Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
294/19.8T8MAC.G1
Relator: PEDRO MAURÍCIO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DIREITO DE PROPRIEDADE
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/31/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DOS AA.: IMPROCEDENTE
DOS RR.: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O ónus a cargo do recorrente imposto pelo art. 640º do C.P.Civil mostra-se cumprido desde que, na motivação (alegações), o recorrente alegue todas as especificações referidas no nº1 deste preceito e que, nas conclusões, o recorrente identifique com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, não sendo de exigir que nestas conclusões constem também todas as restantes especificações.
II - A apreciação pelo Tribunal da Relação da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento da causa, mas sim uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros de julgamento.
III - No âmbito dessa apreciação, ao Tribunal da Relação incumbe formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e que são objeto de impugnação, tendo para o efeito amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, podendo socorrer-se, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo, não estando adstrito quer aos meios de prova que foram indicados pelas partes quer aos indicados pelo Tribunal de 1ª Instância.
IV - Apesar de não conter norma legal igual à que constava do art. 646º/4 do anterior C.P.Civil, e ter sido uma opção legislativa maior liberdade na descrição da matéria de facto, por força do disposto no art. 607º/3 e 4 C.P.Civil de 2013, na fundamentação de facto da sentença apenas devem constar os factos julgados provados e não provados, dela devendo ser expurgados todos os que constituem matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que engloba os juízos de valor ou conclusivos.
V - Os factos conclusivos não podem integrar a matéria de facto quando estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem a perceção da realidade concreta, e/ou ditam por si mesmo a solução jurídica do caso, normalmente através da formulação de um juízo de valor.
VI - Saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui uma questão de direito.
VII - Embora reportada a uma parcela de terreno situada na confluência de dois prédios confinantes, quando a disputa entre as partes se concretiza na reclamação por cada uma delas de que tal parcela integra o seu prédio, então o que verdadeiramente está em causa é uma divergência sobre a propriedade parcela em discussão e, por via disso, sobre o limite e extensão da cada um desses prédios, o que confere à acção uma feição peculiar, não sendo susceptível de ser enquadrada numa acção reivindicação nem numa acção de demarcação.
VIII - Conquanto a integração dessa parcela num ou noutro prédio possa provar-se por actos de posse, também o pode por quaisquer outros meios, tendo em vista descobrir a “ligação pertinencial” que se revela por certos “nexos” (materiais e funcionais).
IX – Mesmo que não se alcance conclusão de que a parcela disputada integra os limites e extensão de qualquer dos prédios confinantes, daqui não emerge qualquer direito de demarcação relativamente a tal parcela.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO (1)

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
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1. RELATÓRIO

1.1. Da Decisão Impugnada

Os Autores C. A. e M. P. instauraram a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra os Réus M. J. e A. M., pedindo que «a) Declare-se que são donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de Macedo de Cavaleiros, destinado a habitação, com a área coberta de 118,60 metros quadrados e descoberta de 66 metros quadrados, omisso na conservatória, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .. (doravante também prédio ..), com o valor patrimonial de € 11.270,00, e que este prédio, na sua área descoberta/logradouro é contíguo com o prédio urbano correspondente ao artigo .. da matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Macedo de Cavaleiros, propriedade dos réus (doravante também prédio ..); b) Declarar-se que a estrema confinante entre os logradouros ou áreas descobertas dos referidos prédios não se encontra definida; c) consequentemente, deverá proceder-se à sua demarcação de acordo com os pontos e medidas que os autores indicam no artigo 28.º da petição inicial; d) Decretar-se às partes, ou a uma na falta de colaboração da outra, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, para procederem à colocação de marcos nas estremas em causa, e bem assim, na sua ligação, deixar-se no solo marca ou sinal indelével (e/ou vedação apropriada)», fundamentando a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «no dia -/06/2012, procedeu-se à partilha da herança deixada pelos pais do autor marido e da ré mulher, na qual foram adjudicados, respetivamente, ao autor e à ré, os prédios ... e ..., que são confinantes entre si nas estremas poente/nascente; desde a partilha que os autores estão na posse da área coberta e descoberta do prédios ... ; há cerca de 1 ano, os réus têm vindo a por em causa a extensão do domínio dos autores sobre o terreno/logradouro/parte descoberta do prédios ... ; os prédios ... e ... integram-se e são contíguos com um conjunto de habitações pertença de familiares, todos de envergadura senhorial, que há séculos pertenceu unitariamente ao mesmo ascendente comum e por sucessão foram desmembrados, vindo a pertencer à mãe do autor e da ré; o acesso aos prédios ... e ... faz-se, desde a via pública, em primeiro lugar, através de um grande logradouro comum a familiares e, depois, através de um portão em ferro; uma vez franqueado o portão de ferro, acede-se a uma área descoberta delimitada para a qual deitam diretamente as portas e as escadas dos prédios ... e ... e é aí que se situa a área descoberta/logradouro dos dois prédios, a qual confronta ou é contígua entre si, não existindo marcos ou linha divisória a demarcá-la, sendo que o prédios ... confronta a poente com o prédios ... ; a área descoberta dos dois prédios, na qual se inclui um terraço/Casa L - também designada de logradouro ou terreno adjacente - tem a área global de aproximadamente 91 m2; nas descrições matriciais dos prédios, o 16 tem a área descoberta de 66 m2 e o 15 a área descoberta de 19 m2; os réus têm vindo a ultrapassar os limites da área descoberta do prédios ... , invadindo a área descoberta do prédios ... , tendo cortado as roseiras aí plantadas pelos autores e tendo colocado uma pequena churrasqueira amovível, subindo ao terraço e alardeando que lhe pertence; com o seu comportamento os réus lançaram o desentendimento e a controvérsia, pondo em dúvida os limites separadores entre cada uma das áreas descobertas dos referidos prédios, motivo pelo qual se impõe fixar a linha divisória/estrema, cravando marcos, já que os mesmos inexistem; nos preliminares quer na celebração da partilha extrajudial em causa, sempre ficou acordado entre todos os interessados que o terreno adjacente/logradouro/ área descoberta situada em frente ao artigo ... é parte componente deste, aí se incluindo também o referido terraço/“Casa L”; o logradouro é por onde os autores fazem a entrada direta (a pé e a carro) para a parte habitacional do prédios ... , que é feito por uma porta de correr, em vidro, com mais de 2,50 metros de largura, que já existia ao tempo dos antecessores/pais, servindo de garagem para o veículo automóvel dos mesmos; a linha divisória da área descoberta dos prédios ... e ... deve fixar-se do modo seguinte: medir 7 metros em linha reta (sentido sul-norte), a partir da ombreira direita do portão em ferro a terminar na parede exterior do prédios ... , passando resvés e junto ao 1.º degrau das escadas de acesso ao prédios ... ; a partir dessa linha, medir 3 metros no sentido poente-nascente até à parede exterior do prédios ... ; ficando o prédios ... com uma área descoberta de 21 m2 nesse sentido poente-nascente e o prédios ... com uma área descoberta de 70,20 m2 no sentido nascente-poente (onde se inclui o terraço ou Casa L); na demarcação proposta, os réus para acederem ao seu prédio têm que passar por área descoberta/logradouro do prédio dos autores, os quais sabem que estão onerados com uma servidão de passagem a pé (só a pé), em benefício do prédio dos réus, sendo um caso de servidão de passagem por destinação de pai de família».
Os Réus contestaram, pugnando que «nada há a demarcar porque pertence à ora ré, M. J. e ao seu dito prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ...º, todo o espaço e a edificação em litígio nesta acção», fundando a sua defesa, essencialmente, no seguinte: «as descrições matriciais dos prédios ... e ... são fruto de alterações feitas pelo autor junto das Finanças sem o consentimento dos réus e dos outros irmãos e cunhados; é falsa a existência de uma área descoberta de logradouro ou terreno adjacente pertencente ao prédios ... ou que a Casa L faça parte desse prédio; a casa dos autores tem o seu limite a nascente na parte inferior da parede da fachada nascente dessa casa de habitação; o prédios ... é composto por casa de habitação com dois pisos, sita na rua ..., da aldeia e freguesia de ..., município de Macedo de Cavaleiros, com a superfície coberta da casa de habitação, com casa de lenha, com escadas para terraço, terraço esse gradeado e com área descoberta; o prédios ... era a casa de habitação dos pais do autor e da ré; os avós maternos do autor e da ré estiveram na posse e domínio da mesma casa durante pelo menos dez anos, continuando a posse e domínio dos anteriores donos, bisavós do autor e da ré, que estiveram por seu turno na posse e domínio desse prédio urbano durante mais de vinte e de trinta anos; no tempo de vida dos pais do autor e da ré, dos seus avós (e até dos bisavós), o logradouro já integrava o prédios ... e assim se manteve na posse dos ditos avós e, posteriormente à morte deles, dos pais do autor e da ré, durante mais de 20, 40 e 60 anos; na partilha coube à ré essa casa de habitação com todo o logradouro adjacente e a dita casa de lenha com terraço, que compõem o prédios ... ; a ré, coadjuvada pelo réu, está desde a data da partilha na posse do prédios ... , que abrange toda a área posta em causa pelos autores, em nome próprio, à vista de toda a gente, nomeadamente das pessoas de ..., sem oposição de quem quer que fosse, plenamente convencidos de que não lesam direitos de outrem, considerando-se a ré como dona exclusiva do prédios ... , que engloba todo o espaço em litígio nesta ação e que inclui também a casa de lenha com terraço, sucedendo assim na posse e domínio de seus pais e no direito de propriedade por eles adquirido por usucapião; por volta de 1950, os pais do autor e da ré, E. J. e mulher, M. A. mandaram edificar nesse espaço uma pocilga, edificação essa que mais tarde, passou a ser utilizada como de casa de lenha com terraço; nos meados da década de 1950/1959, os pais do autor e da ré compraram a L. P. um prédio urbano então em ruínas, que antes servira de lagar e palheiro, que não tinha qualquer espaço ou bocado de terreno a nascente, ou seja, para o lado onde se localiza o logradouro e a casa de lenha com terraço; anos depois dessa compra, os pais do autor e da ré reconstruíram o edifício então em ruínas, edificando ali um prédio urbano destinado a habitação, e alteraram as escadas de acesso à casa de habitação onde moravam, escadas essas que ocupavam terreno onde hoje está edificada a lavandaria da casa do prédios ... e toda a prumada desse edifício por cima dessa lavandaria, e construíram, depois, em sua substituição, as atuais escadas de acesso à atual casa do prédios ... ; depois dessa reconstrução, os pais do autor e da ré começaram a aceder ao prédio acabado de reconstruir através do logradouro do prédios ... , e assim continuaram a passar para o dito prédio reconstruído os ora autores, a partir da partilha que referem, sem oposição dos ora réus, que respeitaram e respeitam a servidão de passagem, que onera o prédio da ré, servidão essa constituída por destinação do pai de família a favor do prédio do autor, este inscrito na matriz sob o artigo ...º.
Foi proferido despacho saneador, no qual se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte decisório: “Nestes termos, julgo parcialmente procedente a presente ação de demarcação e, em consequência: a) Declaro os autores donos e legítimos proprietários do prédios ... ; b) Determino que a estrema poente/nascente dos prédios ... e ..., na área do logradouro e da Casa L/terraço representada na planta n.º 1 do levantamento topográfico, de fls. 310, se faça através de uma linha que divida em duas partes iguais essa área, com aposição de marcos ou outros sinais, de modo a que a cada um dos prédios fique a pertencer uma parcela de 57,5 m2, e devendo a linha divisória ser traçada, obedecendo ao presente dispositivo, em liquidação de sentença, através de novo levantamento topográfico”.
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1.2. Do Recurso dos Réus

Inconformados com a sentença, os Réus interpuseram recurso de apelação, pedindo que “a sentença, de que se recorre, deve ser revogada e substituída por decisão, que decrete a improcedência da acção e a consequente absolvição dos réus” ou que “o Tribunal “ad quem” deve decidir: a)- que o que está em litígio, nos presentes autos, não é a área de 115 m2 indicada na sentença, de que se recorre (somatório da área indicada pelo Sr. Técnico qualificado para todo o quintal - área descoberta de 87 m2. e da a área por ele indicada para toda a Casa L - área coberta de 28 m2), mas sim e apenas a área de 86 m2 (58 m2 de quintal ou logradouro, a somar à área de 28 m2 da “Casa L”), que está para poente da linha mais favorável para a ré/reconvinte que é a do doc. n.º 4, junto aos autos a fls. 32 pelos autores/reconvindos com a petição b)- e deve ainda decidir, logo no acórdão a proferir, que o Tribunal da Relação de Guimarães decreta e define a linha divisória, no sentido vertical, aliás como o Sr. Técnico qualificado apresenta no seu levantamento topográfico – mapa 04, a fls. 313 dos autos - com a adjudicação, nesse caso, ao autor, C. A. (que é o herdeiro) da parte a cor azul (sita a sul do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ...) e à ré, M. J. a outra parte, ou seja a parte a cor vermelha, que consta do referido mapa 04”, e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:
“1.ª – Os pais do autor e da ré, de seus nomes, E. J. e mulher M. A. do Lago ..., contraíram matrimónio sob o regime de comunhão geral de bens, no dia 03 de Maio de 1945, conforme consta de documentos juntos aos autos a fls. 69 (averbamento n.º 1 ao assento de nascimento, quanto à data do casamento) e a fls. 14, quanto ao regime de bens, na identificação do autor da herança, E. J.) e faleceram, respectivamente, em 17 de Maio de 2006 e 25 de Junho de 2011 (ut averbamentos n.ºs 1 e 2 ao registo de nascimento de M. A., a fls. 69 dos autos);
2.ª. – O prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., município de Macedo de Cavaleiros, frequentemente referenciado pelas partes e por testemunhas por “Casa A”, “Casa S”, “Casa Se” durante a audiência de julgamento, era a casa de habitação dos pais do ora autor e da ora ré, e antes eram seus donos e legítimos possuidores, os avós maternos, A. B. ... e E. L. e veio à posse e propriedade de M. A. do Lago ... (mãe do autor e da ora ré), por via sucessória, concretamente por herança de seus maiores, ainda no estado de solteira e para essa casa foram viver, após o casamento em 1945, ela e o marido, E. J.;
Como o próprio autor reconhece (no seu depoimento de parte - 01.08.07 do ficheiro de gravação 20201119104637 e como consta da assentada, a fls. 338 e 339: o artigo .. correspondia à casa de habitação de seus pais e já pertencia aos seus avós e antes deles aos bisavós) e como disse a ré, M. J., na contestação e nas suas declarações de parte (00.00 – 02.40; 10.51 – 11.12 do ficheiro 20210106110112 e no momento: 2.29 – 2.41 do ficheiro 20210106120430) e confirmam as testemunhas, M. C. (irmã do ora autor e da ora ré, em 13.04 – 13.12; 29.10 – 29.55; 50.47 – 50.56 do ficheiro informático 20201123153341; M. I. (04.55 – 05.55; 12.26 – 12.53 do ficheiro 20210421101145) e C. S. (“o meu pai trabalhou para a Casa A”: 06.06 do ficheiro de gravação 202104221105717.
Ver ainda o alegado nesta motivação, designadamente, a fls. 3 até 6, para onde se remete por economia processual.
3.ª - O prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., município de Macedo de Cavaleiros, foi adquirido pelos pais do autor e da ré, na década de 50, por via translativa, concretamente por compra ao primo do autor e da ré, L. P..
Como o autor, C. A. reconhece no seu depoimento de parte: 15.50 do ficheiro informático 20201119104637. E diz a ré, M. J., na contestação e nas suas declarações de parte: 02.50 – 03.58 do ficheiro 20210106110112. O que é confirmado por várias testemunhas, nomeadamente, M. C. (13.04 – 13.18; 13.51 – 14.03 do ficheiro informático 20201123153341); M. I. 07.21 – 08.45 do ficheiro de gravação 20210421101145.
Ver ainda o alegado nesta motivação, designadamente a fls. 4 e 5, para onde se remete por economia processual.
4.ª – Ao tempo do casamento dos pais, em 1945, o prédio urbano, inscrito sob o artigo ... (acima referido na segunda conclusão, era composto, na sua realidade física, por um edifício, destinado a habitação com quintal ou logradouro (onde ainda não estava edificada, nessa data, a loja dos porcos, posteriormente afecta a guarda da lenha) com um outro edifício, situado do lado de lá da rua ..., conhecido por “Casa C”, sendo consensual entre as partes, nos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, que a denominada “Casa C”, faz parte deste prédio urbano, conhecido e denominado pelas partes e testemunhas por “Casa A”, ou “Casa S”, ou “Casa Se”, conforme se alega a fls. 5 e 6 da motivação. Mas este prédio urbano estava inscrito na matriz desde 1944 com a seguinte composição, segundo a matriz: Casa com dois pisos, com treze divisões, anexos três palheiros, com a superfície coberta de 144 m2 e D. (dependências) com noventa metros quadrados.
No seu depoimento, o ora autor mostra que não sabe se este prédio urbano com o artigo ... incluía ou não nessa altura a área descoberta do logradouro: 1.01.08 até 1.05.19 do ficheiro de gravação 20201119104637, como se alega a fls. 6 da motivação. Por seu turno, a ora ré declara no seu depoimento que a Casa A, herdada pela mãe, era então composta pela habitação e todo o quintal e ainda a chamada “Casa C” e que, em parte desse terreno, os pais edificaram mais tarde a “loja dos porcos” – 3.59 – 4.33 e 25.17 - 25. 26 do ficheiro 20210106110112. Assim como referem testemunhas, a fls. 64 e 66 a 68 da motivação, que são: C. S., no seu depoimento: 1.25 – 14.00 e 14.06.06 – 18.11 do ficheiro 20210421105717. M. C., no seu depoimento fala na Casa A, que tinha fora, para lá da rua, uma casa onde viviam o pastor e empregados, o espaço do quintal: 51.11 - 52.03; 1.02.11 – 1.02.20.
Ver ainda o alegado nesta motivação, designadamente a fls. 5 e 6, para onde se remete por economia processual.
5.ª – Por seu turno, ao tempo da sua aquisição pelos pais (do autor e da ré), na década de 50, o prédio urbano, inscrito na matriz da freguesia dita de ... sob o artigo ... (aludido na 3.ª conclusão), tinha, na sua realidade física, a composição indicada a fls. 6 e 7 da motivação, ou seja era composto por uma grande fatia de terreno, com mais de 2.400 m2, com mais de 130 (cento e trinta) metros de comprimento e que a nascente confrontava com a “Casa A” (o artigo ...) e a poente com a ribeira e dele faziam parte e estavam edificados um lagar de azeite, então em ruínas, um edifício destinado a loja da burra (no piso inferior) e a palheiro (no piso superior), um outro edifício, este destinado a nitreira, destinando-se a cultivo a parte do terreno mais perto da ribeira e estava inscrito na matriz desde 1944. Não foi junta aos autos, pelos autores, nenhuma certidão deste artigo ..., donde se possa retirar qual a sua composição, segundo a inscrição matricial, em data anterior à sua compra pelos pais do autor e da ré.
No seu depoimento, a ora ré, M. J. descreve toda a composição acima referida para o artigo ..., ao tempo da compra ao primo, L. P., como se referencia a fls. 7 da motivação, onde se indicam momentos de gravação no ficheiro 20210106110112: 3.11-4.33; 6.02 – 7.13 e 25.30 - 27.32. E a acima referida composição do artigo ... é confirmada pela testemunha, C. S., como se alega a fls. 64, e como se alcança dos momentos de gravação no ficheiro 20210421105717: 11.23 – 13.40. E no mesmo sentido é o depoimento da testemunha, M. I. sobre a composição do artigo ..., ao tempo da sua compra pelos seus pais, como se ouve no ficheiro 20210421101145: 15.48 – 21.34. E é também esclarecedor, o depoimento da testemunha, M. C. (irmã do autor e da ré), que conhece bem o local, desde a infância, como se alcança dos seguintes momentos de gravação: 13.51 – 16.35.
Ver ainda o alegado nesta motivação, designadamente a fls. 6 e 7, para onde se remete por economia processual.
6.ª – No atrás mencionado artigo ... (...), os pais do autor e da ré, poucos anos depois do seu casamento, edificaram uma loja de porcos, que anos mais tarde passou a ser usada para guardar lenha e a ser conhecida por “Casa L”, construção esta que foi erigida antes de os pais comprarem a L. P. o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ... (dezasseis). Depois desta edificação, não foi feita qualquer outra construção nesse prédio urbano (conhecido por “Casa A”, ou “Casa S”, ou “Casa Se”), até ao dia 25 de Junho de 2011 (data da morte de D. M. A., mãe do autor e da ré).
Excertos: Depoimento do autor, em: 01.15.19 – Ver assentada a fls. 339, quanto ao artigo 22.º da contestação. Declarações de parte da ré, em: 57.24 – 58.50. Depoimento da testemunha, M. C., em: 5.46 – 8.23; 20.28 – 21.56; 45.16. Depoimento da testemunha, M. I., em: 12.53 – 14.40.
Ver ainda o alegado nesta motivação, designadamente a fls. 8 e 9, para onde se remete por economia processual.
7.ª – Depois da sua aquisição pelos pais, e até 25 de Junho de 2011 (data da morte de D. M. A., mãe do autor e da ré), foram levadas a cabo no prédio urbano, comprado pelos pais do autor e da ré, inscrito na matriz sob o artigo ..., somente a edificação de uma casa para habitação, com dois pisos, que foi edificada pelos pais do autor e da ré, em 1960, no terreno comprado a L. P. (na parte das ruínas do antigo lagar de azeite), tendo para isso os pais retirado do seu local umas escadas em pedra, deixando espaço livre (que pertencia ao artigo ... e que os pais anexaram ao artigo ...) para encostarem a nova construção a parte da parede poente da casa com o artigo ..., como o próprio autor admite no seu depoimento:
Excertos: Depoimento do autor, em: 1.52.00 – 1.57.58; assentada a fls. 340, quanto aos artigos 37 e 38 da contestação. Declarações de parte da ré, em: 03.22 – 03.58; 27.13 – 29.58. Depoimento da testemunha, M. I., em: 5.55 – 06.25.
Ver ainda o alegado nesta motivação, designadamente a fls. 9, 10 e 11, para onde se remete por economia processual.
Excertos: depoimento do ora autor, no ficheiro de gravação 20201119104637, em: 1.24.42 – 1.25.04. Da autora, em 9.59 – 10.50. Da testemunha, I. F. (filha dos autores), em: 3 – 3.47. Da testemunha, M. C. (irmã do autor e da ré), em: 36.02 – 36.52. Da ora ré, M. J., em: 53.50 – 55.07 e da testemunha, M. I. (filha dos réus), em: 19.51 – 20.05.
8.ª – Depois da morte do pai e antes da formalização do acordo de partilhas, o ora autor/reconvindo, procedeu junto do Serviço local de Finanças de ..., ao desmembramento/autonomização do prédio urbano, comprado pelos pais do autor e da ré, inscrito na matriz sob o artigo ..., desde 1944, e então com a composição referenciada a fls. 6 e 7 da motivação, em três novos artigos, com os números 334 urbano (verba número 20 do Processo Simplificado de Partilha e Registos), que era o edifício da antiga nitreira; … urbano (verba número .. do mesmo Procedimento de Partilhas), que era o edifício de dois pisos, destinado a loja da burra e palheiro; … rústico (verba número .. do aludido Processo de Partilha) e com a manutenção do mencionado artigo ..., mas agora com uma composição muito reduzida, em relação ao extenso prédio com vários edifícios, que os pais tinham comprado ao primo, L. P., e já então inscrito na matriz sob o artigo ....
Excertos: depoimento do ora autor, no ficheiro de gravação 20201119104637, em: 05.45 – 07.14. Da ora ré, M. J., em:46.58 – 53.50.
Ver ainda o alegado nesta motivação, designadamente a fls. 11, 12 e 15 até 20, para onde se remete por economia processual.
9.ª – Depois da morte do Pai, E. J., que ocorreu em 17 de Maio de 2006, e antes da formalização do acordo de partilhas, o ora autor/reconvindo, C. A., apresentou no Serviço local de Finanças de ..., em 14.06.2006, 21.12.2009 e 26.03.2012, participações modelo 1 de IMI para alteração da composição do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ... (a denominada “CASA A” ou “Casa S”, ou “Casa Se”), alterando a área do seu quintal ou logradouro primeiro, de 90 para 56 m2 e depois para 19 m2, apesar de este prédio não ter sido objecto de qualquer alteração na sua composição desde o ano de 1960, como se refere na 6.ª conclusão, mas apresentou plantas mas em todas elas, e, em todas elas, desenha o quintal ou logradouro na sua totalidade, e as escadas de acesso ao terraço da “Casa L”, como parte integrante do artigo ... e, na planta entregue em 2009, apresenta também, como parte integrante do artigo ..., a “Casa L”. Mas, em todas essas participações modelo 1 de IMI, continuou a manter a omissão, na sua composição, da denominada “Casa C” e da chamada “Casa L”, que faziam parte integrante deste prédio e a manter a referência de que a habitação propriamente dita tinha apenas 3 (três) divisões, quando na verdade tem e tinha muitas mais. O teor destas participações modelo 1 de IMI, conjugadas com o desenhado em todas as plantas, que as instruíram, entregues no Serviço local de Finanças, pelo autor e da sua lavra estão em contradição absoluta com as versões dos autores, que aliás nem sequer são convergentes nem unívocas.
Excertos do autor: Ficheiro 20201119143900. No seu depoimento o autor reconhece que as participações e as plantas atrás referidas são da sua autoria e foram por ele apresentadas nas Finanças (ver assentada a fls. 340). Depoimento da ré, M. J., em 30.50 – 32.30 do ficheiro de gravação 20210106110112.
Ver ainda o alegado nesta motivação, designadamente a fls. 20 até 28, para onde se remete por economia processual.
10.ª – Como se sabe, sobre a fiabilidade e o valor das matrizes, em Portugal, a jurisprudência largamente dominante em Portugal é no sentido da sua pouca relevância para dirimir litígios sobre a propriedade dos prédios e sua composição, em virtude até da inexistência de cadastro geométrico, na maior parte do país e de serem fáceis as inscrições matriciais e as suas alterações, em contradição com a realidade física dos prédios, sendo imperioso cotejar os seus dados, os seus elementos com a prova documental, sempre que possível, como decorrem da larga maioria de decisões dos tribunais superiores, nomeadamente dos relatados a fls. 13 desta motivação.
Ver o alegado nesta motivação, designadamente a fls. 13 até 20, para onde se remete por economia processual.
11.ª – Na reunião para o acordo verbal de partilhas, que teve lugar antes do Procedimento Simplificado de Partilha, estiveram presentes apenas os quatro irmãos e interessados directos na partilha e aí foi acordado verbalmente, que ficava no lote dos bens adjudicados ao ora autor, C. A., além de outros bens imóveis, todo o prédio urbano, que os pais tinham comprado ao primo, L. P. inscrito na matriz sob o artigo ..., com a composição ao tempo da compra e com a alteração que os pais ali introduziram em 1960, ao construírem uma casa nova, no lugar das ruínas do antigo lagar de azeite, mantendo todo o terreno e as edificações descritos a fls. 7 e 8 desta motivação. E que ficava no lote dos bens adjudicados à irmã, ora ré, M. J., além de outros bens imóveis, o prédio urbano que a mãe, M. A. tinha herdado de seus maiores, conhecido por “a Casa A”, inscrito na matriz sob o artigo ..., que então incluía a casa de habitação propriamente dita, todo o quintal ou logradouro contíguo, sito a poente desta casa (que nessa altura inicial incluía a parte de terreno onde nos princípios de 50, os pais edificaram a loja de animais, depois e até ao presente usada como “Casa L” e que consideravam parte integrante da “Casa A”) e ainda um outro edifício, que não é contíguo a esta casa de habitação e que se situa para lá da rua ..., este conhecido por “Casa C”.
Excertos do autor: ficheiro de gravação 20201119104637, em: 7.14 – 9.49: 28.20 – 30.23; 30.57 – 31.48. Da autora, M. P., ficheiro 20201119152138, em: 9.59 – 11. 36.Depoimento da ré, M. J.: ficheiro 20210106110112, em: 6.02 – 7.13; 10.11 – 11.15. Das testemunhas, identificadas de fls. 66 a 69.
Ver ainda o alegado nesta motivação, designadamente a fls. 28 até 40, para onde se remete por economia processual.
12.ª – No Procedimento Simplificado de partilha e de Registos, outorgado na Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de ..., em 08 de Junho de 2012, de fls. 14 a fls. 29 dos autos, consta, sem quaisquer dúvidas, que, além de outras verbas, foram adjudicadas ao autor, C. A. as verbas números … (artigo urbano …), … (artigo urbano …), 22 (artigo urbano …) e 25 (artigo rústico …) – que resultaram do desmembramento do artigo urbano número 16, inscrito na matriz desde 1944, que os pais do autor e da ora ré tinham comprado a L. P., como se alega na 5.ª conclusão e de fls. 15 a 20 da motivação – e à ré, M. J. foi adjudicado, além de outros bens imóveis, a verba número um (artigo urbano n.º …), constando desta verba que a mesma consta de habitação com quintal (com área que não corresponde à verdade, à realidade física) e anexos (apesar de estes não constarem em nenhuma das cadernetas juntas aos autos relativas ao artigo ..., nem em nenhuma das participações modelo 1 de IMI, acima referidas na conclusão 10.ª, donde resulta que esta inserção foi desejada, foi intencional, foi no sentido de esclarecimento da composição da verba) e, não constando, sintomaticamente da verba número ... (artigo ... urbano), qualquer referência a ANEXOS – donde tem de se deduzir, entendemos que em boa hermenêutica, que o autor quis deixar claro, no documento, em que teve participação especialmente relevante, que este prédio (artigo ...) não tinha qualquer outro edifício para além da habitação propriamente dita – pelo que o teor, o conteúdo deste Procedimento de Partilha, conjugado até com a planta entregue em 2009, relativa ao artigo ... - em que está desenhado como partes integrantes deste, todo o quintal e toda a Casa L - está e estão em contradição total e insanável com a versão dos autores. “A Casa L” não constitui uma “área descoberta” – como defendem os autores – mas sim e claramente, uma “área coberta” (coberta por um terraço) – como aliás também entende o Meritíssimo Senhor Juiz “a quo”, a fls. 380 dos autos, no ponto n.º 11 dos factos provados.
Depoimento da ré, M. J., no ficheiro 20210106110112, em: 46.58 – 53.50. E no ficheiro 20210106120430, em: 3.47 – 10.41 Da testemunha, M. C., ficheiro 20201123153341, em: 3.25 – 3.50; 50.33 – 52-.03; 1.02.09 – 1.02.23.
Ver ainda o alegado nesta motivação, designadamente a fls. 41 até 53, para onde se remete por economia processual.
13.ª – Depois da formalização da partilha, em 08 de Junho de 2012, mediante Processo Simplificado de Partilha e Registos, os autores fizeram obras de construção civil em dois prédios urbanos, que tinham resultado do desmembramento do antigo artigo ... (com a composição que este tinha ao tempo da compra feita pelos pais, como foi alegado de fls. 15 até fls. 20 da motivação), obras essas, que foram as seguintes: no artigo ... (agora com a composição resultante do desmembramento, tendo sido esta que foi levada ao dito Procedimento Simplificado de Partilha e Registos, sob a verba número ...) foram realizadas obras de melhoramento na parte interior da habitação, ou seja para dentro da fachada sul da casa de habitação, não tendo sido feita qualquer obra de construção civil fora da dita fachada sul deste prédio, mormente no quintal ou logradouro “sub iudice” nestes autos. E fizeram também obras no artigo … (artigo novo, criado pelo autor, em resultado do desmembramento, que foi levado ao Procedimento de Partilha, como verba número 22), que consistiram no derrube do antigo edifício de dois pisos – destinado a loja da burra e palheiro – e edificação, em substituição do mesmo, de um novo edifício com dois pisos, visível na foto superior, a cores, junta aos autos a fls. 94, que os autores passaram a usar como um terraço marquisado em prolongamento da habitação com o artigo ... (na composição, que resultara do aludido desmembramento).
Depoimento DO AUTOR, NO FICHEIRO 20201119104637; 1.24.42 – 1.25.04. Da ré, M. J., no ficheiro 20210106110112, em: 06.02 – 06.33. Da testemunha, M. C., ficheiro 20201123153341, em: 36.02 – 36.52.
Ver ainda o alegado nesta motivação, designadamente a fls. 11 e 12, para onde se remete por economia processual.
14.ª – Não há qualquer necessidade de delimitação de linha divisória entre os dois prédios urbanos (artigos 15 e 16), porque a estrema entre eles está bem delimitada, pela fachada sul do edifício da habitação do artigo ..., (que o autor autonomizou/desmembrou do antigo artigo ..., com a composição ao tempo da morte do pai) e correspondente pavimento do rés-do-chão, na perpendicular dessa fachada, como é bem visível e sem qualquer confusão, na fotografia a cores (foto inferior) a fls. 97 dos autos, como se alega de fls. 53 até 57 dos autos, para onde se remete por economia processual, linha divisória esta que está claramente confirmada também em desenho, da autoria do autor, e por este entregue no Serviço Local de Finanças, com participações modelo 1 de IMI, relativas ao artigo ....
Ver os desenhos das plantas referenciadas na motivação, de fls. 20 a 28, em que todo o quintal e também a Casa L, na planta entregue em 2009, é representado como área descoberta do artigo .... Depoimento da ré, M. J., no ficheiro 210106110112, em: 52.22 – 55.07. Depoimento da testemunha, M. C., que conhece bem o local em questão, nos momentos de gravação: 34.56; 38.40; 52.03; 1.02.11; 1.02.23; 1.03.44;
Ver ainda o alegado nesta motivação, designadamente a fls. 53 até 57, para onde se remete por economia processual.
15.ª – A decisão de que se recorre está em contradição com a força probatória de documento autêntico e de documentos particulares, da autoria do autor em que ele declara, reconhece que fazem parte do prédio urbano, inscrito sob o artigo ..., não só todo o quintal ou logradouro ou área descoberta entre as duas casas, mas também toda a Casa L, referidos nos autos (e ainda o edifício conhecido por “Casa C”). Os autores e seus filhos, embora com versões e razões divergentes, invocaram nos seus depoimentos – mas não o fizeram sequer na petição - um pretenso acordo verbal no sentido, uns e umas vezes, de a “Casa L”, outras vezes, também parte do quintal ou logradouro, passar a fazer parte do prédio urbano com o artigo ..., donde resultaria, portanto, uma desanexação de parte da composição do artigo ... a favor do 16 – acordo este que nunca existiu e também não foi levado sequer à inscrição matricial do artigo ... e, por isso mesmo, não está retratado na redacção da verba número … (...) do Procedimento Simplificado de Partilha e Registos, pelo que – se acordo verbal tivesse existido, o mesmo seria nulo por falta de forma, como decorre das disposições conjugadas do artigo 280.º e 875.º, ambos do C.C.
Ver o alegado nesta motivação, designadamente a fls. 28 até 40, para onde se remete por economia processual, incluindo naturalmente momentos de gravação.
16.ª – Cotejando a prova documental, junta aos autos, mormente a referenciada nas conclusões 9.ª e 12.ª, com os depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, salta à vista que os depoimentos das testemunhas arroladas pelos réus, de seus nomes, M. C., M. I., C. S. e C. R. são credíveis por causa da sua conjugabilidade com a prova documental, com depoimentos em sintonia com a realidade física dos prédios e a história de cada um deles e os actos possessórios ali praticados realmente pelas partes (os praticados pelos réus são de longe mais relevantes – o que o Ilustre Julgador reconhece na sua fundamentação - mais variados, mais frequentes do que os pouquíssimos praticados pelos autores), e com as fortes reacções dos réus aos praticados pelos autores, ao invés da extrema passividade dos autores em relação aos actos praticados pelos réus e que, ao invés, os depoimentos das testemunhas arroladas pelos autores, J. R., A. B., A. S., J. P. e I. F. – não são credíveis, por causa da sua inconjugabilidade com a dita prova testemunhal e com uma análise global e ponderada, à luz da experiência comum.
Ver, quanto a actos possessórios, fls. 48 a 53 da motivação, quanto à prova testemunhal e sua falibilidade e credibilidade, ver fls. 58 a 69, da conjugabilidade ou inconjugabilidade com a prova documental, ver participações modelo 1 de IMI, elaboradas e apresentadas pelo autor, após a morte do pai e até à assinatura do Processo Simplificado de partilhas, ver fls. 20 a 28 da motivação e sobre o que foi levado ao dito Processo de Partilha e Registos, ver 41 até 46 e momentos de gravação aí indicados.
17.ª – Sem embargo da muita admiração e respeito, que nos merece o Ilustre Senhor Juiz “a quo”, entendem os recorrentes que, na sua fundamentação e na decisão, não se deu a devida relevância, à prova documental, mormente ao registo predial e ao texto do Procedimento Simplificado de Partilha e Registos, de fls. 14 a fls. 29 e às redacções dele constante, quanto à verba números 1 (um), em que está descrita a composição do artigo ..., com anexos, sendo certo que este termo ou vocábulo nem consta da inscrição matricial (adjudicado à ré) e à verba número 19 (...), em que está descrita a composição do artigo ..., sem menção a qualquer anexo, e ao facto de neste constar apenas uma habitação com área descoberta de 66 m2, que foi a que o autor lhe quis atribuir aquando da participação na matriz (ver caderneta predial a fls. 30, que serviu de base a tal Procedimento Simplificado) – termo este (área descoberta) onde jamais se pode incluir (ao invés do que defende o autor ao longo do seu depoimento e a autora e os filhos) a “Casa L” porque esta é uma área COBERTA e não uma área descoberta. Não tendo ainda dado a relevância, a importância – que é enorme para uma boa decisão – de que as plantas apresentadas pelo autor, e da autoria dele – nas finanças, referidas de fls. 20 até 28 conterem desenhos que confirmam os depoimentos da ora ré e da irmã, M. C., que vive em Vila Nova de Gaia e não em ... (como parece ter entendido o Meritíssimo Senhor Juiz – ver fls. 387 verso, parte final).
Ver o alegado nesta motivação, designadamente de fls. 69 até 79, para onde se remete por economia processual.
18.ª - Há erro de julgamento da matéria de facto, porque, numa análise global e ponderada, segundo as regras da experiência comum, o Tribunal “a quo” deveria ter dado como provado que, ao tempo do Processo Simplificado de Partilha e Registos, outorgado em 08 de Junho de 2012, conforme documento junto aos autos de fls. 14 a fls. 29, faziam parte e são parte integrante do prédio urbano, conhecido por a “Casa A”, inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., município de Macedo de Cavaleiros, que foi adjudicado à ora ré, M. J. nesse Procedimento de Partilhas, quer a totalidade do quintal, quer a totalidade da Casa L, objecto desta acção judicial, com as suas medidas reais, existentes no local, que são as indicadas pelo Sr. Técnico qualificado, no mapa n.º 1, a fls. 310 dos autos e que as partes aceitaram, porque as não impugnaram (sem prejuízo da rectificação infra): área coberta da Casa L, 28 m2. E área de logradouro, ou seja, área descoberta de 87 m2.
Os recorrentes chamam a atenção para a rectificação deste mapa, em sede de audiência, a fls. 337, determinada pelo Meritíssimo Senhor Juiz, no sentido de passar a constar, em vez de terreno do autor e limite da área em discussão definida pelo réu, “terreno e limite da área que os réus alegam ser deles”.
Ver o alegado nesta motivação, designadamente de fls. 79 até 81, para onde se remete por economia processual.
19.ª – Foram violados, por erro de interpretação e/ou de aplicação o disposto no n.º 2 do artigo 1354.º do Código Civil e no artigo 607.º, n.º 5, este do Código de Processo Civil e, por falta de aplicação, o disposto nos artigos 371.º e 1354.º., n.º 1 do Código Civil e no artigo 7.º do Código de Registo Predial, que deviam ser interpretados e aplicados no sentido da improcedência da acção, e consequente revogação da sentença do Tribunal “a quo”, absolvendo-se os réus.
20.ª – Pelo que, a sentença, de que se recorre, deve ser revogada e substituída por decisão, que decrete a improcedência da acção e a consequente absolvição dos réus, por fazer parte do prédio urbano, inscrito na matriz da freguesia de ..., município de Macedo de Cavaleiros sob o artigo ... (...), que foi adjudicado à ora ré, M. J., no Processo Simplificado de Partilha e Registos, junto aos autos de fls. 14 a fls. 29, quer a totalidade do quintal, quer a totalidade da Casa L, com as suas medidas reais, existentes no local, que são as indicadas pelo Sr. Técnico qualificado, de 87 m2 para o quintal ou logradouro e de 28 m2 para a Casa L., como se alegou a fls. 84 desta motivação.

Por mera cautela e sem conceder:
21.ª - Na hipótese de o Tribunal da Relação de Guimarães não dar como provado que fazem parte do prédio urbano, atrás identificado, inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., município de Macedo de Cavaleiros todo o quintal e toda a “Casa L”, mencionados nos articulados, não dando, portanto, provimento ao recurso dos ora recorrentes e decretando que deve ser mantida a aplicação do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 1354.º do Código Civil, então, o Tribunal “ad quem” deve decidir:
a)- que o que está em litígio, nos presentes autos, não é a área de 115 m2 indicada na sentença, de que se recorre (somatório da área indicada pelo Sr. Técnico qualificado para todo o quintal - área descoberta de 87 m2. e da a área por ele indicada para toda a Casa L - área coberta de 28 m2), mas sim e apenas a área de 86 m2 (58 m2 de quintal ou logradouro, a somar à área de 28 m2 da “Casa L”), que está para poente da linha mais favorável para a ré/reconvinte que é a do doc. n.º 4, junto aos autos a fls. 32 pelos autores/reconvindos com a petição.
b)- e deve ainda decidir, logo no acórdão a proferir, que o Tribunal da Relação de Guimarães decreta e define a linha divisória, no sentido vertical, aliás como o Sr. Técnico qualificado apresenta no seu levantamento topográfico – mapa 04, a fls. 313 dos autos - com a adjudicação, nesse caso, ao autor, C. A. (que é o herdeiro) da parte a cor azul (sita a sul do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ...) e à ré, M. J. a outra parte, ou seja a parte a cor vermelha, que consta do referido mapa 04.
Ver o alegado nesta motivação, designadamente de fls. 81 a 83 da motivação, para onde se remete por economia processual”
Os Autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso dos Réus.
*
1.3. Do Recurso dos Autores

Igualmente inconformados com a sentença, os Autores interpuseram recurso de apelação, pedindo que “julgando o bem fundado da alteração da matéria de facto supra exposta, deverá revogar-se a sentença ora recorrida, e substituída por acórdão que julgue procedente a pretensão dos Autores, ora recorrentes, conforme sua petição inicial”, e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:

“a) Porque se trata de uma acção de demarcação, a douta sentença recorrida não podia lançar mão do que dispõe o art.1354º/2 cód. Civil, sem que os Réus tivessem também formulado um pedido reconvencional, avançado, como na sua perspectiva e pelo menos em termos subsidiários, a demarcação devia efectuar-se, e ao abrigo do que dispõe o art266º/2-d) CPC.
E no nosso caso só uma forma de demarcação foi adiantada pelos Autores, com base na inexistência ou dúvida acerca da linha divisória/estrema entre o terreno do prédios ... e terreno do prédios ... .
Ora esta dúvida sobre a demarcação invocada apenas pelos Autores nunca pode conduzir a um julgamento que justifique a divisão em partes iguais do terrenos em litígio.
Houve violação, por erro de interpretação/aplicação, do art.1354º/2 Cód. Civil e o art. art.266º/2-d) CPC.
b) Os depoimentos testemunhais que a seguir se transcrevem impõem uma alteração da matéria de facto, quer dos factos provados quer não provados. Consequentemente deve revogar-se a sentença.
Vejamos os depoimento das testemunhas J. R.; A. S. e A. B., todas indicadas pelos Autores.
Testemunha: J. R.: (gravação audio ficheiro 20201123112539_1967361_2870635.wma; início 11:25:40; fim 11:38:45, dia 23-11-2020)

A pergunta do mandatário dos Autores:
“… depois das partilhas, chamou-me lá o sr. A. M., para que lhe fizesse lá uns trabalhos em casa que lhe tinha pertencido … ao entrar nesses portões eu sempre fiz esta pergunta, ò sr. A. M. qual foi a parte que lhe pertenceu? e ele respondeu-me por estas palavras, daqui para cima é meu e daqui para baixo é do meu cunhado … a casa para cima tem logo do lado direito uns portões, uma escadas que sobe logo para cima que é para casa dele e para baixo seria a do sr. Engenheiro … aquele hall que temos ali todo …e então ele disse-me assim, daqui para cima é meu e daqui para baixo é do meu cunhado”,
insistência do mesmo mandatário que refere olhe ele está ai a ouvi-lo, respondeu “não tenho problema nenhum … foi assim que se passou …
A perguntas do mandatário dos réus, responde: “Sr. Dr. eu ao entrar nos portões, logo na entrada do portão, fiz esta pergunta ao Sr. A. M., então qual foi a parte que lhe calhou e o Sr. A. M. respondeu-me foi esta parte de cima, e para baixo é do meu cunhado …”
Testemunha: A. B.: (gravação audio ficheiro 20201123113926_1967361_2870635.wma; início 11:39:27; fim 11:29:15, dia 23-11-2020)
A pergunta do mandatário dos Autores se lhe perguntarem de quem é aquele terraço e aquele hall depois do portão de entrada, daquele arco, aquela parte descoberta em frente às casas, se lhe perguntar se é da casa A ou da casa B, do sr. Engenheiro ou da irmã, de quem é?
“eu é assim, é do sr. Engenheiro porque que está à frente da casa dele …tanto a Sr.ª M. J. como o senhor A. M. estavam lá e eles falaram para mim, é assim, disseram assim para mim, olhe, já viu estou aqui acanhado não tenho aqui um espaço … estou aqui um bocado acanhado, eles que estavam aqui acanhados, que não tinham espaço, para chegarem um dia à tarde e terem lanche, ou um bocado à fresca e disseram assim, se ele me cedesse sequer ao menos esta parte de cima, a parte de baixo já não me importava dela, que cedesse a parte de cima a parte de baixo já não se importava com ela, foi isso que eu ouvi, foi isso que eu sei … ele disse se cedesse …”
A insistência do mandatário dos Autores se queriam comprar, responde:
“ela disse se cedesse, se cedesse. Se queriam comprar ou vender ou fazer trocas num lado qualquer, isso agora já não é comigo”
A nova insistência do advogado de quem era o terraço, respondeu:
“fiquei a pensar que seria do sr. Engenheiro C. A., depois das obras, por volta de 2014…”
A perguntas do mandatário dos réus, essa conversa com a Dona M. J. e o Marido foi em que local em concreto disse: “eles, estavam na altura, em cima do terraço … em cima do tal terraço, precisamente … e eu estava do lado de trás naquela entrada que entra para a cozinha nova do sr. Engenheiro …”
Testemunha: A. S.: (gravação audio ficheiro 20210106102017_1967361_2870635.wma; início 10:20:18; fim 10:57:36, dia 06-01-2021)
A pergunta do mandatário dos Autores:
“eu aí das partilhas o que sei, é que o senhor A. M. passou lá pela minha casa, pela minha oficina e disse-me para eu lhe arranjar uma chave que chave que precisava de abrir lá umas portas a seguir à da garagem aquelas de aluminio que ele lá tem, e eu fui lá … mas quero dizer o seguinte, eu depois vi aquilo procurei-lhe ao senhor porque eu não sabia… não isto é do meu cunhado, nas partilhas ficou para ele … depois passou e disse para eu lhe ir tirar umas medidas e eu fui lá, onde é que eram essas medidas eram para esse terraço, tem lá quatro ou cinco degraus, e eu por acaso até disse para ele, atão ò senhor A. M., isto é do seu cunhado e anda aqui a por as grades, e ele disse assim para mim, eu vou-me entender com ele e ele concerteza vai a atender-me que ele é bom rapaz, até lhe dou em terreno aqui fora, terreno que eles têm lá muito terreno para baixo … a conversa foi com o senhor A. M., tive essa conversa com ele … ele disse que se ia a entender com ele e eu fiz-lhe as grades, pagou-me, dali a uma temporada o senhor Engenheiro procurou-me quanto é que lhe levas-te pelas grades, e eu disse-lhe agora já não me recorda bem acho que foi duzentos e tal euros não sei ao certo e eu disse-lhe assim mas ele já me pagou, mas eu já lhe dei o dinheiro a ele porque isto é meu, e assim ficou.. o senhor A. M. disse-me que o terraço era dele do senhor Engenheiro, é verdade que me disse”.
Face à limpidez, à força persuasiva e convincente dos três depoimentos acabados de referir, é com alguma perplexidade que assistimos à circunstância de a douta sentença ora posta em crise, sem sede da sua motivação, nenhuma referência lhe merecer. Pura e simplesmente omite tais depoimentos para a formação da sua convicção.
Por outro lado, a forma serena, espontânea, assertiva, circunstanciada e com invocação da razão de ciência acerca dos factos relatados empresta-lhes toda a credibilidade.
O sentido do seu depoimento é claro.
Neste conspecto, e na reapreciação desta prova gravada, impõem-se que os factos provados e não provados fixados pela douta sentença devam ser alterados. E alteração neste sentido:
- O facto provado em 33. deve ser eliminado OU mantendo-se deve ser esta a redacção: “Esta actuação dos réus verifica-se no convencimento de que não são proprietários”.
- E deve ser aditado aos factos provados o seguinte: “Após as partilhas os Réus reconheceram que a área descoberta, composta pelo lajeado o terraço ou Casa L faz parte do prédio urbano 16, dos Autores”.
- Por sua vez, o facto não provado b. deve passar a facto provado.
Tudo conforme ao abrigo do que dispõe o art.662º/1 CPC.
c) Deverá ainda alterar-se a matéria de facto porque não foram valorados os documentos juntos com a petição inicial e que são o (documento autêntico) Processo Simplificado de Partilhas; certidão das Finanças e certidão da Conservatória do Registo Predial e relacionado com os elementos descritivos do prédio urbano com o artigo matricial .., nomeadamente, no que ao elemento área descoberta diz respeito.
E para o efeito basearam-se no facto de, e desde logo, esse seu elemento descritivo/constitutivo resultar da respectiva certidão matricial das Finanças, do Processo Simplificado de Partilhas (verba 19), e da certidão da Conservatória do Registo Predial. Tudo documentos que juntaram e integraram a referida petição inicial (seus docs. nº1, nº2 e nº3).
Demonstraram assim que o seu prédio urbano 16, tem determinado terreno/área descoberta que é composto por zona de acesso lajeado e um terraço/ “Casa L” (vd. item 7º da petição inicial). E este facto deve considerar-se provado, pois, constitui um princípio de prova escrita suficientemente verosímil. E não se provou o contrário. De facto, competia aos Réus, ora recorridos, para além da sua impugnação (o que fizeram), demonstrarem o seu contrário ou pô-lo em dúvida, nos termos do art.346º Cód. Civil, o que não fizeram.

Face ao exposto, o facto provado 11. deve ser alterado passando a ter a redacção seguinte:
- A nascente da casa de habitação do prédios ... e a sul da casa de habitação do prédios ... , localiza-se uma área descoberta com 87 m2 (doravante designada de logradouro) e uma área coberta com terraço na cobertura (designada, de ora em diante, de Casa L/terraço), com 28 m2, áreas essas que fazem parte do prédios ... ”.
Os Réus contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso que os autores interpuseram, e pela procedência do recurso interposto pelos Réus.
*
Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
* * *
2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR

Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (2) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida (3)).

Neste “quadro legal” e atentas as conclusões dos recursos de apelação interpostos pelos Réus e pelos Autores, são três as questões a apreciar por este Tribunal ad quem:
A) Se a sentença recorrida deve ser alterada quanto à matéria de facto (provada e não provada);
B) Se o direito de propriedade dos Autores/Recorrentes sobre o prédios ... abrange o logradouro e a Casa L/terraço em discussão na presente acção, ou se tal os mesmos integram o direito de propriedade dos Réus/Recorrentes sobre o prédios ... ;
C) Se assiste aos Autores/Recorrentes o invocado direito de demarcação;
D) E, em caso de resposta afirmativa à questão anterior, em que termos se deve proceder à concreta demarcação.
* * *
3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:

1. No dia 08-06-2012, na Conservatória do Registo Civil/Predial/Comercial de ..., através de Procedimento Simplificado de Partilha e Registos com o n.º 1496/2012, procedeu-se à partilha da herança por óbito de E. J. e M. A. do Lago ..., que eram pais do autor e da ré.
2. Nessa partilha, ao autor foi adjudicada, entre outras, a verba n.º 19, descrita na relação de bens do seguinte modo: “Prédio urbano, sito em Rua ... – ... – Norte: Herdeiros de S. M. – Sul: Proprietário – Nascente: António ... – Poente: Proprietário, freguesia de ..., concelho de Macedo de Cavaleiros, destinado a Habitação, com área coberta de 118,60 metros quadrados e descoberta de 66 metros quadrados, não descrito, inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 11270,00 e valor atribuído de € 11270,00.
3. E à ré foi adjudicada a verba n.º1, descrita na relação de bens do seguinte modo: “Prédio urbano, sito em Rua ... – ... – Norte: Caminho Público – Sul: Herdeiros de J. M. ... – Nascente: Caminho Público – Poente: Herdeiros de E. J., freguesia de ..., concelho de Macedo de Cavaleiros, destinado a Habitação, com anexos – com a área coberta de 171 metros quadrados e descoberta de 19 metros quadrados, não descrito, inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 19.950,00 e valor atribuído de € 19.950,00.
4. O prédios ... encontrava-se descrito - conforme caderneta predial urbana baseada em modelo 1 do IMI, de 21-12-2009, apresentado pelo autor - como “Tipo de prédio: prédio em prop. Total sem Andares nem Div. Susc. De Utiliz. Independente / Afetação: Habitação / Nº de pisos: 2 / Tipologia / Divisões: 3”, com a área total do terreno de 184,60m2, área de implantação do edifício de 118,60m2, área bruta de construção 216,10 m2, área bruta independente de 118,60 m2 e área bruta privativa de 97,50 m2, registado na Conservatória do Registo Predial de … com o n.º …, em 08-06-2012, com as seguintes composição e confrontações “Casa de habitação de rés do chão e 1º andar com logradouro – Norte: Herdeiros de S. M. – Sul: Proprietário – Nascente: António ... – Poente: Proprietário.
5. Na certidão de teor do prédios ... , com base no modelo 1 do IMI apresentado em 16-06-2006 pelo autor, consta área total 234 m2, área de implantação do edifício 144 m2, área bruta de construção 378 m2, área bruta dependente 234 m2, área bruta privativa 144 m2, e no segmento “Descrição do Prédio”: “Tipo de prédio Prédio em Prop. Total sem Andares nem Div. Susc. De Utiliz. Independente./ Afetação: Habitação / Nº de pisos: 2 / Tipologia/Divisões: 3”.
6. Na caderneta predial urbana obtida, via internet, em 30-04-2007, o prédios ... apresentava as confrontações “Norte: S. M. (H.os) Sul: José ... e Irmãos Nascente: Rua Poente: A. R.” e descrição “Tipo de Prédio: Prédio em Prop. Total sem Andares nem Div. Sus. De Utilz. Independente / Descrição: Casa. Tem dois vãos de portas e cinco janelas. Tem dois andares, no 1.º seis divisões e no 2.º sete para habitação. Anexos três palheiros.
7. Em 21-12-2009, o autor apresentou modelo 1 do IMI, através do qual foram alteradas, na matriz, as áreas do prédios ... , ficando a constar: área total do terreno 227 m2, área de implantação do prédio 171 m2, área bruta dependente 177 m2, área bruta de construção 347 m2 e área bruta privativa 170 m2.
8. Na certidão de teor do prédios ... , com base no modelo 1 do IMI apresentado em 26-03-2012 pelo autor, a área total do terreno aí descrita passou a 190 m2, a área de implantação do edifício a 171 m2, a área bruta de construção a 318 m2, a área bruta dependente a 148 m2, e a área bruta privativa a 170 m2, constando no segmento “Descrição do Prédio”: “Tipo de prédio Prédio em Prop. Total sem Andares nem Div. Susc. De Utiliz. Independente./ Afetação: Habitação / Nº de pisos: 2 / Tipologia/Divisões: 3”.
9. O prédios ... está registado a favor da ré na Conservatória do Registo Predial de … com o n.º …/20120608, com as seguintes composições e confrontações: “Casa de habitação com logradouro e anexo – Norte: Caminho Público - Sul: Herdeiro de José ... - Nascente: Caminho Público – Poente: Herdeiros de E. J..
10. O prédios ... e o prédios ... confrontam entre si a nascente/poente.
11. A nascente da casa de habitação do prédios ... e a sul da casa de habitação do prédios ... , localiza-se uma área descoberta com 87 m2 (doravante designada de logradouro) e uma área coberta com terraço na cobertura (designada, de ora em diante, de Casa L/terraço), com 28 m2.
12. A essa área de logradouro/terraço/Casa L acede-se, a partir da via pública, primeiro por uma portada, depois por um outro logradouro em terra e, por fim, através de um portão em ferro.
13. Desde 08-06-2012, que os autores habitam, ocupam, cuidam e fazem obras de remodelação no prédios ... .
14. Até cerca de 4 anos após as partilhas, os autores guardaram lenha na Casa L e limparam ervas daninhas no logradouro; após as partilhas, em datas não concretamente apuradas, plantaram roseiras na bordadura do logradouro, de que cuidaram, e pagaram pela colocação de umas grades de vedação no terraço e de corrimãos nas escadas que lhe dão acesso; desde as partilhas que os autores passam a pé no logradouro.
15. Esta atuação dos autores sucedeu à vista de toda a gente e sem utilização de coação física ou ameaça, com ignorância de lesão de direitos alheios, na convicção de serem proprietários.
16. A parte habitacional do prédios ... tem uma porta de correr, em vidro, com uma largura não concretamente definida, à qual se acede a partir do logradouro.
17. No logradouro, Casa L e terraço não existem marcos ou linhas divisórias entre os prédios ... e ....
18. Em datas não concretamente apuradas, os réus cortaram as roseiras que tinham sido plantadas no logradouro pelos autores, aí colocaram uma churrasqueira e começaram a subir ao terraço e a dizer que este lhes pertence.
19. Em anexo ao modelo 1 do IMI de 26-03-2012, apresentado no Serviço Local de Finanças de ..., juntou o autor: duas plantas de localização; dois croquis/desenho com as áreas de implantação e área do terreno; uma outra planta de localização de ....
20. Os pais do autor e da ré casaram em 1945.
21. O prédios ... já pertencia aos avós maternos do autor e da ré, A. B. ... e E. L..
22. A Casa L/terraço foi edificada pelos pais do autor e da ré em data não concretamente apurada da década de 1950, correspondendo no início a uma pocilga.
23. Os pais do autor e da ré praticaram, em nome próprio, de modo contínuo e até às respetivas mortes, durante 20 e até 50 anos, actos sobre a área de terreno em litígio, nomeadamente limpando-a de ervas daninhas, plantando arbustos e flores que tratavam, estrumavam e adubavam, passando com veículos, colocando vasos com plantas, criando porcos na pocilga (Casa L) e depois aí guardando lenha.
24. Estes actos foram praticados pelos pais do autor e da ré de modo contínuo, à vista de toda a gente, nomeadamente de pessoas da freguesia de ..., sem oposição de ninguém, considerando-se aqueles donos da área de terreno em causa.
25. Depois das partilhas de 08-06-2012, os réus limparam ervas daninhas no terreno do logradouro, plantaram flores que tratam, colocaram vasos com plantas e tapetes de acesso à escadaria da casa de habitação e compraram e instalaram a referida churrasqueira.
26. Os réus colocaram uma mesa e vasos no terraço da Casa L e no muro que o sustenta, onde cultivam flores.
27. Os réus ordenaram a colocação de corrimãos nas escadas de acesso ao terraço e a vedação deste com gradeamento.
28. Os réus colocam lenha na Casa L para, depois, a utilizarem na sua casa de habitação.
29. Os réus usam o terraço para lazer.
30. A Casa L tem duas portas.
31. Só os réus têm, desde data não concretamente apurada, as chaves de uma das portas de acesso à Casa L.
32. Esta actuação dos réus verifica-se à vista de toda a gente, de modo contínuo, desde data não concretamente apurada após as partilhas, em nome próprio, no convencimento de que são proprietários.
33. Em data não concretamente apurada, em meados da década de 1950, os pais do autor e da ré compraram a L. P. o prédios ... , que era composto, entre o mais, de um palheiro.
34. Após essa compra, nesse prédio, em data não concretamente apurada, os pais do autor e da ré fizeram obras de reconstrução no antigo edifício em ruínas, deixando elementos do antigo edifício, como cantarias em granito, tendo sido gravada, num dos pilares, a data de 1960.
35. Nessa reconstrução, as escadas de acesso à habitação onde moravam os pais do autor e da ré – e que ocupavam área de terreno onde está edificada a lavandaria da atual casa do autor e toda a prumada desse edifício por cima dessa lavandaria – foram alteradas de localização para aquela que existe atualmente, a nascente da atual habitação do prédios ... .
36. Depois da reconstrução, os pais do autor e da ré também acediam a essa parte da casa através do logradouro.
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Na mesma sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como não provados os seguintes factos:

a. Os autores guardaram lenha na Casa L e limparam ervas daninhas no logradouro até ser intentada a presente ação.
b. Quer nos preliminares, quer na celebração da partilha extrajudicial, sempre ficou acordado, entre todos os interessados, que o logradouro e Casa L/terraço eram parte componente do prédios ... .
c. Os autores acedem de carro, através do logradouro, ao prédios ... .
d. O autor procedeu à alteração das áreas na matriz dos prédios ... e ... sem o conhecimento ou consentimento dos réus.
e. Foram os réus que pagaram o gradeamento do terraço e os corrimãos das escadas que lhe dão acesso.
f. Só os réus têm em seu poder as chaves da Casa L.
g. A atuação dos autores e réus sobre o logradouro/Casa L/terraço verificou-se sem oposição de ninguém.
h. Os réus plantaram arbustos no terreno do logradouro.
i. A aquisição do prédios ... a L. P. ocorreu após a construção da pocilga pelos pais do autor e da ré.
j. L. P. não usava, nem passava a pé ou com qualquer veículo no espaço ora em litígio.
k. Depois de comprarem o prédios ... a L. P., os pais do autor e da ré edificaram ali um prédio urbano destinado a habitação.
l. O prédios ... não tinha área descoberta no limite a nascente, para o lado onde se localiza o logradouro/casa de lenha/terraço.
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4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Da Alteração da Matéria de Facto

Nos termos do art. 640º/1 do C.P.Civil de 2013: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No que respeita à especificação dos meios probatórios, a alínea a) do nº2 do referido art. 640º, estatui que “Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Têm sido suscitadas dúvidas sobre se sobre se os requisitos do ónus impugnatório previsto neste art. 640º/1 devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também têm que integrar as próprias conclusões, sob pena do recurso ser rejeitado (cfr. art. 635º/2 e 639º/1 do C.P.Civil de 2013). Porém, têm vindo a constituir entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça que: 1) o Recorrente tem sempre que indicar os «concretos pontos de facto» que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; 2) o Recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, mas não sendo necessário que tal especificação também conste das conclusões; e 3) relativamente aos «pontos de facto» cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em «prova gravada», para além da supra referida especificação dos meios de prova, o Recorrente está obrigado a indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos, mas não sendo necessário que tal indicação conste das conclusões. Com efeito, entre outros decidiu o Ac. do STJ de 29/10/2015 (4), “1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC). 2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso” e entendeu-se no Ac. do STJ de 01/10/2015 (5) que “I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação. IV – Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação” (6).
Perante este entendimento, que se acolhe e segue, quer as alegações dos Réus/Recorrentes, quer as alegações dos Autores/Recorrentes, atento o conteúdo quer da respectiva motivação/fundamentação quer das respectivas conclusões (mesmo apesar da manifesta prolixidade das apresentadas pelos Réus/Recorrentes), cumprem os requisitos formais (sendo que, nas conclusões de ambas as partes, até se fez a especificação dos meios de prova, o que é desnecessário).

Apesar da sua extensão e da já referida prolixidade, certo é que, nas suas conclusões os Réus/Recorrentes limitam-se a invocar o erro de julgamento apenas relativamente a um único «concreto ponto de facto», sustentando que:

- «o Tribunal “a quo” deveria ter dado como provado que, ao tempo do Processo Simplificado de Partilha e Registos, outorgado em 08 de Junho de 2012, conforme documento junto aos autos de fls. 14 a fls. 29, faziam parte e são parte integrante do prédio urbano, conhecido por a “Casa A”, inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., município de Macedo de Cavaleiros, que foi adjudicado à ora ré, M. J. nesse Procedimento de Partilhas, quer a totalidade do quintal, quer a totalidade da Casa L, objecto desta acção judicial, com as suas medidas reais, existentes no local, que são as indicadas pelo Sr. Técnico qualificado, no mapa n.º 1, a fls. 310 dos autos e que as partes aceitaram, porque as não impugnaram (sem prejuízo da rectificação infra): área coberta da Casa L, 28 m2. E área de logradouro, ou seja, área descoberta de 87 m2» - cfr. conclusão 18ª.
Por sua vez, os Autores/Recorrentes invocam o erro de julgamento relativamente a quatro «concretos pontos de facto», sustentando que:

- «o facto provado em 32. (7) deve ser eliminado OU mantendo-se deve ser esta a redacção: “Esta actuação dos réus verifica-se no convencimento de que não são proprietários”»;
- «deve ser aditado aos factos provados o seguinte: “Após as partilhas os Réus reconheceram que a área descoberta, composta pelo lajeado o terraço ou Casa L faz parte do prédio urbano 16, dos Autores”»;
- «o facto não provado b. deve passar a facto provado»;
- e «o facto provado 11. deve ser alterado passando a ter a redacção seguinte: “A nascente da casa de habitação do prédios ... e a sul da casa de habitação do prédios ... , localiza-se uma área descoberta com 87 m2 (doravante designada de logradouro) e uma área coberta com terraço na cobertura (designada, de ora em diante, de Casa L/terraço), com 28 m2, áreas essas que fazem parte do prédios ... ”».
Por força do disposto no nº1 do art. 662º) do C.P.Civil de 2013, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes (ou os factos tidos como não provados, acrescentamos nós), a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como refere Abrantes Geraldes (8), “Com a redacção do art. 662º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo de correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos, e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência… fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia… sem embargo, das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido, nem lhe é permitido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo Tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que circunscrevem o objecto de recurso(os sublinhados são nossos).
A decisão de facto consiste na apreciação que o Tribunal faz, em função da prova produzida, sobre os factos alegados pelas partes (ou oportuna e licitamente adquiridos no decurso da instrução) e que se mostrem relevantes para a resolução do litígio, pelo que tal decisão tem por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um desses factos relevantes, embora com o alcance da respetiva fundamentação ou motivação. Neste quadro, no âmbito do recurso, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto está circunscrita aos pontos impugnados, mas em termos de latitude da investigação probatória, o Tribunal da Relação tem um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do estatuído no referido art. 662º/1 do C.P.Civil de 2013, incluindo os mecanismos de renovação ou de produção dos novos meios de prova, nos exatos termos das alíneas a) e b) do nº2 do mesmo preceito, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido: “… como é hoje jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal, a reapreciação da decisão de facto impugnada pelo tribunal de 2.ª instância não se limita à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa” (9).
Em jeito de resumo e conclusão, traz-se aqui à colação o Ac. do STJ de 04/10/2018 (10), que define bem o “quadro” em que funciona a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação: “I. A apreciação da decisão de facto impugnada pelo Tribunal da Relação não visa um novo julgamento da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros da decisão. II. No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do artigo 662º do CPC], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. III. O Tribunal da Relação, tal como decorre do preceituado nos artigos 5º, nº2, alínea a), 640º, nº 2, alínea b) e 662º, nº1, todos do Código de Processo Civil, tem um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa e não está adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes nem aos indicados pelo Tribunal de 1ª Instância, apenas relevando o fator da imediação prevalecente em 1ª Instância quando o mesmo se traduza em razões objetivas. IV. Em sede de reapreciação da decisão de facto é conferido ao Tribunal da Relação o poder de se socorrer, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo bem como do uso a presunções judiciais, nos termos permitidos pelos artigos 349º e 351º, ambos do Código Civil” (os sublinhados são nossos).

Estatui o art. 607º/5 do C.P.Civil de 2013, que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, sendo que esta previsão resulta do disposto nos arts. 389º, 391º e 396º do C.Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal. Porém, desta livre apreciação pelo juiz estão legalmente excluídos os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes - cfr. 2ªparte do nº5 do referido art. 607º.
Toda a prova tem que ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica: “… segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas” (11).
A prova idónea (suficiente) alicerça-se num juízo de certeza (jurídica) e não um juízo de certeza material (absoluto): a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)… a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta,… A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (12).
O juiz está vinculado a identificar quais os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção e a indicar as razões pelas quais, relativamente ao mesmo facto, concede maior credibilidade a um meio probatório em detrimento de outro de sinal oposto, sendo que este é caminho que evita que a «livre apreciação da prova» se transforme numa «arbitrária apreciação da prova»: o “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (13).
É inquestionável que, uma vez que é perante si que toda a prova é produzida, é o juiz da 1ªinstância quem se encontra na posição mais favorável e privilegiada para proceder à sua valoração, nomeadamente no que concerne especificamente à prova testemunhal: com efeito, atenta a respectiva imediação, o juiz da 1ªinstância está totalmente habilitado a dectetar no comportamento das testemunhas todos os elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos seus depoimentos, incluindo aqueles elementos frequentemente não transparecem da gravação (esta constitui apenas um registo «áudio», e não um registo «vídeo», pelo que não pode transmitir todo os comportamentos da testemunha que respeitam directamente às suas reacções que só observáveis através de imagem). Por conseguinte, a modificabilidade da matéria de facto só deverá ordenada quando, ao cumprir a supra referida incumbência de formar o seu próprio juízo probatório, o Tribunal da Relação conclua no sentido de que a prova produzida tem um sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida pelo Tribunal da 1ªInstância, ou seja, quando consiga alcançar um juízo certo e seguro de que existe erro de julgamento na matéria de facto (14). Como explica Ana Luísa Geraldes (15), “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
Ainda a propósito da decisão da facto, importa ter presente que, conforme resulta do disposto no art. 607º/4 do C.P.Civil de 2013, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito. Como se decidiu no Ac. do STJ de 28/09/2017 (16), “Muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos(o sublinhado é nosso).
Mas o mesmo STJ, através do seu aresto de 22/03/2018 (17), sustenta que a inexistência no C.P.Civil de 2013 de um preceito como o do art. 646º/4 do antigo C.P.Civil (que titulava de “não escrita” as respostas do coletivo sobre questões de direito) “não pode deixar de ter implicações no que concerne à atual metodologia no que concerne à descrição na sentença do que constitui «matéria de facto» e «matéria de direito»”No que concerne à decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, não será indiferente nem o modo como as partes exerceram o seu ónus de alegação, nem a forma como o juiz, na audiência prévia ou em despacho autónomo, enunciou os temas da prova, tarefas relativamente às quais foram introduzidas no CPC importantes alterações que visaram quebrar rotinas instaladas e afastar os efeitos negativos a que conduziu a metodologia usualmente aplicada no âmbito do CPC de 1961… A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma mais fluente e harmoniosa do que aquela que resultava anteriormente da mera transcrição do resultado de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória do CPC de 1961…”. Defende-se que, em face da modificação formal da produção de prova em audiência ter por objeto temas de prova e à opção da integração da decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença, “deve existir uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais em torno do que seja «matéria de direito» ou «matéria conclusiva» que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso... a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como «matéria de facto provada» pura e inequívoca matéria de direito…” (18).
Perante esta divergência no STJ, afigura-se-nos relevante o “caminho” indicado pelo Ac. da RG de 11/11/2021 (19): “Não obstante subscrevermos uma maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que não constituem factos a considerar provados na sentença nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil os que contenham apenas formulações absolutamente genéricas e conclusivas, não devendo também constituir «factos provados» para esse efeito as afirmações que «numa pura petição de princípio assimile a causa de pedir e o pedido»… De facto, se a opção legislativa tem subjacente a possibilidade de com maior maleabilidade se fazer o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que agora ambos (decisão da matéria de facto e da matéria de direito) se agregam no mesmo momento, a elaboração da sentença, tal não pode significar que seja admissível a «assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto»…” (os sublinhados são nossos).
Prosseguindo este “caminho” (e sabendo-se que a linha divisória entre a matéria de facto e a matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta), afigura-se-nos que os factos conclusivos não devem relevar (não podem integrar a matéria de facto) quando, porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor (20) e que é de acolher o ensinamento do Ac. da RP de 07/12/2018 (21): Acaso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais” (o sublinhado é nosso) (22).
Frise-se que a questão de saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, porquanto a sua apreciação não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse facto enquanto realidade da vida ou sobre o acerto ou desacerto da decisão que o teve por provado ou não provado (23), e, por via disso, quando o recurso tem por objecto saber se um determinado facto julgado provado pelo tribunal contém ou não matéria conclusiva, ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no art. 662º do C.P.Civil de 2013, pode o Tribunal de Recurso, caso conclua afirmativamente, eliminá-lo do elenco dos factos provados (24): como se refere no Ac. da RG de 30/09/2021 (25), “Daí que a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º2, al. c), do CPC”.
Revertendo ao caso em apreço, analisando a matéria que os Réus/Recorrentes pretendem aditar aos factos provados, entendemos que uma parte já está contida noutros factos e que a outra parte não consubstancia verdadeira matéria de facto.
Com efeito, as partes relativas a «… inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., município de Macedo de Cavaleiros, que foi adjudicado à ora ré, M. J. nesse Procedimento de Partilhas…» e a «…área coberta da Casa L, 28 m2. E área de logradouro, ou seja, área descoberta de 87 m2…» já integram respectivamente os factos provados nºs. 1 e 3 e o facto provado nº11. Ora, mostra-se totalmente inútil e infundada a sua repetição em sede de matéria de facto.
Por outro lado, a parte relativa «… objecto desta acção judicial, as suas medidas reais, existentes no local, que são as indicadas pelo Sr. Técnico qualificado, no mapa n.º 1, a fls. 310 dos autos e que as partes aceitaram, porque as não impugnaram (sem prejuízo da rectificação infra)…» mais não representa do que um conjunto de meras considerações de carácter jurídico sem qualquer possível enquadramento em sede de matéria de facto.
Por fim, a parte relativa «… ao tempo do Processo Simplificado de Partilha e Registos, outorgado em 08 de Junho de 2012, faziam parte e são parte integrante do prédio urbano…, quer a totalidade do quintal, quer a totalidade da Casa L», constitui matéria de índole totalmente conclusiva, a qual apenas deve ser retirada como consequência da apreciação da matéria de facto dada como provada e/ou como não provada e que, por isso, implica um raciocínio jurídico e valorativo que encerra uma parte essencial da controvérsia que constitui o objecto do litígio, a apreciar e decidir no âmbito de questão de direito subjacente à questão impugnação da matéria de facto.
Com efeito (e não sendo ainda este o momento em que importa apreciar se estamos perante demarcação, reivindicação ou outra espécie), através da presente acção, os Autores pretendem obter o reconhecimento judicial, em primeiro lugar, do seu direito propriedade sobre certo prédio urbano (inscrito na matriz predial urbana sob o art. ..) e com certa área (coberta de 118,60 m2 e descoberta de 66 m2) e, em segundo lugar, do seu direito de demarcação das estremas entre aquele prédio e um prédio urbano da propriedade dos Réus (inscrito na matriz predial urbana sob o art. ..), sendo que, para fundamentarem tais pretensões, invocam efectivamente que: os referidos prédios foram-lhes respectivamente adjudicados em partilha da herança; desde a partilha que os autores estão na posse da área coberta e descoberta do prédios ... ; através de um portão em ferro acede-se a uma área descoberta para a qual deitam diretamente as portas e as escadas dos prédios ... e ..., situando-se aí a área descoberta/logradouro dos dois prédios, que é contígua entre si, não existindo marcos ou linha divisória a demarcá-la; os réus têm vindo a ultrapassar os limites da área descoberta do prédios ... , invadindo a área descoberta do prédios ... , pondo em dúvida os limites separadores entre cada uma das áreas descobertas dos referidos prédios; e nos preliminares e na celebração da partilha, ficou acordado entre todos os interessados que o logradouro/área descoberta situada em frente ao artigo ... é parte componente deste, aí se incluindo o referido terraço/“Casa L”.
Os Réus negam o invocado direito de demarcação, defendo efectivamente que: a casa dos autores tem o seu limite a nascente na parte inferior da parede da fachada nascente dessa casa de habitação; no tempo de vida dos pais do autor e da ré, dos seus avós (e até dos bisavós), o logradouro já integrava o prédios ... , os quais exerceram a posse sobre o mesmo e adquiriram a respectiva propriedade por usucapião; na partilha coube à ré essa casa de habitação com todo o logradouro adjacente e a dita casa de lenha com terraço, que compõem o prédios ... ; a ré está desde a data da partilha na posse do prédios ... , que abrange toda a área posta em causa pelos autores; por volta de 1950, os pais do autor e da ré, mandaram edificar nesse espaço uma pocilga, edificação essa que mais tarde, passou a ser utilizada como de casa de lenha com terraço.
Sendo este o “quadro” do litígio traçado pelas partes, a decisão sobre se deve ou não ser reconhecido o direito de propriedade dos Autores (também) sobre uma concreta parcela de 66 m2 de área descoberta situada na confluência dos prédios (relativa ao logradouro e a Casa L), e/ou sobre se deve ou não ser reconhecido o seu direito à demarcação dessa parcela depende da resolução de concretas questões jurídicas consistentes em: na partilha da herança foi celebrado acordo com valor jurídico no sentido de que parte do logradouro e a Casa L integravam o prédios ... ? Desde a partilha, os Autores desde têm a posse sobre tal parte do logradouro e a Casa L? E/ou o logradouro e a Casa L integram a composição do prédios ... , por força da posse dos pais do autor e da ré, posse essa foi continuada pela Ré após a partilha?
Daqui decorre que a formulação proposta pelos Réus/Recorrentes para o aditamento de um facto na parte aqui em causa («… faziam parte e são parte integrante do prédio urbano…, quer a totalidade do quintal, quer a totalidade da Casa L») está inequivocamente relacionada com o thema decidendum, integrando expressões que (no caso concreto) têm um conteúdo totalmente conclusivo, encerrando mesmo um juízo de valor que representa a própria solução jurídica de questões a decidir na acção e, por via disso, não pode constar da decisão de facto (isto é, não pode constar quer dos factos provados, quer dos factos não provados).
Logo, o Tribunal a quo procedeu de forma correcta quando não consignou na decisão de facto qualquer matéria com o conteúdo proposto Réus/Recorrentes em sede de recurso, frisando-se que, na motivação do facto provado nº11, aquele Tribunal explicou precisamente a natureza conclusiva de tal matéria: “… Muito embora as partes procedessem à localização da área em litígio por referência à sua inclusão, total ou parcial, num ou noutro prédio consoante a versão dos factos apresentada – o que atento o objeto da lide se apresenta como conclusivo…”. E a este propósito refira-se o Ac. da RP de 20/10/2009 (26): “Numa acção…. em que está em causa o direito de propriedade sobre uma determinada parcela de terreno e se esta faz parte integrante do prédio x ou do prédio y, têm de considerar-se não escritas, nos termos do n° 4 do art. 646° do CPC, as respostas dadas aos quesitos da BI que contêm as expressões “fazendo parte desse mesmo prédio...”, “faz parte do prédio...” e “como seus donos e legítimos proprietários”, por estas não serem «factos», mas meras conclusões e conceitos jurídicos…”.
Portanto, tal matéria conclusiva terá que ser extraída a partir dos factos provados e/ou não provados relativos ao efectivo conteúdo do acordo celebrado entre as partes no âmbito da partilha da herança, e/ou à posse que cada uma das partes tem (ou não) sobre parcela em litígio.
Por conseguinte, conclui-se que não existe qualquer erro de julgamento relativamente à matéria cujo aditamento aos factos provados se reclama e, por via disso, a pretensão recursória dos Réus/Recorrentes quanto à impugnação da matéria de facto terá que improceder.
Quanto à impugnação da decisão de facto deduzida no recurso dos Autores/Recorrentes.
No que concerne ao facto provado nº32, verifica-se que é peticionada a sua eliminação ou a sua alteração.
Não foi indicado ou invocado um único argumento ou fundamento para a eliminação deste facto (nem este Tribunal ad quem vislumbra razão para tal), sendo que o mesmo constitui efectiva e concreta matéria de facto que revela interesse para a apreciação e decisão da causa e que foi expressamente alegado em sede de contestação (cfr. o respectivo art. 33º deste articulado). Logo, esta pretensão é infundada, e não merece acolhimento.
Relativamente à pretendida alteração da redacção (para «Esta actuação dos réus verifica-se no convencimento de que não são proprietários»), importa começar por ter presente que o facto provado nº32 reporta-se à actuação dos Réus descrita nos factos provados nºs. 25 a 31, os quais não foram impugnados em sede de recurso, pelo que se encontravam devidamente assentes.
Para motivar este ponto de facto provado, na sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou que (na parte que aqui releva já que a motivação é conjunta a outros pontos de facto):
“… Este conjunto factual emerge do acordo das partes em sede de articulados (quanto a instalação da churrasqueira) e da conjugação entre os depoimentos de parte dos autores, declarações de parte da ré e dos depoimentos testemunhais de J. P., I. F., M. C., A. S., A. M., C. S. e C. R.. Ainda foi relevante, neste segmento, o documento n.º17 da contestação, onde se observa a filha dos réus, a testemunha A. M., sentada a apanhar banhos de sol no terraço da Casa L… Por outro lado, deve ser enfatizado que, embora tenham afirmado que toda a sua atuação sobre a área de terreno e Casa L/terraço em discussão ocorre desde o dia em que se verificaram as partilhas, essa cronologia não se provou assim tão precisa, desde logo quanto à Casa L. De facto, o autor fez notar, no segmento não confessório do respetivo depoimento, que, aquando das partilhas, acordou com a ré que a Casa L ficaria a pertencer ao artigo ..., uma vez que não tinha um espaço para guardar lenha. E se observado o depoimento de M. C., é, em parte, essa conclusão que se retira, ao referir esta que logo após as partilhas teriam combinado que era o autor quem ficava a usar a Casa L, enquanto que o terraço ficaria a ser usado pela ré, o que torna credível que a Casa L tivesse sido utilizada apenas pelos autores (e não por mera tolerância dos réus) numa primeira fase após as partilhas e que depois de existir o conflito entre os réus e os autores (nomeadamente, com o estroncar da fechadura), aqueles passassem a utilizá-la em exclusivo, apesar de os autores conservarem a chave de uma das portas”.
Desta motivação decorre que o Tribunal a quo indicou de forma concreta os meios de prova através dos quais formou o respectivo juízo no sentido de considerar provado o facto nº32, tal como indicou de forma suficiente as razões através dos quais considerou provado o segmento do mesmo relativo a «… desde data não concretamente apurada após as partilhas…».
Mas já não foi tão preciso na indicação dessas razões quanto ao segmento «…à vista de toda a gente, de modo contínuo,… em nome próprio, no convencimento de que são proprietários». Porém, é perceptível que as razões da demonstração probatória deste segmento são, por um lado, a circunstância de serem actos praticados em locais exteriores (ou seja, “à vista”), por outro lado, a circunstância desses actos apresentarem um natureza repetitiva (ou seja, “contínua”), e, por fim, a circunstância de existir um conflito entre as partes sobre a propriedade da parcela em lítigio, no âmbito do qual os Réus invocam serem “donos” do logradouro e da Casa L (ou seja, se se reclamam donos, é natural que os actos praticados o sejam nesse “convencimento”), conflito esse (e reclamação essa) de que é dada nota várias vezes pelo Tribunal a quo quer na motivação desta facto quer na motivação de outros factos [cfr. factos provados nºs. 14 e 15 e facto não provado g)]. Acresce (e até de forma principal) que, nas suas alegações, os Autores/Recorrentes jamais invocam que a sentença impugnada é omissa quanto à fundamentação (motivação) deste segmento. Assim sendo, entende-se que não está verificada a situação prevista na alínea d) do referido art. 662º do C.P.Civil de 2013 («não estando devidamente fundamentada»), pelo que não se deve determinar (nem se determina) que o Tribunal a quo complete a decisão no que concerne à motivação deste segmento do facto provado nº32.
E procedendo à reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria, ouvidos o depoimento de parte dos Autores, as declarações de parte da Ré, e todos os depoimentos prestados pelas testemunhas e analisando toda a prova documental apresentada nos autos, à luz do critério da livre apreciação e de prudente convicção, este Tribunal ad quem forma, necessariamente, um juízo probatório no sentido de ficar demonstrado que a actuação em causa é realizada pelos Réus no convencimento de que são donos da parcela em litígio.

Tal demonstração probatória resulta do seguinte:

1) dos depoimentos de parte dos Autores e das declarações de parte da Ré - embora muito divergentes quanto à existência ou não de um acordo no sentido da “Casa L ficar para o Autor”, os três produziram declarações que coincidiram na confirmação de que, a partir de certo momento já após a partilha, surgiu o litígio sobre para “quem tinha ficado a Casa L” e de que os Réus entendiam que “ter ficado para si”; ora, perante este conflito e tal entendimento (ainda que contrariado pelos Autores), de acordo com as próprias regras da experiência, mostra-se lógico e razoável que os actos praticados pelos Réus fossem sob o “convencimento” de que eram os “donos” dessa “casa” e também do logradouro (ainda que tal “convicção” possa vir a demonstrar-se errada);
2) dos depoimentos das testemunhas J. P. e I. F. (filhos dos Autores), da testemunha M. I. (filha dos Réus) e da testemunha M. C. (irmã do Autor e da Ré) - apesar de díspares em vários pontos, foram coincidentes na confirmação da existência dos supra referidos conflito e entendimento dos Réus, o que também permite concluir, com lógica e coerência, que estes actuaram sobre a “parcela” em litígio “convencidos” de que eram seus “proprietários” (embora se possa vir a decidir que não lhes assiste razão);
3) e dos depoimentos das testemunhas C. S., e C. R. - estas testemunhas, através de declarações que se revelaram como objectivas e aparentemente isentas, concretizaram os actos que realizaram no espaço em litígio por “ordem” dos Réus (descarregamento de lenha na “Casa L” e regar as plantas dos vasos existente no logradouro e naquela casa, respectivamente), o que, em si mesmo, representa uma actuação dos Réus como “donos” do referido espaço;
4) da irrelevância, nesta matéria, dos depoimentos das testemunhas J. R., A. S. e A. B., designadamente, nas partes indicadas pelos Autores/Recorrentes – com efeito, ao contrário do que estes invocam, tais depoimentos não são persuasivos nem convincentes, antes se revelando muito pouco lógicos e coerentes; no que concerne à testemunha J. R., embora tenha proferido as declarações transcritas no recurso, certo é que, posteriormente, a própria testemunha desdiz as mesma, acabando por afirmar que «não me foi dito “esta parte do quintal é minha, aquela é parte é do meu cunhado”, nem “o terraço ficou para o meu cunhado”, eu é que interpretei» (o que foi omitido na transcrição deste depoimento realizada pelos Autores…), o que retira toda a credibilidade do seu depoimento nesta parte; no que concerne à testemunha A. S., embora tenha proferido as declarações transcritas no recurso, certo é que não se entende quais as razões porque “aparece” a conversa relatada por esta testemunha (nada foi explicado para que, de repente e sem qualquer enquadramento que o justificasse, os Réus dissessem a esta testemunha que pretendiam que «o Autor lhes cedesse a parte de cima do terraço, e que não se importavam da parte de baixo», sendo que a testemunha nem sequer precisou o momento temporal em que tal “conversa” ocorreu), o que lhe retira lógica e coerência, mais acrescendo que, no final do seu depoimento, acabou por afirmar que «o engenheiro disse-me que em partilhas ficou para ele, mas o cunhado não me disse isso» (o que foi igualmente omitido na transcrição deste depoimento realizada pelos Autores…),, o que constitui uma evidente contradição com as suas declarações anteriores, e afasta, em definitivo, a credibilidade do seu depoimento nesta parte; e no que concerne à testemunha A. B., embora tenha proferido as declarações transcritas no recurso, analisando as mesmas, temos que concluir que elas se mostram, em si mesmas, como ilógicas e mesmo ininteligíveis [a testemunha começa por referir uma “conversa” com o Autor para lhe arranjar uma chave, e de repente, sem qualquer relação, ligação e continuidade, “salta” para uma aparente conversa com o Réu para “colocar” a afirmação «não isto é do meu cunhado, nas partilhas ficou para ele», não se percebendo a que “isto” a testemunha se reporta, nem se percebendo a que propósito atribui esta afirmação ao Réu; acresce que, posteriormente e mais uma vez sem qualquer ligação e nexo, menciona um pedido do Réu para ir tirar umas medidas ao terraço da Casa L com vista a fazer um gradeamento, e, repentinamente e sem qualquer enquadramento, “coloca” uma questão ao Réu sem qualquer motivo razoável sobre «isto ser do cunhado mas andar ali a pôr grades», questão esta que “surge” apenas para a testemunha depois invocar uma suposta resposta do Réu no sentido de que «se ia entender com o Autor», faltando a todas estas declarações um mínimo de coerência e de normalidade], sendo que, embora seja omitido no recurso, posteriormente e embora nada sabendo sobre as partilhas, esta testemunha “resolve” produzir um conjunto de declarações sobre qual teria sido divisão que as partes teriam feito (declarações estas que revelam ser meras opiniões da testemunha, sem qualquer conhecimento efectivo e concreto) e “aproveitou” para, sem qualquer enquadramento (de tempo e de lugar), falar numas afirmações da Ré (no sentido de que esta dizia que «a Casa L era do irmão e ainda mais um bocado do quintal»), também não apresentando esta parte do seu depoimento qualquer lógica, pelo que, em razão do que atrás fica dito, não pode ser conferida credibilidade ao depoimento desta testemunha;
5) e, perante as circunstâncias supra elencadas, perante o sentido coincidente (nesta matéria) dos elementos probatórios indicados em 1), 2) e 3), e inexistindo qualquer credível em sentido contrário, este Tribunal ad quem gera uma convicção, segura e objectiva, no sentido da efectiva verificação da realidade constante do facto provado nº32 (jamais se podendo formar convicção em sentido contrário, designadamente no indicado pelos Autores/Recorrentes – «… no convencimento de que não são proprietários»).
Deste modo, inexiste qualquer fundamento para a decisão de facto ser alterada relativamente ao facto provado nº32.
No que concerne ao facto cujo adiamento se reclama («Após as partilhas os Réus reconheceram que a área descoberta, composta pelo lajeado o terraço ou Casa L faz parte do prédio urbano 16, dos Autores»), importa frisar que o mesmo não foi alegado pelos Autores/Recorrente na respectiva petição inicial, nem em qualquer outro articulado ((na petição, foi apenas alegado que «há cerca de 1 ano, os réus têm vindo a por em causa a extensão do domínio dos autores sobre o terreno/logradouro/parte descoberta do prédios ... » e que «nos preliminares quer na celebração da partilha extrajudial em causa, sempre ficou acordado entre todos os interessados que o terreno adjacente/logradouro/ área descoberta situada em frente ao artigo ... é parte componente deste, aí se incluindo também o referido terraço/Casa L», inexistindo qualquer artigo em que se realize a alegação do facto que se pretende aditar), apresentando-se como um facto absolutamente novo e que nem sequer foi objecto de qualquer produção de prova em sede de audiência final (e este Tribunal ad quem procedeu à audição de toda aí prova produzida), acrescendo que tal matéria (facto) não constitui um facto instrumental, não configura um complemento ou concretização de outros factos alegados, e não representa um facto notório nem o tribunal teve conhecimento por virtude do exercício das suas funções, pelo que não foi nem podia ser considerado pelo Tribunal a quo (cfr. art.5º/2, a contrario, do C.P.Civil de 2013), e muito menos pode ser considerado em sede de recurso por este Tribunal ad quem (esta parte da impugnação da matéria de facto mais não consubstancia do que uma tentativa, completamente infundada, dos Autores/Recorrentes ampliarem a sua causa de pedir, alegando um novo facto essencial). Esta razão é, por si só, suficiente para que careça de fundamento legal a pretensão de aditamento do facto proposto à decisão de facto constante da sentença impugnada. Mas sempre se saliente que, ainda que assim não fosse (o que só se admite por mera hipótese de raciocínio), uma vez que os Autores/Recorrentes sustentam a demonstração probatória de tal facto nos depoimentos das testemunhas J. R., A. S. e A. B., como como supra se explicou, não merecem a credibilidade, jamais este Tribunal ad quem poderia formar, com base nos mesmos, qualquer convicção, segura e objectiva, no sentido da sua verificação, donde resulta que, também por esta razão, nunca poderia proceder esta parte da pretensão impugnatória de decisão de facto.
No que concerne à eliminação do facto não provado b) [«Quer nos preliminares, quer na celebração da partilha extrajudicial, sempre ficou acordado, entre todos os interessados, que o logradouro e Casa L/terraço eram parte componente do prédios ... »], e à sua inserção nos factos provados.

Para motivar a falta de demonstração probatória deste facto, na sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou que:
“Numa primeira abordagem à motivação deste facto, deve ter-se em conta que no procedimento de partilhas nenhuma referência é feita à composição dos prédios ... e ... como tendo, qualquer um deles, um logradouro ou um anexo/Casa L com terraço. Porém, os autores alegam que ocorreu uma negociação prévia, mantida na concretização das partilhas, segundo a qual o prédios ... ficaria com a Casa L/terraço e com uma parte do logradouro e o prédios ... ficaria com uma outra parte do logradouro (correspondente à faixa que se encontra junto à casa de habitação correspondente e que dá acesso às escadas). Todavia, os réus, nomeadamente a ré nas respetivas declarações de parte, invoca versão completamente diferente, ao mencionar que o tema nem foi abordado nas partilhas porque sempre se soube que a Casa L e o terraço pertenciam ao prédios ... . Acresce que a irmã do autor e da ré, M. C., como terceiro elemento presente nas partilhas - e que presentemente está desavinda com o autor - apresentou uma versão parcialmente coincidente com a da ré (visto que alegou desconhecer qualquer acordo inicial entre autor e ré para repartição, aquando das partilhas, da área em litígio), mas que abre a porta a uma outra tese, que também foi carreada para o processo, apenas em julgamento e com matizes distintas, pelo autor: um acordo pós-partilhas, que se referia, em especial, à Casa L/terraço. Segundo esse acordo, que na versão de M. C. teria perdurado até autores e réus se desentenderem, a Casa L era utilizada pelos autores, enquanto que o terraço era utilizado pelos réus. Donde, não podendo o tribunal estribar-se em prova escrita ou, pelo menos, em prova isenta de interesses no resultado da demanda, restaram muitas dúvidas sobre se teria havido o famigerado acordo aquando das partilhas. É que, se por um lado, em termos lógicos e de normalidade do acontecer, faz algum sentido que autores e réus tivessem estabelecido o limite dos seus prédios nas partilhas, nessa área em que confluem (não nos podemos esquecer que se tratava de um único conjunto predial e que ambos os prédios têm entrada/saída direta para o logradouro/casa do terraço), também não é de escamotear que as partes, que à data se davam bem, pelos mesmos motivos, tivessem deixado por dividir essa zona de forma propositada, encarando-a como um espaço comum a ambos os prédios e, apenas, acordado nos termos da sua utilização (como é exemplo o putativo acordo para uso da Casa L/terraço que foi adiantado pela testemunha M. C.). Noutra perspetiva, o facto de o autor ter procedido a várias alterações nas matrizes dos prédios, das quais resultou, paulatinamente, um sensível aumento da área descoberta do prédios ... em detrimento da área descoberta do prédios ... , alterações que levou a cabo com procuração dos réus, não serve de demonstração cabal do aludido acordo antes ou aquando das partilhas. Aliás, as plantas que foram juntas com os pedidos de alterações das descrições matriciais, mostram o logradouro (aí definido como quintal) representado no segmento do 1.º andar do prédios ... , constatação que, vista a área descoberta final que resultou das sucessivas modificações, lança ainda mais controvérsia sobre este segmento, que, assim, há de ter-se como não provado”.
Em sede de recurso, quer nas alegações, quer nas conclusões, os Autores/Recorrentes não colocam minimamente em causa tal motivação, limitando-se a reclamar a inserção do facto em causa no âmbito dos factos provados com base na parte transcrita dos depoimentos das testemunhas J. R., A. S. e A. B.. Ora, como supra já se explicou, pelas razões já supra explanadas e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, tais depoimentos não merecem qualquer credibilidade por parte do Tribunal ad quem, o que, por si só, constitui motivo bastante para concluir que os elementos probatórios indicados pelos Autores/Recorrentes não tem qualquer relevância probatória nesta matéria e, por via disso, são insusceptíveis de comprovarem a realidade que integra este facto.
E procedendo à reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria, ouvidos o depoimento de parte dos Autores, as declarações de parte da Ré, e todos os depoimentos prestados pelas testemunhas e analisando toda a prova documental apresentada nos autos, à luz do critério da livre apreciação e de prudente convicção, este Tribunal ad quem tem necessariamente que subscrever a motivação supra transcrita do Tribunal a quo, inexistindo elementos probatórios seguros e objectivos que pudessem conduzir à demonstração probatória da realidade a que se reporta este facto, importando apenas acrescentar duas notas a essa motivação: uma no sentido de que, caso tivesse sido mesmo acordado nas negociações da partilha que a parcela em causa (englobando Casa L e o logradouro) eram parte componente do prédios ... , o lógico, coerente e razoável seria que no próprio «procedimento simplificado de partilha e registos» (doc. nº1 da petição) estivesse expressamente consignado tal acordo, e basta analisar o seu conteúdo para se verificar que nada foi consignado sobre tal acordo (ou seja, alegadamente Autor e Ré tiveram o cuidado e a preocupação de acordarem expressamente sobre o destino de tal “parcela”, o que significa que a mera adjudicação dos prédios ... e ... não seria suficiente para efetivar tal destino, mas depois nada consignaram naquele «procedimento» sobre o logradouro e a Casa L, antes optando apenas pela consignação das áreas descobertas e cobertas de cada um dos prédios sem um mínimo de referência à “parcela” que motivou um acordo específico), o que coloca em causa e afasta de forma relevante que tenha existido tal acordo. E outra nota no sentido de que, sobre esta matéria, os depoimentos de parte dos Autores, as declarações de parte da Ré, e o depoimento da testemunha M. C. (sendo que as restantes testemunhas inquiridas revelaram nada saber sobre tal alegado acordo, porque não estiveram presentes nas “negociações” das partilhas), mostram-se absolutamente contraditórios, não havendo razões para conferir maior credibilidade a uns ou a outros, salientando-se ainda que, no seu depoimento de parte, o Autor referiu-se inicialmente a um acordo com a Ré mas apenas sobre o terraço/Casa L e só posteriormente, e sem qualquer enquadramento (de lugar e temporal), é que refere ter dito ao cunhado (o Réu) «vamos dividir o quintal? Tu ficas com o lado nascente e eu fico com o lado poente e o terraço», mas sem transmitir qual foi a resposta, o que tudo avaliado globalmente também coloca em causa a existência do invocado acordo.
Assim sendo, também inexiste qualquer fundamento para a decisão de facto ser alterada relativamente ao facto não provado b).
No que concerne à alteração do facto provado nº11, verifica-se que a pretensão impugnatória consiste no aditamento à matéria já provada [“A nascente da casa de habitação do prédios ... e a sul da casa de habitação do prédios ... , localiza-se uma área descoberta com 87 m2 (doravante designada de logradouro) e uma área coberta com terraço na cobertura (designada, de ora em diante, de Casa L/terraço), com 28 m2”] o seguinte segmento: “…áreas essas que fazem parte do prédios ... ”.
Trata-se de uma pretensão idêntica à formulada pelos Réus no seu recurso embora em sentido contrário (estes reclamavam a inclusão na factualidade provada que a “parcela” em causa fazia parte integrante do prédios ... …), pelo que tem aqui aplicação todo o entendimento supra exposto a propósito da apreciação dessa pretensão impugnatória daqueles, e, com base no mesmo, igual e forçosamente se concluiu que o aditamento reclamado pelos Autores/Recorrentes constitui matéria de índole totalmente conclusiva, estando inequivocamente relacionada com o thema decidendum e, por via disso, não pode constar da decisão de facto (como, aliás, foi expressamente referido pelo Tribunal a quo na motivação precisamente deste facto provado nº11 e que supra já se transcreveu e aqui se dá por reproduzido).
Tal matéria conclusiva só poderá ser extraída a partir dos factos provados e/ou não provados relativos ao efectivo conteúdo do acordo celebrado entre as partes no âmbito da partilha da herança, e/ou à posse que cada uma das partes tem (ou não) sobre parcela em litígio e/ou das respectivas descrições registrais e matriciais dos respectivos prédios e/ou da respectiva escritura/procedimento de partilha (cfr. factos provados nºs. 1 a 9).
E frise-se que, ao contrário do que os Autores/Recorrentes querem fazer crer, os documentos que indicam (processo simplificado de partilhas, certidão das finanças e certidão da conservatória do Registo Predial) foram efectivamente valorados (cfr. a motivação dos factos provados nºs. 1 a 9), e o seu concreto teor foi efectivamente considerado como probatoriamente demonstrado (cfr. factos provados nºs. 1 a 9). Se o respectivo teor dos mesmos permite extrair a conclusão que aqueles pretendiam ser um facto, é uma questão de ordem jurídica.
Consequentemente, conclui-se que não existe qualquer erro de julgamento relativamente aos pontos de facto reclamados e, por via disso, a pretensão recursória dos Autores/Recorrentes quanto à impugnação da matéria de facto terá que improceder na totalidade.
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4.2. Do Direito de Propriedade sobre o Logradouro e a Casa L/Terraço

Nos termos do disposto nos arts. 1302º/1 e 1305º do C.Civil, as coisas imóveis podem ser objeto do direito de propriedade, sendo que o titular desse direito (proprietário) “goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso e fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
No que concerne aos modos de aquisição do direito de propriedade, estatui o art. 1306º do C.Civil que ser “por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei”.
O modo mais corrente de aquisição deste direito real, é o contrato de compra e venda (negócio real quod effectum), dado o efeito translativo operar por mero efeito do contrato, independentemente da entrega da coisa (cfr. arts. 408º/1 e 879º/a) do C.Civil)
A compra e venda constitui uma forma de aquisição derivada mas mostrando-se a mesma inscrita a favor do comprador no registo predial, por força do disposto no art. 7º do C.R.Predial, este beneficia da presunção legal de que o direito de propriedade existe e lhe pertence, nos precisos termos em que o registo o define (configura apenas uma presunção juris tantum, pelo que é ilidível mediante prova em contrário – cfr. art. 350º/ do C. Civil).
Porém (e até porque também releva para o caso em apreço), importa frisar que constitui entendimento jurisprudencial pacífico que a presunção registral consignada no referido art. 7º do C.R.Predial “respeita à propriedade do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial, não comprovando presuntivamente a maior ou menor porção de terreno abrangido” (27) e “não abrange as circunstâncias descritivas, como a área e confrontações do prédio, não percepcionadas oficiosamente, antes, tão só, declaradas pelo interessado” (28).
Este entendimento relativo às descrições registrais é também aplicável às inscrições matriciais, ou seja, também estas são insusceptíveis de comprovar o conteúdo e a extensão do direito de propriedade sobre qualquer prédio: como se explica no Ac. desta RG de 02/05/2016 (29), “… não são de considerar como títulos para estes efeitos as inscrições matriciais e as descrições prediais. As primeiras relevam apenas no plano fiscal, não lhes sendo reconhecidas virtualidades para definir o conteúdo ou a extensão do direito de propriedade sobre qualquer prédio. Baseiam-se em participações dos interessados nas respectivas Repartições de Finanças, não sujeitas, em regra, ao controlo destas entidades – cfr., entre muitos outros, o Ac. RC 09.03.99, CJ II, p.14, e Ac. STJ 04.12.2003, n.º processo 03B2574, em www.dgsi.pt. As segundas, as descrições prediais constantes do registo, por seu lado, também não têm o condão de definir, em definitivo, as confrontações ou as áreas dos prédios a que respeitam, até porque estes elementos podem ser completados, rectificados, restringidos, ampliados ou inutilizados, por meio de averbamentos. Assim, com base no registo predial não se pode afirmar que determinado prédio tem esta ou aquela constituição, só por tal constar da respectiva descrição…”.
Para além da supra indicada fonte negocial, a aquisição do direito de propriedade pode advir da usucapião, que constitui um modo de aquisição originária deste direito, que se funda na posse reiterada e exercida durante certo lapso de tempo do direito real correspondente (cfr. art. 1287º do C.Civil), ou seja, a aquisição deste direito (mas também de outros direitos reias de gozo) por esta via “depende apenas da verificação de dois elementos: a posse e o decurso de certo lapso de tempo, que varia em função da natureza do bem (móvel ou imóvel) sobre que incide e de acordo com os caracteres da mesma posse” (30).
A noção de posse está legalmente consagrada no art. 1251º do C.Civil: “é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”. Este poder traduz-se na prática de actos que o exteriorizam, no exercício de poderes de facto (corpus) reveladores da aparência do direito e que exprimem ou fazem presumir a vontade de quem os pratica, na relação material que mantém com coisa, de agir como titular do direito real correspondente (animus possidendi). Mas nem toda a posse é idónea à constituição de direitos reais por usucapião (incluindo o direito de propriedade): como decorre do disposto no art. 1297º do C.Civil, só a posse pública (a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados) e pacífica (a que foi adquirida sem violência), é apta para a aquisição, ou seja, é susceptível de conduzir à constituição do direito real de propriedade por usucapião. Assim, “revestindo a posse essas características - pública e pacífica – e sendo exercida por certo lapso de tempo, pode o possuidor exercer, com base nela, o direito potestativo que o artigo 1287º do Código Civil lhe confere, posto que a usucapião não é de verificação automática, muito embora a sua invocação determine a aquisição originária do direito real, o qual nasce ex novo na data do início da posse, como decorre do estatuído no artigo 1288º do Código Civil” (31). Já quanto ao prazo exigido para a mesma operar, não havendo registo do título nem da mera posse, varia consoante a posse seja de boa ou má fé: sendo de boa fé, o prazo é de 15 anos, mas sendo de má fé, esse prazo será de 20 anos (cfr. art. 1296º do C.Civil).
Como um dos meios de defesa do direito de propriedade, o legislador consagrou a acção de reivindicação (rei vindicatio) no art. 1311º do C.Civil: “O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence” (nº1).
Esta acção de reivindicação caracteriza-se por dois pedidos: o reconhecimento do direito de propriedade sobre a coisa (pronuntiatio) e o pedido de condenação do réu na restituição da mesma (condemnatio), sendo que o primeiro pode estar implícito no segundo. Já a sua causa de pedir é constituída pelo direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa (aquisição originária ou derivada) e pela “lesão” que desse direito provocada pela pessoa que detém ou possui a coisa indevidamente, sendo essencial que o reivindicante tenha um título legítimo de aquisição do seu direito de propriedade, e que se apresente como não tendo dúvidas acerca deste seu direito sobre a coisa e respectivos limites (32).
Não constituindo um meio de defesa do direito de propriedade mas sim configurando um poder inerente à propriedade sobre um imóvel, o legislador consagrou o direito de demarcação no art. 1353º do C.Civil: “O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles”.
A acção de demarcação (actio finium regundorum) tem como pedido a necessidade de fixação das estremas entre prédios confinantes cuja linha divisória é incerta ou tornou-se duvidosa, sendo que a sua causa de pedir desdobra-se na existência de prédios confinantes, pertencentes a donos diferentes e a incerteza das estremas (33).
Nos casos em que se discute uma questão de domínio sobre determinada parcela/faixa de terreno nem sempre é fácil distinguir entre a acção de reivindicação e a acção de demarcação. Não podendo tal distinção deixar de passar pela análise dos específicos pedidos formulados e a concreta causa de pedir deduzida relativamente à parcela/faixa em litígio, importa ter presente o entendimento defendido por Pires de Lima e Antunes Varela (34): “Este problema tem tido várias soluções na doutrina. De todas… parece-nos a mais correcta a que apresenta como critério para distinguir entre as duas acções a diferença entre um conflito acerca do título e um conflito de prédios. Se as partes discutem o título de aquisição, como se, por exemplo, o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa de terreno ou sobre uma parte dele, porque a adquiriu por usucapião, por sucessão, por compra, por doação, etc., a acção é de reivindicação. Está em causa o próprio título de aquisição. Se, pelo contrário, se não discute o título, mas a relevância dele em relação ao prédio, como, por exemplo, se o autor afirma que o título se refere a varas e não a metros ou discute os termos em que deve ser feita a medição, ou, mesmo em relação à usucapião, se não discute o título de aquisição do prédio de que a faixa faz parte, mas a extensão do prédio do prédio possuído, a acção já é de demarcação… Esta é, pois, como dizem alguns autores, uma acção de acertamento ou de declaração de extensão de propriedade, sem que estejam em causa os títulos de aquisição. É por isso que, segundo a tradição justinianeia, esse acertamento pode ter lugar por uma repartição equitativa do terreno em causa (cfr. art. 1354º, nº 2 e 3)”. Todavia, importa também reter que o atual Código Civil se refere apenas à actio finium regundorum, que tem por finalidade “a fixação das estremas de cada prédio, que se destina à regulamentação dos confins, ou seja, à determinação das estremas dos prédios confinantes, quando haja dúvidas acerca dos limites dos prédios” (35) (o sublinhado é nosso).
No âmbito deste processo de distinção entre ambas acções, afigura-se-nos que assume significativa importância e relevância o entendimento que sufragado nos Acs. desta RG de 01/03/2018, de 10/10/2019 e de 06/02/2020 (36): “3. A disputa entre as partes de uma parcela de terreno, de reduzida área, situada na confluência de dois prédios, que cada uma daquelas reclama integrar o seu e, por isso, pertencer-lhe em função da localização controversa da estrema respectiva, nem sempre configura acção de reivindicação ou de demarcação ou exige a alegação e prova dos pressupostos fácticos inerentes em conformidade com o quadro legal respectivo (artºs 1311º e 1353º, do Código Civil). 4. Conquanto, para demonstrar que a parcela faz parte ou se integra nos limites de um ou outro prédio, possam ser alegados factos relativos ao exercício da posse sobre a mesma ou de outro modo por via do qual tenha sido adquirido o domínio sobre a mesma, tal litígio pode ser resolvido como em qualquer acção declarativa comum e, assim, com base em qualquer meio de prova admissível…” e “5. Conquanto a pertença a um ou a outro prédio possa provar-se por actos de posse, também o pode por quaisquer outros meios, tendo em vista, como ensina o STJ (Acórdão de 04-07-2019, processo 11431/99.7TVLSB.L2.S1) descobrir a «ligação pertinencial» que se revela por certos «nexos» (materiais e funcionais)(os sublinhados são nossos). E explica-se, de forma pormenorizada, no último dos referidos arestos:
“… a peculiaridade desta espécie de contendas propiciadas por quezílias derivadas da contiguidade aliada às dificuldades do sistema legal, explica que as exigências inerentes à acção nelas baseada, como resulta da experiência colhida de casos análogos e da variada Jurisprudência publicada sobre o tema, nem sempre têm sido bem compreendidas e cuidadas, com reflexos por vezes fatais para as expectativas das partes, quer no seu delineamento e condução, quer na avaliação e aceitação dos resultados obtidos.
Como recentemente deixámos dito no Acórdão deste Tribunal de 05-12-2019… «Disputando-se a propriedade de uma parcela de terreno situada na confluência entre dois prédios confinantes e, assim, os limites de um e de outro, a acção respectiva assume feição peculiar. Não é propriamente de reivindicação nem de demarcação… Na hipótese de se alegarem actos de posse, essencial é que eles o sejam concretamente sobre a parcela e não genericamente sobre o prédio»…
Em tal situação, parece, pois, ser configurável um tertium genus.
Não se discute, directa e exclusivamente, a titularidade (aliás, no caso pacífica, como em geral acontece) do direito real sobre cada um dos dois imóveis.
Também não se parte, apenas, de assumidas dúvidas sobre os respectivos limites ou estremas, nem a consequente discórdia se cinge à sua efectiva fixação e implantação in loco. Não é a configuração e identidade morfológica nem a dimensão superficial de ambas as coisas (os prédios) que, directa e exclusivamente, se questiona.
Cada parte defende existir uma certa delimitação do seu prédio, porém mais avançada em relação à do prédio da outra. Daí resulta uma sobreposição entre eles e, portanto, uma porção de terreno em disputa, carecida de acertamento judicial uma vez que a tese de uma (e o respectivo interesse) conflitua com a da outra e nisso se reflecte, face à incompatibilidade entre as coisas, uma certa mas peculiar desorganização do domínio que, além de física, afecta a relação jurídico-real, ainda que não de modo imediato, quer quanto à titularidade do direito (que apesar do seu carácter absoluto se torna não pacífica por contender com o uso, fruição e disposição) quer quanto ao respectivo objecto (na medida em que um é excludente, embora só em parte, do outro).
O que acontece, como se referiu no Acórdão desta Relação, de 29-06-2017… é que: «os proprietários confinantes pensam saber os limites dos respectivos prédios mas estão em desacordo quanto a esses limites».
A defesa, na acção, daquilo de que cada um está convencido e a pretensão de fazer valer o consequente direito, tanto pode, pois, levar a configurá-la (maxime em termos de pedido) como de reivindicação como de demarcação.
Numa e noutra hipótese, sempre acaba por, mas apenas indirecta e reflexamente, estar em causa a relação jurídico-real, na medida em que, assim e como se disse, sempre resultará implicada, na controvérsia e na sua resolução, a titularidade do direito sobre a coisa e o objecto dele.
Com efeito, por menor que seja a importância (valor, função, significado) da área da parcela disputada em função da discórdia sobre os limites dos prédios que cada um julga serem os verdadeiros e pretende fazer valer, nunca é indiferente para a propriedade deles, enquanto direito absoluto, a pertença daquela, designadamente porque sempre a sua extensão atina com os direitos de uso, fruição e disposição da coisa naquele contidos (artº 1305º, CC).
Bem como com os limites recíprocos ao respectivo exercício entre ambos os proprietários.
Esta evidência e a feição híbrida do litígio assim gerado fazem com que, mesmo no caso de a correspondente acção ser configurada como de reivindicação, «terão, ainda assim, de fazer prova de factos próprios da acção de demarcação”, como se sugeriu naquele citado aresto de 29-06-2017 e, na mesma linha, também entendemos no nosso de 01-03-2018: «Em suma: não se negando que, neste tipo de litígios, mais comum tem sido equacionar-se o problema como de demarcação (no quadro do artº 1353º, do CC) ou de reivindicação (à luz do artº 1311º), afigura-se-nos que, em função da peculiaridade de cada caso concreto mas sobretudo quando, como aqui, não é especialmente em torno da definição e marcação in loco da estrema entre os prédios nem da aquisição do direito real sobre cada um deles que o litígio nasce e se desenvolve, mas apenas da alegação e prova de certa configuração e da precisa e localizada linha delimitadora do terreno, afigura-se-nos, dizíamos, que de nenhuma especificidade típica a acção se reveste, tudo se devendo passar no quadro de normal acção declarativa comum, sem especiais exigências quanto à causa de pedir e ao modo e meios de provar a estrema, inclusive por actos de posse ainda que invocada não seja a usucapião em concreto sobre a faixa disputada ou eles se revelem insuficientes para demonstrar que, relativamente à mesma, aquela foi exercida do modo, pelo tempo e com as características indispensáveis à verificação da prescrição aquisitiva sobre ela.

Afinal de contas, a acção de reivindicação e a acção de demarcação apenas no direito substantivo assim são apelidadas (artºs 1311º e 1353º, CC), tendo esta desaparecido do direito processual onde se encontrava prevista entre as acções de arbitramento. E mesmo aí (artº 1058º, nº 3, alínea a), in fine, do CPC anterior a 1995) não se excluía, tal como hoje continua a admitir-se (artº 1354º, nº 1, in fine, do CC), o recurso a quaisquer outros meios de prova. Entre estes os relativos a factos susceptíveis de desencadear a formulação de presunções judiciais ou naturais»…
Alegar a posse (artº 1251º, CC) consiste em descrever factos simples e concretos praticados sobre a coisa – no caso sobre a parcela de terreno discutida –, correspondentes ao exercício dos direitos contidos no direito de propriedade (artº 1305º) e através dos quais se manifesta ou revela o «poder directo e imediato» sobre ela, impondo-se à generalidade dos membros da comunidade jurídica», constituindo «expressão plena do domínio»…
Além disso, factos com as características e em termos susceptíveis de preencher os requisitos legais de aquisição originária por via de usucapião (artº 1287º, CC).
Quando em causa está não todo o prédio (caso em que a sua extensão ou limites em regra são secundarizados) mas sim uma parcela disputada pelos vizinhos, a necessária referência e conexão de tais factos concretos à área objecto do litígio exige particular cuidado e rigor na alegação, bem como no respectivo julgamento…”.
No “quadro” deste entendimento assume também especial importância o Ac. do STJ de 04/07/2019 (37), no qual se decidiu que “II. O critério para a delimitação dos prédios passa pela aferição de existência de certos nexos (materiais e funcionais) entre as parcelas e o prédio: uma parcela é parte de um prédio quando tem uma ligação pertinencial com o prédio, apresentando-se o conjunto como uma unidade predial estável. III. Tal ligação deve ser exclusiva ou dominante, isto é, impor-se sobre outras ligações que a mesma parcela mantenha, eventualmente, com outros prédios”, e no qual se explica: “…Há, então, que procurar outros critérios para a delimitação dos prédios. Estes não podem deixar de passar pela aferição de existência de certos nexos entre as parcelas e o prédio. Certa parcela será parte de um prédio se puder dizer-se que ela tem uma ligação pertinencial com o prédio, apresentando-se o conjunto como uma unidade predial estável. Essencial é ainda que se trate de uma ligação exclusiva ou dominante, isto é, que se imponha sobre outras ligações que a mesma parcela mantenha eventualmente com outros prédios. O resultado só pode ser atingido por via de uma ponderação global de todos os nexos, encarados numa perspectiva histórica e numa perspectiva actual. Adquirem particular relevo os nexos materiais (ligação física como o contacto físico ou a comunicação entre os elementos em causa) e os nexos funcionais (ligação de complementaridade ou de subordinação económica de um ao outro). Mas atenção: nem estes têm de se verificar simultaneamente nem têm de se verificar sempre, podendo um deles sozinho ou um outro, de outro tipo, bastar, desde que se apresente com determinada intensidade, com intensidade suficiente para se concluir, com segurança, que existe aquela ligação. Ainda quando dos factos não resulte clara a ligação pertinencial entre a parcela e algum dos prédios da autora, tem de se admitir a hipótese de a autora ter adquirido o direito de propriedade por alguma das formas especialmente previstas no artigo 1316.º do CC. Cabe, em qualquer caso, à autora carrear para os autos a prova dos factos que demonstrem a titularidade deste direito (artigo 342.º, n.º 1, do CC) – a prova do facto ou do título aquisitivo. Isto a não ser que beneficie de presunção legal ou de alguma outra causa de inversão do ónus da prova, ao abrigo do artigo 344.º do CC. Em particular no caso de presunção legal, transfere-se, em princípio, para a outra parte o ónus da prova – o encargo de ilidir a presunção, de provar que a autora não é, afinal, a proprietária (artigo 350.º do CC)…”.
Realizado este enquadramento jurídico (tão longo quanto necessário) e revertendo ao caso sub judice, verifica-se que a sentença recorrida tomou como certo que estamos perante uma acção de demarcação, tendo apreciado e decidido as pretensões formuladas pelos Autores nessa perspectiva.
Não se pode concordar com esta perspectiva do Tribunal a quo perante o “quadro” do litígio efectiva e concretamente traçado pelas partes nos respectivos articulados, frisando-se que, na própria decisão impugnada, aquela Tribunal a quo foi “dando nota” de que não estamos perante uma mera situação de inexistência, incerteza, dívida ou desconhecimento sobre a localização da linha divisória entre dois prédios confinantes: por um lado, na respectiva fundamentação de direito, refere-se expressamente que “quer o autor, quer a ré, poderiam, eventualmente, reivindicar a propriedade da área em litígio e é certo que acabaram por fazê-loe “pelas versões antagónicas que para este processo foram carreadas, autores e réus não atuaram, nem se vêm como comproprietários. Antes quiseram, ou pelo menos querem mais recentemente, comportar-se enquanto donos e legítimos possuidores em exclusividade da área em litígio (os sublinhados são nossos); e, por outro lado, no decisório, limita-se a declarar que “os autores donos e legítimos proprietários do prédios ... ”, mas não incluindo as áreas de tal prédio, nomeadamente não integrando a área descoberta de 66 m2, apesar do pedido de reconhecimento do direito propriedade formulado pelos Autores se reportar também e expressamente às áreas coberta e descoberta (“… são donos e legítimos possuidores do prédio urbano… com a área coberta de 118,60 metros quadrados e descoberta de 66 metros quadrados…”).
Como supra já se referiu (a propósito da apreciação dos recursos na parte relativa à impugnação da matéria de facto), através da presente acção, os Autores pretendem obter o reconhecimento judicial, em primeiro lugar, do seu direito propriedade sobre certo prédio urbano (inscrito na matriz predial urbana sob o art. 16º) e com certa área (coberta de 118,60 m2 e descoberta de 66 m2) e, em segundo lugar, do seu direito de demarcação das estremas entre aquele prédio e um prédio urbano da propriedade dos Réus (inscrito na matriz predial urbana sob o art. 15º), sendo que, para fundamentarem tais pretensões, invocam efectivamente que: os referidos prédios foram-lhes respectivamente adjudicados em partilha da herança; desde a partilha que os autores estão na posse da área coberta e descoberta do prédios ... ; através de um portão em ferro acede-se a uma área descoberta para a qual deitam diretamente as portas e as escadas dos prédios ... e ..., situando-se aí a área descoberta/logradouro dos dois prédios, que é contígua entre si, não existindo marcos ou linha divisória a demarcá-la; os réus têm vindo a ultrapassar os limites da área descoberta do prédios ... , invadindo a área descoberta do prédios ... , pondo em dúvida os limites separadores entre cada uma das áreas descobertas dos referidos prédios; e nos preliminares e na celebração da partilha, ficou acordado entre todos os interessados que o logradouro/área descoberta situada em frente ao artigo ... é parte componente deste, aí se incluindo o referido terraço/“Casa L”.
Os Réus negam que o invocado direito de demarcação, defendo efectivamente que: a casa dos autores tem o seu limite a nascente na parte inferior da parede da fachada nascente dessa casa de habitação; no tempo de vida dos pais do autor e da ré, dos seus avós (e até dos bisavós), o logradouro já integrava o prédios ... , os quais exerceram a posse sobre o mesmo e adquiriram a respectiva propriedade por usucapião; na partilha coube à ré essa casa de habitação com todo o logradouro adjacente e a dita casa de lenha com terraço, que compõem o prédios ... ; a ré está desde a data da partilha na posse do prédios ... , que abrange toda a área posta em causa pelos autores; por volta de 1950, os pais do autor e da ré, mandaram edificar nesse espaço uma pocilga, edificação essa que mais tarde, passou a ser utilizada como de casa de lenha com terraço. Por seu turno, os Réus negam o invocado direito de demarcação, defendo efectivamente que: a casa dos autores tem o seu limite a nascente na parte inferior da parede da fachada nascente dessa casa de habitação; no tempo de vida dos pais do autor e da ré, dos seus avós (e até dos bisavós), o logradouro já integrava o prédios ... ; na partilha coube à ré essa casa de habitação com todo o logradouro adjacente e a dita casa de lenha com terraço, que compõem o prédios ... ; a ré está desde a data da partilha na posse do prédios ... , que abrange toda a área posta em causa pelos autores; por volta de 1950, os pais do autor e da ré, mandaram edificar nesse espaço uma pocilga, edificação essa que mais tarde, passou a ser utilizada como de casa de lenha com terraço.
Ora, o pedido de reconhecimento de direito de propriedade [pedido formulado sob alínea a)] parece corresponder a uma acção de reivindicação e o pedido sobre existência sobre estremas confinantes não definidas e sobre a marcação da linha divisória [pedidos formulados sob alíneas b) e c)] aparenta corresponder a uma acção de demarcação.
Mas, analisando a causa de pedir invocada na petição e a própria defesa apresentada na contestação, verificamos que: por um lado, as partes estão de acordo que, nas respectivas partilhas das heranças de seus pais, foi adjudicado ao Autor o prédio urbano do art. 16º e à Ré o prédio urbano no art. 15º, aceitando que o direito de propriedade de cada um sobre o respectivo prédio que lhe foi adjudicado; mas, por outro lado, as partes discordam sobre a propriedade (e não sobre uma mera linha divisória) da parcela/faixa de terreno situada na confluência dos dois prédios (a nascente do prédios ... e a sul do prédios ... ), e que corresponde a um logradouro e a uma Casa L/terraço, sendo que os Autores invocam que, na partilha, ficou acordado o logradouro/área descoberta situada em frente ao artigo ... é parte componente deste, aí se incluindo o referido terraço/“Casa L”, e que têm a posse desta área/parcela que, na petição, alegam corresponder a 66 m2 e mais alegam que só 19 m2 dessa área pertence ao prédios ... , e sendo que os Réus invocam que o logradouro (na sua totalidade, e não de forma parcial) e a Casa L/terraço sempre integram o prédios ... e que têm a posse de toda esta parcela/faixa, posse essa que já era exercida pelo pais e avós da Ré mulher. Daqui resulta, inequívoca e necessariamente, que o litígio entre as partes respeita à configuração, extensão e delimitação de cada um dos prédios de que cada parte é titular do direito de propriedade.
Assim sendo, a presente não pode ser qualificada como acção de reivindicação porque não está em causa a aquisição do direito de propriedade do Autor marido sobre o prédios ... (tal como não está em causa a aquisição do direito de propriedade da Ré mulher sobre o prédios ... ), mas também não pode ser qualificada como acção de demarcação [mesmo apesar dos pedidos formulados sob alíneas b) e c)] porque cada uma das partes reclama que o logradouro e Casa L/terraço objecto litígio pertencem ao respectivo prédio que lhe foi adjudicado (ainda que os Autores reclamem apenas 66m 2 da totalidade da área), pelo que inexiste qualquer incerteza ou dúvida sobre a estrema (na perspectiva dos Autores, o seu direito de propriedade sobre o prédios ... abrange o logradouro em frente ao prédios ... e inclui a Casa L, e na perspectiva dos Réus, o seu direito de propriedade sob o prédios ... abrange todo o logradouro, incluindo a Casa L, pelo que existe divergência sobre a propriedade da faixa em discussão, e não se trata de um mero acerto de estremas, sendo que qualquer eventual controvérsia sobre a estrema advém precisamente daquela reclamação do direito de propriedade sobre a parcela em litígio).
Estamos, portanto, precisamente perante uma situação que se enquadra no entendimento dos supra referidos Acs. desta RG de 01/03/2018, de 10/10/2019 e de 06/02/2020, ou seja, na presente acção, a disputa entre as partes, embora se reporte a uma parcela de terreno situada na confluência de dois prédios, concretiza-se na reclamação por cada uma delas de que tal parcela integra o seu prédio, pelo que o que verdadeiramente está em causa é o limite e extensão da cada um desses prédios (e daí que os Autores tenham peticionado o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédios ... mas especificamente como integrando uma área descoberta de 66 m2, ou seja, pretendem a demonstração da sua propriedade com uma concreta configuração e limite), o que confere à acção uma feição peculiar, não sendo susceptível de ser enquadrada numa reivindicação ou numa demarcação. Como se refere no citado aresto de 01/03/2018, “o quid disputatum não se refere a uma coisa em relação à qual as partes invoquem um direito real total ou parcialmente incompatível, nem a toda a coisa enquanto objecto dele. Com efeito, é pacífico que cada uma das partes é titular de um direito autónomo e que cada um dos dois incide sobre prédio distinto. Onde tais direitos não se compatibilizam e as respectivas coisas não se harmonizam física e juridicamente, deste modo surgindo uma peculiar e local desorganização do domínio, é quanto à precisa configuração, extensão e delimitação de cada um dos dois prédios. A disputa incide sobre a parcela que, em razão da divergência quanto aos limites e em função dos que, cada um dos litigantes defende, integrará o prédio de um ou do outro… Só nestas medida e dimensão fácticas se pode considerar estar em causa o prédio de uns e o prédio de outros e só, portanto, fisicamente mas não jurídico-realmente, se pode dizer que está em questão, de modo indirecto e acessório, uma e outra coisas, enquanto objecto do direito de propriedade por cada uma das partes titulado” (os sublinhados são nossos).
Posto isto, vamos à questão que agora cumpre apreciar e a decidir.
Está probatoriamente demonstrado que o prédios ... e o prédios ... (adjudicados na partilha respectivamente ao Autor marido e à Ré mulher) confrontam entre si a nascente/poente, sendo que a nascente da casa de habitação do prédios ... e a sul da casa de habitação do prédios ... , localiza-se uma área descoberta com 87 m2 (doravante designada de logradouro) e uma área coberta com terraço na cobertura (designada, de ora em diante, de Casa L/terraço), com 28 m2 (cfr. factos provados nºs 1 a 3, 10 e 11).
Nos respectivos recursos, quer Autores/Recorrentes, quer Réus/Recorrentes reclamam que a área daquele logradouro e Casa L/terraço (aqui em discussão) integram o prédios ... ou o prédios ... de que são titulares do direito de propriedade respectivamente. Os fundamentos de uns e de outros já foram supra indicados, pelo que se dão aqui por reproduzidos.
Em primeiro lugar, e acompanhando-se aqui a sentença recorrida, verifica-se que, apesar do respectivo ónus da prova lhes incumbir exclusivamente (cfr. art. 342º do C.Civil), os Autores/Recorrentes não lograram demonstrar a existência de um acordo (nos preliminares e na celebração da partilha) no sentido de que o logradouro/área descoberta situada em frente ao artigo ... é parte componente deste, incluindo a Casa L (acordo este alegado pelos mesmos como um dos fundamentos da causa de pedir). Com efeito, por um lado, não resultou provado que o facto consistente em «Quer nos preliminares, quer na celebração da partilha extrajudicial, sempre ficou acordado, entre todos os interessados, que o logradouro e Casa L/terraço eram parte componente do prédios ... » [cfr. facto não provado b)], e, por outro lado, a factualidade provada é absolutamente insusceptível de consubstanciar a sua existência, ainda que de forma indirecta, já que no respectivo «Procedimento Simplificado de Partilha e Registos», o prédios ... foi adjudicado ao Autor marido sem qualquer tipo de inclusão ou referência ao logradouro e/ou à Casa L (cfr. factos provados nºs. 1 e 2), inexistindo qualquer outra factualidade provada que respeite a esta matéria.
Logo, improcede este fundamento invocado pelos Autores/Recorrentes para atestar que a aquisição do seu direito de propriedade sobre o prédios ... (através de sucessão por morte) foi com uma extensão que abrangia (integrava) o logradouro e a Casa L/terraço.
Em segundo lugar, como supra já se referiu e aqui se dá por reproduzida a respectiva fundamentação, a presunção registral consignada no referido art. 7º do C.R.Predial não produz quaisquer efeitos sobre a área abrangida e confrontações desse prédio, e as inscrições matriciais não comprovam o conteúdo e a extensão da propriedade sobre o prédio a que respeitam.
Assim sendo, apesar de estar probatoriamente demonstrado que o prédios ... (registado a favor da Ré) está descrito registralmente como contendo um logradouro e um anexo, que matricialmente (na data partilha) o prédios ... tinha uma área total de terreno de 190 m2 e uma área de implantação de 171 m2 (ou seja, os restantes 19 m2 serão de área descoberta), que matricialmente (na data partilha) o prédios ... tinha uma área total de terreno de 227 m2 e uma área de implantação de 171 m2 (ou seja, os restantes 66 m2 serão de área descoberta) - cfr. factos provados nºs. 1 e 7 a 9 -, este manancial factual não configura qualquer título suficiente para permitir concluir que o direito de propriedade dos Autores sobre o prédios ... e/ou o direito de propriedade dos Réus sobre o prédios ... abrange a totalidade, ou parte, do logradouro e/ou da Casa L/terraço (sendo também irrelevantes as alterações de áreas que foram sendo realizadas nas respectivas inscrições matriciais desde 2009 - cfr. factos provados nºs. 4 e 8).
Acresce que, embora no respectivo «Procedimento Simplificado de Partilha e Registos», o prédios ... tenha sido adjudicado com uma área descoberta de 66 m2 e o prédios ... tenha sido adjudicado com uma área descoberta de 19 m2 (cfr. factos provados nºs. 1 e 2), também este manancial factual não consubstancia título suficiente para permitir concluir que sobre a efectiva área abrangida por cada prédio na parcela sob discussão, uma vez que tais áreas representam apenas as que constam das respectivas inscrições matriciais, frisando-se, de novo, que nesse procedimento nada foi consignado relativamente ao prédios ... e/ou ao prédios ... sobre algum deles, ou ambos, abranger o logradouro e/ou a Casa L (na totalidade ou em parte).
E saliente-se que, quanto às áreas que o seu prédios ... abrange, os Autores/Recorrentes revelam grande confusão: se em sede de petição inicial, reclamaram que o direito de propriedade relativamente ao mesmo abrange 66 m2 de área descoberta (que incluía já a Casa L), já em sede do presente recurso, reclamam que esse direito abrange 87 m2 de área descoberta e ainda mais 28 m2 da área da Casa L (?!).
Deste modo, também improcede este outro fundamento invocado pelos Autores/Recorrentes para comprovar o seu direito de propriedade sobre o prédios ... tem uma extensão que inclui o logradouro e a Casa L/terraço.
Em terceiro lugar, ambas as partes invocam a posse sobre a parcela em litígio, como forma de incluir tal área no respectivo prédio de que são proprietários, sendo que, no caso dos Réus/Recorrentes, este mais invocam que sucederam na posse de seus pais e no direito de propriedade por eles adquirido por usucapião.
Afigura-se-nos que a factualidade provada (e considerando também a que não resultou provada), não permite reconhecer razão a qualquer das partes, não integrando o logradouro e a Casa L/terraço quer a área do prédios ... quer a área do prédios ... , devendo antes entender-se que estamos perante um espaço/parte comum de ambos os prédios. Concretizando.
Está probatoriamente demonstrado que os pais do autor e da ré casaram em 1945, que o prédios ... já pertencia aos avós maternos do autor e da ré, A. B. ... e E. L., e que em data não concretamente apurada, em meados da década de 1950, os pais do autor e da ré compraram a L. P. o prédios ... , que era composto, entre o mais, de um palheiro (cfr. factos provados nºs. 20, 21 e 33). Daqui resulta que, embora não se saiba a data concreta, mas ainda durante a década de 1950, os pais do Autor marido e da Ré mulher passaram a ser, em simultâneo, proprietários dos prédios ... e ..., os quais são confinantes e sendo na sua confluência que se localiza a parcela objecto litígio.
E, apesar de ter também ficado probatoriamente demonstrado que a Casa L/terraço foi edificada pelos pais do autor e da ré em data não concretamente apurada da década de 1950, correspondendo no início a uma pocilga (cfr. facto provado nº22), já não ficou probatoriamente demonstrado que «A aquisição do prédios ... a L. P. ocorreu após a construção da pocilga pelos pais do autor e da ré», nem que «L. P. não usava, nem passava a pé ou com qualquer veículo no espaço ora em litígio», e nem que «o prédios ... não tinha área descoberta no limite a nascente, para o lado onde se localiza o logradouro/casa de lenha/terraço» [cfr. factos não provados i), j) e l)], factos estes cuja prova incumbiria aos Réus/Recorrentes atenta a deduzida excepção peremptória da aquisição pelos pais da Ré, através de usucapião, da parcela em litígio (cfr. art. 342º/2 do C.Civil).
Deste contexto decorre que que é impossível estabelecer, ab initio, uma ligação pertinencial exclusiva entre o prédios ... e o espaço em que se localiza o logradouro e a Casa L/terraço. Com efeito, não estando comprovado que a construção da pocilga (posteriormente Casa L/terraço) ocorreu quando os pais da Ré mulher eram apenas proprietários do prédios ... nem estando comprovado a inexistência de qualquer nexo material ou funcional entre esse espaço e o prédios ... (mesmo quando ainda pertencia a proprietário diferente), não é possível identificar uma ligação jurídica determinante relativamente apenas ao prédios ... .
Mais está probatoriamente demonstrado que, após aquela compra, nesse prédios ... , em data não concretamente apurada, os pais do autor e da ré fizeram obras de reconstrução no antigo edifício em ruínas, deixando elementos do antigo edifício, como cantarias em granito, tendo sido gravada, num dos pilares, a data de 1960, sendo que nessa reconstrução, as escadas de acesso à habitação onde moravam os pais do autor e da ré (isto é, do prédios ... ) - e que ocupavam área de terreno onde está edificada a lavandaria da atual casa do autor e toda a prumada desse edifício por cima dessa lavandaria (isto é, do prédios ... ) - foram alteradas de localização para aquela que existe atualmente, a nascente da atual habitação do prédios ... , e sendo que, depois da reconstrução, os pais do autor e da ré também acediam a essa parte da casa através do logradouro (cfr. factos provados nºs. 34 a 36).
Daqui resulta que, na sequência da aquisição do prédios ... e uma vez que se tornaram proprietários únicos dos dois prédios confinantes, após as obras de reconstrução, como é habitual e normal neste tipo de situações, os pais do Autor marido e da Ré mulher passaram a actuar relativamente a ambos os prédios como se se tratasse de um único imóvel, alterando mesmo a localização das escadas do prédios ... precisamente por agora serem donos também do prédios ... (e essa alteração indicia mesmo as escadas foram retiradas no local em que se encontravam, e que seria área do prédios ... , para beneficiar o prédios ... , o que apenas se compreende quando se actua relativamente a ambos os imóveis como sendo apenas um), e passando a aceder através do logradouro à sua habitação.
Ora, este novo contexto representa uma ligação da parcela em litígio a ambos os prédios, inexistindo qualquer outra factualidade provada que possa conferir ligação dominante de um dos prédios a essa parcela.
Nestas circunstâncias, a demonstração probatória de que os pais do autor e da ré praticaram, em nome próprio, de modo contínuo e até às respetivas mortes, durante 20 e até 50 anos, actos sobre a área de terreno em litígio, nomeadamente limpando-a de ervas daninhas, plantando arbustos e flores que tratavam, estrumavam e adubavam, passando com veículos, colocando vasos com plantas, criando porcos na pocilga (Casa L) e depois aí guardando lenha, e de que estes actos foram praticados pelos pais do autor e da ré de modo contínuo, à vista de toda a gente, nomeadamente de pessoas da freguesia de ..., sem oposição de ninguém, considerando-se aqueles donos da área de terreno em causa (cfr. factos provados nºs. 23 e 24), consubstancia o exercício de um verdadeiro direito de posse dos pais do Autor marido e da Ré mulher sobre a parcela em litígio, o qual, atento o lapso de tempo decorrido, é conducente à aquisição do respectivo direito de propriedade sobre tal parcela, mas nunca em termos de fazer integrar essa parcela na propriedade do prédios ... (como pretendiam os Réus/Recorrentes) ou na propriedade do prédios ... , já que inexistiu qualquer ligação exclusiva ou dominante a qualquer deles, frisando-se que, pertencendo ambos os prédios durante cerca de 50 anos aos mesmos proprietários, configura-se uma situação que promove o uso indiscriminado da parcela e sem distinção entre os prédios.
Saliente-se que incumbia a ambas as partes (aos Autores por força do disposto no art. 342º/1 do C.Civil, e aos Réus por força do disposto no nº2 do mesmo preceito) o ónus de alegação de factos que, a provarem-se, pudessem comprovar que, naquela actuação possessória dos seus pais, emergiam concretos nexos materiais e funcionais entre a parcela e apenas um dos prédios em causa (ou, pelo menos, mais determinantes relativamente a um dos prédios), ónus que não cumpriram certamente por inexistem esse factos, uma vez que a utilização do logradouro e da Casa L/terraço (e antes pocilga) foi sempre uma utilização comum aos dois prédios.
E, em nosso entender, é essa utilização comum que continuou após a realização das partilhas e até as partes entrarem em efectivo litígio sobre de quem é a propriedade do logradouro e da Casa L. Efectivamente, por um lado, ficou provado que: desde 08-06-2012, que os autores habitam, ocupam, cuidam e fazem obras de remodelação no prédios ... ; até cerca de 4 anos após as partilhas, os autores guardaram lenha na Casa L e limparam ervas daninhas no logradouro; após as partilhas, em datas não concretamente apuradas, plantaram roseiras na bordadura do logradouro, de que cuidaram, e pagaram pela colocação de umas grades de vedação no terraço e de corrimãos nas escadas que lhe dão acesso; desde as partilhas que os autores passam a pé no logradouro; esta atuação dos autores sucedeu à vista de toda a gente e sem utilização de coação física ou ameaça, com ignorância de lesão de direitos alheios, na convicção de serem proprietários; e a parte habitacional do prédios ... tem uma porta de correr, em vidro, com uma largura não concretamente definida, à qual se acede a partir do logradouro (cfr. factos provados nºs. 13 a 16). E, por outro lado, ficou provado que: em datas não concretamente apuradas, os réus cortaram as roseiras que tinham sido plantadas no logradouro pelos autores, aí colocaram uma churrasqueira e começaram a subir ao terraço e a dizer que este lhes pertence; depois das partilhas de 08-06-2012, os réus limparam ervas daninhas no terreno do logradouro, plantaram flores que tratam, colocaram vasos com plantas e tapetes de acesso à escadaria da casa de habitação e compraram e instalaram a referida churrasqueira; os réus colocaram uma mesa e vasos no terraço da Casa L e no muro que o sustenta, onde cultivam flores; os réus ordenaram a colocação de corrimãos nas escadas de acesso ao terraço e a vedação deste com gradeamento; os réus colocam lenha na Casa L para, depois, a utilizarem na sua casa de habitação; os réus usam o terraço para lazer; a Casa L tem duas portas; só os réus têm, desde data não concretamente apurada, as chaves de uma das portas de acesso à Casa L; e esta actuação dos réus verifica-se à vista de toda a gente, de modo contínuo, desde data não concretamente apurada após as partilhas, em nome próprio, no convencimento de que são proprietários (cfr. factos provados nºs. 18 e 25 a 32).
Deste manancial factual provado resulta que, após as partilhas, existindo agora uma separação efectiva entre os dois prédios porque deixaram de pertencer ao mesmo proprietário, foram praticados, em simultâneo, actos de posse dos Autores e dos Réus sobre o logradouro e a Casa L/terraço, o que consubstancia uma utilização comum do espaço, como se fosse uma parte comum a ambos os prédios, sendo nesta perspectiva que se entende «o convencimento de ambos, em simultâneo, de que actuavam como proprietários».
Tal utilização comum até se revela pacífica durante certo período de tempo, só vindo posteriormente a revelar-se conflituosa (cfr. facto provado nº18), conflito este que só surge porque, sem aparente motivo ou justificação, ambas as partes passam a reclamar que o espaço em causa (ou parte dele) integra um dos prédios de que são proprietários (frise-se que, apesar da emergência do conflito, não se vislumbra que alguma das partes tenha sido esbulhada da posse que vinha exercendo, nem que os Autores tenham desistido de continuar a exercer a sua posse, afigurando-se-nos que a circunstância terem praticado actos até cerca de 4 anos após a partilha insere-se apenas num âmbito de não pretenderem aumentar o nível conflito).
Frise-se que a parcela (em que se situa o logradouro e a Casa L/terraço) tem acesso através de um portão em ferro (cfr. facto provado nº12), ou seja, tem um acesso comum para ambos os prédios (mais uma característica de um espaço/parte comum), chamando-se a atenção que ambas as partes omitiram, em absoluto, a alegação das circunstâncias (designadamente), em que tal portão foi colocado e por quem foi colocado (e o mesmo se passou relativamente ao muro que o acompanha).
Saliente-se que também não foram demonstrados quaisquer outros factos que, em função dos actos de posse que foram praticados por ambas as partes, permitissem estabelecer uma ligação mais dominante de um prédio relativamente à parcela em disputa [cfr. factos não provados c), e) e f)].
Importa ainda salientar que ambas as partes também omitiram a alegação da concreta configuração de cada um dos prédios de que são proprietários (isto é, não trouxeram aos autos quaisquer elementos sobre as características das restantes confrontações da cada um deles - se têm ou não outras portas de acesso às respectivas casas, se têm ou não outras áreas descobertas, etc). Porém, como o Tribunal ad quem teve que proceder à audição integral da prova produzida, não pode olvidar que resulta inequivocamente dos depoimentos de parte dos Autores e das declarações de parte da Ré (e, aliás, confirmados, nesta parte, por várias testemunhas), que quer o prédios ... quer o prédios ... têm uma entrada principal em local completamente distinto da entrada/acesso que têm no logradouro em litígio, o que diminui a importância do nexo funcional que entre cada prédio e a parcela em litígio no que especificamente respeita ao acesso que é feito a partir do logradouro.
Nestas circunstâncias, improcede o fundamento invocado pelos Autores/Recorrentes para, com base na posse, ser reconhecido que o seu direito de propriedade sobre o prédios ... integra a área relativa ao logradouro e à Casa L/terraço. E também improcede a excepção peremptória deduzida pelos Réus/Recorrentes para, com base na sucessão na posse de seus pais e no direito de propriedade por eles adquirido por usucapião, se concluir que o seu direito de propriedade sobre o prédios ... integra a área relativa ao logradouro e à Casa L/terraço.
Consequentemente, e sem necessidade de outras considerações, não se pode concluir que o direito de propriedade dos Autores/Recorrentes sobre o prédios ... , reconhecido na sentença recorrida e que nesta parte não foi objecto de recurso, abrange, inclui ou integra a área (total ou parcial) do logradouro e Casa L/terraço (aqui em discussão) e, por via disso, a pretensão recursória dos Autores/Recorrentes quanto à extensão do seu direito de propriedade terá que improceder, devendo a sentença recorrida ser mantida quanto à alínea a) do respectivo decisório.
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4.3. Do Direito à Demarcação

Tendo em consideração toda a fundamentação jurídica supra expendida na apreciação e decisão da questão anterior, não se pode acompanhar a sentença recorrida quando afirma que “não pode considerar-se que os réus tivessem adquirido por usucapião a área correspondente à Casa L/terraço e ao logradouro, nem, por outro lado, os autores… a solução está, destarte, salvo melhor opinião, na demarcação dessa área, pois a indefinição da propriedade até agora bem evidenciada é um claro sinal da controvérsia que habilita o exercício desse direito”.
Esta afirmação do Tribunal a quo configura, aliás, um reconhecimento de que a presente acção não configura uma concreta acção de demarcação: tendo aquele Tribunal concluído que existe uma indefinição quanto ao direito de propriedade sobre a parcela em causa, jamais podia reconhecer a existência de um direito de demarcação sobre uma parcela cujo direito de propriedade é discutível (foi certamente por esta razão que o Tribunal a quo não logrou proceder à demarcação e a remeteu para liquidação de sentença…).
Como se refere no Ac. do STJ de 25/09/2012 (38), “A acção de demarcação, pressupondo o reconhecimento do domínio ou da propriedade, não tem por objecto esta finalidade, porquanto o seu escopo específico consiste em fazer funcionar o direito, reconhecido pelo artigo 1353º, do Código Civil, de o proprietário obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles. Assim, na acção de demarcação, a causa de pedir traduz-se no facto complexo da existência de prédios confinantes, de proprietários distintos e de estremas incertas ou duvidosasporque está em causa a divergência sobre a propriedade de uma faixa de terreno, não pode o conflito ser resolvido, através da via da acção de demarcação, que não tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade sobre determinado prédio…” (os sublinhados são nossos).
Como supra já se referiu, na presente acção cada uma das partes reclamou que o logradouro e Casa L/terraço objecto litígio pertencem ao respectivo prédio que lhe foi adjudicado, pelo que inexiste qualquer incerteza ou dúvida sobre a estrema: na perspectiva dos Autores o seu direito de propriedade sobre o prédios ... , em sede de petição inicial, abrangia o logradouro em frente ao prédios ... e inclui a Casa L, num total de 66 m2, sendo que, em sede e recurso, já abrangeria a totalidade da área do logradouro (87 m2) e da Casa L/terraço (28 m2), pelo que inexiste aqui qualquer incerteza ou dúvida sobre as extremas e onde se localiza a respectiva linha divisória. Já na perspectiva dos Réus, quer em sede de contestação, quer em sede e recurso, o seu direito de propriedade sob o prédios ... abrange todo o logradouro, incluindo a Casa L/terraço.
Estando em causa o limite e extensão de cada um desses prédios, então no caso de proceder o reconhecimento de que a parcela disputada integrava algum dos prédios, não existiria necessidade de fixação das respectivas estremas. E diga-se que não é a circunstância do Tribunal decidir pela improcedência da integração da parcela em disputa quer no prédio dos Autores quer no prédio dos Réus (por insuficiência dos factos provados ou por a factualidade apurada apontar noutro sentido), que faz emergir qualquer dúvida ou incerteza sobre a estrema desses prédios, não se podendo recorrer ao disposto no art. 1353º do C.Civil para resolver a questão da concreta extensão de certo direito de propriedade.
Assim sendo, embora os prédios pertençam a proprietários distintos, sejam confinantes entre si a nascente/poente, e no logradouro, Casa L e terraço não existem marcos ou linhas divisórias entre os prédios ... e ... (cfr. factos provados nºs. 2, 3, 10 e 17), não está preenchido o requisito da incerteza ou dúvida sobre a estremas de ambos uma vez que existe divergência sobre a propriedade da parcela que se situa na confrontação dos mesmos (a nascente do prédios ... e a sul do prédios ... ) e que constitui precisamente aquele logradouro (com 87 m2) e aquela Casa L/terraço (com 28 m2).
Nestas circunstâncias, não estão preenchidos todos os pressupostos de que depende o exercício o poder inerente ao direito de propriedade consagrado no art. 1353º do C.Civil e não se pode reconhecer aos Autores/Recorrentes o direito à demarcação da área relativa ao logradouro e à Casa L/terraço.
Consequentemente, e sem necessidade de outras considerações, não pode manter-se a sentença recorrida no que respeita à alínea b) do respectivo decisório (“Determino que a estrema poente/nascente dos prédios ... e ..., na área do logradouro e da Casa L/terraço representada na planta n.º 1 do levantamento topográfico, de fls. 310, se faça através de uma linha que divida em duas partes iguais essa área, com aposição de marcos ou outros sinais, de modo a que a cada um dos prédios fique a pertencer uma parcela de 57,5 m2, e devendo a linha divisória ser traçada, obedecendo ao presente dispositivo, em liquidação de sentença, através de novo levantamento topográfico”), devendo a presente acção improceder no que respeita à pretensão de demarcação da área (total ou parcial) do logradouro e Casa L/terraço (aqui em discussão) e, por via disso, a pretensão recursória dos Autores/Recorrentes quanto ao direito de demarcação terá que improceder, mas já deverá proceder a pretensão recursória dos Réus/Recorrentes quanto à inexistência do direito de demarcação (mas com base em fundamentação jurídica diversa) (39).
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4.4. Dos Termos da Demarcação

Atento o decidido quanto à questão anterior, nomeadamente que não assiste aos Autores/Recorrentes o direito de demarcação, ficou absoluta e definitivamente prejudicada a apreciação desta questão que apenas se reportava aos termos em que se devia proceder à demarcação.
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4.5. Do Mérito dos Recursos

Perante as respostas alcançadas na resolução das questões supra apreciadas, deverá julgar-se totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Autores/Recorrentes e deverá jugar-se parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Réus/Recorrentes (ainda que com base em fundamentação diversa) e, por via disso, deverá a sentença recorrida ser revogada no que respeita à alínea b) do decisório, mantendo-se no mais.
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4.6. Da Responsabilidade quanto a Custas

Improcedendo o recurso dos Autores/Recorrentes, porque ficaram totalmente vencido, deverão aqueles suportar as respectivas custas - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013.
Procedendo o recurso dos Réus/Recorrentes de forma apenas parcial, porque ficaram parcialmente vencidos, deverão estes e os Autores/Recorrentes suportar as custas na proporção do respectivo decaimento - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013.
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5. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:

1) Em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos Autores/Recorrentes,
2) Em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Réus/Recorrentes;
3) E, em consequência:
a) revogam a sentença recorrida, na parte em que “Determino que a estrema poente/nascente dos prédios ... e ..., na área do logradouro e da Casa L/terraço representada na planta n.º 1 do levantamento topográfico, de fls. 310, se faça através de uma linha que divida em duas partes iguais essa área, com aposição de marcos ou outros sinais, de modo a que a cada um dos prédios fique a pertencer uma parcela de 57,5 m2, e devendo a linha divisória ser traçada, obedecendo ao presente dispositivo, em liquidação de sentença, através de novo levantamento topográfico”;
b) e mantêm integralmente o remanescente da sentença recorrida.
Custas do recurso de apelação dos Autores/Recorrentes, a cargo destes.
Custas do recurso de apelação dos Réus/Recorrentes, a cargo destes e dos Autores na proporção de 1/3 e 2/3 respectivamente.
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Guimarães, 31 de março de 2022

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
1.º Adjunto - José C. A. Duarte;
2.º Adjunto - José Fernando Cardoso Amaral.


1. A presente decisão é redigida segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
2. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139.
3. Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
4. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, proc. nº233/09.4TBVNC.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
5. Juíza Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. nº824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
6. No mesmo sentido, entre outros, Acs. STJ de 31/05/2016, Juiz Conselheiro Garcia Calejo, proc. nº1572/12.2TBABT.E1.S1, de 19/02/2015, Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº299/05.6TBMGD.P2.S1, e de 28/04/2016, Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, proc. nº1006/12.2TBPRD.P1.S1, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj.
7. Na conclusão indica-se o facto provado «33.» mas trata-se de um manifesto lapso de escrita já que é manifesto que os Autores/Recorrentes se estão a reportar ao conteúdo do facto provado «32.», pelo que se corrige aqui tal lapso de escrita.
8. In obra citada, p. 331, 332 e 338.
9. Ac. STJ de 22/10/2015, Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº212/06.3TBSBG.C2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
10. Juíza Conselheira Rosa Tching, proc. nº588/12.3TBPVL.G2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
11. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384.
12. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ªEdição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436.
13. P.J.Pimenta, in Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325.
14. Neste sentido, o Ac. RG de 13/07/2021, Juíza Desembargadora Raquel Baptista Tavares, proc. nº3625/20.4T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
15. In Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609.
16. Juíza Conselheira Fernanda I. F., proc. nº809/10.7TBLMG.C1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
17. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, proc. nº1568/09.1TBGDM.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
18. António Abrantes Geraldes, in obra referida, p. 351.
19. Juíza Desembargadora Raquel Baptista Tavares, proc. nº671/20.1T8BGC.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
20. Cfr. Ac. do STJ de 23/09/2009, Juiz Conselheiro Bravo Serra, proc. nº238/06.7TTBGR.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
21. Juiz Desembargador Filipe Caroço, proc. nº338/17.8YRPRT, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.
22. Este mesmo entendimento foi sufragado pelo Ac. da RG de 30/09/2021, Juiz Desembargador Paulo Reis, proc. nº899/19.7T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
23. O já referido Ac. do STJ de 28/09/2017, Juíza Conselheira Fernanda I. F., proc. nº809/10.7TBLMG.C1.S1.
24. Cfr. Ac. do STJ de 28/09/2017, Juíza Conselheira Fernanda I. F., proc. nº659/12.6TVLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
25. Juiz Desembargador Paulo Reis, proc. nº899/19.7T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
26. Juiz Desembargador M. Pinto dos Santos, proc. nº1403/07.5TJVNF.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.
27. Ac. do STJ de 21/06/2001, Juiz Conselheiro Neves Ribeiro, proc. nº01B1521, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
28. Ac. do STJ de 09/02/2006, Juiz Conselheiro Pereira da Silva, proc. nº06B035, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
29. Juíza Desembargadora Francisca Micaela Vieira, proc. nº2515/12.9TJVNF.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
30. Ac. do STJ de 06/04/2017, Juiz Conselheiro Nunes Ribeiro, proc. nº1578/11.9TBVNG.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
31. Cfr. Ac. do STJ de 08/10/2015, Juíza Conselheira Fernanda Isabel, proc. nº1143/06.2TBCLD.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
32. Cfr. Ac. desta RG de 28/01/2021, Juíza Desembargadora Margarida Almeida Fernandes, proc. nº138/18.8T8MGD.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
33. Cfr. Ac. desta RG de 28/01/2021, Juíza Desembargadora Margarida Almeida Fernandes, proc. nº138/18.8T8MGD.G1.
34. In Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 199.
35. Pires de Lima e Antunes Varela, in obra referida, p. 197.
36. Juiz Desembargador José Amaral (aqui 2ºadjunto), proc. nº4546/15.8T8VCT.G1, nº555/18.3T8PTL.G1, nº861/18.7FAF.G1 respectivamente, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jtrg.
37. Juíza Conselheira Catarina Serra, proc. nº11431/99.7TVLSB.L2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
38. Juiz Conselheiro Hélder Roque, proc. nº3371/07.4TBVLG.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
39. Cumpre deixar aqui a seguinte nota: embora na presente acção não se tenha alcançado concluir que a parcela disputada integrava algum dos prédios em causa nem alcançado concluir pela existência de direito de demarcação dessa parcela, poderão as partes entender que não existe qualquer solução jurídica para dirimirem o conflito que, claramente, “resolverem criar” relativamente à utilização desse espaço (e que não existiu nos primeiros anos após a partilha). Ora, em primeiro lugar, frise-se e realce-se que não será necessária qualquer procura de novo “caminho” para a resolução do problema no caso de as partes, entretanto, resolverem “descer cada uma de seu pedestal e despir-se da respectiva ambição própria” e resolverem regular consensualmente o uso ou a divisão do espaço disputado. Em segundo lugar, caso optem por manter o conflito (o que se julga incompreensível), afigura-se-nos que, sendo o logradouro e a Casa L/terraço um espaço comum, vislumbra-se que poderá ser um dos caminhos possíveis, para a resolução do problema, a acção de divisão de coisa comum.