamada na execução, uma vez realizada audiência final, com produção de prova pessoal, veio a ser proferida sentença, julgando a oposição à execução procedente e declarando extinta a execução, com os seguintes fundamentos: a) não verificação dos pressupostos legais do instituto da compensação de créditos, questão esta apreciada naquela sentença a título de “questão prévia”; e b) inexequibilidade do título executivo quanto às contribuições e às penalizações/multa reclamadas pela apelante em sede de execução, que tem por título executivo a ata da assembleia de condomínio n.º 36, de 22 de fevereiro de 2014.

Precise-se que já após se ter realizada uma sessão de audiência final, em que se suspendeu a instância na sequência da renúncia ao mandato do ilustre mandatário da exequente (apelada), esta, por requerimento de fls. 70 a 73, entrado em juízo em 04 de abril de 2019, isto é, no próprio dia em que se encontrava designada nova sessão de audiência final (cfr. fls. 73 verso e 74 a 75), requereu que, ao abrigo do disposto no art. 734º, n.º 1 do CPC, se declare que não existe título executivo e, em consequência, se declare extinta a execução, o que mereceu da parte da 1ª Instância a prolação da decisão de fls. 74 verso a 75, julgando que “(…) o requerimento ora apresentado pela embargante/executada é processualmente inadmissível (cfr. artigo 195º, n.º 1 do Código de Processo Civil), pois que se trata de ato que a lei não admite e que pode influir no exame ou na decisão da causa. Razão pela qual o requerimento em apreço padece de nulidade, ordenando-se assim que o mesmo seja desentranhado e devolvido à apresentante e no que respeita ao processo eletrónico que o requerimento em apreço seja ocultado da consulta pública, tendo em vista, efetivamente que não influencie no exame da causa”.

Tendo, como referido, a 1ª Instância decidido julgar, na sentença recorrida, procedente os embargos, com fundamento na inexequibilidade do título executivo quanto às contribuição e às penalizações/multas que a apelante reclama da apelada na execução, sustenta a apelante, no âmbito das suas alegações de recurso, que o tribunal a quo, ao decidir na sentença recorrida “… que a ata oferecida à execução não constitui título executivo,” está em “contradição com a decisão anterior, no qual fez depender a sua invocação, pela parte, em sede de oposição à execução” com o que “violou o princípio do caso julgado – artigo 625º, nº 2 do Código de Processo Civil”, mas antecipe-se desde já, sem evidente razão.

Vejamos:

Nos termos do n.º 5 do art. 10º do CPC, todo a execução tem por base um título executivo, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
Desta sorte, o título executivo apresenta-se como requisito essencial da ação executiva dado que esta apenas pode ser instaurada tendo por base aquele, o qual tem por função documentar os factos jurídicos que constituem a causa de pedir da pretensão exequenda e conferir o grau de certeza exigido pela lei para que sejam aplicadas ao executado as medidas coercivas previstas no processo executivo.
Além de requisito essencial à instauração da ação executiva, o título executivo é igualmente condição suficiente para instauração daquela pela força probatória especial que lhe é imanente, apresentando os requisitos externos da exigibilidade que a lei prevê, de modo que verificados que estejam esses requisitos, presume-se a existência do direito que o título corporiza, legitimando o exercício “da ação executiva de forma abstrata”, presunção essa apenas suscetível de ser afastada pela prova da inexigibilidade ou da inexistência do direito, a alegar e a ser provado pelo executada em sede de oposição à execução (1).
Deste modo é que nas palavras de Lebre de Freitas, o ponto de partida da ação executiva é o “acertamento” do direito que assiste ao exequente sobre o executado pelo título executivo, “pois a realização coativa da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjetivos e objetivos) da relação jurídica de que ela é objeto” e é o título executivo que contém esse acertamento, posto que é aquele que determina o objeto da execução, assim como a legitimidade ativa e passiva para ela e é também em face deste que se verifica se a obrigação é certa, líquida e exigível (2).
O título executivo realiza, assim, duas funções essenciais na medida em que, por um lado, delimita o fim da execução, isto é, determina, em função da obrigação que encerra, se a execução tem por finalidade o pagamento de quantia certa, a entrega de coisa certa ou a prestação de facto e, por outro, estabelece os limites da execução, não sendo legítimo ao exequente apelar à relação causal ou a uma eventual obrigação hipotética implícita para, desse modo, suprir eventuais insuficiências ou imprecisões do título executivo, na medida que a força probatória especial que a lei confere ao último reside no documento (e não no documentado) e decorre da circunstância desse documento cumprir as formalidades legalmente exigidas para ser havido como título executivo e daí que a obrigação exequenda tenha de estar consubstanciada no próprio título, sendo irrelevante tudo aquilo que o exequente alegue no requerimento executivo e que o extravase, com a exceção prevista no atual vigente CPC, na al. c) do n.º 1 do art. 703º, em relação aos títulos de crédito, com valor de meros quirógrafos, em que estes apesar de não terem força executiva enquanto título cambiário, continuam a ter força executiva por via do disposto no art. 458º, n.º 1 do CC, desde que os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados pelo exequente no requerimento executivo.
Resulta do que se vem dizendo que a exceção da inexistência ou da inexequibilidade do título executivo, pela função que desempenha no âmbito da execução, configura exceção que é do conhecimento oficioso do tribunal.
Aliás, baseando-se a presente execução na ata da assembleia de condomínio de n.º 36, de 22 de fevereiro de 2014 e, por conseguinte, em documento a que, por disposição especial, é atribuída força executiva, a presente execução para pagamento de quantia certa segue a forma ordinária, pelo que nela há lugar a despacho liminar (arts. 550º, n.ºs 1, 2 e 3, 703º, n.º 1, al. d), 723º, n.º 1, al. a), 726º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC e art. 6º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10.
Ora, para além da falta ou insuficiência de título executivo ser do conhecimento oficioso do tribunal, essa falta ou insuficiência, quando manifesta, constitui fundamento legal de indeferimento liminar do requerimento executivo (art. 726º, n.º 2, al. a) do CPC).

No caso presente, a 1ª Instância não conheceu oficiosamente da exceção da inexistência ou da inexequibilidade do título executivo em sede de despacho liminar, sequer a executada deduziu oposição à execução mediante embargos com fundamento na falta ou inexequibilidade do título executivo.
Fê-lo apenas após a prolação de despacho saneador tabelar nos presentes autos de oposição, no dia em que se encontrava designada a audiência final, em 04/04/2019, por requerimento de fls. 70 a 73.
Como é sabido, a circunstância de ter sido proferido despacho saneador tabelar, do estilo, como acontece nos autos, em que a 1ª Instância se limitou a afirmar que “não existem exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias ou incidentais suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito e que cumpra, de momento conhecer” (cfr. fls. 43), não opera caso julgado formal, por isso só poder acontecer, como decorre do n.º 3 do art. 595º do CPC, caso o julgador tivesse, em concreto, suscitado oficiosamente a exceção da falta ou da inexequibilidade do título executivo, e tivesse, em concreto, concluído pela improcedência dessa exceção (3), o que não acontece no caso dos autos.
Deste modo, a circunstância de na sentença recorrida a 1ª Instância ter julgado a presente oposição mediante embargos procedente, com fundamento na inexequibilidade do título executivo quanto às quantia reclamadas pela apelante, em sede de requerimento executivo, a título de contribuições de condomínio pretensamente em dívida pela apelada e, bem assim, a título de sanção/multa devida pela última em consequência do não pagamento atempado dessas contribuições, não viola o caso julgado formal pretensamente formado pelo despacho saneador antes proferido, dado o carácter tabelar deste.
No entanto, segundo a apelante aquela sentença viola o caso julgado formal operado pelo despacho proferido a fls. 74 e 75, em que a 1ª Instância declara nulo o requerimento apresentado pela apelada a fls. 70 a 73, em que esta suscita, pela primeira vez, a exceção da inexistência ou da inexequibilidade do título executivo.
Acontece que lido o despacho proferido a fls. 74 a 75, verifica-se que nele o tribunal a quo se limitou a debruçar-se se era ou não processualmente admissível à apelada apresentar esse requerimento de fls. 70 a 73, em que suscita a inexistência do título executivo, concluindo aí que essa questão é “…inequivocamente uma questão jurídica, razão pela qual o requerimento em apreço se afigura processualmente inadmissível. Com efeito, finda a fase dos articulados é possível deduzir articulado superveniente quanto a factos que lhe sejam posteriores. Sucede que a questão ora suscitada é eminentemente jurídica, pelo que o momento processual próprio para argui-la seria o articulado de oposição à execução”, tendo-se concluído que “…o requerimento ora apresentado pela embargante/executada é processualmente inadmissível (…), pois que se trata de ato que a lei não admite e que pode influir no exame ou na decisão da causa” e a ordenar o desentranhamento dos autos desse requerimento e que seja devolvido à apresentante.
Deste modo, nesse despacho de fls. 74 e 75, a 1ª Instância limitou-se a analisar sobre se era ou não processualmente admissível à apelada/executada apresentar aquele requerimento de fls. 70 a 73, suscitando a exceção dilatória da inexistência ou da inexequibilidade de título executivo e a concluir pela inadmissibilidade legal dessa apresentação e a ordenar o respetivo desentranhamento dos autos.
Nele a 1ª Instância não conhece, sequer afirma, explicita ou implicitamente, que não podendo, na concreta fase processual em que a apelada apresentou o requerimento de fls. 70 a 73, suscitando aquela exceção dilatória, já apresentar esse requerimento suscitando-a, ele tribunal, não podia conhecer ex officio da exceção em causa.

Deste modo, é apodítico que o caso julgado formal operado pelo despacho proferido pela 1ª Instância a fls. 74 e 75 (que se cingiu a decidir uma questão meramente processual, qual seja: sobre se, naquele concreto momento processual em que a apelada/executada apresentou o requerimento de fls. 70 a 73, suscitando a exceção dilatória da inexistência ou da inexequibilidade do título executivo dada à execução, aquela podia ou não fazê-lo, concluindo pela negativa e, consequentemente, ordenando o desentranhamento desse requerimento dos autos, sem que nele se tivesse debruçado sobre o mérito da exceção aí invocada), se cingiu à inadmissibilidade legal da apelada suscitar, nessa fase processual, essa exceção dilatória, não comportando essa decisão e o consequente trânsito em julgado, qualquer pronuncia do tribunal sobre se ainda lhe era possível ou não, a ele, tribunal, suscitar essa exceção e dela conhecer oficiosamente.

Destarte, é indiscutível que diversamente do pretendido pela apelante, a circunstância do tribunal ter conhecido oficiosamente da exceção dilatória da inexistência ou da inexequibilidade do título executivo, concluindo, na sentença recorrida, pela verificação dessa exceção dilatória quanto às quantias reclamadas pela apelante, em sede de requerimento executivo, a título de contribuições pretensamente em dívida pela apelada/executada e, bem assim, a título de sanção/multa por esta alegadamente devida por via do pretenso não pagamento tempestivo dessas contribuições, e ordenando, por via da procedência dessa exceção dilatória, a extinção da execução, não está em contradição com a decisão proferida a fls. 74 e 75, sequer viola o caso julgado formal operado por esta última decisão.

Enuncie-se que questão diversa consiste em saber se, não tendo a apelada deduzido oposição mediante embargos com fundamento nessa exceção da inexistência ou inexequibilidade do título executivo e se não tendo o tribunal conhecido oficiosamente dessa exceção em sede de despacho liminar, sequer em sede de despacho saneador, se ainda era possível ao último conhecer dessa exceção dilatória em sede de sentença, matéria esta que por não contender com a exceção do caso julgado formal operado pelo despacho saneador antes proferido nos autos, sequer com a exceção do caso julgado formal operado pela decisão de fls. 74 e 75, não se encontra aqui em apreciação.

Nesta conformidade, julga-se improcedente este fundamento de recurso, uma vez que a sentença recorrida não viola o caso julgado formal operado pelo despacho saneador tabelar proferido pela 1ª Instância nos autos, sequer o caso julgado formal operado pela decisão proferida a fls. 74 e 75.

B.2- Decisão surpresa, violação do princípio do contraditório.

Advoga a apelante que a 1ª Instância ao ter tomado conhecimento oficioso da exceção da inexequibilidade da ata oferecida à exceção, quando, em sede de oposição à execução, a apelada não aflorou qualquer questão quando à inexistência de título executivo, quando, por decisão de fls. 74 e 75, não admitiu esse requerimento, considerando que a questão da inexistência de título executivo deveria ter sido invocada pela apelada em sede de oposição à execução, quando nunca aquele tribunal aflorou, incluindo, em sede de despacho saneador, essa exceção e sem dar previamente às partes, contraditório para que estas se pudessem pronunciar, de facto e de direito, quanto à mesma, a sentença recorrida configura uma decisão surpresa, uma vez que não era plausível que tal questão viesse a ser conhecida oficiosamente, como o foi, o que determina a nulidade dessa sentença, por violação do princípio do contraditório, dado que o ato omitido é suscetível de influenciar o exame e a decisão da causa e, a nosso ver, com inteira razão.

Como já referido, tendo a apelante/exequente instaurado execução pretendendo a cobrança coerciva da apelada das contribuições de condomínio alegadamente em dívida e a sanção/multa que pretensamente lhe é devida nos termos do regulamento de condomínio pelo não pagamento atempado daquelas contribuições, servindo de título executivo à execução a ata da assembleia de condomínio n.º 36, de 22 de fevereiro de 2014, a apelada deduziu oposição à execução, invocando a exceção perentória da compensação de crédito e da inexigibilidade dos créditos reclamados, sem que tivesse invocado a exceção dilatória da inexistência ou da inexequibilidade do título executivo.

Em sede de despacho liminar e de despacho saneador o tribunal não conheceu oficiosamente dessa exceção, tanto assim, que o despacho saneador que proferiu é meramente tabelar.

Também, como antes referido, no despacho que proferiu a fls. 74 e 75, em relação ao requerimento apresentado pela apelada, a fls. 70 a 73, a 1ª Instância não manifestou, expressa ou implicitamente, que se dispunha a conhecer dessa exceção dilatória oficiosamente na sentença a proferir, uma vez que, nesse despacho, se limitou a debruçar-se sobre se à apelada assistia ou não o direito processual de apresentar aquele requerimento de fls. 70 a 73, em que, pela primeira vez, suscitou a exceção dilatória da inexistência ou da inexequibilidade do título executivo.

Em síntese, o tribunal a quo nunca, explicita ou implicitamente, deu a entender às partes que se propunha conhecer oficiosamente daquela exceção dilatória, sequer as notificou para, ao abrigo do princípio do contraditório, se pronunciarem, querendo, quanto à mesma.

No entanto, esse mesmo tribunal veio a proferir a sentença recorrida, a fls. 83 a 92, em que julgou improcedente a exceção da compensação invocada pela apelada e que constitui um dos fundamentos por esta invocado de oposição à execução em relação ao que, independentemente da sorte da presente apelação, não é objeto da presente apelação, encontrando-se transitada em julgado, e declarou procedente a exceção da inexequibilidade do título executivo quanto às quantias exequendas relativas a contribuições de condomínio alegadamente em dívida e à sanção/multa pretensamente devida por via do alegado não pagamento tempestivo dessas contribuições.
É indiscutível que o princípio do contraditório constitui um dos princípios basilares do processo civil nacional e em si mesmo é uma decorrência do princípio da igualdade das partes.
Por via desse princípio exige-se, antes de mais, que instaurada determinada ação, o demandado tenha conhecimento de que contra si foi formulado um pedido, por determinado sujeito, com fundamento em determinada causa de pedir e dando-lhe oportunidade de defesa.
Essa finalidade é atingida pela citação do demandado para a ação ou para a execução ou mediante a notificação para a oposição à execução ou para os vários incidentes.
Depois reclama-se que ao longo de toda a tramitação do processo, qualquer das partes tenha conhecimento das iniciativas ou pretensões deduzidas pela sua contra parte no decurso de todo o iter processual, com a inerente possibilidade de se pronunciarem antes de ser proferida decisão quanto a essas pretensões.
Conforme é bom de ver, só mediante a realização destas duas exigências – chamada da parte contra quem a pretensão é formulada para se defender e assegurando a ambas as partes o cabal exercício do contraditório ao longo de todo o iter processual -, é que se logrará assegurar uma efetiva igualdade de tratamento das partes ao longo de todo o processo, como é exigência de um processo equitativo.
A razão de ser do princípio do contraditório radica, ainda, na circunstância de perante a “estruturação dialética ou polémica do processo”, em que os pleiteantes apresentam interesses ou opiniões contraditórias, se esperar que da “discussão nasça à luz” e que “as partes (ou os seus patronos), integrados no caso e acicatados pelo interesse ou pela paixão, tragam ao debate elementos de apreciação (razões e provas) que o juiz, mais sereno mas mais distante dos factos e menos ativo, dificilmente seria capaz de descobrir por si” (4).
Deste modo, para além de ser condição para se assegurar a efetiva igualdade de tratamento dos litigantes e, consequentemente, se assegurar um processo equitativo, o princípio do contraditório traz vantagens inequívocas em sede de descoberta da verdade material.
Esta vertente do princípio do contraditório, entendida como o direito de conhecimento de pretensão contra si deduzida e o direito de pronúncia prévia à decisão, corresponde à conceção tradicional do princípio do contraditório e tem consagração legal na segunda parte do n.º 1 e no n.º 2 do art. 3º do atual vigente CPC (5).
Nessa conceção tradicional, o princípio do contraditório tem como escopo principal a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia.
No entanto, como tem sido posto em destaque pela doutrina e pela jurisprudência, embora a conceção tradicional do princípio do contraditório continue válida e vigorante, no atual processo civil adoptou-se uma conceção ampla de contrariedade ao estatuir-se no seu art. 3º, n.º 3 que “o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Mediante a consagração desta conceção ampla de contraditoriedade consagra-se, no âmbito do atual CPC, o princípio constitucional da proibição da indefesa, associada à regra do contraditório, visando-se conferir às partes uma efetiva participação no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão, proibindo-se ao juiz a prolação de qualquer decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que, previamente, tenha sido conferido às partes, especialmente àquela contra quem a pretensão é dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar (6).
Nesta conceção ampla do princípio do contraditório, em que se proíbe a indefesa e, nessa medida, a prolação de decisões-surpresa, visando-se assegurar às partes o direito de influenciarem efetivamente o rumo do processo e a decisão nele a proferir, o escopo principal do princípio do contraditório, deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo do direito das partes de influírem ativa e decididamente no desenvolvimento e no êxito do processo (7).
Essa vertente positiva do princípio do contraditório, tal como todos os outros princípios, não tem, no entanto, um sentido absoluto e inuletável, uma vez que é o próprio art. 3º, n.º 3 do CPC que admite que esse princípio possa ser afastado nos casos de “manifesta desnecessidade”.
A lei processual não enuncia quais são os casos em que o juiz pode afastar o princípio do contraditório por o respetivo cumprimento ser manifestamente desnecessário, cumprindo à doutrina e à jurisprudência preencher esse conceito indeterminado, tendo presente a finalidade central por ele prosseguido no âmbito do processo civil e as finalidades que o legislador visa acautelar com a respetiva consagração.
De acordo com Abrantes Geraldes são limitadas as situações enquadráveis nesse conceito genérico, em que o juiz fica legitimado a afastar o cumprimento do princípio do contraditório com fundamento em “manifesta desnecessidade”, apontando como exemplos do afastamento legítimo do mesmo: a) o indeferimento de qualquer nulidade invocada por uma das partes; b) em matéria de procedimentos cautelares, quando seja necessário prevenir a violação do direito ou garantir o resultado útil da demanda (8).
Por sua vez, Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto sustentam que o contraditório prévio pode ser dispensado em procedimentos cautelares, na execução, em que a penhora é, em certos casos, realizada sem audiência prévia do executado, propugnando que igualmente não deve ter lugar o convite dirigido às partes para discutirem uma questão de direito quando as mesmas “embora não tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente o tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente, por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação” (9).
O mesmo autor e Isabel Alexandre, debruçando-se sobre a matéria em causa escrevem que “O Projeto de Revisão propôs-se consagrar esta vertente do princípio do contraditório sem exceções: “(…), não lhe sendo lícito decidir questões de direito (ou de facto), mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Mas o DL 329-A/95 arrepiou caminho e, um tanto sibilinamente, passou apenas a impedir o proferimento da decisão “sem que as partes tenham tido a possibilidade de, agindo com a diligência devida, sobre elas se pronunciarem. Não era difícil imaginar um raciocínio judicial de acordo com o qual, se o juiz se apercebe de certa questão oficiosa, também as partes, se tivessem sido diligentes, dela se podiam ter apercebido, com o que dificilmente poderia ocorrer uma decisão-surpresa. Por isso, o DL 180/96 suprimiu a expressão “agindo com a diligência devida” e copiou do projeto da Comissão de Varela a expressão “salvo caso de manifesta desnecessidade”, concluindo: “Pode assim não ter lugar o convite para discutir uma questão de direito quando as partes, embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação jurídica (…) (10).
Como é bom de ver, a observância do principio do contraditório nesta dimensão positiva “tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que que o tribunal possa conhecer oficiosamente e que nenhuma das partes suscitou ao longo dos autos: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com a concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta necessidade” (11).
No entanto, se o princípio do contraditório nesta dimensão positiva de conferir às partes o direito de poderem influenciar ativamente o rumo do processo e a decisão a proferir assume especial relevância no âmbito das questões de conhecimento oficioso do tribunal, o seu campo de aplicação não se esgota naturalmente nesses casos, na medida que esta dimensão positiva do princípio do contraditório é aplicável ao longo de todo o processo.
Além disso, impõe-se afinar o conceito de “manifesta desnecessidade” tendo presente que casos existem em que, não obstante se tratar de questões processuais ou de mérito, de facto ou de direito, não suscitadas expressamente pelas partes, estas tinham obrigação de prever que o tribunal podia decidir tais questões em determinado sentido, como veio a decidir, pelo que se não as suscitaram e não cuidaram em as discutir no processo, sib imputet, não podendo razoavelmente considerar-se que, nesses casos, a decisão proferida pelo tribunal configure uma decisão-surpresa.
Deste modo é que a jurisprudência nacional tem considerado que a decisão-surpresa a que se reporta o art. 3º, n.º 3 do CPC, pressupõe que a parte seja apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não estivesse prevista nem tivesse sido configurada por aquela (12).
Se por hipótese, numa ação para ressarcimento de um lesado com fundamento na responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação, o autor pede, com base na culpa efetiva do demandado, o pagamento de determinada quantia, e o tribunal, na sequência da audiência de julgamento e após alegações de direitos das partes em que cada uma sustenta que a culpa deve ser atribuída à contraparte, acaba por decidir que cada uma delas contribuiu com uma quota de 50% para a produção do evento danoso e fixa em metade a indemnização da quantia peticionada pelo demandante, ou conclui que, em caso de colisão de veículos em que não logrou apurar as concretas circunstâncias em que se deu essa colisão, concluiu pela aplicação ao caso das regras do instituto da responsabilidade pelo risco, e condena o demandado a indemnizar o demandante em função dessas regras, nestes casos, não existe qualquer decisão-surpresa que exigisse a observância do princípio do contraditório a que alude o art. 3º, n.º 3 do CPC.
Com efeito, a decisão tomada pelo tribunal não só é emanação dos factos alegados e debatidos pelas partes, em que o tribunal se cingiu a esses factos, sem recurso a factos novos não alegados por aquelas, como o enquadramento jurídico feito pelo tribunal consubstancia algo que aquelas previram ou, pelo menos, tinham a obrigação legal de prever como possível, uma vez que quem instaura uma ação de indemnização tendo em vista obter a indemnização pelos danos sofridos emergentes de acidente de viação com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, imputando ao demandado a culpa exclusiva pelo acidente, que nega essa culpa, antes a imputando ao demandante, não pode apartar-se da hipótese de o tribunal, em face da discussão da causa, vir a optar por uma partição de culpas ou pelo risco na produção do acidente.
Do mesmo modo, instaurada uma determinada ação com fundamento no incumprimento de um contrato-promessa e imputando cada um dos pleiteantes esse incumprimento à sua contraparte, tendo cada uma delas a possibilidade de esgrimir os seus argumentos para defesa da respetiva posição processual, era previsível que o tribunal pudesse vir a enveredar por uma posição em que a atribuição da responsabilidade pelo incumprimento fosse parcial.
Será igualmente o caso do réu, não obstante não invocar na contestação expressamente determinada exceção, isto é, de não enquadrá-la juridicamente expressamente em determinado instituto jurídico, como é o caso da abuso de direito, sequer invocar expressamente os preceitos legais atinentes a esse concreto instituto, alegar factos que manifestamente não consentem outra qualificação jurídica que não fosse a dessa concreta exceção.
Na verdade, embora a exceção não tivesse sido invocada expressamente pelo réu na sua contestação, o qual nem sequer cuidou em invocar o preceito legal a que se reporta a exceção em causa, a versão dos factos por ele apresentada não consentia outra qualificação jurídica que não fosse o enquadramento jurídico da sua alegação fáctica naquela concreta e específica exceção (ex: abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium), pelo que embora esta não tenha sido expressamente invocada pelo réu na contestação, ocorre alegação implícita da mesma, pelo que não há lugar ao convite para as partes para discutirem a mesma, dado que essa questão de direito (a exceção perentória ou dilatória em causa) tinha sido implicitamente invocada pelo réu na sua contestação e a versão dos factos por ele invocada não consentia, sem sombra de dúvida, outra qualificação jurídica que não fosse o enquadramento jurídico desses factos naquela concreta exceção.
Por conseguinte, se um juiz minimamente diligente tinha a obrigação legal de enquadrar esses factos naquela concreta exceção, igual obrigação se impunha à contraparte.
Logo, essa contraparte contra quem a exceção implicitamente foi invocada, pôde ou, pelo menos, tinha o dever de se aperceber dessa exceção e teve a possibilidade de se pronunciar quanto à mesma, pelo que se não o fez, sib imputet, não havendo qualquer decisão surpresa que conheça dessa concreta exceção (13).
Na verdade, como referem Antunes Varela, Sampaio e Nora e Miguel Bezerra, “…impõe-se admitir a possibilidade de a invocação (de exceções) ser feita, não só explícita, mas ainda implicitamente” (14).
Deste modo, ainda que o réu (em sede de contestação) ou o executado (em sede de petição de oposição à execução) ou o exequente (em sede de contestação à oposição à execução) não procedam expressamente à qualificação jurídica dos factos que alegam, nomeadamente, não os enquadrem como exceção (perentória ou dilatória), sequer identifiquem expressamente os preceitos legais a que se reportam, tem de se considerar que essa concreta exceção se encontra implicitamente alegada sempre que os factos alegados não permitam outro enquadramento jurídico se não naquela concreta e específica exceção.
Nesses casos não tem lugar o convite das partes para discutirem a exceção em causa, implicitamente alegada, nomeadamente, da parte em relação à qual aquela foi deduzida, uma vez que as mesmas tiveram oportunidade de se pronunciarem quanto a essa concreta exceção.
É que, reafirma-se, se perante a alegação desses factos o juiz tem o dever de enquadrá-los juridicamente numa concreta exceção (perentória ou dilatória) por os factos alegados não consentirem qualificação jurídica diversa, também a contraparte contra quem a exceção foi deduzida (de modo implícito) tem a obrigação legal de proceder a esse enquadramento jurídico e de se aperceber da invocação implícita dessa exceção, até porque os factos contra si invocados não consentiam, sem sombra de dúvida, outra qualificação jurídica, pelo que caso não se tenha pronunciado quanto à mesma, sib imputet, não podendo depois vir a alegar que a decisão que conheceu dessa concreta exceção, com base exclusivamente nos factos que se quedaram como provados e que tinham sido alegados pelas partes, consubstancia um decisão-surpresa.
Note-se que isto é assim, independentemente de qualquer decisão expressa do tribunal a julgar desnecessário o cumprimento do princípio do contraditório.
Na verdade, no Projeto de Proposta de Lei que veio dar lugar à Lei n.º 41/2013, de 26/06, que reviu o CPC, previa-se que, nesses casos e noutros em que se dispensasse a observância do princípio do contraditório por manifesta desnecessidade, esta dispensa tinha de ser “devidamente fundamentada”, mas essa exigência legal foi eliminada pela Assembleia da República, não constando do atual art. 3º do CPC (15).
De resto, impendendo sobre o tribunal e as partes o dever de boa fé processual (art. 8º do CPC) e da cooperação (art. 7º), tais princípios e, bem assim o princípio da diligência e da auto responsabilidade que impende sobre aquelas não é compaginável com a enunciada medida, verdadeiramente tutelar do tribunal, alertando a contraparte que os factos alegados pela parte contrária se integram em determinada exceção (perentória ou dilatória), quando esses factos não consentiam, sem margem para dúvidas, qualificação jurídica diversa, dando a essa parte, que não se pronunciou quanto a essa exceção, ainda a possibilidade de vir a fazê-lo ou obrigando o tribunal a justificar expressamente por que não o faz, o que, sem dúvida alguma consubstanciaria, além de uma atitude processual paternalista e promotora da auto desresponsabilização das partes, uma atitude indutora da postergação do princípio básico da igualdade das partes que informa a lei processual civil, ao conceder-se à parte contra quem a exceção implicitamente foi deduzida e que não se pronunciou quanto à mesma de forma tempestiva, ainda a possibilidade de suprir a sua eventual falta de diligência ou alterando a sua conduta processual consciente, quando anteriormente decidira não se pronunciar quanto a essa concreta exceção implicitamente alegada.
Deste modo, sintetizando, ocorre uma decisão-surpresa quando a solução seguida pelo tribunal se desvincula “totalmente do alegado pelas partes na sua substancialidade ou na sua adjetividade, isto é, se a decisão não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos – novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão – que poderiam trazer alguma luz sobre a “questão nova” oficiosamente assumida pelo tribunal, então as mesmas terão o direito de tentar refazer a atividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório”. Nesta situação poderemos dizer que “o tribunal apartou-se do dever de cooperação, colaboração e boa-fé que deve nortear o princípio de imparcialidade e de posição super partes constitucionalmente atribuído ao julgador” (16).
No entanto, não existirá decisão-surpresa quando a decisão, retius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstratamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspetivado como possível e em relação ao que, consequentemente, a parte podia ter-se pronunciado, pelo que se não o fez, sib imputet.
Decisão surpresa existirá para efeitos do art. 3º, n.º 3 do CPC quando ela comporte uma solução jurídica, que embora juridicamente possível, as partes não tinham obrigação de prever, isto é, quando não fosse exigível que as partes tomassem oportunamente posição sobre essa concreta questão jurídica que acabou por ser sufragada pelo tribunal ou, no mínimo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que as partes o haviam feito (17).
Finalmente, há que precisar que a violação do princípio do contraditório mediante a prolação de uma decisão-surpresa insere-se na cláusula geral das nulidades processuais prevista no art. 201º, n.º 1 do CPC, no qual se prevê que “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Dada a importância do contraditório é indiscutível que a omissão do cumprimento desse princípio, isto é, quando ocorra a prolação de uma efetiva decisão-surpresa, é suscetível de influir no exame ou decisão da causa, pelo que a decisão-surpresa assim proferida encontra-se eivada de nulidade.
Essa nulidade não é do conhecimento oficioso do tribunal, carecendo de ser invocada pelo interessado na omissão da formalidade ou na repetição desta ou na sua eliminação (art. 197º, n.º 1 do CPC).
O interessado, quando presente ou representado no ato/diligência em que a nulidade foi cometida, terá de argui-la perante o tribunal que a praticou até ao términus desse ato/diligência; e quando ausente terá de invocar a nulidade no prazo de dez dias após a respetiva intervenção em algum ato praticado no processo (art. 199º, n.º 1 do CPC), sob pena desta ficar sanada.
No entanto, estando a decisão-surpresa coberta por decisão judicial, conforme é entendimento pacífico na jurisprudência, nada obsta a que a mesma seja arguida no prazo em que o recorrente pode interpor recurso da decisão judicial e no próprio requerimento de interposição de recurso, nos casos em que aquele pretenda arguir a nulidade processual e concomitantemente, invocar fundamentos de recurso em relação à decisão judicial proferida, em que esses fundamentos de recurso são por ele invocados apenas para o caso de a nulidade processual não ser julgada procedente (18), como acontece no caso sobre que versam os presentes autos.
Assente nas premissas acabadas de enunciar, como referido, a apelada não deduziu oposição à execução com fundamento na inexistência ou inexequibilidade do título executivo, sequer o tribunal conheceu oficiosamente dessa exceção aquando da prolação de despacho liminar quanto ao requerimento executivo, sequer aquando da prolação do despacho saneador no âmbito dos presentes autos de oposição à execução, ou, ainda, aquando da prolação do despacho proferido a fls. 74 a 75, em que concluiu pela intempestividade do requerimento apresentado pela apelada (embargante) a fls. 70 a 73, em que esta suscitou, pela primeira vez, a exceção da inexistência de título executivo quanto à quantia exequenda relativa a contribuições de condomínio pretensamente em dívida e sanção/multa devida em consequência do não pagamento atempado dessas contribuições.
O tribunal a quo não notificou apelante e a apelada de que se propunha conhecer oficiosamente dessa exceção em sede de sentença final a proferir nos autos.
Neste contexto, é indiscutível que não tendo as partes, no âmbito da presente oposição à execução, centrado a sua discussão jurídica na questão da verificação ou não da exceção dilatória da inexistência/inexequibilidade de título executivo, bem como o facto do tribunal, inclusivamente, quando, a fls. 74 a 75, se pronunciou sobre a tempestividade do requerimento apresentado pela apelada a fls. 70 a 73, em que, reafirma-se, esta veio, pela primeira vez, suscitar essa exceção, se ter limitado a apreciar da tempestividade ou não desse requerimento, concluindo pela respetiva intempestividade, ordenando o desentranhamento do processo físico desse requerimento e determinando que o mesmo fosse “ocultado da consulta pública” no processo eletrónico, “tendo em vista, efetivamente que não influencie no exame da causa”, o que não deixou de reforçar o entendimento legitimo das partes, principalmente, da exequente e apelante que essa exceção não seria apreciada oficiosamente pelo tribunal, tanto mais que se trata de questão que não é pacifica na jurisprudência, em que se discute se apenas deve ser tida como título executivo a ata em que é tomada a deliberação que define a comparticipação de cada condómino e que fixa o montante das prestações, bem como o prazo de pagamento, ou se também pode ser havido como título executivo quanto às quotizações a ata que liquida as quantias já vencidas (em dívida) e não pagas ao condomínio (19), quando também não existe uniformidade de posições jurisprudenciais sobre a interpretação a dar à expressão “contribuições devidas ao condomínio” do art. 6º, n.º 1 do DL n.º 264/94, de 25/10, no sentido de esse expressão ser ou não perspetivada de forma ampla, de molde a abarcar as penalizações ou penas pecuniárias devida pelo não pagamento atempado das contribuições (20), que a sentença recorrida, na parte em que conheceu, ex officio, dessa exceção, configura indiscutivelmente uma decisão surpresa, o que acarreta a respetiva nulidade, na parte em que procedeu a esse conhecimento e conclui pela procedência da exceção em causa e pela consequente extinção da execução.
Note-se que caso a 1ª Instância tivesse procedido, conforme legalmente se lhe impunha, antes de apreciar essa exceção, à notificação das partes para se pronunciarem, querendo, quanto à mesma, dado que se propunha conhecer daquela em sede de sentença final, não só a apelante teria tido oportunidade de elencar as divergências correntes jurisprudenciais que a propósito dessa exceção se perfilam, como teria tido oportunidade de invocar eventuais razões processuais impeditivas do tribunal de apreciar dessa exceção oficiosamente, por via de não a ter conhecido em sede de despacho liminar na execução, sequer no despacho saneador que proferiu no âmbito da presente oposição, como eventualmente teria tido oportunidade de esclarecer as divergências de valores apontadas pelo tribunal na sentença recorrida, a fls. 90 frente e verso dos presentes autos.
Aqui chegados, impõe-se concluir pela procedência da presente apelação e, em consequência, anular a sentença recorrida, por a mesma constituir uma decisão surpresa e violar o princípio do contraditório, o que determina a respetiva nulidade, salvando-se apenas dessa nulidade a “questão prévia” nela apreciada e decidida, em que o tribunal concluiu pela improcedência da exceção da compensação que tinha sido suscitada pela apelada, em relação ao que, essa sentença, permanece incólume e transitou em julgado, devendo o tribunal a quo notificar as partes para, em dez dias, se pronunciarem, querendo, quanto à exceção da inexistência ou inexequibilidade do título executivo e, bem assim, para as divergências de valores apontadas na sentença recorrida agora anulada - fls. 90 frente e verso dos autos – devendo, após decurso do prazo de contraditório em relação a eventuais documentos que a apelante venha a apresentar com vista a esclarecer essas divergências de valores, ser proferida nova sentença, com a fixação de factos provados e não provados, respetiva fundamentação, subsunção jurídica e parte dispositiva.
Em face da declaração da nulidade da sentença ora determinada, resulta prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela apelante nas suas alegações de recurso, o que se declara.
*
Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação procedente e, em consequência:

- anulam a sentença recorrida, salvando-se apenas dessa nulidade que ora se determina a “questão prévia” nela apreciada e decidida, em que o tribunal concluiu pela improcedência da exceção da compensação que tinha sido suscitada pela apelada, em relação ao que, essa sentença, permanece incólume e transitou em julgado, devendo o tribunal a quo notificar as partes para, em dez dias, se pronunciarem, querendo, quanto à exceção da inexistência ou inexequibilidade do título executivo e, bem assim, para as divergências de valores apontadas na sentença recorrida agora anulada - fls. 90 frente e verso dos autos – devendo, após decurso do prazo de contraditório em relação a eventuais documentos que a apelante venha a apresentar com vista a esclarecer essas divergências de valores, ser proferida nova sentença, com a fixação de factos provados e não provados, respetiva fundamentação, subsunção jurídica e parte dispositiva.
*
Custas pela apelada (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 05 de dezembro de 2019
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)



1. Alberto dos Reis, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, 1982, pág. 24.
2. Lebre de Freitas, “A Ação Executiva À Luz do Código Revisto”, 3ª ed., págs. 31 e 33.
3. Acs. RC. de 22/11/2016, Proc. 3582/13.3TJCBR-C.C1; RL de 01/10/2014, Proc. 4654/06.6TBCSC.L1-6; e de 16/10/2014, Proc. 16/10.9TBPST.L1-2, in base de dados da DGSI.
4. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 379.
5. Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, Almedina, 2014, pág. 24
6. Ac. RC. de 20/09/2016, Proc. 1215/14.0TBPBL-B.C1, in base de dados da DGSI.
7. Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 1996, págs. 96 e 97. No mesmo sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, pág. 29.
8. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, 2006, pág. 82.
9. Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto, “Código de processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 10
10. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., vol. 1º, págs.32 e 33.
11. Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, 1996, Almedina, págs. 102 a 103, lendo-se na nota 24 que é “manifestamente desnecessário convidar as partes a pronunciar-se sobre a qualificação dum contrato, integrando a causa de pedir, como compra e venda, se o autor, embora não invocando explicitamente esta qualificação, o descreveu facticamente como tal, em termos inequívocos e não contrariados, de facto nem de direito, pelo réu. Mas já será necessário o convite se o juiz entender que, não obstante as partes, explicita ou implicitamente, terem tomado o contrato como de compra e venda ao longo de todo o processo, a sua qualificação jurídica correta é de empreitada ou de doação; ou ainda se, concordando embora com a qualificação que as partes lhe atribuíram, o juiz se propuser aplicar uma norma jurídica, específica ou genérica, do respetivo regime (por exemplo, o art. 895º CC ou o art. 280-2 cc) que as partes durante o processo não tiveram em conta. A falta deste convite, quando deva ter lugar, gera a nulidade (art. 201). No mesmo sentido, Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed. revista e ampliada, janeiro/2014, Ediforum, pág. 18, onde se lê: “A proibição das decisões-surpresa (art. 3º, 3) constitui uma garantia cuja manifestação predominantemente se situa no âmbito das questões de conhecimento oficioso não levantadas no decurso do processo, das quais o tribunal se propõe conhecer no momento da decisão. Verificando-se em concreto uma situação deste tipo, deve o tribunal criar condições para o exercício do contraditório sobre o ponto em causa, relativamente a ambas as partes, em momento anterior à decisão e seja qual for a fase que o processo esteja a atravessar. Se, p. ex., o tribunal «ad quem» entender que os factos apurados nos autos devem ser submetidos a enquadramento normativo diverso daquele que foi considerado pelas partes e pelo tribunal «a quo», a vinculação do julgador ao contraditório – princípio que «o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo», conforme preceitua o n.º 3 do art. 3º - impõe-lhe que adapte a tramitação do recurso, de maneira a que nela se encaixe a tomada de posição das partes sobre a mudança a efetuar na qualificação jurídica da matéria de facto”.
12. Acs. STJ. de 14/05/2002, Proc. 02A1353; de 24/02/2015, Proc. 116/14.6YLSB, ambos in base de dados da DGSI.
13. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., vol. 1º, págs. 32 e 33.
14. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 676, nota 1. No mesmo sentido Acs. STJ. de 06/12/2012, Proc. 469/11.8TJPRT.P1-S1, in base de dados, em que a propósito de um recurso, em que a recorrente não refere expressamente, nas conclusões desse recurso, sequer nas respetivas motivações, impugnar o julgamento de mérito da sentença recorrida, que julgou procedente a exceção do abuso de direito, entendeu que além da alegação expressa, “a alegação implícita deve ser tida em conta. Esta consideração integra-se, aliás, numa visão do processo civil como mero instrumento e não como fim em si, impondo-se, por isso, uma grande elasticidade em ordem a que a decisão do tribunal assente em realidades substantivas e não adjetivas (…)” e onde conclui: “Ora, ainda que efetivamente, nas alegações a parte não se refira expressamente à tomada de posição sobre o abuso de direito levada a cabo pela Senhora Juiz a quo, não deixa (…) de manifestar a pretensão de que se julgue a ação improcedente, o que, implicitamente, traduz a recusa de tal construção”. No mesmo sentido Ac. RE. de !7/11/2016, Proc. 1022/13.7TBENT-D.E1, in base de dados da DGSI. Ainda Ac. STJ de 05/04/2016, Proc. 1538/11.0TBFIG.C1.S1, na mesma base de dados, em que se lê: (…) a causa de pedir representa na ação o substrato material a que o juiz reconhecerá ou não força jurídica bastante para desencadear as consequências jurídicas adequadas, as quais deverão ser determinadas num processo de tomada de decisão compatível com a amplitude de indagação, interpretação e aplicação previstas no n.º 3” do art. 5º do CPC. “É precisamente neste incindível “pas de deux” que o legislador estabeleceu por forma a manifestar a inexistência de uma linha divisória estanque entre os factos e o direito estabelece na conjugação do estatuído nos nºs 1 a 3 do art. 5º que a decisão deve ser tomada no âmbito da causa de pedir invocada. Nessa precisa dimensão que tem em conta a substancial e profunda alteração introduzida pelo art. 5º do CPC relativamente ao que anteriormente se consagrava no art. 264º” e onde se conclui: “não existe obviamente decisão surpresa quando, mantendo-se dentro da causa de pedir invocada, a aplicação de regras de direito fundamentadoras dessa mesma decisão seja efetuada num quadro que as partes prognosticaram ou tinham o dever de prognosticar”.
15. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., vol. 1º, pág. 33.
16. Ac. STJ. 27/09/2011, Proc. 2005/03.0TVLSB.L1.S1, in base de dados da DGSI.
17. Ac. RC. de 13/11/2012, Proc. 572/11.4TBCND.C1, in base de dados da DGSI.
18. Acs. STJ. de 13/01/2005, Proc. 04B4031; RP de 18/06/2007, Proc. 0733086, RL. de 20/04/2016, Proc. 316/12.3TTFUN.L1-4, todos in base de dados da DGSI.
19. No primeiro sentido, veja, entre outros, RG. de 08/01/2013, Proc. 8630/08.6TBBRG-A.G1; RP. de 17/01/2002, Proc. 0131853; de 21/04/2005, Proc. 0531258; RL. de 14/06/2012, Proc. 2679/11.2YYLSB-A.L1-6; e no segundo sentido Acs. RP. de 02/06/1998, Proc. 9820489; RL. de 09/12/2008, Proc. 9520/2008-6, in base de dados da DGSI;
20. No sentido da interpretação ampla: Acs. RC de 05/06/2001, Proc. 455/2001; RP de 03/03/2008, Proc. 0850758; RL de 22/06/2010, Proc. 1155/05.3TCLRS.L1-7; e no sentido da interpretação restritiva: Acs. RG. de 08/01/2013, Proc. 8630/08.6TBBRG-A.G1 e RC de 21/03/2013, Proc. 3513/12.8TBVIS, in base de dados da DGSI.