Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | AFONSO CABRAL DE ANDRADE | ||
| Descritores: | LEGITIMIDADE PROCESSUAL ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA DIREITO LITIGIOSO INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 01/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1. Ainda é válido o princípio iura novit curia. A legitimidade ad causam é um pressuposto processual, que visa garantir que estão na lide as pessoas certas, atenta a causa de pedir apresentada pelo autor. A falta dessa legitimidade, ou seja, a ilegitimidade de uma das partes, não permite que se conheça da substância da causa, mas antes dá lugar a uma decisão de absolvição da instância. E nunca a uma absolvição do pedido. 2. Quando as partes chegam a um pré-acordo que envolve a realização de obras por uma delas, mas depois se desentendem quanto à realização dessas obras, sendo que uma diz que fez as obras todas e a outra diz que faltam fazer muitas obras e as que foram feitas estão defeituosas, o que na realidade sucede é que não chegou a haver uma verdadeira transacção a ser homologada judicialmente. 3. A doação do prédio onde se encontra o poço em litígio configura uma transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso. E nos termos do art. 263º,1 CPC, “no caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo”. Assim sendo, não pode o Tribunal considerar o alienante parte ilegítima na instância cautelar, e muito menos julgar a providência cautelar improcedente com esse fundamento. 4. Não faz sentido uma parte vir pedir ao Tribunal que suscite a intervenção do aquirente do prédio nos autos, porque essa parte pode, ela própria, promover esse incidente de habilitação (art. 356º,2 CPC), e não carece da ajuda do Tribunal para isso. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório AA e esposa BB, contribuintes n.º ...54 e ...06, respectivamente, a 9-6-2023, vieram instaurar procedimento cautelar (como preliminar de acção de reivindicação, reconhecimento de servidões e pedido de indemnização por danos) contra JUNTA DE FREGUESIA ..., NIPC ...82, e ASSOCIAÇÃO ..., NIPC ...24. Para tanto, alegam, em síntese, que são proprietários de um prédio misto, invocando a aquisição derivada, bem como a sua aquisição por usucapião. A 1.ª ré é proprietária de um prédio que confronta com o prédio dos autores, prédio este que resultou da anexação de vários prédios. Neste prédio encontra-se um poço sendo que a água pertence aos autores, encontrando-se o prédio da 1.ª ré onerado com servidão de água e servidão de aqueduto que beneficia o prédio dos autores. Além destas servidões se encontrarem registadas, os autores invocam a aquisição da água por usucapião. Após descreverem as delimitações do seu prédio, os autores alegam que a 1.º ré violou o seu direito de propriedade sobre as águas, e respectivas servidões, através de diversas actuações ilícitas. Acresce que ocupou parte do seu prédio através da construção de um campo desportivo do qual a 2.ª ré se serve. Por fim, referem que os actos podem ter sido executados, ordenados e/ou custeados, total ou parcialmente, pela 2ª Ré, razão pela qual a demanda nos termos do art. 39º do CPC. Terminaram pedindo o seguinte: a) Sejam as Requeridas condenadas a absterem-se, por si ou por outrem a seu mando, de quaisquer actos no prédio dos Requerentes, concretamente na parte rústica com 2757 m2 de área, com os limites constantes do levantamento topográfico correspondente ao documento n.º 35 supra junto, até que seja proferida decisão de mérito na competente acção de reivindicação da propriedade com pedido de indemnização por danos; b) Sejam as Requeridas condenadas, por si ou através de outrem a seu mando, a remover todas as terras, pedras e entulhos depositados na zona circundante do poço até à cota da base da cabine de pedra existente sobre o mesmo, num raio de pelo menos 20 (vinte) metros, colocando essa zona no estado em que se encontrava antes da sua intervenção; c) Sejam as Requeridas condenadas ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso em que não cumpram o requerido nas alíneas anteriores, em montante a fixar criteriosamente por V. Exa. mas em quantia nunca inferior a 500,00 € (quinhentos euros) diários. As requeridas foram citadas e deduziram oposição. Após várias diligências, as partes juntaram requerimento aos autos, onde informam que, em síntese, após deslocação ao local, chegaram a entendimento no sentido de que a Requerida Junta de Freguesia ... executaria um conjunto de obras que surgem aí descritas, e requerem um prazo para conclusão das obras. A 28.12.2023 as requeridas juntam requerimento no qual, em síntese, vêm informar que todas as obras assumidas realizar encontram-se total e definitivamente concluídas. E requerem ao Tribunal que haja em conformidade. De seguida, vieram os requerentes dizer que as obras acordadas não só não foram executadas na sua plenitude, como as que foram executadas o foram com manifestos defeitos, sendo inaptas aos fins acordados e aos quais se destinam, denotando-se manifesta má-fé e ausência de vontade da Requerida Junta de Freguesia de as executar na plenitude e em conformidade. E em face do exposto, vêm requerer o prosseguimento dos autos. As requeridas, notificadas desta pretensão, vieram aos autos reafirmar que as obras estão total e integralmente concluídas. Depois de mais uma revoada de articulados cruzados, os requerentes vieram informar os autos que foi intentada a acção principal no dia 26.3.2024, a qual passou a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Cível de Braga - Juiz ..., processo n.º 2168/24..... Juntam cópia da petição inicial da acção. Na contestação apresentada nessa acção, as rés e aqui requeridas deduziram, entre outros, incidente de Intervenção Principal Provocada do Município .... Para tanto, alegaram em síntese que a ré Junta de Freguesia doou ao Município ..., e este aceitou, o prédio onde se encontra o poço, portanto onerado com a aí registada servidão de águas. Por isso, o Município ..., estando a ser colocado pelos Autores em causa o interesse público e bens públicos sobre a sua jurisdição, tem também interesse na presente demanda. Por despacho de 10.9.2024, o Tribunal da causa, considerando o que foi alegado e a escritura de doação que foi junta, entendeu que estávamos perante uma situação de litisconsórcio necessário natural, e admitiu a intervenção principal do Município ... como co-réu. Entretanto o procedimento cautelar foi remetido ao Juiz ... do Juízo Central Cível de Braga para apensação à acção principal, da qual depende (cfr. artigo 364º/2 do Código de Processo Civil). Aí realizou-se um auto de inspecção ao local, no qual foi ordenada a realização de uma perícia, a qual culminou na junção aos autos de um Relatório Pericial a 20.8.2024, esclarecido a 11.11.2024. Por requerimento de 15.11.2024, as requeridas vieram suscitar as seguintes questões: a) Falta de fundamento legal da providência; b) Inutilidade superveniente da lide; c) as requeridas neste momento são partes ilegítimas no que respeita a esta providência. A 28.11.2024 vieram os requerentes responder, apresentando os seus argumentos contra a pretensão das requeridas, e terminam pedindo que o Tribunal se digne proferir sentença homologatória do acordo submetido pelas partes aos autos em 10/11/2023, concedendo às requeridas um prazo não superior a 15 dias para concluírem as obras elencadas no ponto 2 de tal requerimento em conformidade com o teor da perícia realizada nos autos, condenando ainda as requeridas, no caso de não executarem as obras em conformidade e no prazo que lhes for fixado pelo tribunal, a pagar aos requerentes o valor orçamentado na perícia como o necessário para que estes possam assumir os encargos com a conclusão das obras, bem como a permitir aos requerentes livre acesso aos locais para efectiva realização das mesmas. A final, foi proferida sentença que, considerando a ilegitimidade passiva das requeridas, determinou o indeferimento da presente providência. Inconformados com esta decisão, os requerentes dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º,1,a, 645º,1,a, 647º,1 CPC). Terminam com as seguintes conclusões: I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 29.11.2024 que determinou o indeferimento da providência com fundamento na ilegitimidade passiva das requeridas. II. Com o devido respeito pela douta decisão, que é muito, entendem os requerentes que os presentes autos reúnem condições para que fosse proferida decisão de condenação da requerida Freguesia ... a cumprir o acordo a que se obrigou nos presentes autos, ou caso assim não se entendesse, a convidar a mesma requerida, com base no entendimento da sua ilegitimidade superveniente para a realização das obras, a deduzir incidente de intervenção do Município ..., chamando-o aos presentes autos de procedimento cautelar atendendo à doação que lhe efectuou, na pendência destes autos, do terreno no qual se localiza o poço e onde a donatária pretende edificar piscinas municipais. III. Conforme resulta dos autos, na diligência de 25 de Outubro de 2023, o Mmº Juiz do Juízo Local Cível de Barcelos - J... - interpelou as partes sobre o resultado da tentativa de conciliação, tendo os mesmos declarado que chegaram a um pré-acordo que poderia colocar termo à presenteação. IV. Na sequência do referido pré-acordo os Requerentes e as Requeridas apresentaram nos autos, mediante requerimento conjunto em 10.11.2023, ACORDO nos termos do qual a requerida Freguesia ... se comprometeu a realizar as obras aí elencadas. V. Havendo desacordo quanto à execução efectiva das obras, em 27/05/2024 teve lugar a inspecção ao local, permanecendo a divergência das partes quanto à (não) realização das obras acordadas, tendo os requerentes, com vista a esclarecer a questão, solicitado a realização de uma perícia com vista a aferir se o acordado se encontrava devidamente cumprido e, em caso negativo, quais os pontos não cumpridos, o modo de os cumprir e o preço, perícia essa que ficou totalmente a cargo dos Requerentes. VI. Em 07/08/2024, o perito nomeado pelo Tribunal deslocou-se ao local, a fim de aferir, então, da (não) realização das obras acordadas, tendo apresentado, em 20/08/2024, o relatório pericial e, em 11/11/2024, complemento ao mesmo. VII. Do relatório pericial, não sindicado por qualquer das partes, é possível concluir que não foram realizadas as obras nem instalados os equipamentos acordados, sendo necessário despender a quantia global de 10.874,31 € (dez mil oitocentos e setenta e quatro euros e trinta e um cêntimos), acrescida de IVA, para efectivar o acordo. VIII. O art. 1248º do CC define a transacção como o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões (n.º 1), as quais podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido (n.º2). IX. O contrato de transacção pode assumir a modalidade de transacção extrajudicial (quando tenha por escopo prevenir um litígio) ou a modalidade de transacção judicial (quando se destine a terminar, total ou parcialmente, um litígio que já se encontra exposto num processo judicial pendente e seja celebrada no próprio processo), tratando-se em ambas as modalidades de um contrato típico e nominado, em que as partes, fazendo uso da liberdade contratual (art. 405º do CC), dentro dos limites da lei e independentemente da solução jurídica que decorreria da aplicação do direito processual e substantiva ao caso, decidem pôr termo, total ou parcialmente, ao conflito, mediante mútuas concessões, isto é, constituindo, regulando, modificando ou extinguindo relações jurídicas entre elas em função dos seus interesses e conveniências. X. Enquanto contrato típico e nominado, a transacção judicial encontra-se submetida aos requisitos gerais estabelecidos pela lei substantiva para a válida celebração dos negócios jurídicos, designadamente, quanto aos sujeitos, à vontade, à sua exteriorização, ao objecto negocial e às regras interpretativas. E enquanto contrato processual, a transacção encontra-se submetida a determinados requisitos fixados na lei adjectiva, como é o caso, do objecto do processo se encontrar na disponibilidade das partes (art. 289º do CPC), os sujeitos que transigem disporem de capacidade e legitimidade para o fazer (art. 287º do CPC, entre outros) e da pertinência do objecto da transacção celebrada para o processo, isto é, da sua coincidência com o pedido deduzido no processo, sem que se exija, contudo, uma absoluta coincidência entre o objecto da transacção e o pedido. XI. Com efeito, para que a transacção judicial adquira força executiva e força vinculativa intra e extraprocessualmente aquela carece de ser homologada pelo juiz por sentença, que transite em julgado, sem que esse acto judicial retire à transacção a sua natureza de negócio jurídico, isto é, de contrato típico e nominado, e sem que, por isso, afaste a aplicação ao mesmo do regime jurídico aplicável à validade dos negócios jurídicos em geral (arts. 280º a 284ºe 294º do CC), as normas gerais relativas à conclusão dos negócios jurídicos (arts. 224º a 235º do CC), as relativas à falta e vícios da vontade (arts. 240º a 257º do CC) e/ou as relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos (arts. 236º a 238º do CC). XII. O papel que se encontra reservado ao juiz em sede de homologação (ou não) da transacção judicial é uma função de puro controlo de apreciação da legalidade da transacção celebrada, atento o seu objecto e à qualidade das pessoas nela intervenientes (n.º 3 do art. 290º do CPC) e de atribuir ao negócio jurídico assim celebrado força executiva, sem que tome posição acerca do fundo/mérito do contrato de transacção celebrado, de cujo alcance e sentido fica de fora e de que não lhe cabe indagar. XIII. Nos presentes autos verifica-se que as partes acordaram que a Requerida Junta de Freguesia ... realizaria certas e determinadas obras com as quais os presentes autos cautelares perderiam o seu efeito útil, remetendo as partes a discussão e composição definitiva do litígio para a acção principal que viesse a ser instaurada. XIV. Estando as partes em desacordo quanto à efectiva realização das mesmas, foi realizada uma perícia, não sindicada por qualquer das partes, que refere quais as obras executadas, as não executadas e o modo de as executar, bem como o custo (orçamento) para a realização destas. XV. Estamos assim perante um acordo judicial, uma verdadeira transacção, cujos termos a Requerida Junta de Freguesia ... aceitou, vinculou-se a ela, mas não a cumpriu, conforme decorre da perícia realizada, pelo que reúnem os autos os elementos necessários para que fosse proferida decisão a condenar aquela requerida nos exactos termos a que se obrigou nos presentes autos. XVI. Termos em que deverá a decisão que antecede ser substituída por outra que condene a requerida Junta de Freguesia ... a realizar, num prazo razoável que lhe for fixado, a realizar as obras a que se obrigou no acordo conjunto submetido pelas partes aos autos em 10/11/2023 (ref. Citius 15317050) em conformidade com o teor da perícia realizada nos autos, condenando-a ainda, no caso de não executar as obras em conformidade e no prazo que lhes for fixado pelo tribunal, a pagar o valor orçamentado na perícia como o necessário para que estes possam assumir os encargos com a conclusão das obras. Caso assim não seja entendido: XVII. Conforme resulta dos presentes autos e dos principais, na pendência de ambos a requerida Freguesia ... doou ao Município ... o terreno no qual se localiza o poço e sobre o qual a chamada pretende edificar piscinas municipais. XVIII. Sucede que, e desde logo, pese embora o poço se situe no terreno doado ao Município ..., as canalizações e instalações eléctricas que compõem as servidões de água e aqueduto não se situam apenas na zona do poço, percorrendo todo o trajecto desde o poço até aos prédios dominantes, passando por terrenos que que não integraram a doação e, inclusive, a parcela de terreno reivindicada pelos requerentes e cujo domínio se mantém na esfera da requerida Freguesia .... XIX. Subsistindo lapso na apreensão da concreta realidade física, não se mostra verídica e correcta a asseveração de que com a doação ao Município ... a requerida Freguesia ... deixou de ser proprietária, in totum, dos terrenos onerados pelas servidões, ou que esta tenha deixado de deter o domínio sobre a situação que impede os requerentes de aceder à água a que no passado acediam. XX. Por outro lado, e conforme resulta dos presentes autos cautelares e dos autos principais, a sentença que antecede, de indeferimento da providência cautelar, fundou-se no entendimento de que não só a requerida Freguesia ... deixou de ser proprietária e de deter o domínio de sobre a situação, como ainda o facto de aquela ter transmitido ao Munício de ..., na pendência de ambos os processos (estes e os principais), do prédio onde se localiza o poço. XXI. A entender-se que a transmissão do direito de propriedade desse terreno, ocorrida na pendência destes autos, é susceptível de influir na legitimidade passiva, esta sempre seria superveniente, impondo-se por isso o chamamento do adquirente Município ... aos presentes autos para neles prosseguir os seus ulteriores termos legais. XXII. No caso concreto, a reconhecer-se existir algum vício processual, nomeadamente de ilegitimidade passiva da Freguesia ... em virtude da doação efectuada na pendência dos autos ao Munício de ..., nenhum inconveniente processual existe no suprimento do verificado vício processual. XXIII. Por aplicação do princípio da adequação formal e do dever de gestão processual (cf. art. 6.º e 547.º, ambos do CPC), entende-se que a solução mais adequada, célere e justa para a questão processual em causa é a de se convidar a requerida Freguesia ..., alienante do prédio onde se localiza o poço, a suscitar a intervenção do aquirente do mesmo, por aplicação analógica do incidente de intervenção provocada, com as necessárias adaptações (Cf. art. 261.º e 316.º e ss. do CPC). XXIV. Deverá a decisão que antecede ser substituída por outra que determine o chamamento do Município ... a intervir nos presentes autos a título principal do lado passivo (ao lado das requeridas) a fim de os autos prosseguirem os seus ulteriores termos legais. As requeridas apresentaram as suas contra-alegações. E terminam com as seguintes conclusões: A. Os recorrentes apresentaram o presente recurso da douta Sentença proferida que determinou o indeferimento da providência cautelar, sendo que tal decisão não merece qualquer censura, ou reparo, porquanto nela se procedeu à aplicação adequada do Direito aos factos, devendo, por essa razão ser mantida nos precisos termos em que foi proferida. B. Após as requeridas terem deduzido oposição à presente providência cautelar, e logo que foi marcada a audiência final, todas as partes acordaram a realização de determinadas obras, as quais constam do requerimento conjunto apresentado em 10/11/2023, obras essas que as Requeridas executaram integralmente, na sua plenitude e sem quaisquer defeitos ou deficiências. C. Todas as obras elencadas no referido acordo extrajudicial foram integralmente executadas e concluídas pela requerida Junta de Freguesia, as quais (obras) uma vez que foram integralmente realizadas levaram à perda do efeito útil e da necessidade de prosseguimento da audiência final. D. O presente recurso é mais uma tentativa dos Recorrentes em ludibriar o Tribunal com sucessivos requerimentos, e processos até de natureza criminal, onde alegam que as obras não foram realizadas. E. Conforme bem resulta da sentença ora em crise, tal acordo não configura uma transacção judicial razão pela qual aquele nunca poderia ser homologado por sentença e, consequentemente, nunca poderia vir a configurar um título executivo. F. Ora, tendo as requeridas, e mais concretamente a Junta de Freguesia, que suportou todos os custos com tais obras, cumprido integralmente, ponto por ponto todos os itens elencados no acordo extrajudicial junto aos autos, nada mais lhe pode ser exigido seja a que título for. G. Apesar de existir divergência entre as partes quanto à concretização de todas as obras extrajudicialmente acordadas, a verdade é que as Requeridas realizaram obras que vão muito para além daquilo que legalmente lhes poderia ser exigido e, diga-se, muito para além do objecto dos autos, mas como pessoa colectiva de bem na prossecução do interesse colectivo acedeu e assumir realizar tais obras, como efectivamente fez, e até num sentido pacificador, estando tal acordo extrajudicial integralmente cumprido e esgotado o objecto da presente providência cautelar. H. Aquando da diligência de inspecção ao local em 27/05/2024 vieram os Recorrentes requerer a realização de uma perícia a que as Requeridas, apesar de não concordarem, não se opuseram e cujos encargos foram integralmente suportados pelos Requerentes. I. Como já ficou dito as requeridas acederam realizar as obras elencadas no dito requerimento conjunto (requerentes e requeridas) com REFERÊNCIA ...82 de 10/11/2023, no sentido de pôr termo ao litígio e que levaram à perda do efeito útil da providência cautelar e da necessidade de prosseguimento para a audiência final. J. Tais obras foram integralmente realizadas a expensas exclusivas da requerida, Junta de Freguesia. K. O orçamento apresentado pelo perito nomeado, e cuja perícia e pedido de orçamento foi solicitado exclusivamente pelos requerentes, nada tem que ver com os pontos constantes do acordo extrajudicial subscrito pelas partes, cujas obras extrajudicialmente acordadas foram integralmente concretizados pelas requeridas. L. As requeridas assumiram tão e somente fazer as obras já realizadas e nada mais, e que foram assumidas tendo por base um princípio de boa-fé e apaziguamento. M. Com a realização das obras elencadas nos termos acordados entre as partes e respectivos técnicos, os presentes autos cautelares perderam efeito útil, remetendo as partes a discussão e composição definitiva do litígio para a acção principal já instaurada e que constitui os autos principais. N. A assunção de realização de tais obras por parte das requeridas consta de um acordo extrajudicial elaborado numa uma mera tentativa de resolução do litígio pela via amigável, a qual se encontra claramente frustrada por falta de consenso das partes, designadamente dos recorrentes que persistem a afirmar que não foi cumprido, e como tal não pode ser homologado pelo tribunal. O. O recurso ao procedimento cautelar tem o seu âmbito apenas para as situações em que haja receio de lesão grave ou dificilmente reparável, nos termos referidos no artigo 362º. e ss do CPC, já que se trata de uma providência inominada e não qualquer uma das tipificadas. P. A dificuldade ou dificuldades que esta situação possa provocar nos Requerentes, de forma alguma consubstanciam a lesão, que uma providência pretende acautelar, do direito que de outra forma não poderia ser acautelado ou reparável. Q. Os factos alegados não se traduzem numa lesão grave nem dificilmente reparável já que os requerentes não alegam factos que possam conduzir a tal risco. R. De facto, o que os Requerentes pretendem é de forma célere resolver um litígio que a opõe à Requerida sem esgrimir a razão de fundo da situação relatada nos autos. S. Acresce dizer que neste momento encontra-se pendente a Acção principal cujos estes autos são, apenso. T. Por conseguinte, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a presente providência cautelar, sendo que o seu prosseguimento poderia até redundar em decisões contraditórias, tendo em conta o pedido na acção principal. U. Ainda, para que dúvidas não restem reafirma-se tudo quanto se disse na oposição a presente providência, isto é: as requeridas aceitam as servidões registadas e nunca obstaculizaram ou perturbaram por qualquer forma o uso das mesmas por parte dos prédios dos requerentes. V. Sucede, porém, que, as aqui requeridas neste momento são partes ilegítimas no que respeita a esta providência e, por questões de economia processual, remete-se para acção principal, onde foi admitida a intervenção principal provocada do Município ..., como parte e interveniente principal. W. Assim, não existem margem para dúvidas no que respeita ao objecto da presente providência, as requeridas passaram a ser partes ilegítimas, carecendo de toda e qualquer legitimidade para a prática de actos no que ao prédio em causa respeita e é objecto da presente providência, como aliás consta da douta sentença ora em crise. X. Assim, com base nos factos constantes da douta sentença, decidiu, e bem, o Tribunal ao determinar o indeferimento da presente providência cautelar e, em consequência, absolver as ora Recorridas da totalidade dos pedidos contra si formulados. Y. Não merecendo, por estas razões, censura ou desmérito a decisão proferida pelo douto Tribunal de 1.ª Instância. Z. Devendo, em face do exposto, manter-se imutável a decisão proferida, não existindo qualquer violação de normas jurídicas (embora não tenha sido apontado pelos Recorrentes qualquer violação de tais normas), bem como fez correcta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que deve ser julgado totalmente improcedente o recurso apresentado. II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber: a) se devia ter sido proferida decisão de condenação da requerida Freguesia ... a cumprir o acordo a que se obrigou nos presentes autos, b) se devia ter sido convidada a mesma requerida, com base no entendimento da sua ilegitimidade superveniente para a realização das obras, a deduzir incidente de intervenção do Município ..., chamando-o aos presentes autos de procedimento cautelar atendendo à doação que lhe efectuou, na pendência destes autos, do terreno no qual se localiza o poço e onde a donatária pretende edificar piscinas municipais; c) independentemente dessas questões, se a decisão recorrida se pode manter; III A decisão recorrida, na parte relevante, tem o seguinte teor: “(…) Nesse anterior requerimento as partes acordaram na realização de obras as quais, caso fossem concretizadas, levariam à perda do efeito útil e da necessidade de prosseguimento da audiência final. Porém, as requeridas declaram que concluíram as obras que tinham sido acordadas com vista a pôr fim ao presente litígio. Como é fácil de ver, há um litígio relativo a um acordo entre as partes. Porém, esse acordo é extrajudicial, sendo que o mesmo nunca visou que se alcançasse uma transacção judicial. O mesmo permitiria, isso sim, a inutilidade superveniente da lide. Deste modo, não pode o tribunal homologar o dito acordo, condenando as requeridas a executá-lo por falta de consenso entre as partes. Outra coisa seria caso o acordo de 10-11-2023 fosse dirigido aos autos com vista a ser homologado por sentença. É certo que se ordenou uma perícia com vista a apurar o que havia sido realizado pelas requeridas. Todavia, insista-se: as partes discordam sobre a concretização de todas as obras extrajudicialmente acordadas. As requeridas, por sua vez, vieram invocar a sua ilegitimidade, alegando o seguinte: Acresce dizer que as aqui requeridas neste momento são partes ilegítimas no que respeita a esta providência. Pois e, por questões de economia processual, remete-se para acção principal, onde foi admitida a intervenção principal provocada do Município ..., como parte e interveniente principal. Por conseguinte, dúvidas não restam que no que respeita ao objecto da presente providência, as requeridas passaram a ser partes ilegítimas. Carecendo, portanto, de toda e qualquer legitimidade para a prática de actos no que ao prédio em causa respeita e é objecto da presente providencia. Ilegitimidade passiva que expressamente se requer. Cumpre apreciar e decidir. Dos autos principais resulta que a Junta de Freguesia, a 15-5-2024, doou ao Município ..., que este por sua vez aceitou, um, agora, prédio urbano, inscrito na respectiva matriz com artigo ...42º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob nº ...23, com a área de 5265 m2, destinado à construção de piscinas municipais pelo Município ..., sendo as mesmas destinadas ao uso público. De referir que este prédio objecto de doação, respeita ao prédio onde se encontra o poço, portanto onerado com a aí registada servidão de águas. Citado, o próprio Município já contestou e considera que, no âmbito da presente acção, a parte do objecto da acção cuja legitimidade e efeitos se poderão repercutir neste Chamado serão, abstractamente, tudo quanto respeitante à servidão de águas e aqueduto que oneram o prédio urbano deste Chamado. Assim, o núcleo essencial do presente procedimento cautelar baseia-se, neste momento, num litígio que terá de ser dirimido com o Município e não com as requeridas (desde já se deixe aqui assinalado que o presente raciocínio não é aplicável aos autos principais uma vez que os pedidos formulados são mais abrangentes e não se limitam à realização de obras tendentes à reposição do estado natural). Afinal, o pedido essencial respeita à reposição do status quo ante no que tange às águas. E isto porque, como bem referiram os requerentes através de vários requerimentos, com a realização das obras elencadas nos termos acordados entre as partes e respectivos técnicos, os presentes autos cautelares perderão efeito útil. Ora, como podem as requeridas cumprir com a providência a ordenar (no caso de procedência) se as mesmas não são proprietárias do terreno onde essas obras teriam de ser executadas? A resposta só pode ser negativa. Não podem. Assim, para que os requerentes acautelem a sua situação (independentemente da existência ou não de periculum in mora) terão de se dirigir a quem neste momento tem o domínio sobre a situação que alegadamente impede os requerentes de aceder à água a que alegadamente no passado acediam. Pelo exposto, atenta a ilegitimidade passiva das requeridas, determino o indeferimento da presente providência. Atento o facto da ilegitimidade ser superveniente e tendo em conta o entendimento das partes quanto à realização das obras, considera-se mais adequado condenar as partes em custas a meias”. IV Conhecendo do recurso. A sentença recorrida julgou que as requeridas careciam de legitimidade passiva para continuar na lide, e por isso, determinou o indeferimento da providência. Apesar de nenhuma das partes ter suscitado a questão, a verdade é que ainda é válido o princípio iura novit curia. E portanto, o Tribunal tem o dever de conhecer do Direito, dentro do âmbito das pretensões deduzidas pelas partes. Ora, há aqui uma contradição imediatamente aparente, que importa sanar. A legitimidade ad causam é um pressuposto processual, que visa garantir que estão na lide as pessoas certas, atenta a causa de pedir apresentada pelo autor. Por aplicação do disposto no artigo 30º,1,2 CPC, “o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”, exprimindo-se o interesse em contradizer pelo prejuízo que da procedência do pedido advenha. O nº 3 da mesma norma, por seu turno, dispõe que “são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor”. A falta dessa legitimidade, ou seja, a ilegitimidade de uma das partes, não permite que se conheça da substância da causa, mas antes dá lugar a uma decisão de absolvição da instância. É que, como é sabido, só se conhece da substância dos pedidos quando estão reunidos todos os pressupostos processuais necessários. A ilegitimidade é uma excepção dilatória (art. 577º,e CPC) que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (art. 576º,2 CPC). Donde, não podia o Tribunal recorrido julgar verificada a excepção dilatória de ilegitimidade das rés, e de seguida indeferir a providência. O que havia e há a fazer, caso se devam declarar as requeridas partes ilegítimas é a sua absolvição da instância cautelar. Mas, ultrapassada esta questão prévia, vamos agora apreciar as duas questões suscitadas pelos Recorrentes: 1. Devia ter sido proferida decisão de condenação da requerida Freguesia ... a cumprir o acordo a que se obrigou nos presentes autos ? A resposta é manifestamente negativa. E não é preciso muito mais do que repetir o que se afirmou na sentença recorrida. Aí está escrito que “nesse anterior requerimento as partes acordaram na realização de obras as quais, caso fossem concretizadas, levariam à perda do efeito útil e da necessidade de prosseguimento da audiência final. Porém, as requeridas declaram que concluíram as obras que tinham sido acordadas com vista a pôr fim ao presente litígio. Como é fácil de ver, há um litígio relativo a um acordo entre as partes. Porém, esse acordo é extrajudicial, sendo que o mesmo nunca visou que se alcançasse uma transacção judicial. O mesmo permitiria, isso sim, a inutilidade superveniente da lide. Deste modo, não pode o tribunal homologar o dito acordo, condenando as requeridas a executá-lo por falta de consenso entre as partes. Outra coisa seria caso o acordo de 10-11-2023 fosse dirigido aos autos com vista a ser homologado por sentença. É certo que se ordenou uma perícia com vista a apurar o que havia sido realizado pelas requeridas. Todavia, insista-se: as partes discordam sobre a concretização de todas as obras extrajudicialmente acordadas”. Ora, se formos consultar a acta da audiência de 25.10.2023 veremos que aí ficou consignado em acta que as partes chegaram apenas a um pré-acordo, que consistia em a JUNTA DE FREGUESIA ... se comprometer a deslocar-se no prazo de 5 dias ao local onde se situa o poço objecto deste procedimento, acompanhada de Técnico habilitado e dos Requerentes, de modo a averiguar o estado das canalizações e dos fios eléctricos e, dessa forma, verificar que obras são necessárias tendo em vista encaminhar as águas e respeitar a servidão de águas e aqueduto existentes, bem como realizar as obras necessárias na zona circundante do poço, com o intuito de evitar a infiltração de águas pluviais e/ou resíduos. Após essa deslocação ao local, as partes vieram de facto informar os autos que chegaram a entendimento sobre quais as obras que a Requerida Junta de Freguesia ... executaria. Só que o alcance do acordo ficou-se por aí. A 28.12.2023 as requeridas vieram dizer que realizaram todas as obras assumidas realizar. Mas logo de seguida vieram os requerentes dizer que as obras acordadas não só não foram executadas na sua plenitude, como as que foram executadas o foram com manifestos defeitos, sendo inaptas aos fins acordados e aos quais se destinam, denotando-se manifesta má-fé e ausência de vontade da Requerida Junta de Freguesia de as executar na plenitude e em conformidade. E requereram o prosseguimento dos autos. E seguiram-se mais articulados cruzados, que nos vamos dispensar de citar aqui, onde se ficou alguma coisa patente foi a total e absoluta falta de acordo das partes. Por isso, seria totalmente desprovido de sentido vir requerer a prolação de sentença homologatória do acordo submetido pelas partes aos autos em 10/11/2023, concedendo às requeridas um prazo não superior a 15 dias para concluírem as obras, pois as requeridas afirmam peremptoriamente que já executaram as obras todas. E assim, virem agora os recorrentes falar num acordo e querer que o Tribunal condene no seu cumprimento é incompreensível. Não existe acordo algum. Existiu sim, um pré-acordo, ou seja, uma tentativa de chegar a acordo, que entretanto levou a afirmações de um lado que todas as obras foram feitas e do outro que faltam fazer muitas e as que foram feitas estão defeituosas, pelo que o dito “acordo” faleceu em período de gestação. Assim, esta parte do recurso improcede totalmente. 2. A outra pretensão dos recorrentes é a de afirmar que as requeridas deviam ter sido convidadas, com base no entendimento da sua ilegitimidade superveniente para a realização das obras, a deduzir incidente de intervenção do Município ..., chamando-o aos presentes autos de procedimento cautelar atendendo à doação que lhe efectuou, na pendência destes autos, do terreno no qual se localiza o poço e onde a donatária pretende edificar piscinas municipais. Ora bem. A instância pode modificar-se, em relação às pessoas, em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivos, na relação substantiva em litígio, e em virtude dos incidentes da intervenção de terceiros (art. 262º CPC). O que já vimos que sucedeu nestes autos foi que a requerida Junta de Freguesia doou ao Município ... o prédio onde se encontra o poço, portanto onerado com a aí registada servidão de águas. O Tribunal recorrido, atendendo ao facto de este prédio objecto de doação respeitar ao prédio onde se encontra o poço, portanto onerado com a aí registada servidão de águas, considerou que “o núcleo essencial do presente procedimento cautelar baseia-se, neste momento, num litígio que terá de ser dirimido com o Município e não com as requeridas. E pergunta o Tribunal: como podem as requeridas cumprir com a providência a ordenar (no caso de procedência) se as mesmas não são proprietárias do terreno onde essas obras teriam de ser executadas? E foi por isso que terminou dizendo: “atenta a ilegitimidade passiva das requeridas, determino o indeferimento da presente providência”. Mas não podemos concordar com tal decisão. Primeiro, porque como começámos por dizer, a consequência de julgar uma parte ilegítima é sempre uma decisão de forma, uma absolvição da instância, e nunca o indeferimento da providência peticionada. Segundo, porque o que verdadeiramente se está a passar neste litígio, e pelo que vemos ainda não foi apontado por ninguém, é que ocorreu uma transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso. E para essas situações rege o disposto no art. 263º,1 CPC, que dispõe: “no caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo”. Essa habilitação é feita através do incidente de habilitação do adquirente ou cessionário, regulado nos arts. 356º e 357º CPC. Ora, que saibamos, ninguém ainda veio requerer a habilitação do Município ..., nem na acção principal, nem neste procedimento cautelar. O que sucedeu foi a dedução de um incidente de intervenção de terceiros, que culminou com um despacho a admitir a intervenção principal do Município ... como co-réu na acção. E sendo este o status quo, é evidente que a decisão recorrida não se pode manter. E não se pode manter porque, como acabámos de ver, “no caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo”. Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in CPC anotado, em anotação ao citado artigo, “esta norma cria uma situação de legitimidade extraordinária porque a mesma não decorre já da titularidade da relação material litigada. Na medida em que da ilegitimidade do alienante poderiam resultar graves prejuízos para a outra parte, o legislador atribuiu uma legitimidade extraordinária àquele, permitindo que a instância decorra regularmente até final, situação que só cessará quando se efectivar a habilitação do transmissário”. E assim, errou o Tribunal recorrido ao considerar verificada uma situação de ilegitimidade passiva das requeridas. As mesmas continuam a ter legitimidade para a causa enquanto a Câmara Municipal não for, por meio de incidente de habilitação, ocupar o lugar delas na lide cautelar e também na lide principal. Mas também não assiste qualquer razão às recorrentes quando dizem que o Tribunal deve convidar a requerida Freguesia ..., alienante do prédio onde se localiza o poço, a suscitar a intervenção do aquirente do mesmo, por aplicação analógica do incidente de intervenção provocada, com as necessárias adaptações (Cf. art. 261.º e 316.º e ss. do CPC). Quanto mais não seja porque os recorrentes também podem, eles próprios, promover este incidente de habilitação (art. 356º,2 CPC), e não carecem da ajuda do Tribunal para isso. Assim, e em conclusão, as pretensões dos recorrentes improcedem, mas a decisão recorrida não se pode manter, devendo ser revogada. V- DECISÃO Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso improcedente, mas, pelas razões apontadas, revoga a decisão recorrida. Custas a meias (art. 527º,1 CPC). Data: 30.1.2025 Relator (Afonso Cabral de Andrade) 1º Adjunto (Alexandra Rolim Mendes) 2º Adjunto (Carla Maria da Silva Sousa Oliveira) |