Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | PAULA RIBAS | ||
| Descritores: | PRESCRIÇÃO DÍVIDA LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | Não há que questionar o entendimento resultante do AUJ 6/2022, publicado no DR 184/2022, 1.ª série de 22/09/2022, se nenhum novo fundamento foi invocado pelo recorrente. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório (elaborado com base no que existe já nos autos): AA, executado nos autos principais de que os presentes constituem apenso, deduziu oposição à execução que lhe é movida pela EMP01... – Stc, S.A. invocando, para tanto, em síntese: i. a autoridade de caso julgado; ii. a prescrição da livrança oferecida à execução; iii. a prescrição da obrigação subjacente; iv. o abuso de direito na modalidade de supressio. Regularmente notificada, veio a exequente apresentar contestação, tendo pugnando, em súmula, pela improcedência da exceção de autoridade do caso julgado, a improcedência da prescrição da dívida de capital e pela parcial procedência da prescrição dos juros. Foi então proferido despacho saneador que julgou procedentes os embargos deduzidos e julgou extinta a execução. Tendo a decisão sido proferida sem que fosse realizada a audiência prévia, a exequente, em sede de recurso, arguiu a nulidade da decisão proferida com esse fundamento e, reconhecendo a sua existência, a Mm.ª Juiz a quo declarou nula a decisão proferida e realizou audiência prévia, permitindo às partes a discussão de todas as exceções invocadas nos embargos. Foi de seguida proferido novo despacho saneador que julgou procedentes os embargos deduzidos e declarou a extinção da execução. Inconformada, veio a embargada / exequente apresentar recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: “1. A livrança, embora prescrita quanto ao regime cambiário, é válida como título executivo ao abrigo do artigo 703.º do CPC, bastando que o credor alegue os factos subjacentes ao contrato - o que foi feito no requerimento executivo. 2. O valor peticionado corresponde ao montante global da dívida vencida por incumprimento do contrato, e não a prestações individuais ou quotas de amortização. 3. A dívida nasce de um contrato de crédito, que prevê pagamento fracionado, mas que se converteu numa única obrigação pecuniária com vencimento antecipado, dado o incumprimento do referido contrato. 4. O crédito peticionado deve ser enquadrada no artigo 309.º do CC, que prevê o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, não sendo aplicável o artigo 310.º (prazo de 5 anos), pois não se trata de prestações periódicas. 5. O crédito peticionado corresponde ao montante global da dívida, e não a cada uma das prestações individualmente, o que, por força do artigo 781.º do CC, afasta a aplicação do prazo mais curto. 6. O vencimento antecipado (por incumprimento) faz vencer toda a dívida, convertendo prestações futuras em dívida atual e imediata - sujeita ao prazo ordinário de prescrição. 7. O crédito peticionado e que aqui se exige nos presentes autos não se reporta individualmente às quotas de amortização convencionadas, mas sim a todo o capital global da dívida, decorrente do vencimento das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do CPC. 8. Não se enquadrando o capital no prazo de prescrição da alínea e), do artigo 310º CC. 9. Aplicar ao presente contrato o prazo quinquenal com os pressupostos que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2022 é inconstitucional, porquanto viola, além do princípio da segurança jurídica, os princípios basilares constitucionais previstos nos art. 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa. 10. Aplicar o prazo de prescrição de 5 anos (artigo 310.º, aliena e), do CC) ao capital mutuado seria inconstitucional por violar os princípios da segurança jurídica, proporcionalidade, e igualdade de armas (artigos 2.º, 12.º, 18.º da CRP) e representaria uma clara desproteção do credor. 11. A aplicação do prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, n.º 1, alínea d) do Código Civil — destinado a prestações periodicamente renováveis — revela-se manifestamente excessiva e inadequada. 12. Tal aplicação legal resultaria numa desproteção manifesta do credor vedando-lhe até o ressarcimento do capital mutuado, com claro prejuízo para a estabilidade jurídica. 13. Por todo o exposto, deverá ser considerado aplicável ao caso sub judice o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, conforme previsto no artigo 309.º do Código Civil, uma vez que, está em causa uma única obrigação pecuniária global resultante do incumprimento de um contrato de mútuo, sujeita a vencimento antecipado. 14. No que respeita aos juros de mora, importa sublinhar que estamos perante um título executivo cuja natureza reside não na relação cambiária da livrança, mas sim no reconhecimento da relação contratual subjacente à sua emissão. 15. Por essa razão, aplica-se igualmente o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, tal como sucede com a obrigação principal. 16. A prescrição de juros, que outrora seria a de curto prazo, nos termos do artigo 310.º alínea d), do CC), no caso em apreço está sujeita ao prazo ordinário, “A sentença, ou outro título executivo, transforma a petição a curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição normal, sujeita ao prazo de vinte anos. É esta a doutrina que já vigorava no antigo direito. (…)” PIRES DE LIMA, Fernando Andrade e VARELA, João de Matos Antunes, Código Civil Anotado, Coimbra, Coimbra Editora, 1982, pág. 279. 17. No que concerne à interrupção do prazo de prescrição terá que se considerar como ato interruptivo o dia 06/06/2013, ou seja, a obrigação exequenda não se encontra prescrita, pois apenas ocorre o terminus do prazo em 2033”. O executado respondeu pugnando a recorrida pela manutenção da decisão de 1.ª Instância. * II - Questão a decidir:Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil -, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber qual o prazo de prescrição a considerar, tendo em atenção os factos que estavam já assentes. III - Fundamentação de facto: Foram considerados provados os seguintes factos: “1. EMP01... – Stc, S.A. instaurou, 05-07-2023, contra AA e BB a execução para pagamento de 9 953,84 € (Nove Mil Novecentos e Cinquenta e Três Euros e Oitenta e Quatro Cêntimos). 2. Juntou como título executivo a livrança emitida pela EMP02..., Sociedade Financeira Para Aquisições a Crédito, S.A. no valor de € 5 224,08, com vencimento em 28-10-2002, subscrita pela Embargante BB e pelo Co-Executado AA. 3. No requerimento executivo, a Exequente, expôs, entre outros os seguintes factos: «6. A Cedente primária, no âmbito da sua atividade, celebrou com os ora Executados, o contrato com os ora Executados, o contrato, ao qual foi atribuído o n.º ...01, conforme Documento N.º 7. 7. O referido contrato, tinha como objeto, um mútuo para aquisição de um automóvel ... com a matricula ..-..-EQ 8. No contrato ora mencionado, o valor concedido foi de € 7.182,07 (sete mil cento e oitenta e dois euros e sete cêntimos), a ser liquidado em 60 (sessenta) prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de € 179,113 cada, perfazendo o valor total das prestações em € 10.746,8 - cfr. doc. n.º 7. 9. Conforme o “Descritivo do Bem e Condições de Financiamento”, o vencimento da primeira prestação dar-se-á no dia 20.07.2000, ou seja, no mês seguinte ao da celebração do contrato, sendo que as restantes prestações vencer-se-ão ao mesmo dia dos períodos sucessivos. 10. Os pagamentos efetuavam-se através de débito automático da conta de que os clientes eram titulares do Banco 1..., o que no caso em apreço, o débito era efetuado da conta n.º ...78, conforme condições particulares. 11. Até à resolução do contrato sub judice, entre fevereiro e setembro de 2002, os aqui Executados não liquidaram quaisquer prestações. 12. Face ao constante incumprimento, o bem financiado foi entregue ao Cedente Primário, e vendido pelo valor de € 1 995,19– conforme doc. n.º 8. 13. Face ao incumprimento reiterado dos aqui Executados, foi resolvido o contrato e preenchida a livrança pelo valor de € 5 224,08, não tendo havido posteriormente qualquer pagamento, conforme documento n.º 9 e 10. 14.- Uma vez que, até à presente data, os ora Executados não pagaram qualquer quantia, são devidos juros de mora, calculados sobre o capital 5224,08€ , à taxa legal de 7% e 4%, desde a data de vencimento da livrança até à presente data, acrescido de despesas advindas da interposição da presente ação. 15. Ademais, foi proposta ação executiva, a 21-02-2003, processo executivo n.º6761/03.8TJPRT, ... Juízo Cível de Porto-... Secção, conforme cópia requerimento executivo que se junta como Documento N.º 11 16. No âmbito da normal tramitação dessa execução, os executados foram ambos citados em 08/04/2003 por via postal nos termos e para os efeitos do art 236 do ulterior CPC, cfr. doc.12» 4. No âmbito da sua atividade a EMP02..., S.A., celebrou com os Executados, em 20-06-2020, o contrato de crédito n.º ...01, que corresponde ao doc. n.º 7 junto com o requerimento executivo; 5. Pelo qual a EMP02..., S.A concedeu aos Executado(a)(s) um financiamento no valor de PTE 1.439.876$00 (um milhão quatrocentos e trinta e nove mil oitocentos e setenta e seis escudos), destinado à aquisição de um automóvel ... com a matrícula ..-..-EQ; 6. Tendo-se os Executado(a)(s) comprometido a reembolsar esse valor em 60 (sessenta) prestações mensais, iguais e sucessivas, de capital e juros, à taxa nominal de 16,5% e com a TAEG de 19,71%, no valor de PTE 35.909$00; 7. Conforme o “Descritivo do Bem e Condições de Financiamento”, o vencimento da primeira prestação dar-se-á no dia 20.07.2000, ou seja, no mês seguinte ao da celebração do contrato, sendo que as restantes prestações vencer-se-ão ao mesmo dia dos períodos sucessivos. 8. Os pagamentos efetuavam-se através de débito automático da conta de que os clientes eram titulares do Banco 2..., o que no caso em apreço, o débito era efetuado da conta n.º ...78, conforme condições particulares. 9. Os Executados não liquidaram quaisquer prestações. 10.Face ao incumprimento, o automóvel financiado foi entregue ao EMP02..., S.A, e vendido, a pedido do Co-Executado, pelo valor de € 1 995,19– conforme doc. n.º 8. 11.A livrança oferecida à execução foi entregue ao EMP02..., S.A. como garantia do bom cumprimento do contrato de mútuo celebrado com os Executado(a)(s), sem que se encontrasse totalmente preenchida, designadamente, sem estar preenchida a data de vencimento e o valor. 12.Face ao incumprimento reiterado dos aqui Executados, foi resolvido o contrato, em 11-10-2002 – cfr. carta junta como doc. 4 da contestação, e preenchida a livrança. 13.Pela EMP02..., S.A foi proposta contra os aqui Executados, em 21-02-2003, o processo executivo n.º 6761/03.8TJPRT, ... Juízo Cível de Porto-... Secção, apresentando como título a mesma livrança que vem oferecida à execução de que estes autos são apenso - conforme cópia requerimento executivo que se junta como Documento N.º 11. 14.No âmbito da dessa execução, os executados foram ambos citados em 08/04/2003. 15.No dia 06-05-2013 foram as partes notificadas da extinção da execução n.º 6761/03.8TJPRT, por força do n.º 3 do art.º 3º do DL 4/2013 de 11 de janeiro”. IV - Do objeto do recurso: Contesta a recorrente a aplicação à situação em apreço do prazo de prescrição de cinco anos previsto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil, considerando que se verificou o vencimento antecipado das prestações e que, assim sendo, o que se reclama é a totalidade do capital em dívida e não as quotas de amortização convencionadas. Entende assim que esta obrigação pecuniária única está sujeita ao prazo de prescrição ordinário de vinte anos, a que se reporta o art.º 309.º do C. Civil. Cita, para o efeito, jurisprudência que é anterior ao Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do proc. 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 de 30/06/2022 (Acórdão 6/2022, publicado no DR 184/2022, 1.ª série de 22/09/2022). Percebe-se a razão pela qual a recorrente pretenda voltar a defender a jurisprudência que, antes desta decisão, entendia que o prazo de prescrição aplicável era efetivamente o prazo de vinte anos. Grande parte dos processos executivos por si instaurados tem por fundamento contratos de mútuo onerosos, sendo a questão da prescrição, quando invocada, exceção perentória extintiva do direito que pretende exercer. A questão foi muito discutida na jurisprudência e na doutrina existindo, até àquela decisão, decisões divergentes dos Tribunais Superiores como o próprio Acórdão Uniformizador dá conta numa das suas notas de rodapé. Foi precisamente essa divergência de entendimento que se procurou ultrapassar através de um Acórdão Uniformizador, sendo relevante afirmar que o mesmo não teve um único voto de vencido nos trinta e dois Juízes Conselheiros que assim decidiram. Note-se que, contrariamente ao que parece entender a recorrente, a jurisprudência fixada reporta-se precisamente à situação em que se reclama o pagamento da totalidade do crédito já vencido, nos termos do art.º 781.º do C. Civil e não aquela em que se exige cada uma das prestações acordadas para pagamento do mútuo, ainda assim se entendendo que o prazo de prescrição aplicável é o de cinco anos (que sempre se aplicaria se estivesse em causa cada uma das prestações por conter, cada uma delas, capital e juros de mora). E explicava-se essa posição da seguinte forma: “O prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol.106/112ss.) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89.º/328, justificando o prazo curto com o facto de “proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital suscetível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos…. Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.” Assim, fixou-se jurisprudência nos seguintes termos: “I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.” Ora, a recorrente repassa novamente os argumentos que já anteriormente eram apresentados para que se considere que o prazo de prescrição, em caso de vencimento antecipado das prestações do mútuo, era de vinte anos Nenhum novo argumento é apresentado, procurando-se apenas ressuscitar a questão que então foi apreciada e decidida por Acórdão de Fixação de Jurisprudência. A recorrente pode não estar convencida dos fundamentos invocados, mas está necessariamente vencida nos argumentos que apresenta. Como se concluiu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 14/11/2024, proc. 36684/23.8YIPRT.G1, in www dgsi.pt “parece-nos que a não aplicabilidade a estes casos deste prazo mais curto permitiria que se desvirtue o objetivo da prescrição quinquenal, consentindo que, antes de decorrido integralmente tal prazo, se exigisse o pagamento integral da dívida, tolerando-se seguidamente o longo prazo de apatia na execução do direito de vinte anos, criando um avolumar da dívida pela simples inércia do credor (tantas mais dotados de meios adequados para a sua exigência por serem entidades bancárias), a qual muitas vezes já é exercida apenas contra os fiadores, distanciados da situação. Enfim, se é previsto no contrato o pagamento em prestação de capital e juros, sujeitas ao prazo quinquenal da prescrição, o exercício pelo credor do seu legitimo direito à resolução do contrato ou a antecipação do vencimento, não o isenta do ónus de a exigir num prazo razoável (quinquenal), que já o onerava e era aplicável às anteriores prestações cujo incumprimento originou aquela que as aglutinou”. Por aqui se afasta, com clareza, a temerária alegação de ser inconstitucional a aplicação à situação em apreço do prazo de prescrição de cinco anos, por violação dos princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade e igualdade de armas (e, portanto, a alegação de que seria inconstitucional a interpretação resultante daquele Acórdão Uniformizador de Jurisprudência). Começa por dizer-se que é a recorrente quem, defendendo que o Tribunal coloque em causa a jurisprudência fixada, atenta contra o princípio constitucional da segurança jurídica sem que para tal tenha invocado um único fundamento que não tenha sido já apreciado aquando da sua prolação. E, aqui, desmontando os argumentos da recorrente, fazemos nossas a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão de 14/11/2024, proc. 275/23.7T8ORT-8.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt, com todas as referências bibliográficas dele constantes: “com efeito, para além do valor inerente à jurisprudência em geral, como conjunto das decisões dos Tribunais, ao nível da fundamentação das decisões judiciais imposta pelo n.º 1, do art.º 205.º, da Constituição da República Portuguesa e recebida pela lei ordinária, in casu, pelo n.º 3, do art.º 8.º, do C. Civil e pelo art.º 154.º, do C. P. Civil, na sua função de interpretação da lei, por aplicação dos critérios estabelecidos pelo art.º 9.º, do C. Civil, o acórdão uniformizador apresenta um valor próprio, que lhe advém do seu regime processual, estabelecido pelos art.ºs 688.º a 695.º, do C. P. Civil e da sua função de uniformização de decisões judiciais futuras, em nome dos valores da certeza e segurança jurídicas, necessários ao regular funcionamento do comércio jurídico. Relativamente à primeira asserção, do valor interpretativo da jurisprudência, trata-se de uma função que pacificamente lhe é reconhecida pela doutrina e de que os tribunais fazem uso comum na formação das suas decisões e que, em conjunto com os desenvolvimentos doutrinais sobre a mesma matéria, fazem parte das legis artis das decisões judiciais, ainda que, nessa função interpretativa, lhe não seja reconhecida a natureza jurídica de fonte de direito. (…) Quanto à segunda asserção, relativa à existência de acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ) e ao seu valor para as decisões judicias posteriores, este Supremo Tribunal tem decidido uniformemente que a interpretação consagrada pelos AUJ não pode deixar de ser respeitada, sem prejuízo do eventual desenvolvimento doutrinal e jurisprudencial da matéria que suscite nova discussão e conduza à inflexão da orientação fixada nesses acórdãos Uniformizadores. Esta é a valoração que vem sendo feita uniformemente por este Supremo Tribunal de Justiça, neste sentido se tendo pronunciado, entre outros, os acórdãos de11/09/201413, 12/05/201614 - em cujo sumário se exara que os AUJ “…criam um precedente qualificado de carácter persuasivo, a desconsiderar apenas com fundamento em fortes razões ou especiais circunstâncias que não tenham sido suficientemente ponderadas” – 24/05/201615, 04/02/2020, 10/11/202016 - que decidiu, além do mais que a figura processual dos AUJ “…não é violadora do princípio constitucional da separação de poderes…” - 31/01/202317, que lhes atribui “…uma força de persuasão qualificada” e de 14/03/202318, que os qualifica como “… precedente judiciário qualificado, dotado de especial força de persuasão…” É efetivamente o princípio da segurança jurídica que nos vincula a, no contexto dos autos, replicar o sentido da decisão proferida em Acórdão Uniformizador pelo Supremo Tribunal de Justiça. Voltando à alegada violação dos princípios constitucionais da igualdade de armas e da proporcionalidade, não se pode ignorar que a prescrição é um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objetivos de conveniência ou oportunidade: visa satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, e, assim, proteger o interesse do sujeito passivo. Essa proteção é, porém, dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo – cfr. Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, pág. 375 e segs.. Assim, só de forma quase pueril pode a aqui exequente invocar a violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de armas, em seu prejuízo, na discussão do prazo a partir do qual a sua inércia passa a ser relevante, numa relação em que os devedores são pessoas singulares e o credor não tem essa natureza, fazendo da concessão de crédito a sua atividade profissional e detinha, desde a celebração do negócio, de um documento com força executiva que lhe permite exigir coativamente a sua cobrança sem prévia ação judicial declarativa. Também nesta perspetiva se encontra fundamento para considerar que existe justificação para dar relevância à inércia da aqui credora que perdure por apenas cinco anos. Note-se que não tem na situação em apreço aplicação o disposto no art.º 311.º do C. Civil, com a epigrafe “direitos reconhecidos em sentença ou título executivo”, porquanto o título executivo que permite estender o prazo prescricional de curta duração é aquele que sobrevem ao direito que se exerce e não o título que lhe é contemporâneo, como no caso dos autos. O prazo de prescrição a considerar é, assim, o de cinco anos previsto no art.º 309.º, alínea e), do C. Civil. Esse prazo, que se iniciou com o vencimento antecipado da dívida, interrompeu-se com a citação do executado para a primitiva ação executiva identificada na matéria de facto provada, tendo começado novamente a correr, com a mesma duração e com inutilização do prazo decorrido anteriormente, após o trânsito em julgado da decisão que nesses autos foi proferida, nos termos dos arts.º 327.º e 326.º, n.º2, do C. Civil. Assim, tal como se decidiu em 1.ª Instância, o prazo de cinco anos estava integralmente decorrido quando foi proposta a ação executiva a que estes autos de embargo estão apensos, tendo decorrido ainda antes da interrupção / suspensão dos prazos prescricionais estabelecida na legislação aprovada aquando da pandemia covid 19 em 2020/2021. Improcedem, assim, todos os fundamentos da apelação, devendo, em conformidade, confirmar-se a decisão proferida. A recorrente, porque vencida, suportará as custas deste recurso, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil. VI – Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação apresentada pela embargada exequente, mantendo a decisão proferida que julgou verificada a exceção de prescrição e determinou a extinção da execução. As custas do recurso serão suportadas pela recorrente. ** Guimarães, 23/10/2025 (elaborado, revisto e assinado eletronicamente) Relatora: Paula Ribas 1ª Adjunta: Maria Amália Santos 2ª Adjunta: Conceição Sampaio |