Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | SANDRA MELO | ||
Descritores: | CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO PRAZO PRESCRICIONAL PRESCRIÇÃO DE CINCO ANOS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/14/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1- No contrato de cartão de crédito, que é uma modalidade dos contratos de financiamento, costumam prever-se prestações que são compostas por uma parte destinada a amortizar o capital e parte ao pagamento de juros, especialmente quando contêm a possibilidade de pagamento rateado. 2- Essas prestações estão sujeitas ao prazo prescricional de cinco anos, face ao disposto na alínea e) do artigo 310º do Código Civil. 3- A aglomeração das prestações que consistiam em quotas de amortização do capital pagáveis com os juros não perde a sua natureza quando o credor impuser o vencimento de todas, por falta de realização de algumas delas, sendo-lhe, pois, aplicável a prescrição de cinco anos, também por força da alínea e) do artigo 310º do Código Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Recorrente e Autora: EMP01... – Stc, S.A. Recorridas e Rés: AA e EMP02... Unipessoal, Lda Apelação (em ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias originada em injunção) I.- Relatório No requerimento injuntivo que apresentou, a Autora pediu a condenação das Rés a pagar-lhe a quantia de € 8 014,14, sendo que a quantia de € 5 637,34 é referente ao capital e a quantia de € 2 223,80 diz respeito a juros de mora. Invoca, em súmula, que o Banco 1... (cujo crédito lhe foi cedido pela X Investimento, que desta o tinha recebido) no exercício da sua atividade bancária aceitou, a pedido das Rés, um contrato de utilização de cartão de crédito e bem assim um contrato de abertura de conta de depósitos à ordem. Estas incumpriram as obrigações que assumiram: - relativamente ao contrato de utilização de cartão de crédito (nº ...78), em 28/11/2012, pelo que lhes devem no âmbito desse primeiro contrato as quantias de 5.273,76 € de capital e a quantia de 2.159,21 € de juros; - relativamente ao contrato de abertura de conta de depósitos à ordem, em 13/09/2018, pelo que lhes devem no âmbito desse contrato a quantia de 363,58 € de capital e a quantia de 64,59 € de juros. As Rés foram citadas editalmente e apenas o Ministério Público contestou, invocando, em síntese, quanto à Ré pessoa singular, a prescrição do crédito, porquanto para além do capital devido, eram exigíveis juros, mensalmente; devendo o devedor ter a conta aprovisionada não só com o capital devido, mas também com os juros vencidos mensalmente, pelo que não há que distinguir entre a obrigação de capital e a obrigação dos juros, em termos de prazo prescricional. Foi proferida sentença, sem indicação dos factos provados, não obstante a citação ter sido edital e ter existido contestação, que julgou parcialmente procedente a ação (embora por lapso de escrita se tenha escrito que o era integralmente), condenando as Rés no pagamento de requeridos a pagar à requerente a quantia de €363,58 a título de capital e €64,59 a título de juros moratórios vencidos, sem prejuízo dos vincendos, até efetivo e integral pagamento. Previamente havia sido julgada procedente a exceção de prescrição e “absolvida a requerida do peticionado” relativamente “à dívida e dos juros peticionados referente ao contrato n.º ...78”. É desta decisão que a Autora apela, com as seguintes conclusões: “1. I. O tribunal a quo, concluiu erradamente, pela verificação da prescrição da obrigação referente ao contrato n.º ...78 e consequente absolvição dos Requeridos quanto ao pagamento da quantia total em dívida no âmbito do mesmo. II. Bem como ao entender que, ao caso sub judice, seria aplicável o prazo de prescrição quinquenal, previsto no art. 310.º e) do CC. III.Isto porque, se verifica, in casu, e de forma irrefutável, uma errada subsunção jurídica aos factos e documentos carreados nos autos. IV. Nomeadamente no que toca ao enquadramento jurídico da relação contratual entre as partes, que não poderá ser enquadrável num designado “contrato de abertura de crédito”, por sua vez subsumido nos contratos de mútuo em sentido amplo, mas antes num contrato de utilização de cartão de crédito, com as consequentes especificidades resultantes da sua atipicidade. V. Não restam dúvidas de que o contrato celebrado entre as partes se trata de um contrato de crédito ao consumo, na modalidade de utilização de cartão de crédito. VI. A douta sentença recorrida violou assim, por incorreta interpretação e aplicação dos normativos legais e dos meios probatórios carreados para os autos, o disposto no artigo 309.º CC VII. Entendeu, o tribunal a quo, em primeiro lugar, que resulta da matéria de facto alegada pelo requerente, que o crédito do requerido tem a sua base num contrato de mútuo (arts 1142º a 1151º do Cód Civil), tornando-se cristalino que o requerido não se obrigou a nenhuma «prestação periodicamente renovável» mas antes uma prestação única, dividida em fracções. VIII. Concluindo, dessa forma, que a situação em causa nos autos não entra no âmbito de aplicação da norma do art. 310º, al.g) do Cód Civil, mas sim a al. e) do art. 310º. IX. Por sua vez, entendeu resultar dos factos alegados pelo requerente que o requerido deixou de pagar as prestações a que estava obrigado em 28/11/2012, considerando que foi essa a data de constituição em mora e de vencimento imediato de todas as prestações (arts 781º e 805º, n.º 2, al.a) do Cód Civil). X. E que, por esse turno, e na linha jurisprudencial do Douto Acórdão do STJ de 10/09/2019, proc n.º 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1, que defende que o prazo de prescrição aplicável é aquele previsto no art 310º, al. e) do Cód Civil, tendo como efeito, o vencimento imediato de todas as prestações tem unicamente esse efeito, o do vencimento imediato, não alterando a natureza da dívida de fraccionada em unitária (e é aqui que reside o busílis da questão, sublinhado nosso) e que por outro lado, o princípio do favor debitoris justifica a extensão da aplicação da norma a situações como aquela em causa nos autos, na medida em que o devedor se mostra confrontado com uma dívida de capital e juros acumulados de mais de uma década, favorecendo injustamente o credor. XI. Concluindo, a final, que a dívida prescreveu em 28/11/2017, tendo considerado prescrita a obrigação constante nos autos, a título de capital e de juros (art 310º, al.d) e e) do Cód Civil). XII.O que não pode proceder, salvo o devido respeito. XIII. Não se aceita, salvo o devido respeito, decisão que considere verificada a prescrição da obrigação in totum (capital e juros). XIV. Uma vez que estamos perante um contrato de utilização de cartão de crédito. XV. Atendendo à documentação junta aos autos, é referido expressamente no canto superior direito do referida documentação “... – Proposta de adesão cartão de crédito ...”. XVI. Pelo que não se concebe a errada qualificação jurídica que se verificou, in casu, e a consequente subsunção de consequências jurídicas erradamente daí se extraem. XVII. Ora se dúvidas não podem restar de que se trata de uma proposta de adesão cartão de crédito. XVIII. Não existe, por conseguinte, qualquer divergência doutrinal e jurisprudencial no que toca ao seu enquadramento na previsão normativa do art. 309.º do CC, no que diz respeito ao prazo em que o Credor dispõe para exigir o pagamento de quantias que disponibilizou e ao cliente e relativamente aos quais não foi ressarcido. XIX. Ora, sendo que a dívida de capital reclamada tem subjacente a emissão de um cartão de crédito associado a um contrato específico de utilização e as quantias que foram disponibilizadas pelo Cedente, não foram regularizadas. XX. Os valores em dívida, identificados nos extractos bancários, não são prestações sucessivas, não se vence uns apos o pagamento de outra, há uma única data de vencimento para obrigação aqui em causa, que varia consoante o uso que foi feito dessa linha de crédito, e que respeita a quantias variáveis, consoante o valor global dos pagamentos e operações realizadas pelo devedor. XXI. O valor em dívida a data do incumprimento do referido contrato, identificado em extracto final foi resultado da utilização do cartão de crédito e do incumprimento dos pagamentos devidos pelo mesmo. XXII. Pagamentos, esses, reitera-se, resultantes do incumprimento de uma única obrigação, e não de prestações que se vão vencendo uma mediante o pagamento de outra (sublinhado nosso). XXIII. Ou seja, o valor em dívida à data do incumprimento é resultante do incumprimento reiterado dos pagamentos devidos pelos Requeridos, em cada data específica, correspondentes as movimentações do cartão de crédito efectuadas pelos mesmos, não sendo uma prestação, mas o total em dívida devido ao incumprimento e a utilização do cartão efectuada pelos Requeridos. XXIV. Sucede que, nos contratos de utilização de cartão de crédito, os pagamentos estão subordinados ao uso que é feito da quantia disponibilizada na linha de crédito, o que não e antecipadamente fixado ou pré-determinado entre as partes. XXV. O crédito que a aqui Recorrente vem exigir não é o relativo a qualquer quota de amortização ou a quaisquer outras prestações periodicamente renováveis, mas já ao capital global da dívida. XXVI. Ou seja, o crédito peticionado nos autos não respeita individualmente as quotas de amortização convencionadas mas a todo o capital em dívida, decorrente do vencimento das prestações por forca do disposto no art. 781.º do Código Civil. XXVII. Deste modo, carece dizer que não estaremos perante um caso de lex specialis derogat generali aplicando-se quanto ao contrato em apreço, o prazo ordinário de prescrição presente no art. 309.º Código Civil, ou seja os 20 anos. XXVIII. Atento a todo o exposto, entende a ora Recorrente que deverá ser considerada, concretamente, inconstitucional a interpretação segundo a qual aos contratos liquidáveis em prestações, de capital e juros, se aplica o prazo excecional de cinco anos. Face ao exposto, e salvo o devido respeito, que é muito, considera a Recorrente que esta última decisão que, partiu de errada determinação jurídica da relação contratual entre as partes e consequente verificação de excepção da prescrição, deverá ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento da ação especial de cumprimento de obrigações até ao efetivo e integral pagamento da quantia peticionada.” O Ministério Público respondeu, com alegações e as seguintes: conclusões 1) A douta sentença recorrida não violou qualquer disposição legal; 2) A presente injunção foi entregue em 05-04-2023; 3) No caso, importa ainda frisar que, para além do capital devido, eram exigíveis juros, estes últimos devidos mensalmente; 4) Nos termos do artigo 306.º do Código Civil, a prescrição começa a contar quando o direito puder ser exercido; 5) Considera-se que essa data era em 28/11/2012, altura em que o contrato foi considerado resolvido, exigindo-se toda a quantia contratualmente prevista; 6) Ora, tendo presente que a injunção foi instaurada apenas em 05-04-2023, entende-se, e salvo o devido respeito por melhor e superior entendimento, que a dívida corporizada na relação causal está igualmente prescrita, pelo decurso do prazo prescricional de cinco anos e, portanto, correspondia a prestações periódicas previamente acordadas, com prazos de vencimento autónomos; 7) No mais, atendendo que o descoberto em conta, à semelhança de um contrato em conta corrente, constitui um verdadeiro contrato de mútuo (veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 283/05.0TBCHV.S1, de 07.10.2020), ainda que estivéssemos perante um contrato de mútuo bancário liquidável em prestações sucessivas, assumindo estas a natureza de obrigações periódicas, distintas e autónomas, com base num plano de pagamento acordado, estas ficariam sujeitas ao prazo de prescrição de 5 (cinco) anos, estabelecido no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil; 8) Verificando-se, assim, a total e concreta aplicabilidade de um prazo mais curto de prescrição, por remissão para qualquer uma das situações previstas no artigo 310.º do Código Civil, e não o prazo ordinário de vinte anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil; 9) Tendo presente que a execução foi instaurada apenas em 2023, entende-se, e salvo o devido respeito por melhor entendimento, que a dívida corporizada na relação causal está prescrita, pelo decurso do prazo quinquenal de prescrição previsto no artigo 310º, alínea e), do Código Civil, sendo a prescrição uma exceção perentória que determina, no caso, a absolvição do pedido (artigos 576º, 729º, al. g) e 857º, nº 1, do Código Processo Civil); 10) S.m.o. não existe, assim, qualquer motivo para ser concedida razão ao recorrente, pelo que deve ser negado provimento à apelação e, consequentemente, deverá ser mantida in tottum a douta sentença recorrida.” II- Objeto do recurso O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil). Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma. Atento o teor das conclusões, a única questão a conhecer nestes autos é saber se na obrigação resultante do incumprimento do contrato de utilização de crédito celebrado entre as partes, nos termos invocados pela autora, é aplicável o prazo de prescrição quinquenal. III- Fundamentação de Facto Na sentença não se indicaram os factos provados e não provados, remetendo-se para o alegado pelo Autor, descrito nos seguintes termos: “Para tanto alega, em suma, o seguinte: por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, outorgado em 20 de Dezembro de 2019, o Banco 1..., S.A. cedeu à X Investimento, S.A.R.L. uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, incluindo os créditos decorrente dos contratos n.º ...30 e ...; por sua vez, por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, outorgado em 03 de Abril de 2020, a X Investimento, S.A.R.L. cedeu à EMP01... STC, S.A., uma carteira de créditos, composta por mais de 50 créditos distintos, por valor superior a €50.000,00 (cinquenta mil euros), bem como todas as garantias a eles inerentes, incluindo o crédito decorrente dos contratos n.º ...30 e ...78, cessão essa notificada aos Requeridos nos termos do n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil; pelo que a ora Requerente considera-se a titular legítima dos créditos peticionados nos presentes autos; mais alega que o Banco cedente (Banco 1...) no exercício da sua actividade bancária aceitou, a pedido dos ora Requeridos um contrato de utilização de cartão de crédito ao qual foi atribuído o n.º ...78 e ainda um contrato de abertura de conta de depósitos à ordem, ao qual foi atribuído o nº ...30; considera que os ora Requeridos não cumpriram com as obrigações emergentes dos contratos supramencionados, tendo incumprido o Contrato nº ...30 em 13/09/2018, o Contrato nº ...78 em 28/11/2012; apesar de devidamente interpelados para regularizar as dívidas em que incorreu, os Requeridos não efetuaram, até à presente data, qualquer pagamento, nem prestou qualquer justificação; considera estarem em dívida as seguintes quantias: Contrato nº ...30: €363,58 a título de capital e €64,59 a título de juros; contrato n.º ...78; €5273,76 a título de capital e €2159,21 a título de juros; aos referidos valores acresce o montante de €153,00 a título de taxa de justiça, bem como os juros moratórios vincendos; termina formulando o pedido acima enunciado.” Por se encontrar documentalmente comprovado o teor do contrato de cartão de crédito “...”, junto pela Autora, nos termos do artigo 607º nº 4 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 663º, nº 2, do mesmo código, e se mostra necessário para a decisão da causa, reproduzem-se partes relevante do contrato: - a cláusula 33ª desse contrato, com a epigrafe: “Conta-cartão”, tem o seguinte teor: “1. As quantias devidas pelo titular, resultantes de operações efetuada com o cartão, serão lançadas numa conta-cartão, da qual será mensalmente emitido um extrato, discriminando as operações efetuadas e os valores em dívida. 2. O extrato da conta-cartão será enviado, por escrito, para titular, considerando-se a dívida por ele reconhecida se não for recebida pelo Banco 1... qualquer reclamação, por escrito, no prazo de sete dias seguidos contados da data da receção do extrato. 3. Serão igualmente lançadas na conta-cartão as anuidades/mensalidades, despesas de expediente, taxas, impostos, juros e comissões relacionadas com a utilização do cartão. 4. O saldo devedor da conta-cartão será pago na data limite indicada no respetivo extrato, de acordo com a modalidade de pagamento (dia e percentagem de pagamento) escolhida pelo titular ao subscrever a proposta de adesão ao cartão, por débito automático da conta de depósito à ordem à qual o cartão está associado, continuando o remanescente em dívida a vencer juros.” Mais ali fez constar nesse documento, quanto à “Modalidade de pagamento”: “Solicito que o saldo dos extratos que forem enviado seja debitado automaticamente na conta à ordem acima indicada na seguinte modalidade: 5%“. IV- Fundamentação de Direito Da prescrição Os direitos estão sujeitos a prescrição pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, desde que não sejam indisponíveis nem, por norma especial, dela estejam isentos, di-lo o artigo 298.º, n.º 1, do Código Civil. A prescrição tem como fundamento, genericamente, a ideia que a inércia do titular no exercício do seu direito permite que se lhe retire efetividade, visto que interessa ao Direito obter a paz social, impedindo a perpetuação de conflitos, que desta forma promove, ao definir um tempo limite, findo o qual o titular já não o pode exigir. Defende o interesse do devedor na sequela de determinado período temporal, o qual se inicia com a exigibilidade da dívida num período considerado suficiente para que aquele possa confiar que esta já não lhe será exigida, para garantir que as pessoas saibam com o que podem contar. Tem, em regra, como efeito direto a transformação da obrigação numa obrigação natural: atribui ao devedor a faculdade de recusar o respetivo cumprimento. Pode operar fazendo presumir o cumprimento (a prescrição presuntiva) ou só atribuindo ao devedor a possibilidade de recusar o cumprimento e de se opor ao exercício do direito (a prescrição extintiva), tudo como decorre dos artigos 298º, 304º, 312º, 318º a 322º e 323º a 326º do Código Civil. Quando o credor demonstre a vontade de a exercer, na forma estabelecida por lei, ainda antes de ocorrer a prescrição, esta interrompe-se e inutiliza-se todo o tempo decorrido anteriormente. Sem inércia do titular, o que implica que o mesmo pudesse exercer o direito, mas o não fez, não há prescrição. Do prazo prescricional a atentar: 5 ou 20 anos Embora o prazo de prescrição ordinário seja de 20 anos, nos termos do artigo 309º do Código Civil, este diploma (e outras normas avulsas de que aqui se não cuida) prevê um conjunto de situações especiais em que, em virtude dessas circunstâncias típicas, concede uma maior proteção ao devedor e impõe um mais pesado ónus de pronta diligência ao credor. Entre elas encontram-se as elencadas no artigo 310º do Código Civil, o qual fixa um prazo quinquenal à prescrição. Discutem-se aqui as alíneas e) “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros” e a alínea g) “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”. O fundamento central das prescrições mais curta previstas nestas normas funda-se na ideia de proteger o credor da inércia do credor, quando a circunstância potencia de forma especial a acumulação da dívida, por se ir repetindo e aumentando pela simples demora no seu exercício, pela mero decurso do tempo, sendo consequência natural do retardamento da exigência do credor uma “acumulação de contas rapidamente ruinosa para devedor” (como se escreveu no acórdão também de uniformização de jurisprudência nº 7/2009, de 5 de maio, n.º 7/2009, de 5 de maio, publicado no Diário da República n.º 86/2009, Série I de 2009-05-05, páginas 2530 – 2538). Assim, é hoje, praticamente pacífico que, “no mútuo bancário, em que a obrigação de reembolso do capital mutuado é objeto de um plano de amortização que se traduz na fixação de determinado número de quotas de amortização que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios vencidos, originando uma prestação unitária e global, cada uma dessas prestações mensais está, por opção legislativa, sujeita ao prazo prescricional de cinco anos previsto na al. e) do artigo 310.º do Código Civil.” Cf acórdão nº 589 de 01/24/2022, que remete para o acórdão proferido no processo nº 201/13.1 TBMIR-A-C1.S1 de 09/29/2016. Tal foi repetido no acórdão de Uniformização de Jurisprudência que estendeu a aplicabilidade do prazo de prescrição de cada prestação de cinco anos aos casos em que o credor declarou todas as prestações vencidas, sendo que a contagem do prazo (sobre a totalidade do montante assim devido, logo que ainda não estivesse prescrito) se inicia com a data do vencimento antecipado – cf Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, de 22 de setembro, publicado no Diário da República n.º 184/2022, Série I de 2022-09-22, páginas 5-15, proferido no processo nº 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, com o seguinte sumário: “«I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.» Nesta alínea e) prevêem-se os casos em que uma obrigação de pagamento de determinado montante acrescido de juros, o qual foi dividido em prestações (quotas) que são compostas por uma parte de amortização do capital e juros; na alínea g) os casos em que foi acordado um conjunto de prestações que renascem periodicamente, não resultando da lei que tal periodicidade tenha, sequer, que ser regular. Correspondem a prestações que se prolongam no tempo, sendo em regra determinadas pelo quantum correspondente ao preço de cada período de utilização de uma coisa, serviço ou capital. Tem-se entendido que na alínea g) não cabem as situações em que a obrigação é unitária, mas de prestação fracionada (se a mesma não comportar uma componente de juros a acrescer ao capital, caso em que entendemos que cai imediatamente na previsão da alínea e) deste normativo), exigindo-se que as prestações não importem o pagamento parcial do crédito sujeito à prescrição ordinária, apresentando-se como exemplo de escola as prestações de uma compra e venda em prestações (o montante está determinado à partida e não aumenta pelo simples decurso do tempo, apenas é escolhido o seu pagamento em quotas diferidas no tempo) (cfr, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/16/2008 no processo 4693/2008-1). Do prazo aplicável à obrigação resultante da resolução do contrato ou da antecipação do vencimento de obrigações sujeitas ao prazo de prescrição quinquenal Discute-se qual é o prazo aplicável á obrigação resultante da declaração de antecipação do vencimento (a que se reporta, além do mais o artigo 781º do Código Civil) de todas as prestações vincendas com base no incumprimento de prestações vencidas a que é aplicável o prazo de prescrição quinquenal e à obrigação resultante da resolução do contrato por incumprimento. Tendo em conta o escopo desta prescrição, pareceria que, se perante o incumprimento de prestações já vencidas, mas não prescritas, o credor declarasse vencidas todas as prestações ou resolvesse o contrato com esse mesmo fundamento se consumaria o risco de onerosidade excessiva que se pretenderia evitar, perderia sentido ou razão de ser a aplicação deste prazo mais curto sobre essa prestação global, por um lado e por outro que se voltaria a exigir uma prestação única não fracionada, inicialmente acordada. Por isso, parte da jurisprudência aplicava à prestação unitária resultante da declaração de imediato vencimento de todas as prestações acordadas em virtude da mora do devedor o prazo geral de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil, considerando que ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros (remetendo depois a questão para o apuramento do valor devido, retirado o já prescrito, sendo exemplo os acórdãos proferidos nos processos nº 589/15.0T8VNF-A.G1, de 03/16/2017, 525/14.0TBMGR-A.C1 de 04/26/2016, nº 17012/17.8YIPRT.C1 de 06/12/2018, entre muitos). No entanto, outra corrente, que veio a ter vencimento no acórdão uniformizador de jurisprudência supra citado e cujo sumário reproduzimos, teve em atenção que a obrigação constituída pelo vencimento imediato de todas as prestações que consistiam em quotas de amortização do capital pagáveis com os juros não perde tal natureza, pelo que está sujeita ao prazo de prescrição de cinco anos estipulado na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, como se fez no acórdão nº 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1, de 09/10/2020 (“Às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no art.º 310º, al. e), do CCiv, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas).” (Neste sentido também os acórdãos proferidos nos processos nº 2483/15.5T8ENT-A.E1, de 04/12/2018, 2324/15.3T8STR.E1, de 06/08/2017, 126930/17.6YIPRT.L1-6 , de 04/08/2021, 6647/15.3.T8OER-A.L1-8 de 12/19/2019, 126235/17.2YIPRT.E1 de 12/05/2019, 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 de 3/27/2014 e 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 de 12/11/2020) Como se escreveu no citado acórdão de uniformização de jurisprudência 6/2022, proferido a 30 de junho de 2022, pelo pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça no proc. n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1: “O prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol.106/112ss.) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89.º/328, justificando o prazo curto com o facto de “proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos….Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.” Parece-nos que a não aplicabilidade a estes casos deste prazo mais curto permitiria que se desvirtue o objetivo da prescrição quinquenal, consentindo que, antes de decorrido integralmente tal prazo, se exigisse o pagamento integral da dívida, tolerando-se seguidamente o longo prazo de apatia na execução do direito de vinte anos, criando um avolumar da dívida pela simples inércia do credor (tantas mais dotados de meios adequados para a sua exigência por serem entidades bancárias), a qual muitas vezes já é exercida apenas contra os fiadores, distanciados da situação. Enfim, se é previsto no contrato o pagamento em prestação de capital e juros, sujeitas ao prazo quinquenal da prescrição, o exercício pelo credor do seu legitimo direito à resolução do contrato ou a antecipação do vencimento, não o isenta do ónus de a exigir num prazo razoável (quinquenal), que já o onerava e era aplicável às anteriores prestações cujo incumprimento originou aquela que as aglutinou. Da data do início da contagem do prazo da prescrição O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia tal prazo. - artigo 306.º, n.º 1 do Código Civil). Pode discutir-se se o prazo de prescrição começa a contar da data em que o credor pode usar da prerrogativa de considerar vencida toda a prestação, da data de vencimento fixada pelo credor à obrigação resultante do vencimento antecipado ou do momento em que interpelou o devedor para o pagamento dessa obrigação resultante do vencimento antecipado ou da resolução do contrato. Tem sido entendido que “O vencimento das prestações a que se refere o artigo 781º do Código Civil é um benefício concedido por lei ao credor que, querendo beneficiar dele, deverá manifestar a sua vontade nesse sentido, interpelando o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da obrigação”, o que ganhou relevo face às normas vigentes no nosso direito transposta do direito europeu aplicáveis aos contratos de concessão de crédito ao consumidor, sejam ou não garantidos por hipoteca: artigo 20º do DL 133/2009 e 27º do DL 74-A/2017 que exigem tal prévia interpelação (aliás, adicionada de um conjunto de outros requisitos) Visto que a antecipação do vencimento das prestações é uma prerrogativa que favorece o credor que dele pode ou pode ou não socorrer-se, entendemos que o prazo de prescrição da totalidade da dívida não se inicia no momento em que o credor podia despoletar a perda do prazo, mas o não faz, mas tão só do momento em que fez operar o vencimento antecipado das prestações (que pode não coincidir com as primeiras prestações não pagas e/ou com a data em que o declara ao devedor, nomeadamente face aos requisitos impostos para os casos em que se está perante um crédito ao consumidor, mesmo se com garantia hipotecária). É que entender que o prazo de prescrição começa a contar do momento em que a entidade bancária pode usar da prerrogativa de considerar vencida toda a prestação ou de resolver o contrato conduz à não só à inexigibilidade das prestações exigidas depois de cinco anos a contar do seu vencimento, imposta pelo citado artigo 310º nº 1 alínea e) do Código Civil, mas também à impossibilidade de resolver o contrato no futuro, com base em outras obrigações não prescritas e não pagas, o que não tem qualquer cabimento, nem na letra, nem no espírito da lei. O que está sujeito à prescrição de cinco anos são as obrigações pecuniárias de amortização do capital pagáveis com os juros, não o direito a resolver o contrato ou de usufruir do beneficio da perda do prazo com base no incumprimento. Estes direitos prescrevem no prazo geral de vinte anos. Temos por certo que se o credor utilizar tal prerrogativa, declarando o vencimento da totalidade da obrigação em determinada data, para dela se fazer valer, já não pode, sem lograr acordar nesse sentido com a parte contrária, desfazer tal vencimento, para efeitos da contagem da prescrição. Fica vinculado à declaração de vontade que emitiu. E é a data de vencimento atribuída à obrigação, no uso da prerrogativa de que beneficia o credor (e dentro dos seus limites) que é de considerar: não é possível dissociar o início do prazo da prescrição da data em que a obrigação global se considerou vencida e exigível. Veja-se que o credor nem sempre pretende ou pode declarar vencidas as prestações considerando o início do incumprimento (quer porque em diversos casos a lei exige determinado número de prestações em falta ou percentagem do valor total para admitir tal declaração, quer porque estes normativos lhe concedem uma faculdade que não é obrigado a utilizar). Face ao que se afirmou, relevante para apurar a data do início do prazo da prescrição é a data do vencimento da obrigação cuja prescrição está em causa, a qual pode ser a obrigação resultante da antecipação do vencimento escolhido pelo credor e reportada, pois, à data por este escolhida (dentro daquelas que permitiam o uso desse direito). Não se diga que assim fica o devedor á mercê daquele, porquanto caso o credor fixe uma data de vencimento posterior a um conjunto de obrigações prescritas (evitando a prescrição da prestação global), e ao invés do que deveria, exija o valor de obrigações prescritas (de capital ou juros), o devedor pode impedi-lo, discutindo os valores pedidos. Tudo, evidentemente, tendo em conta que o credor não pode basear a declaração de vencimento antecipado ou a resolução em prestações prescritas, por não exigíveis. Mas caso reporte o vencimento a tal data, pode ver vê toda a obrigação assim peticionada também prescrita, por ser da data de vencimento que se conta o prazo da prescrição. Assim, como se disse no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência: “Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.” É certo que a resolução exige uma declaração unilateral à outra parte, receptícia (como decorre do artigo 436º nº 1 do Código Civil), sem a qual não opera. É, no entanto, comum que, mesmo no caso da resolução, o credor antecipe o vencimento da obrigação, indicando data anterior à da sua declaração e contando os juros desde essa data. Então, também nestes casos, se o devedor nada opuser, há que atender à data de vencimento tal como indicada pelo credor quando exigiu tal obrigação global fruto da declaração de resolução, esquecendo a data da própria resolução. Caso o credor, reconhecendo que já há obrigações prescritas, se fundamente apenas em obrigações não prescritas para operar a resolução, a mesma opera, embora não possa – evidentemente - exigir o valor de capital ou juros que já se encontrem prescritas. No caso do credor se fundamentar em prestações prescritas para fazer operar a resolução, esta não opera. Mas se antecipar o vencimento da obrigação global a essa data, pode ver declarada a prescrição dessa obrigação. Concretização A sentença partiu do princípio que o crédito do requerido tem a sua base num contrato de mútuo (remeteu para os artigos 1142º a 1151º do Código Civil), considerando cristalino que o requerido se obrigou a uma prestação única, dividida em frações e que deixou de pagar as prestações a que estava obrigado em 28/11/2012, pelo que considerou que foi esta a data de constituição em mora e de vencimento imediato de todas as prestações. A Recorrente insurgiu-se contra este entendimento e para tanto invoca, em súmula, que não se está perante um contrato de mútuo em sentido amplo, mas um contrato de utilização de cartão de crédito, atípico e concluiu que não existe qualquer divergência doutrinal e jurisprudencial no que toca ao seu enquadramento na previsão normativa do art. 309.º do Código Civil. Vejamos, antes de mais, o tipo de obrigação que aqui se discute, não obstante ter sido muito parca a matéria de facto invocada, mesmo que se tenha nesta instância considerado que a mesma podia ser integrada pelo teor dos documentos juntos. Da sujeição das obrigações exigidas fundadas no contrato celebrado entre as partes à prescrição quinquenal e constitucionalidade deste entendimento Através do contrato de emissão de cartão bancário o emitente bancário atribui ao seu cliente o direito a aceder a um sistema de pagamentos gerido pelo primeiro, permitindo que o cliente efetue pagamentos a terceiros utilizando um crédito concedido pelo emitente, possibilitando ao cliente que certo diferimento no pagamento ao emitente da importância da aquisição efetuada, dada a concentração de pagamentos correspondentes a um determinado período de tempo a que este se vincula. Nos casos em que a possibilidade de o titular optar por um pagamento rateado, pode haver lugar ao pagamento de uma taxa de penalização e dos juros correspondentes à quantia em dívida”. Assim o contrato de utilização de crédito constitui uma modalidade de contratos de financiamento. No presente caso, analisado o contrato verifica-se, como resulta patente, além do mais, da sua cláusula 33ª, nº 4 e do acordo que só seriam debitados no mês seguinte 5% dos pagamentos efetuados, supra reproduzidas, que estava previsto essa dilação no pagamento, com a possibilidade de pagamento rateado, devendo o capital, que aliás poderia aumentar com sucessivos usos do cartão, ser pago, em prestações paulatinas, acrescidas de juros. Assim, como decorre do nº 3 da citada cláusula, na data de cada extrato mensal o cliente tem a obrigação de pagar determinada prestação, correspondente ao saldo devedor da conta cartão, o qual engloba parte do capital e juros, continuando o remanescente em dívida a vencer juros (devendo ser saldado nos subsequente pagamentos exigidos com a emissão dos extratos de “saldos devedores”). Daqui decorre que em cada saldo devedor se pede, como neste caso concreto é evidente, em que há o diferimento e rateamento no pagamento dos montantes utilizados, associados à cobrança de juros, o pagamento do crédito concedido acrescido de juros, isto é, a exigência do pagamento de quotas de amortização do capital pagáveis com juros. Assim, decorre do contrato junto que o que é peticionado resulta da constituição das Rés na obrigação de pagamento de prestações compostas por uma parte destinada ao pagamento de parte do capital adiantado, parte destinada ao pagamento de capital mutuado mediante o pagamento de juros e parte referente aos juros, obrigação esta, aliás, que se renovava periodicamente (mensalmente, com a emissão de cada extrato, independentemente de novas utilizações do cartão). De qualquer forma, no que toca à utilização de um cartão de crédito, face ao que acima se deixou dito acerca da natureza do contrato em causa - de financiamento, por se traduzir no adiantamento de pagamentos- concluimos que, desde que sejam acordados juros sobre o capital adiantado, se verifica, me regra, que o cliente se constituiu na obrigação de efetuar o pagamento de determinadas prestações unitárias que são compostas por quantias destinadas a amortizar capitais adiantados e pelos correspetivos juros (e mesmo de prestações periódicas, por se renovarem pelo simples decurso do tempo – as mensalidades ou anuidades do cartão e por novas utilizações do cartão, tal como acontece com os fornecimentos de gás e eletricidade previstas na alínea g) do artigo 310º do Código Civil). Mesmo que se entenda que o montante peticionado resulta da “acumulação” de todo o capital ainda devido e juros vencidos em determinado momento, como se viu, face ao acórdão de uniformização de jurisprudência supra citado (que convictamente seguimos), essa obrigação global mantém a natureza das obrigações que lhe deram origem, sendo-lhe aplicável o prazo prescricional que beneficiava as obrigações “aglomeradas”. Este entendimento, relativo aos cartões de crédito, tem vindo a ganhar subscritores, como resulta do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/04/2024, no processo 27762/23.4YIPRT.P1 : “I - A dívida resultante da utilização de um cartão de crédito pode assumir várias modalidades consoante o acordo sobre o modo e tempo do seu pagamento. II - Se dos factos resulta que a mesma devia ser paga em prestações não estamos perante uma obrigação periodicamente renovável ‘stricto sensu’; mas sim perante uma obrigação única cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado e dilatado no tempo. III - Por isso, a situação enquadra-se na previsão normativa do art. 310º, al. e); do CC).” E no mesmo sentido o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora a 07/11/2024, no processo 1297/23.3T8BJA.E1 : ”1 - Demonstrado que o pagamento do capital e juros do contrato de crédito ao consumo, na modalidade de utilização de cartão de crédito, era feito em prestações de capital e juros remuneratórios, antecipadamente acordadas, tem aplicação a jurisprudência do Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 e publicado em Diário da República n.º 184/2022, 1ª Série, de 22-09-2022, págs. 5-15 (Acórdão do STJ n.º 6/2022).” O Recorrente invoca que este entendimento é inconstitucional, mas não explica qual o princípio ou norma constitucional que ele violaria, pelo que se mostra impossível discutir tal afirmação, bastando, para a negar, remeter para os fundamentos do instituto da prescrição que supra analisámos. É certo que existe jurisprudência, anterior, que aplicou o prazo de vinte anos para a prescrição, como a citada neste acórdão e pela própria Recorrente (a Relação de Porto, por aresto de 01/26/2016 (processo n.º 159085/14.8YIPRT.P1). Mas estes acórdãos não têm em atenção a recente jurisprudência uniformizadora do Supremo Tribunal de Justiça supra explanada da qual resulta que o credor não pode fugir à prescrição quinquenal de que beneficia o devedor de um conjunto de prestações pela declaração de resolução do contrato ou utilização da faculdade de fazer toda a obrigação com a inerente perda do beneficio do prazo, por se entender que os fundamento que justificavam a aplicação da prescrição curta àquelas obrigação também se justificam à obrigação resultante da sua aglutinação. Embora a Recorrente cite em sua defesa o acórdão deste tribunal proferido no processo nº 255/22.0T8VNC-A.G1, com o seguinte sumário “I. Não demonstrando a embargante/ora recorrente parte em contrato de crédito ao consumo, na modalidade de utilização de cartão de crédito, que o pagamento do capital e juros seria feito em prestações, antecipadamente acordadas, não tem aplicação o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo nº 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 e publicado em Diário da República nº 184/2022, 1ª Série, de 22-09-2022, págs. 5-15 (Acórdão do STJ nº 6/2022).”, no presente caso a estipulação desse pagamento em prestações unitárias repetidas do capital e juros, inerente ao crédito concedido em virtude da possibilidade de pagamento rateado dos montantes utilizados através do cartão de credito, resulta da própria alegações da Autora, com a junção do contrato de subscrição do cartão de crédito. Mesmo que o crédito que a mesma eventualmente pretenda exigir não seja uma prestação vencida diretamente resultante do contrato, como a ausência de qualquer alegação adicional inculca, mas uma obrigação resultante da declaração de antecipação do vencimento de todas as prestações vincendas com base no incumprimento de prestações vencidas (e não prescritas, a que se reporta, além do mais o artigo 781º do Código Civil) ou obrigação resultante da resolução do contrato por incumprimento, não obstante nada ter invocado sobre o assunto, também esta se entende prescrita: veio a ter vencimento em acórdão uniformizador de jurisprudência, que seguimos, que a obrigação constituída pelo vencimento imediato de todas as prestações que consistiam em quotas de amortização do capital pagáveis com os juros não perde tal natureza, pelo que está sujeita ao prazo de prescrição de cinco anos estipulado na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, como vimos ( cfacórdão nº 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1, de 09/10/2020) Concordamos que não se deve desvirtuar o objetivo da lei, que, como vimos, é impulsionar o credor a ser diligente a exigir o pagamento neste tipo de prestações constituídas por quotas de amortização de capital pagáveis com os juros, a fim de evitar a insolvência do devedor, não permitindo que o credor, sem correr o risco de ir sendo confrontado com a prescrição das prestações vencidas há mais de cinco anos, possa ir protelando a exigência da dívida. Assim, embora a sentença não fosse precisa na classificação do contrato, não se afastou da sua natureza, por se estar perante um contrato de financiamento bancário e como vimos, face à natureza das obrigações aqui estipuladas, ser aplicável a cada uma das prestações acordadas para amortizar o capital e juros, tal como concluiu a sentença, a prescrição quinquenal. Isto posto, entremos na segunda questão, a partir de que data se deve contar o prazo de prescrição da obrigação. Da data do início da contagem do prazo da prescrição e o decurso do prazo Face ao alegado no requerimento inicial, mesmo integrado pelos documentos juntos, dificilmente se pode considerar que está em causa a totalidade da obrigação apurada com fundamento na resolução do contrato (por incumprimento das prestações acordadas para amortização do capital e pagamento dos juros): não é invocada ou junta qualquer carta de resolução do contrato ou de declaração de antecipação do vencimento das obrigações (sendo que estas operam por declaração receptícia). Assim, do alegado, haveria que concluir que estaria em causa uma das obrigações imediatamente acordadas. De qualquer forma, como vimos, o prazo de prescrição aplicável a ambas as obrigações é o mesmo, de cinco anos. Face ao invocado, é claro que a obrigação originada pelo contrato de utilização do cartão de crédito (mediata ou imediatamente) se considera exigível logo em 28/11/2012, visto que esta é a data indicada como sendo a do incumprimento e a partir da qual são exigidos os juros de mora. Dúvidas não temos que há que atender como data em que a obrigação objeto do pedido de condenação no pagamento se tornou exigível aquela que o Autor indicou como a do seu incumprimento e a partir da qual passou a contar juros de mora autonomamente. A mesma, aplicado o prazo de cinco anos, prescreveu em 29/11/2017. A data da citação e até a da dedução da injunção é muito posterior (2-6-2023): foi exigida obrigação já prescrita. As missivas juntas para a recuperação extrajudicial dos valores pedidos não têm a virtualidade de suspender o prazo de prescrição: “…Nos termos do artigo 323º do Código Civil, para que a prescrição se tenha por interrompida, é necessário que o credor manifeste judicialmente ao devedor a intenção de exigir a satisfação do seu crédito e que este, por esse meio, tenha conhecimento daquele exercício ou daquela intenção. V - Decorre claramente deste preceito (artº 323º) que não basta o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição: é necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, dêem a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer a sua pretensão. VI - O envio de comunicações extrajudiciais não é, pois, meio idóneo para operar a interrupção da prescrição”. cf acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no processo nº 1360/17.0T8LSB.L1.S1 de 04/21/2022). De qualquer forma, a data das missivas juntas é posterior à data em que operou a prescrição. Improcede totalmente a apelação. V- Decisão Por todo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença proferida. Custas da apelação pela Recorrente. (artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil). Guimarães, 14-11-2024 Sandra Melo Luís Miguel Martins Elisabete Coelho de Moura Alves |