Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
36/15.7GEGMR.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: RESISTÊNCIA E COAÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
ELEMENTOS TÍPICOS DO ILÍCITO
CRIME DE INJÚRIA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
CONCURSO EFECTIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Para o comportamento do arguido integrar o conceito de violência exigido para o preenchimento do crime de resistência e coação sobre funcionário (art. 347º do Código Penal), tem de ser idóneo a intimidar, dificultar ou impedir de forma significativa a capacidade de atuação dos militares da GNR na situação concreta.

II - O que não se verifica em relação à atuação do arguido que, já depois de ter sido deitado ao chão a fim de ser algemado, tenta evitar a sua detenção e algemamento, esperneando e esbracejando, impondo a ação conjunta dos dois agentes da GNR, e dizendo-lhes “deixai-me seus cabrões".

III - O crime de resistência e coação sobre funcionário tem como elemento típico o emprego de violência, física e psicológica, e de ameaça grave, e já não a ofensa da honra e da consideração do funcionário. Assim, o bem jurídico protegido pelo crime de injúria não está abrangido, com a mesma amplitude, pelo crime de resistência e coação sobre funcionário, o que conduz à afirmação de uma relação de concurso efetivo entre ambos.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo especial, sob a forma abreviada, com o NUIPC 36/15.7GEGMR, a correr termos no Juízo Local Criminal de Guimarães (Juiz 1) do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi proferida sentença, elaborada por escrito, lida a 28-02-2019 e depositada a 27-03-2019, com o seguinte dispositivo (transcrição[1]):

«Pelo exposto, julga-se a acusação procedente nos termos sobreditos e, em consequência, decide-se:

- Condenar o arguido O. F., pela prática, em autoria material, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 347.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte, e 30.º, n.º 1, do Código Penal, em concurso aparente com um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.ºs 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1 al. a), e n.º 2, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l), do Código Penal, e com a contraordenação prevista no art.º 4.º do Código da Estrada, na pena de 1 (um) ano de prisão, substituída por 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Condenar o arguido O. F., pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de injúria agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 181.º, n.º 1, 184.º, 132.º, n.º 2, al. l), 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte, e 30.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa do ofendido C. V., na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Condenar o arguido O. F., pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de injúria agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 181.º, n.º 1, 184.º, 132.º, n.º 2, al. l), 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte, e 30.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa do ofendido J. C., na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Em cúmulo jurídico destas duas últimas penas parcelares de multa, condenar o arguido O. F. na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se em 3 (três) UC a taxa de justiça;»

2. Inconformado, o arguido recorreu dessa sentença, formulando as seguintes conclusões que, pela sua excessiva extensão, se afastam claramente do que é legalmente previsto e desejável (um resumo das razões do pedido), mas que, ainda assim, se opta por transcrever integralmente:

«EM CONCLUSÃO:

1 – Na sequência da consagração legislativa de um duplo grau de jurisdição sobre o resultado da prova, vem arguido/recorrente, em primeira linha, recorrer da decisão sobre a matéria de facto, insurgindo-se contra: a matéria de facto dada como “Provada”, no que diz respeito aos seguintes pontos da relação da matéria de facto: 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 da relação da matéria de facto inserta na Sentença recorrida que se encontra a fls. _ dos autos.
2 - A Sentença recorrida, salvo o devido e merecido respeito, como se demonstrou nas motivações e texto supra é infundada e encerra em si erros notórios de apreciação de prova e de direito, não tendo o Tribunal “a quo” logrado fazer a melhor apreciação da prova produzida, que, devidamente interpretada e julgada, imporia decisão diversa da recorrida.
3 - Desde logo, confrontando as declarações prestadas pelo ofendido, J. C. - que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal, início 15:15:21 e fim 15:18:25, Audiência 15-07-2016/ Ficheiro: 20160715151520_4942765_2870586 - que supra se encontram transcritas – com enumeração das passagens (minutos) – e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos, com as declarações prestadas pelo ofendido, C. V. - que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal, início 15:01:45 e fim 17:09:59 na Audiência 18-11-2016 - que supra se encontram transcritas – com enumeração das passagens (minutos) – e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos, com os restantes depoimentos prestados, pelas demais testemunhas, também supra identificadas e também supra transcritos e, particularmente com as prestadas pelo arguido, evidenciam erros notórios na apreciação da prova, como acima se detalhou.
4 – Aliás, das declarações prestadas por este agente da GNR, logo resulta evidenciado o erro de julgamento do tribunal “a quo” no que diz respeito ao ponto n.º 9 da relação da matéria de facto dada como “provada”, porquanto é o próprio ofendido quem, perentoriamente, afirma que o arguido/recorrente não lhe dirigiu a expressão injuriosa dada como provada naquele ponto da relação da matéria de facto dada como “provada”, a saber “deixai-me seus cabrões”.
5 - Ou seja, ao contrário do que vem declarado na Sentença proferida pelo Tribunal “ a quo” – dando-se por provado que o arguido apelidou o agente J. C. de “cabrão” – é o próprio ofendido quem, a instâncias do Ministério Publico, declara: (…)
“01:05:23 PROCURADORA ADJ.: Alguma vez vos chamou cabrões ou cabrão? Ouviu, recorda-se de ter ouvido?
01:05:28 J. C.: Sim, mas... Indiretamente, qual ele estava lá a gritar, quando ele dizia: “Preciso de testemunhas, estão-me a chamar cabrão...”
01:05:36 PROCURADORA ADJ.: “Estão-me a chamar cabrão?” Mas chamar-vos a vocês, diretamente...
01:05:40 J. C.: Não é diretamente. É o que eu estou a dizer. Ele é que disse: “Estão-me a chamar cabrão.”
01:05:45 PROCURADORA ADJ.: É isso que eu estou a perguntar. Mas diretamente: “Seus cabrões.”
01:05:47 J. C.: Não, não. Pelo menos a mim não.”
(…)
6 - Também a injúria que o Tribunal “a quo” dá por provada ter sido dirigida pelo arguido/recorrente ao militar da GNR – C. V. – de “aldrabãonão resulta de qualquer depoimento ou outro meio de prova.
7 - Declarou a este respeito a testemunha C. C. – bombeiro que transportou o arguido e o militar da GNR ao hospital
“00:03:59 PROCURADORA ADJ.: Olhe, [impercetível] ouviu a expressão [impercetível] – [impercetível] se não se lembra diga “não me lembro” – aldrabão, por exemplo, o senhor não chamou aldrabão aos agentes de autoridade? Ou aldrabões?
00:04:14 A. C.: A mim?
00:04:15 PROCURADORA ADJ.: Não, não. Ao agente de autoridade.
00:04:16 A. C.: Se o arguido chamou aldrabão? Não. Não me apercebi.
00:04:21 PROCURADORA ADJ.: Não se apercebeu?
00:04:22 A. C.: Não me apercebi.”
8 - O mesmo se diga em relação ao ponto n.º 12 da relação da matéria de facto dada como “provada”, pois, conforme resulta das declarações dos militares da GNR, as alegadas “feridas” no dedo e nas costas do militar C. V., não foram infligidas com intenção ou propositadamente.
9 - Muito antes pelo contrário, resultaram da tentativa do arguido/recorrente se libertar quando se encontrava a ser algemado – de barriga no chão – conforme explica o militar J. C.:
“00:55:23 PROCURADORA ADJ.: Já lhe vou então... E agora vou-lhe perguntar. Como é que isto aconteceu?
Portanto, chamaram para dar assistência. Se se apercebeu como é que o Cabo C. V. se magoou. Essa parte do dedo e nas costas.
00:55:49 J. C.: Nas costas, nas costas, pelo que ele diz, foi no... Derivado ao embate no acidente. E no dedo, no dedo foi aquando da algemagem do arguido.
00:56:02 PROCURADORA ADJ.: Mas apercebeu-se?
00:56:04 J. C.: É assim, eu não me apercebi, depois ele é que se queixou e mostrou-me, neste caso o dedo que tinha lá umas escoriações. Nas costas, diz ele que eram só dores do embate.”
E, também explica o militar C. V.:
“(…)
00:45:00 PROCURADORA ADJ.: E quando é que reparou que estava ferido?
00:45:01 C. V.: Foi depois do embate, no carro dei um jeito, dei um jeito às costas, não foi nada de grave.
00:45:21 PROCURADORA ADJ.: Mas ficou só ferido nas costas, na zona lombar?
00:45:24 C. V.: Não, foi também neste dedo.
00:45:26 PROCURADORA ADJ.: Qual?
00:45:28 C. V.: Neste aqui. Na ponta do dedo.
00:45:31 PROCURADORA ADJ.: No dedo da aliança, no anelar, mas da mão direita, é isso?
00:45:35 C. V.: Direita, sim.
00:45:39 MERITÍSSIMA JUÍZA: Quanto às costas já disse o momento em que isso terá acontecido, terá sido no seguimento do embate.
00:45:43 C. V.: Foi no embate, foi no embate.
00:45:44 MERITÍSSIMA JUÍZA: E este ferimento no dedo anelar?
00:45:46 C. V.: Isto foi durante a algemagem. Parti o anel e...”

E tudo isto, nesta comprovada posição:

“00:28:47 J. C.: Retirei-o, coloquei-o no chão de barriga para baixo, e nesse momento o Cabo C. V. há de ter metido a arma ao coldre e auxiliou-me na algemagem.”
Este militar dizia que não tinha colocado um joelho em cima do arguido/recorrente - 00:31:07 MANDATÁRIO ARG.: E os joelhos, onde é que o senhor os tinha?
00:31:09 J. C.: Os joelhos, eu sei que tinha um joelho no chão, e outro levantado.
00:31:13 MANDATÁRIO ARG.: Levantado?
00:31:15 J. C.: Sim.
00:31:16 MANDATÁRIO ARG.: O senhor estava aninhado?
00:31:17 J. C.: Sim.
00:31:19 MANDATÁRIO ARG.: Então o senhor não estava com o joelho a segurá-lo no corpo?
00:31:21 J. C.: Posso ter encostado o joelho, mas em termos... posso ter encostado o joelho ao corpo, mas não estava por cima com o joelho no corpo.
00:31:29 MANDATÁRIO ARG.: Então não estava, não era muito mais normal, quando a gente está no chão a segurar... Já lhe vou perguntar se eram os dois. Mas um dos joelhos é o normal, cá em cima.
00:31:38 J. C.: Posso ter o joelho encostado, mas não estava a pressionar com o joelho.
00:31:43 MANDATÁRIO ARG.: Então se o senhor estava... Onde é que o senhor estava apoiado?
00:31:45 J. C.: Estava apoiado num joelho no chão.
00:31:47 MANDATÁRIO ARG.: O senhor tinha o joelho no chão?
00:31:49 J. C.: Sim.”
E o outro – C. V. – declara, ao contrário deste, que sim - 00:38:33 MERITÍSSIMA JUÍZA: ...o que existia nessa zona, como o senhor agente disse, mesmo para algemar, ele foi esbracejando, esperneando, e o seu colega tinha pelo menos um do joelho em cima, não é?
00:38:38 C. V.: Sim.
(…)
00:38:54 MERITÍSSIMA JUÍZA: Então o que é que ele dizia?
00:38:56 C. V.: “Saiam de cima, dói-me as costas.” E eu pedi sempre, insistentemente para colaborar, uma vez que estava a reagir daquela maneira, nós tínhamos que proceder daquela maneira.
10 – Pelo que não é possível encontrar qualquer prova, que permita fundamentar a decisão do Tribunal para responsabilizar o arguido/recorrente, pelo alegado crime de injúrias agravado na pessoa do militar da GNR, J. C..
11- Tal como, não se consegue encontrar qualquer prova que permita fundamentar a decisão do Tribunal para responsabilizar o arguido/recorrente, pelo alegado crime de resistência e coação sobre funcionário.
12 - O Tribunal “a quo” errou na apreciação dos meios probatórios que tinha ao seu dispor, na medida em que levou ao elenco da matéria de facto provada, factualidade que não ficou demonstrada.
13 - Ou, e sobretudo, factualidade que não permite decidir pela culpabilidade do arguido/recorrente, nos termos da lei e para além ou fora de qualquer dúvida, ou, ao invés, a análise crítica dos depoimentos prestados e dos documentos conduzem necessariamente e atentas as regras da experiência comum, que a decisão do tribunal quanto aquela matéria aqui impugnada, incluídas nos pontos aqui impugnados, deva ser alterada por este venerando tribunal, como supra se invocou e detalhou para “Não provado”.
14 - Devendo, em consequência, este Venerando Tribunal, no uso dos poderes que lhe são conferidos no disposto do art. º 431 do C. P. Penal, alterar aquelas respostas de “ Provado” aqui impugnadas – pontos 8, 9, 10, 11, 12, 13, 16, 17 e 18 – e supra melhor identificadas, do elenco da matéria de facto provada, para “Não Provado” e as resposta de “Não provado” aqui impugnadas e supra identificadas, para “Provado”.

Por outro lado,

15 - Escutando o depoimento do militar da GNR, C. V. - que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal, início 15:01:45 e fim 17:09:59 na Audiência 18-11-2016) (Ficheiro: 20161118150032_4942765_2870586) – supra transcrito, e também aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, permite logo inferir que são inúmeras as indecisões e contradições no depoimento do mesmo quando contraposto com o depoimento do outro agente da GNR – J. C. - e que o Tribunal “a quo “não valorizou, muito menos, a favor do arguido/recorrente aplicando o princípio constitucional “in dubio pro reu”.
16 - Conjugada esta ausência de prova, com a demais produzida nos autos e que a este respeito nada demonstrou, não pode dar-se como “provado” que o arguido/recorrente admitiu como possível que ao esbracejar e espernear, poderia molestar o corpo e a saúde do agente C. V., nem que agiu com o propósito de ofender a honra e a consideração dos militares da GNR C. V. e J. C. (12 e 13 da relação da matéria de facto dada como “provada”).
17 - O princípio in dubio pro reo configura-se como uma regra de decisão: produzida a prova e efetuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, o juiz deve decidir a favor do arguido dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
18 - Para além das declarações prestadas pelos ofendidos e que, como se viu, não traduzem o que ficou provado na Sentença ora recorrida, nenhuma outra prova foi feita a respeito do supra transcrito.
19 - Parece até ao arguido/recorrente que o Tribunal “a quo” incorreu em excesso de pronúncia, quando se pronuncia sobre mais factos do que os que vêm alegados na acusação.
20 - Pelo que, salvo o devido e merecido respeito, a douta Sentença proferida, padece, por um lado,
a) do vício do art. 410.º, n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal — insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
E, por outro,
b) Do vício do art. 410.º, n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal — erro notório na apreciação da prova -.

Acresce dizer,
21 - Da transcrição parcial do depoimento da senhora bombeira, A. F. - depoimento que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal, início 15:47:29 – 16:20 prestado na Audiência 23-01-2017/(Ficheiro: 20170123154639_4942765_2870586): que supra se encontra transcrito – com enumeração das passagens (minutos) – e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos, percebe-se tão só que o arguido/recorrente reclamava…queixava-se que havia sido agredido…que lhe tinham posto o joelho em cima das costas e que “barafustava” – sem concretizar o que o mesmo dizia.
22 – O mesmo se retirando do depoimento do outro bombeiro que acompanhou ao arguido/recorrente - A. C. - consegue-se de igual modo perceber o estado em que o mesmo se encontrava: - depoimento que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal, início 11:41:13 e fim 11:41:35 - (Audiência 15-12-2016)/(Ficheiro:20161215114112_4942765_2870586): que supra se encontra transcrito – com enumeração das passagens (minutos) – e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos.
23 - Estes depoimentos, concatenados com os restantes depoimentos das testemunhas que depuseram nestes autos, da prova documental junta, designadamente, as fotografias que demonstram as várias “lesões”, infligidas e sofridas pelo arguido e que se encontram a fls. 418 a 424 dos autos, a certificação do tempo por parte do IPMA que se encontra a fls. 437 a 439 dos autos, a queixa-crime apresentada, cuja cópia se encontra a fls. 305 a 310 (e fls. 151 a 182) dos autos, a Sentença proferida no proc. n.º 263/15.7T9GMR na qual os militares da GNR, pediram desculpa ao arguido/recorrente pelas eventuais injurias proferidas nesse mesmo dia e hora e que se encontra a fls. 591 a 592 dos autos, são de molde a concluir que as circunstâncias em que ocorrerem os factos sub judice não são as que resulta da interpretação exarada na douta Sentença proferida.
24 - E se não permitissem a absolvição “qua tale” do arguido/recorrente, obrigavam, pelo menos, em razão da dúvida razoável, a sua absolvição pela aplicação do princípio constitucional “in dubio pro reu”.

SEM PRESCINDIR E, POR CAUTELA DE PATROCINIO,

25 - Compulsando a prova produzida nos autos e, sobretudo, tendo em conta as circunstâncias em que ocorreram os factos relatados seja pelos ofendidos, seja pelo arguido, seja ainda decorrente da prova documental produzida, não resultam demonstrados os elementos objetivos e subjetivos que permitem imputar e condenar o arguido/recorrente pelo “Crime de resistência e coação sobre funcionário” p. e. p. pelo art. 347º n.º1 do Código Penal.
26 - Resulta evidente que a atuação do arguido/recorrente junto dos senhores agentes da GNR se pautou única a exclusivamente em razão da perseguição e detenção de que estava a ser vítima.
27 - Os militares da GNR usaram de força - que as fotografias juntas aos autos indicam ter sido excessiva - para manietar e algemar o arguido, nas descritas circunstâncias, ao mesmo tempo que o mesmo gritava por socorro e esbracejava para tentar evitar a continuação das dores e sofrimento que lhe estava a ser infligido.
28 - Como resulta dos depoimentos dos militares da GNR, em momento algum foi dito pelos mesmos que o arguido usou de violência ou ameaça grave para com estes, muito antes pelo contrário, o arguido manteve-se imóvel junto do volante do seu veículo automóvel, sem adotar qualquer gesto demonstrativo de violência ou ameaça grave.
29 - Da parte dos militares, nenhum dos atos do arguido foi impeditivo ou dificultou a ação destes, os quais, sendo dois (2) agentes armados e de elevado porte físico, em lado nenhum, afirmaram que o arguido tenha praticado “atos violentos”.
30 - O esbracejar e o pernear para se defender das dores e sofrimento que lhe estava a ser infligido não pode ser visto como qualquer ato de coação e violência.
31 - A “violência” prevista no tipo legal deste crime, deve surgir como preordenada e idónea a coagir, a impedir ou dificultar a atuação legítima do funcionário ou equiparado, devendo a adequação do meio ser aferida por um critério objetivo, tendo sempre em conta as específicas circunstâncias de cada caso.
32 – Admitindo-se até que o arguido esperneou e esbracejou para evitar o sofrimento e agressões a que estava a ser sujeito e que tenha causado perturbação à ação dos militares das G.N.R., não menos certo é que se tratava de dois agentes, que por via da sua profissão possuem especiais qualidades no que concerne à capacidade para suportar pressões e que estão munidos de instrumentos de defesa força e coação e do conhecimento de técnicas que vulgarmente não assistem ao cidadão comum.
33 - Pelo que, o “esbracejar” ou “pernear” de um detido que está derrubado e prostrado no chão, na tentativa de aligeirar o sofrimento que lhe está a ser infligido, não é idóneo, a atingir a liberdade de ação dos agentes policiais em causa, nem estão concretamente descritas ações suficientemente constrangedoras que pudessem (como não puderam) levar aqueles agentes de autoridade a deixarem de agir como lhes incumbia – “vide gratiae” a este propósito, o que se decidiu no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/05/2017, proc. n.º 17/16.3PTHRT.L1-5, in www.dgsi.pt.
34 - Decidiu-se igualmente, no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/04/2013, proc. n.º 597/12.2GCOVR.P1, in www.dgsi.pt, que:

I - Elemento objetivo do crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, n.º 1 do Código Penal, é o emprego de violência.
II - A violência inclui as formas de violência psíquica e de ofensa à integridade física, uma vez que, como flui do normativo, a ameaça grave (vis compulsiva) e a ofensa à integridade física (vis phisica) são mencionadas como modalidades da violência.
III - Para a consumação do crime necessário se torna que a ação violenta ou ameaçadora seja idónea a atingir de facto o seu destinatário ou destinatários, isto é, que essa ação possa impedir o funcionário de concretizar a atividade por este prosseguida.
IV - Não comete o crime de resistência e coação sobre funcionário o agente que, ao ser-lhe dada voz de detenção, empurra dois agentes da GNR, começando a debater-se, a empurrar e a esbracejar para evitar a detenção, ao mesmo tempo que grita: “seus filhos da puta, eu vou-vos foder, eu mato-vos, vocês vão pagar por isto, estão fodidos” já que tal conduta não é dotada de idoneidade suficiente para inviabilizar os atos funcionais dos agentes da GNR.”
35 - Bem esclarecedor, mostra-se de igual modo, o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20/03/2018, proc. n.º 26/14.7GTEVR.E1, in www.dgsi.pt, no qual se decidiu:

“I - Para o preenchimento do tipo legal de Resistência e coação sobre funcionário previsto no art. 347.º do C. Penal, relevam as caraterísticas do funcionário na situação concreta em que se encontra, incluindo as especiais capacidades e aptidões que são inerentes à sua função, como sejam as decorrentes da formação, treino ou adestramento ministrados com vista a poder resistir a níveis de oposição e constrangimento que sejam normalmente de esperar no exercício das suas funções.
II - Nas hipóteses de resistência do cidadão à sua própria detenção, como se verifica no caso presente, importa ter em conta que a liberdade é um bem eminentemente pessoal, cuja autolimitação não só não pode ser jurídico criminalmente imposta, salvo casos excecionais e com todas as limitações, como não constitui atitude que se espere de quem é fisicamente detido, dada a pulsão ou instinto de reagir contra a vis corporalis ou vis física, mesmo legítima, que se encontra na generalidade dos cidadãos.
III - A concreta atuação do arguido recorrente, ao esbracejar, soltando-se e afastando-se daqueles militares por uns metros e ao fazer força no seu braço, soltando-se e empurrando o militar da GNR, afastando-se uns metros, não constitui meio idóneo de impedir os militares da GNR de procederem à detenção do arguido, pois é inerente ao exercício das suas funções que aqueles militares se encontrem habilitados para assegurar a detenção de cidadãos que, perante a iminência ou a execução de detenção, tenham manifestações moderadas de resistência e hostilidade, tal como verificado no caso presente. (Sublinhados nossos)
36 - Para o preenchimento do ilícito típico objetivo relevam as caraterísticas do funcionário na situação concreta em que se encontra, incluindo as especiais capacidades e aptidões que são inerentes à sua função, como sejam as decorrentes da formação, treino ou adestramento ministrados com vista a poder resistir a níveis de oposição e constrangimento que sejam normalmente de esperar no exercício das suas funções.
37 - Mesmo que em abstrato pudesse reputar-se de violenta a conduta do agente, nomeadamente por se traduzir em ação corporal ou psicológica sobre os militares, aquela não será típica se a ação concretamente executada corresponder a comportamento para o qual o funcionário deve estar preparado no normal exercício das suas funções.
38 - Daí que, particularmente nas hipóteses de resistência do cidadão à sua própria detenção, importa ter em conta que a liberdade é um bem eminentemente pessoal, cuja autolimitação não só não pode ser jurídico criminalmente imposta, salvo casos excecionais e com todas as limitações, como não constitui atitude que se espere de quem é fisicamente detido, dada a pulsão ou instinto de reagir contra a “vis corporalis” ou vis física, mesmo legítima, que se encontra na generalidade dos cidadãos.
39 - Pelo que, o comportamento do arguido, aqui recorrente, não integra o conceito de violência a que se reporta o preceito incriminador, por não ser idóneo a intimidar, dificultar ou impedir de forma significativa a capacidade de atuação dos agentes policiais na situação em causa.
40 – Deverá assim, pelos motivos expostos, o arguido/recorrente ser absolvido da prática do crime de resistência e coação sobre funcionário p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal, pelo qual vinha condenado.
Acresce que,
41 - As expressões injuriosas imputadas ao arguido, foram, segundo decisão do Tribunal “a quo”, proferidas nas seguintes circunstâncias:
a) quando o agente C. V. saiu da viatura policial, empunhou a arma de serviço e ordenou ao arguido que saísse do veículo HL, e, b) quando o arguido se encontrava a ser algemado, no chão.
42 - Ou seja, a descrita situação ocorreu num processo de descarga emocional do arguido, num episódio de vida unívoco e num estado de nervosismo extremo – no final de uma longa viagem de regresso a Portugal, de noite (madrugada), com dois agentes a realizaram a detenção com o recurso à força e empunhando arma de fogo…indiferentes aos berros, às dores e, ou, aflição do arguido -.
43 - Percebe-se que as alegadas expressões utilizadas pelo arguido/recorrente não foram dirigidas à “pessoa” dos militares, no sentido de ofender a honra destes.
44 - Tais expressões, resultantes da detenção realizada, não constituem a imputação de qualquer facto, nem visam ofender a honra ou consideração dos referidos agentes, nem têm tal virtualidade.
45 - Uma conduta pode ser censurável em termos éticos, sociais, até profissionais e não ser censurável em termos penais, pois que não integra a tipicidade de qualquer crime, designadamente dos crimes contra a honra, como sucede no presente caso.
46 - Não pode, por tudo isso, salvo o devido respeito, considerar-se as expressões alegadamente proferidas pelo arguido, na sequência da detenção nada pacífica a que foi sujeito, suscetíveis de integrarem a prática do crime de injúrias.
47 - As afirmações que, na Sentença recorrida foram consideradas ofensivas da honra e consideração, foram alegadamente ditas pelo arguido/recorrente na intervenção de que foi alvo e em tom de protesto quanto à forma de atuação dos militares no exercício de funções, mas sem lhes fazer qualquer ataque pessoal, ou seja, não surgem isoladamente mas no decurso da descrita situação, não sendo objetivamente ofensivas, o que se repercute ao nível do elemento subjetivo bem como da ilicitude.
48 - Note-se que não basta que alguém se considere injuriado para que a ofensa exista pois, como se escreve no Acórdão desta Relação, proferido no processo n.º 2281/06-1 http://www.dgsi.pt/jtrg.:
“ (…) o direito penal não se destina a tutelar o eventual excesso de sensibilidade de determinadas pessoas perante afirmações que lhes sejam dirigidas.
Antes pretende punir factos que sejam objetivamente graves e geradores de ofensas a bens juridicamente protegidos. A vivência em sociedade traz contrariedades, normais, por todos sentidas, sem que isso seja, todavia, bastante para fundamentar a prática de ilícitos criminais.
49 - Salvo devido respeito, as afirmações alegadamente produzidas pelo arguido/recorrente não são suficientes para abalar moralmente os senhores agentes da GNR , não os fazem ser alvo de falta de consideração ou desprezo públicos.
50 - Pelo que, sem prejuízo do já alegado nos capítulos precedentes das presentes motivações de recurso, não se encontra preenchida, objetivamente, a previsão dos artºs 181°, nº 1, 183º e 184º, todos do C.P., pelo que tem aquele que ser absolvido.
Por outro lado, - sem prescindir dos fundamentos expostos de não se encontrarem preenchidos os elementos subjetivos e objetivos do crime de injurias agravadas pelos quais o arguido/recorrente vem condenado - a decisão do Tribunal “a quo” em condenar o arguido, pela pratica material e em concurso efetivo de dois crimes de injurias agravadas, padece, salvo o devido respeito, de erro na aplicação do direito.
51 – Pois, poderia considerar-se, eventualmente, que a conduta do arguido, se isolada e em diferente contexto, seria suscetível de preencher por duas vezes este tipo de crime - já que serão dois os órgãos de polícia criminal visados - só que, não pode jamais esquecer-se, que ela se desenrolou num encadeamento da ação que não pode deixar de ser avaliado na sua integralidade, repercutindo-se na decisão quanto ao número de crimes efetivamente cometidos.
52 - O recorrente se proferiu as expressões injuriosas que lhe são imputadas, tal ocorreu quando se encontrava a ser detido, ou seja, enquanto praticava os factos que realizavam, segundo a Sentença aqui recorrida, o crime de resistência e coação.
53 - Mas a condenação do agente como autor de vários crimes pressupõe sempre que estes se encontrem em concurso efetivo, havendo aqui que apreciar precedentemente, e agora em concreto, se os dois crimes de injúria agravada e o crime de resistência e coação sobre funcionário se encontram em concurso efetivo ou, tão só, aparente.
54 - Ocorrendo situações em que vários tipos penais são concretamente aplicáveis, devem distinguir-se os casos em que a esta pluralidade corresponde uma outra pluralidade de sentidos sociais de ilicitude típica (que será o caso do concurso efetivo ou próprio) daqueles em que, apesar de serem vários os tipos preenchidos, retira-se do comportamento global do agente um sentido de ilicitude dominante (a tratar como concurso aparente).
55 - Assim, o preenchimento em concreto de vários tipos legais pelo comportamento do agente não implicará necessariamente o concurso efetivo, assim acontecendo nos casos em que se possa concluir pela existência de um sentido de ilicitude dominante.
56 - Olhando para a globalidade do acontecido, não pode deixar de se considerar que estas injúrias se integram num mesmo processo de descarga emocional do arguido, nas descritas e anormais condições, num episódio de vida unívoco espácio-temporalmente conexo, inequivocamente revelador da tal unidade de sentido do comportamento ilícito global.
57 - Daí o dever concluir-se que este concreto concurso de (três) crimes é, então, meramente aparente, devendo a punição ser obtida não já à luz do art. 77º do Código Penal, mas na moldura penal do tipo legal que integra o sentido de ilícito dominante, ou seja, do crime de resistência e coação sobre funcionário, que consumirá as injúrias.
58 – Deverá ser neste âmbito a determinação da pena concreta, onde as ofensas poderão relevar, mas como circunstância geral e não como crime autónomo.

POR OUTRO LADO,

59 - Compulsados os autos, verifica-se que a única “alusão” feita à escolha dos ofendidos em desejaram procedimento criminal contra o arguido/recorrente resulta do Auto de participação que se encontra a fls. 5 a 7 dos autos.
60 - No final da narração dos factos realizada pelo GNR autuante, C. V., escreve que “O participante e a testemunha desejam procedimento criminal e consequente pedido de indemnização civil”.
61 – Auto de detenção este, que vem assinado apenas pelo referido GNR autuante, C. V..
62 - Como resulta do teor das disposições conjugadas dos artºs 132º, nº 2 al. j), 181º, 184º e 188º, nº al. a) do CP o crime de injúria agravada reveste natureza semi-pública pelo que o procedimento criminal depende de queixa ou participação.
63 - Ora, como refere o art.º 49º n.º1 do Código de Processo Penal, quando o procedimento criminal depender de queixa do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas deem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo, ou seja, é necessário que o titular do direito de queixa, de forma explícita e ou implícita, mas de forma inequívoca e irrefragável, manifeste o desejo de responsabilização e perseguição criminal do arguido pelos factos por este praticados.
64 - Nestes autos, o que despoletou o procedimento criminal foi o “auto de notícia por detenção”, elaborado agente C. V. – que foi quem realizou e assinou os aditamentos àquele Auto de detenção -.
65 - Para além da alusão feita por este Agente/militar C. V. no auto, que o próprio e a “testemunha” desejariam procedimento criminal, em momento algum a aludida testemunha, o militar da GNR C. V., manifestou, por “motu proprio”, querer avançar com a queixa-crime por injúrias contra o arguido/recorrente.
66 - Não podemos esquecer que, nos presentes autos, estamos perante uma denúncia obrigatória, atento o disposto no artº 242º do Código de Processo Penal, na qual as entidades policiais têm a obrigação de denunciar todos os crimes de que tomaram conhecimento, e sem que tal contenda sequer com o regime dos crimes cujo procedimento depende de queixa ou de acusação particular, atento o estatuído no n.º 3 desse normativo.
67 - Inequivocamente, foi elaborado um auto de notícia por imposição legal e no exercício das suas funções, todavia da conjugação do seu teor com as declarações prestadas pelo agente autuante, não poderemos entender que tal consubstancia, pelo menos no que diz respeito ao militar J. C., mesmo que implicitamente, o pressuposto do nº 1 do art. 49º do Código de Processo Penal, pois que a manifestação de vontade tem que ser inequívoca de querer procedimento criminal - alias, tal “desejo” não se infere sequer das declarações por este prestadas em sede de audiência de Julgamento - .
68 - Inexistindo, ao longo dos autos, qualquer outra referência ou manifestação de vontade por parte desse militar – J. C. - mesmo para além do expediente normal com vista à apresentação do detido.
69 - Dito de outra forma: para que se considere validamente exercido o direito de queixa é imprescindível que da comunicação do facto, dentro do prazo legal de seis meses, se depreenda, de forma inequívoca, a vontade de que seja exercida a ação penal.
70 - Pelo que, é manifesto que o Ministério Público não tinha legitimidade para promover o processo e deduzir acusação pela prática dos crimes de injúria, sendo que estando omisso um pressuposto objetivo de procedibilidade, não poderá o arguido ser condenado pela prática desse ilícito - neste sentido, entre outros, Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/04/2004 e de 18/01/2012, ambos publicados no site www.dgsi.pt -.
Mais se afirma:

71 - A sentença penal para assegurar o cumprimento de todos os princípios constitucionais, e por atingir no caso de condenação, a dignidade da pessoa humana, necessita de ser clara e os argumentos devem estar contidos nas provas dos autos, não podendo ser interpretados por analogia ou de forma extensiva, como ocorre em muitos outros casos.
72 - Compulsando a prova carreada para os autos, é manifesto que o arguido, aqui recorrente, não praticou os factos integradores dos crimes por que vem condenado.
73 – Desde logo, como supra se demonstrou e especificou, existem dúvidas que não foram sanadas – e, não existem elementos nos autos que permitam ultrapassar essas mesmas dúvidas - que têm que ser resolvidas com base no princípio “in dubio pro reo”, como decorrência do princípio da presunção da inocência - 32.º, n.º 2 Constituição-.
74 - Quando as testemunhas nada disseram e nenhuma outra prova relevante exista que permita a imputação do facto ao agente, então ao Tribunal restará apenas conforma-se com essa ostensiva ausência de prova credível e, recorrendo ou não, ao princípio in dubio pro reo declarar tal facto não provado.
75 - Tudo para dizer que é inexistente ou muito reduzida, e destituída de qualquer credibilidade, a eventual prova que permitiu ao Tribunal “a quo” condenar o arguido/recorrente pela alegada prática dos crimes pelos quais vem condenado.
76 - Existindo isso sim, no que aqui nos ocupa, e ao mesmo tempo, por um lado uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por outro um, erro notório na apreciação da prova, como supra já se alegou.
77 - Verifica-se deste modo que a douta Sentença recorrida viola o disposto no nº 2 do art. 374º do C. P. Penal, na medida em que não foi realizado um verdadeiro exame crítico da prova produzida em audiência de julgamento e nomeadamente da prova que serviu para formar a convicção do tribunal “a quo”.
78 - E padece de erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal “ a quo”, não tendo o Tribunal a quo logrado fazer a melhor apreciação da prova produzida, que devidamente interpretada e julgada, imporia decisão diversa da recorrida – art. 410º n.º2 al. c) do C. P. Penal.
79 - Padece por isso a douta Sentença recorrida do vício de nulidade, cominado pela aplicação conjugada do disposto no nº 2 do art. 374º na sua atual redação, da al. a) do nº 1 do art. 379º do C. P. Penal e do art. 410º n.º 2 al c) do Código Processo Penal.

Assim,
80 - Tendo presente a matéria de facto declarada provada e não provada na respetiva “Fundamentação de facto” na douta Sentença, tendo em conta as alterações aqui reclamadas quanto à matéria de facto que na douta Sentença recorrida foi declarada “provada”” e que supra expressamente se impugnou, a qual em bom rigor e segundo o que foi possível apurar nos autos deverá, isso sim, passar para o rol de matéria de facto “não provado”, é manifesto que não se verificam nos autos os elementos essenciais dos tipos de crimes imputados ao arguido/Recorrente.

Pois
81 - O princípio “in dubio pro reo”, constitui um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido, traduzindo o correspetivo do princípio da culpa em direito penal, a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena.
82 - E se assim não fosse, então sempre deveria o Tribunal “ad quem”, dado o muito que ficou por apurar no que ao arguido/recorrente diretamente diz respeito, deveria então para aquilatar da justiça ou, como dizemos nós, profunda injustiça da sua condenação, determinar a renovação da prova nos termos do que prescreve o art. 430º do C.P.Penal.
83 - As invocações aqui deduzidas obrigam, sempre salvo o devido e merecido respeito, a que este Tribunal usando dos poderes conferidos pela lei, modifique a decisão proferida na 1.ª instância no que diz respeito à matéria de facto que diretamente atinge o arguido, nos termos do que dispõem a aplicação conjugada de todas as supra citadas normas e ainda do art. 431º do C. P. Penal.

Finalmente,
84 – Também a medida da pena aplicada ao arguido/recorrente não se pode manter dado que se revela injusta, ilegal, pouco criteriosa e até excessiva.
85 - Na fixação da medida da pena é necessário, ordenar, relacionando-os a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, para isso, em conta os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, ou seja, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade.
86 - Desde logo, de referir, não ter o arguido antecedentes criminais – no que ao tipo de crimes que lhe vêm imputados diz respeito -, estar inserido socialmente, quer a nível profissional, quer a nível familiar, não apresentando qualquer perigo para a sociedade.
87 - Contudo, o Tribunal “a quo” condenou o arguido/recorrente, na assinalada pena, sem ter em conta as descritas circunstâncias, bem como e sobretudo as circunstâncias em que decorrem os factos.
88 - Percebendo-se, que o Tribunal “a quo” não aplicou corretamente o artigo 18.° da Constituição da República Portuguesa, na medida em que não foram tidos em conta os princípios da proporcionalidade, exigibilidade e razoabilidade na imposição de deveres para a suspensão da execução da pena de prisão.
89 – Ou seja, a medida da pena aplicada ao arguido/recorrente, viola, para além do mais, o disposto no art. 18.° n.º 2 da CRP e art. 25.°, n.º 1 da CRP.

Pelo que,
90 - Salvo o devido e merecido respeito, a douta Sentença recorrida violou e, ou, interpretou erradamente, por um lado, o conjugadamente disposto nos arts. 2º, 18º, 25º n.º1 e 32º da Constituição da República Portuguesa, os art.º 347.º, n.º 1, 14.º, n.º 1 e arts. 181.º, n.º 1, 184.º, 132.º, n.º 2, al. l), 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte, e 30.º, n.º 1, do Código Penal e, por outro lado, os arts. 49º, 97º, 127º, 242º, 374º n.º 2, 410º nº 2 al. a) e c), do C.P. Penal e ainda, os artigos 30.º, 40º, 45º, 47º, 70º, 71º e 79º, do Código Penal.

NESTES TERMOS (…), DEVE SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, JULGANDO IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADA A ACUSAÇÃO, ABSOLVENDO-SE O ARGUIDO PELA PRÁTICA DOS CRIMES DE QUE FOI CONDENADO, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, (…)».

3. A Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, entendendo que lhe deverá ser negado total provimento, mantendo-se na íntegra toda a matéria de facto dada como provada e a qualificação jurídica atribuída à mesma, pelas razões sintetizadas nas conclusões que formulou e que a seguir se transcrevem:

«1. O recorrente pretende pôr em causa a forma como o Tribunal se convenceu da verificação dos factos que deu provados, isto é, pretende sindicar o uso que o Tribunal fez do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
2. Porém, o Tribunal a quo fez uma correta apreciação de toda a prova, de forma crítica e com recurso às regras da experiência comum, da lógica e daquilo que é normal acontecer, convencendo-se da verificação dos factos conforme o princípio da livre apreciação da prova.
3. Foi produzida prova bastante dos factos que sustentaram a condenação do arguido, formando-se a convicção do Tribunal, não só nas declarações prestadas pelas testemunhas ouvidas em julgamento, mas também na prova documental e nas regras da experiência comum e do normal acontecer.
4. Nada há que censurar relativamente à matéria de facto dada como provada, a qual merece a nossa total concordância, não se verificando na douta sentença o invocado vício do artigo 410º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, ou seja, não se verificando qualquer erro na apreciação da prova.
5. Pelo que, dúvidas não há, nem o Tribunal teve de que o arguido praticou os factos/crimes pelos quais veio a ser condenado.
6. Não houve, assim, qualquer violação do princípio in dúbio pro reo.
7. Com a alegação do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada percebe-se, mais uma vez, que do que o recorrente discorda é da convicção do julgador, pretendendo que o Tribunal valore as provas à sua maneira.
8. Da douta sentença recorrida é possível perceber que o Tribunal a quo, quer seja diretamente, através do depoimento das testemunhas e do próprio arguido, quer seja através de documentos, quer seja pelas mais elementares regras da lógica e da experiência comum, recorrendo ao princípio da livre apreciação da prova, apurou todos os factos tendentes à decisão, convencendo-se daqueles que deu como provados.
9. Os factos ocorridos na data da acusação e que deram origem ao processo n.º 263/15.7T9GMR, não foram analisados na douta sentença, nem tinham de o ser, porquanto além de totalmente alheios à acusação, não foram discutidos em julgamento, não se tendo nele apurado da razão do pedido de desculpa dos então arguidos, nem da razão da desistência de queixa do ali ofendido.
10. Não há, na douta sentença, o excesso de pronúncia que o arguido recorrente alega, sendo certo que o mesmo também não concretiza tal alegação.
11. A conduta do arguido, globalmente considerada, dada a sua particular potencialidade intimidatória é e foi objetivamente adequada a impedir agentes da GNR em exercício de funções e idónea a produzir nos destinatários o efeito que pretendia: o abandono da realização da fiscalização.
12. Contrariamente ao que alega, o arguido não esbracejou, nem esperneou, para se defender das dores e do sofrimento e de nada foi “vítima”. O mesmo fugiu e depois usou de violência porque queria impedir a fiscalização e detenção por parte dos agentes da autoridade.
13. O arguido agiu com conhecimento de que as pessoas em causa eram elementos da GNR, atuando no exercício das suas competências e funções, querendo impedi-las, não podendo ignorar que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, razão pela qual praticou o crime de resistência e coação pelo qual foi condenado.
14. O arguido dirigiu aos agentes da autoridade as expressões injuriosas dadas como provadas na douta sentença, sendo que nada legitimava tal atuação, bem como a sua intenção não podia ser outra se não a de ofender a sua honra e consideração daqueles. Deste modo, praticou também os crimes de injúria agravada.
15. A douta sentença agiu de acordo com a lei e com o direito, razão pela qual deve ser integralmente mantida.»

4. Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, expressando a sua perfeita sintonia com a Exma. Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, na medida em que, ao contrário do que o recorrente defende, a sentença explica de forma exaustiva onde a Mmª. Juíza se baseou para decidir como decidiu e qual a razão por que formou a sua livre convicção da forma que o fez, não merecendo censura. Do mesmo modo que, ao lançar mão de diversas transcrições dos depoimentos e declarações que foram prestados em audiência, o recorrente foge do âmbito dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, que têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível, para os demonstrar, o recurso a elementos externos à decisão, designadamente, documentos juntos ao inquérito, na instrução ou no julgamento. Ora, ao lançar mão de diversas transcrições dos depoimentos e declarações que foram prestados em audiência, o recorrente, quando coloca em causa a matéria dada como provada e defende ter existido erro notório na apreciação da prova, pretendia antes defender a existência de erro de julgamento, sendo certo que, todavia, se limitou a transcrever a prova produzida para tentar demonstrar que o tribunal a tinha apreciado incorretamente, quando aquilo que conseguiu demonstrar foi que efetivamente foi bem condenado, por ele próprio ter confessado os elementos constitutivos dos crimes que cometeu, na medida em que sabia perfeitamente que a ordem de paragem estava a ser dada por agentes de autoridade, perfeitamente identificados, e no exercício das suas funções e apesar desse conhecimento e de estar consciente das suas consequências, o arguido voluntariamente colocou-se em fuga após estar a ser identificado, e tudo fez para não permitir que os agentes da autoridade o detivessem, resistindo à detenção e agredindo a autoridade, quer por palavras, quer por ações, não tendo, pois, sido violado qualquer princípio constitucional ou qualquer outro e muito menos o princípio “in dubio pro reo”, na medida em que o Tribunal não teve qualquer dúvida, mesmo que mínima, de que o arguido tinha praticado os factos constitutivos dos crimes pelos quais veio a ser condenado, também não merecendo qualquer censura as penas que lhe foram impostas, pois não se podem considerar de forma alguma excessivas, tendo em conta as circunstâncias em que os factos ocorreram e a gravidade das mesmas, bem como a falta de interiorização dessa mesma gravidade que se denota no defendido pelo recorrente.
5. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente respondeu a esse parecer, para demonstrar que, contrariamente ao aí sustentado pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, cumpriu o ónus de impugnação especificada imposto pelo art. 412º, n.º 3, do Código de Processo Penal, para poder ver reapreciada a prova realizada perante o Tribunal a quo.
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do citado código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Segundo jurisprudência uniforme, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza os fundamentos de discordância com o decidido e resume as razões do pedido (art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do conhecimento do mesmo pelo tribunal superior.

No caso vertente, analisadas as conclusões formuladas pelo recorrente, são as seguintes as questões a apreciar, elencadas de acordo com a ordem das consequências da sua eventual procedência:

a) - A nulidade da sentença por falta de fundamentação, traduzida na ausência de exame crítico da prova (conclusões 77ª e 79ª);
b) - Os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (conclusões 20ª e 76ª) e de erro notório na apreciação da prova (conclusões 20ª, 76ª, 78ª e 79ª);
c) - A impugnação da matéria de facto (por erro de julgamento e violação do princípio in dubio pro reo - conclusões 1ª a 19ª, 21ª a 24ª, 71ª a 75ª e 80ª a 83ª);
d) - A não verificação dos elementos típicos do crime de resistência e coação sobre funcionário (conclusões 25ª a 40ª);
e) - A falta de legitimidade do Ministério Público para promover o procedimento criminal em relação ao crime de injúria agravada na pessoa do ofendido J. C. (conclusões 59ª a 70ª);
f) - A não verificação dos elementos típicos dos crimes de injúria (conclusões 41ª a 50ª);
g) - A existência de concurso aparente entre os crimes de injúria e de resistência e coação sobre funcionário (conclusões 51ª a 58ª);
h) - A medida da pena única do concurso de crimes de injúria (conclusões 84ª a 89ª).

2. DA DECISÃO RECORRIDA

2.1 - Em sede de factualidade provada, o tribunal a quo considerou que (transcrição):
«Com relevo para a discussão da causa, provou-se o seguinte:

1) No dia 26 de janeiro de 2015, cerca das 02:00 horas, os militares da GNR C. V. e J. C., devidamente uniformizados, encontravam-se de patrulha à área de jurisdição do Posto Territorial de …, circulando na EN 101-3, no sentido Santo Adrião – Santa Eulália, no veículo de matrícula GNRL…., caracterizado com vários sinais visuais alusivos ao facto de ser uma viatura policial, nomeadamente listras próprias e menções à GNR.
2) Quando se encontravam a alguns metros da rotunda de …, surgiu repentinamente, vindo da Rua de … para Santa Eulália, o veículo de matrícula HL, marca Fiat, modelo Ducato, conduzido pelo arguido, que pela velocidade e forma desgovernada como entrou na rotunda quase se despistava.
3) Por esse motivo os referidos militares da GNR seguiram o indicado veículo pela Rua de … – Santa Eulália e constataram que o mesmo ainda aparentava ser conduzido de forma desgovernada, pelo que foi dado ordem de paragem, através de sinais luminosos (pirilampos) e sonoros, mas o condutor/arguido não acatou tal ordem de paragem.
4) Após colocação da viatura policial ao lado do HL e sinalização com bastão luminoso, o arguido estancou o veículo que conduzia.
5) Logo depois, o agente da GNR C. V. dirigiu-se ao veículo HL e, quando já próximo, o arguido abriu o vidro da viatura e disse “o que é que eu fiz caralho”, tendo-lhe então o agente dito para desligar o veículo e apresentar os documentos, em face do que o arguido, de forma agressiva, disse “eu desligo o caralho”, e, ato contínuo, retomou a marcha em direção a Vizela, colocando-se em fuga, não acatando o que lhe foi ordenado.
6) Perante tal atitude, os referidos militares continuaram no encalço do veículo HL dando ordens de paragem por sinais sonoros e luminosos, que o arguido/condutor continuou a não acatar.
7) Entretanto, já na Rua da …, na freguesia de …, em Caldas de Vizela, a viatura policial ultrapassou o veículo conduzido pelo arguido, colocou-se à frente do mesmo e diminuiu a velocidade, altura em que tal veículo embateu na traseira da viatura policial e assim parou.
8) De seguida, o agente C. V. saiu da viatura policial, empunhou a arma de serviço e ordenou ao arguido que saísse do veículo HL, o que este não acatou, dizendo, em tom agressivo, “viste o que fizeste, filho da puta”.
9) Perante a descrita atitude do arguido, o agente J. C. retirou-o do interior do veículo e deitou-o no chão para o algemar, o que não foi aceite pelo arguido que tentou evitar a sua detenção e algemamento, esperneando e esbracejando, impondo a ação conjunta dos dois agentes da GNR, e dizendo-lhes “deixai-me seus cabrões”.
10) Em consequência desta conduta do arguido, o militar C. V. sofreu uma ferida na face palmar do 4.º dedo da mão direita e dor na zona dorso-lombar.
11) Posteriormente, durante o transporte ao hospital de Guimarães para receberem assistência médica, o arguido dirigiu-se ao agente da GNR C. V. e apelidou-o de “aldrabão” e “ordinário”.
12) O arguido admitiu como possível que ao agir como descrito em 9) poderia molestar o corpo e a saúde do agente C. V., resultado com o qual se conformou.
13) O arguido agiu com o propósito de ofender a honra e a consideração dos militares da GNR C. V. e J. C..
14) Em resultado do embate do veículo conduzido pelo arguido, a viatura policial ficou danificada com amolgadelas, cortes e desencaixe de componentes, na zona da carroçaria, junto à matrícula traseira.
15) A reparação dos referidos danos implicou um custo de montante não concretamente apurado, mas superior a € 102,00.
16) Com toda a sua conduta o arguido visava dificultar ou impedir que os referidos militares da GNR conseguissem parar a marcha do veículo que conduzia e assim proceder à respetiva fiscalização rodoviária.
17) O arguido agiu sempre em virtude de os referidos agentes estarem no exercício das suas funções de militares da GNR, qualidade que o arguido conhecia.
18) O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, apesar de saber que a sua conduta era proibida e punida penalmente.
19) O arguido regressava de uma viagem longa de trabalho, vindo da Alemanha, conduzia há muitas horas, encontrava-se cansado e tinha como destino a sua habitação, sita na freguesia de …, em Vila Nova de Famalicão.
20) O arguido foi julgado e condenado, no Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas, por sentença transitada em julgado em 26.08.2011, pela prática de um crime de prostituição, cometido entre 01.08.2009 e 05.09.2009, na pena de 30 meses de prisão e € 6.000,00 de multa.
21) O arguido tem como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade.
Encontra-se desempregado, não recebendo subsídio, mas regularmente presta serviços num stand de automóveis, de onde retira rendimento mensal não inferior a € 200,00.
É casado. A mulher encontra-se desempregada, não recebendo qualquer subsídio.
Tem três filhos, com 15, 19 e 20 anos de idade, sendo os primeiros estudantes e o último empregado fabril, contribuindo este com € 400,00 mensais para as despesas familiares.
O agregado reside em casa própria. E a título de rendas de dois imóveis recebe o montante mensal de € 850,00.»
2.2 - Quanto a factos não provados, o tribunal recorrido considerou que (transcrição):

«Não se provaram outros factos em contradição com os provados ou para além deles, nomeadamente e com relevo, não se provou:
a) O arguido agiu com o propósito de dirigir o veículo automóvel que conduzia contra os militares C. V. e J. C., de forma a dificultar ou impedir que estes conseguissem parar a sua marcha e assim procedessem à respetiva fiscalização rodoviária.
b) O arguido previu a possibilidade provocar danos na viatura policial, resultado com o qual se conformou.
2.3 – A Mm.ª Juíza explicitou o processo de formação da sua convicção nos termos que a seguir se transcrevem:

«3. Motivação da decisão de facto

Determina o art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, além do mais, que a fundamentação da sentença contenha a enumeração dos factos provados e não provados que serão, como resulta do art.º 368.º, n.º 2, do mesmo diploma, apenas os que sendo relevantes para a decisão estejam descritos na acusação, ou na pronúncia, tenham sido alegados na contestação, ou que resultem da discussão da causa.
Com efeito, atenta a uniformidade do entendimento que desde há muito o STJ tem vindo a adotar sobre este ponto (cfr. por todos Acs. STJ de 03.04.1991 e de 05.02.1998, in CJ, T. II, págs. 19 e 245, respetivamente), aquela enumeração visa a exaustiva cognição do thema probandum, isto é, a demonstração de que o Tribunal analisou especificamente toda a matéria de prova que foi submetida à sua apreciação e que se revista de interesse para a decisão da causa, pelo que a obrigação legal, de na sentença, se fazer a descrição dos factos provados e não provados, se refere tão somente “(...) aos que são essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes, o que exclui os factos inócuos, irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação ou na contestação” (Ac. STJ de 15.01.1997, CJ, T. I, pág. 181).
O que se deixa consignado releva no caso, na medida em que: na acusação deduzida pelo Ministério Público imputam-se ao arguido todos os factos constantes do auto de notícia, por remissão para este auto, a coberto do art.º 391.º-B, n.º 1, do Código de Processo Penal, mas este Tribunal, nos factos provados e não provados, e na linha do sufragado entendimento, apenas fez constar os factos relevantes para a discussão da presente causa, não tendo por isso, e nomeadamente, curado dos factos ali imputados suscetíveis de integrar a prática pelo arguido de crimes de ameaça e/ou de condução perigosa de veículo rodoviário (aliás, como é do nosso conhecimento funcional, corre termos neste Juízo Local Criminal o PCS n.º 776/15.0 T9GMR que tem como objeto tal factualidade); e na contestação oferecida pelo arguido, dando-se por reproduzida a participação criminal por este apresentada, convocam-se inúmeros factos suscetíveis de integrar vários crimes pelos aqui ofendidos, materialidade que este Tribunal, de igual sorte, não curou (e que, de resto, foi já objeto do processo n.º 263/15.7T9GMR – cfr. fls. 151 a 162, 279 a 295, 519 a 557, 567 a 573 e 590 a 593).
Feito este parêntesis, a decisão do tribunal sobre os factos radicou-se no conjunto da prova produzida, analisada e ponderada à luz das regras da lógica, da experiência comum e de critérios de normalidade e razoabilidade.
Em audiência de julgamento emergiram duas versões contraditórias: uma veiculada pelo arguido, negando a prática dos factos; e a outra apresentada pelos ofendidos C. V. e J. C., atestando os factos tal como ficaram provados.
É de lembrar que a circunstância de existirem duas versões antagónicas dos factos não é suficiente para colocar, sem mais, o tribunal numa situação de non liquet, ou seja, numa situação de dúvida insanável sobre a verificação dos factos que, necessariamente, tenha de ser resolvida por via do princípio do in dubio pro reo. Com efeito, sopesada toda a prova produzida, conjugados os testemunhos e demais prova, pode o tribunal atribuir maior credibilidade a uns depoimentos que a outros e, por via disso, dar credibilidade a uma das versões apresentadas.
No caso ajuizado verificou-se esta última situação, pois na ponderação de toda a prova, nos termos que passamos a explicitar, pode o Tribunal dar maior credibilidade e acolher a versão apresentada pelos ofendidos.
Assim, e desde logo, consideramos as declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento, o qual: assumiu que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação conduzia a carrinha ali identificada de matrícula HL; elucidou que regressava a casa de uma viagem de trabalho, vindo da Alemanha, conduzia há muitas horas e encontrava-se cansado; referiu que a carrinha vinha carregada e no percurso sofreu uma avaria na caixa de velocidades, o que fazia com que a mesma oscilasse quando circulava; disse que, na rua de …, percebeu que na retaguarda circulava um veículo com os pirilampos ligados (pensou ser a polícia ou os bombeiros?!), e que logo depois, na mesma rua, tal veículo surgiu ao seu lado, vendo então tratar-se de um veículo caraterizado da GNR, do interior do qual, do banco da frente ao lado do condutor, saiu um agente fardado, que lhe disse para parar o veículo e lhe entregar os documentos; assumiu que não agiu como solicitado e continuou a marcha, seguindo a viatura policial no seu alcance, e só se imobilizou quando esta viatura, já na rua da …, o ultrapassou e parou à sua frente, perante o que não conseguiu parar a carrinha que conduzia, embatendo na traseira da viatura policial; justificou esta sua atitude, no medo, pânico que o invadiu, tendo continuado a marcha para se dirigir ao posto da GNR de Vizela; no mais, o arguido negou ter oferecido qualquer resistência, nomeadamente, ter esperneado e/ou esbracejado para impedir o algemamento pelos agentes da GNR, e mais negou tê-los injuriado.
A versão negatória do arguido não mereceu acolhimento, porquanto foi contrariada de modo credível pelos testemunhos de C. V. e J. C..
A credibilidade destas testemunhas assentou, desde logo, na qualidade dos depoimentos produzidos, os quais, revelando conhecimento direto dos factos, como militares da GNR que tiveram intervenção na situação, tratando-se dos ofendidos, e instados de forma exaustiva sobre o ocorrido nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, em relatos pormenorizados, serenos, firmes, coerentes, coesos e consentâneos com a demais prova, depuseram de forma a confirmar os factos tal como os mesmos resultaram provados.
Depois, o Tribunal nada encontrou nestas testemunhas capaz de as mover contra o arguido (pessoa que não conheciam) – tratou-se de uma ação de fiscalização rodoviária como muitas outras levadas a cabo pelos indicados agentes da GNR no exercício das suas funções, com a particularidade de o arguido/condutor ter adotado uma conduta habitualmente não assumida pelos condutores em idêntico contexto.
Por outro lado, parte do declarado pelo próprio arguido permitiu sustentar os testemunhos em destaque – nomeadamente: quando assumiu não ter apresentado os documentos solicitados e ter prosseguido a marcha na rua de Sá e só ter parado quando embateu na traseira da viatura policial depois de esta, que havia seguido no seu encalce, o ter ultrapassado e posicionado à sua frente na rua da Saudade; quando afirmou que a dita viatura apresentava-se caracterizada com sinais visuais de ser um veículo da GNR e os agentes que o abordaram estavam fardados como militares da GNR; e quando elucidou que a carrinha que conduzia, com a carroçaria tipo furgão, vinha carregada e no percurso tinha sofrido uma avaria na caixa de velocidades, o que tudo fazia com que oscilasse ao circular (assim permitindo dar sustento ao que foi referido pelos agentes da GNR quanto à forma desgovernava como a carrinha aparentava ser conduzida).
Acresce notar que os depoimentos em análise resultaram, de algum modo, corroborados pela demais prova produzida.
Com efeito, dos elementos clínicos de fls. 54 e 55 extrai-se que o ofendido C. V. foi examinado logo após os factos e apresentava lesões perfeitamente consentâneas com a versão relatada pelos agentes da GNR (v.g. quando referiram que o arguido, retirado do interior da carrinha e deitado no chão para ser algemado, tentou evitar o seu algemamento, esperneando e esbracejando), ao que acresce que as lesões apresentadas pelo arguido (cfr. fls. 45 a 48 / 49 a 52 – escoriação frontal esquerda e escoriação de ambos os joelhos) também se revelaram compagináveis com tal versão considerada provada.
As testemunhas A. C. e A. F., bombeiros voluntários que no exercício das suas funções se deslocaram ao posto da GNR de Vizela e conduziram ao hospital o arguido e o ofendido C. V., em depoimentos circunstanciados, assertivos, harmoniosos e desinteressados, afirmaram que o arguido durante toda a abordagem, no posto da GNR e no percurso de ambulância até ao hospital, estava exaltado, alterado e sempre a barafustar com os elementos da GNR (estes, ao contrário, permaneciam serenos, silenciosos), não evidenciando o arguido estar com medo (deste modo infirmando o tentado sustentar pelo arguido, de justificar a sua atuação por ter ficado ou estar em pânico, com medo). A testemunha A. C. afirmou ainda ter ouvido o arguido a dirigir-se ao agente da GNR C. V. chamando-o “aldrabão”, e a testemunha A. F. asseverou que, no caminho para o hospital, no interior da ambulância, o arguido insultou o agente C. V., só não conseguindo precisar, por já não se lembrar, o/s concreto/s impropério/s proferidos (o que também permitiu dar consistência à versão dos ofendidos, e contrariar a versão do arguido, que negou, nomeadamente, e como já dissemos, ter injuriado os agentes da GNR).
Neste seguimento, importa registar a falta de plausibilidade da versão do arguido, na convocação das regras da lógica e da experiência comum, tendo em conta o que se foi dizendo e considerando ainda o seguinte: na facilidade com que se pode relatar similar ocorrência, o arguido não ofereceu qualquer prova da alegada situação por ele antes experimentada com falsos agentes da GNR, o que não lhe seria difícil posto que terá apresentado queixa; o arguido admitiu, logo no primeiro momento, quando percebe na sua retaguarda um veículo com os pirilampos ligados, tratar-se da “polícia ou bombeiros”; logo depois, verifica que tal veículo se apresenta caraterizado como da GNR e os agentes estão uniformizados; ulteriormente, quando já está no posto da GNR, para onde alegadamente até se dirigia na fuga, e em que já não podia ter quaisquer dúvidas de que estava na presença de reais agentes da GNR no exercício das suas funções, o arguido não adota um comportamento consentâneo com a sua versão dos factos, de alguém em pânico, atemorizado, mas, ao invés, assume um comportamento absolutamente consentâneo com a versão dos factos tal como ficaram provados.
Resta afirmar que as testemunhas de defesa não permitiram abalar a prova indicada, porquanto: a testemunha S. R., mulher do arguido, não presenciou os factos; e os depoimentos das demais testemunhas revelaram-se vagos, incoerentes e inconsistentes e não tiveram o condão de atestar a inocência do arguido – a testemunha A. S., muito facilmente, apenas veio dizer que estava a dormir, acordou com um estrondo, veio à janela e ouviu um senhor a dizer várias vezes “acudam-me” e uma outra voz a dizer “acalme-se”, viu pirilampos pensando tratar-se de uma ambulância e o senhor já estar a ser assistido e voltou para a cama; e a testemunha R. P., muito cirurgicamente, apenas veio dizer que numa noite, acordada pelos cães a ladrar, veio com o marido cá fora, à estrada, vê um homem sozinho, sentado na berma, ao longe, e ouve-o a dizer “venham que eu preciso de testemunhas” (instada, disse não o ter ouvido dizer “acudam-me”, não confirmando assim o que foi referido pela anterior testemunha) – estranhamente, registamos nós, esta testemunha não viu qualquer veículo da GNR e/ou agente da GNR, quando de toda a prova resultou, inclusive do declarado pelo próprio arguido, que este, na rua da Saudade, em nenhum momento ficou sozinho, e quando, atento o local onde alegadamente se encontrava, esta depoente tinha de ver o veículo da GNR e os agentes da GNR!?; ademais, enfatizando a testemunha que o homem estava aflito, em apuros, como compreender, à luz das regras da experiência e do normal suceder, que a mesma e o marido nada tenham feito para o socorrer, seja aproximando-se dele, que estava sozinho, e prestando-lhe ajuda, seja comunicando a situação às autoridades competentes, mormente à autoridade policial, o que aqueles nada fizeram, regressando tranquilamente a casa!?.
Quanto à materialidade atinente aos elementos subjetivos e ao intuito do arguido (de impedir ou dificultar que os agentes da GNR lograssem parar a marcha da carrinha que conduzia e assim proceder à respetiva fiscalização rodoviária), foi extraída dos factos objetivos e de toda a apurada atuação do arguido, em conjugação com as regras da lógica e da experiência comum, o que tudo nos habilitou a adquirir a convicção segura no sentido dos factos a respeito considerados provados (refira-se que não interessou apurar o concreto motivo do seu apurado intuito: fosse por estar cansado, depois de uma viagem muito longa, ansiando por chegar a casa e encontrar-se com a família... fosse por temer que algo não estivesse dentro da legalidade, tendo nomeadamente em conta a carga que transportava na carrinha, ainda que depois da fiscalização até se tenha verificado que não haveria qualquer situação em desconformidade com a lei).
No tocante ao custo da reparação dos danos na viatura policial, não foi possível encontrar o seu valor exato, por não ter sido feita a imprescindível prova documental, o que nos habilitou, considerando a natureza dos danos e apelando às regras da experiência, a fixar a factualidade em causa apenas no sentido dado como provado.
O passado criminal do arguido emergiu do teor do certificado de registo criminal atualizado de fls. 507 a 508 / 616 a 617 e respetiva tradução de fls. 562 a 564, não tendo o arguido oferecido prova, maxime de natureza documental, capaz de atestar o por si alegado a fls. 512 a 513 e/ou de abalar a veracidade do comprovado pelo seu referido certificado de registo criminal.
As condições pessoais e sociais do arguido e a sua situação económica foram apuradas com base no declarado pelo próprio sobre a matéria.
Os factos não provados foram assim considerados por a prova produzida ter apontado nos termos que ficaram provados.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1 - Da nulidade da sentença por falta de fundamentação, traduzida na ausência de exame crítico da prova

Nas conclusões 77ª e 79ª, defende o recorrente que a sentença recorrida padece da nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do art. 379º do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem referência de origem, por não conter as menções exigidas no n.º 2 do art. 374º, concretamente o segmento da fundamentação que consiste no exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Nesta alegação, o recorrente olvida que, seguindo o presente processo a forma especial abreviada, sobre os requisitos da sentença rege, não o art. 374º, que invoca e que é específico para a forma de processo comum, mas antes o art. 389º-A, n.º 1, aplicável por remissão do art. 391º-F.
Aliás, o art. 379º, n.º 1, al. a), comina com o vício da nulidade a sentença proferida em processo sumário ou abreviado que não contiver as menções referidas nas als. a) a d) do n.º 1 do art. 389º-A e 391.º-F, acrescentando o seu n.º 2 que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso.
Posto isto, vejamos se assiste razão ao recorrente.

3.1.1 – De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 205º da Constituição, “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Concretizando essa estatuição, o Código de Processo Penal, no n.º 5 do art. 97º, impõe que os atos decisórios dos juízes sejam sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

Especificamente quanto à sentença proferida em processo abreviado, como é o caso dos autos, necessariamente mais sucinta do que em processo comum, o art. 389º-A, n.º 1, aplicável por remissão do art. 391.º-F, estabelece os respetivos requisitos, dispondo, nomeadamente e no que agora releva, que a mesma contém: "a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas; b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;".

O referido exame crítico «consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (…). O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte»[2].
Para além de indicar os meios de prova utilizados, torna-se necessário explicitar o processo de formação da convicção do tribunal, a partir desses meios de prova, com apelo às regras de experiência e aos critérios lógicos e racionais que conduziram a que a convicção se formasse em determinado sentido. Só assim será possível comprovar se foi seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova ou se esta se fundou num subjetivismo incomunicável que abre as portas ao arbítrio.
Mais concretamente, através do exame crítico das provas, o julgador enuncia as razões de ciência dos vários meios de prova, explicita a razão da opção por uma e não por outra das versões em confronto e indica os motivos da credibilidade que atribuiu a depoimentos, a documentos, a exames, etc.

3.1.2 - No caso presente, da convincente motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, elaborada por escrito apesar de o processo seguir a forma especial abreviada, resulta clara a explicitação do processo de formação da convicção da Mmª. Juíza a quo quanto aos factos que deu como provados, conforme facilmente se pode constatar pela transcrição efetuada supra.

Com efeito, aí consta que, não obstante a existência de duas versões contraditórias, uma veiculada pelo arguido, negando a prática dos factos, e a outra apresentada pelos ofendidos C. V. e J. C., militares da GNR, atestando os factos tal como foram dados como provados, tal não foi suficiente para deixar o tribunal numa situação de dúvida insanável sobre a verificação dos mesmos, que teria de ser resolvida por via do princípio in dubio pro reu, na medida em que, pelas razões que a Mm.ª Juíza exaustivamente explicitou, foi possível atribuir maior credibilidade aos depoimentos dos ofendidos do que à versão apresentada pelo arguido.

Em termos exemplares e que, a pecar, só poderia ser por excesso, a julgadora explicou os motivos pelos quais as declarações do arguido não mereceram acolhimento, no confronto com os depoimentos dos ofendidos, que considerou pormenorizados, serenos, firmes, coerentes, coesos, isentos e prestados por quem é conhecedor dos factos, por neles ter tido intervenção direta.

Além disso, a Mm.ª Juíza consignou que tais depoimentos foram corroborados pela demais prova produzida, designadamente as lesões físicas apresentadas pelo militar C. V. e pelo arguido, comprovadas pelos elementos clínicos juntos aos autos, perfeitamente consentâneas com a versão dos ofendidos, bem como o depoimento das testemunhas A. C. e A. F., bombeiros que os conduziram ao hospital, relataram o estado de espírito dos mesmos e confirmaram ter o arguido dirigido impropérios ao referido C. V., dando consistência à versão dos ofendidos e contrariando a do arguido.

Mais ponderou a falta de plausibilidade desta última versão, à luz das regras da lógica e da experiência comum, pelos motivos que também concretizou, designadamente a alegação do arguido de que se sentiu em pânico, atemorizado, com receio de se tratarem de falsos agentes da GNR, e de, ulteriormente, já no posto, para onde se teria dirigido em fuga, já sem ter quaisquer dúvidas de que estava na presença de reais agentes no exercício das suas funções, não ter adotado um comportamento consentâneo com essa versão.

Por fim, não atribuiu qualquer relevância aos depoimentos das testemunhas de defesa, quer por não terem presenciado os factos (como é o caso da mulher do arguido), quer por se terem revelado vagos, incoerentes e inconsistentes, sem o condão de atestar a inocência do arguido (como sucedeu com as testemunhas A. S. e R. P.), entrando inclusivamente, em alguns pontos, em contradição com as declarações do mesmo.

Constata-se, assim, que a Mmª. Juíza, para além de indicar os meios de prova em que se apoiou para dar os factos como provados, avançou para o patamar seguinte, com uma explicitação cabal da relevância probatória atribuída aos depoimentos dos ofendidos e das razões da sua credibilização, no confronto com as declarações do arguido, que considerou inverosímeis, explicitando porquê, permitindo assim, sem qualquer dificuldade, a total e efetiva compreensão do raciocínio lógico que conduziu à decisão de facto.

Desta forma, exaustiva e pormenorizadamente, não obstante a forma abreviada do processo não o exigir, a julgadora indicou e explicitou os motivos pelos quais se convenceu de que o arguido assumiu os comportamentos dados como provados.

Mostra-se, portanto, feita a análise crítica das provas fundamentadoras da convicção do tribunal.

Pode-se discordar, como faz o recorrente, da valoração feita relativamente aos meios de prova produzidos sobre a factualidade em apreço. Mas esta divergência de perspetivas não significa, de modo algum, a verificação da nulidade da sentença por falta ou até deficiente fundamentação, prendendo-se antes com a impugnação da decisão sobre a matéria de facto nos termos do art. 412º, n.ºs 3 e 4, da qual o recorrente também lançou mão.

Em suma, a sentença recorrida cumpre as exigências do art. 389º-A, n.º 1, al. a), não enfermando da nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do art. 379º, assim improcedendo este segmento do recurso.
Aliás, da leitura das conclusões e da motivação do recorrente (item X), facilmente se conclui que, a coberto da invocação da nulidade da sentença por falta de fundamentação, a respetiva alegação escapa ao círculo de abrangência deste vício, recaindo antes no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Na verdade, depois de tecer judiciosas considerações sobre a livre apreciação da prova e a finalidade e requisitos da fundamentação fática da sentença, o recorrente limita-se a discordar da avaliação que a Mm.ª Juíza a quo fez da prova testemunhal e documental produzida, por, diversamente do que a mesma entendeu, considerar que os depoimentos dos militares da GNR não merecem credibilidade, inexistindo outros elementos nos autos que permitam ultrapassar a dúvida insanável que subsiste e que tem de ser resolvida com base no princípio in dubio pro reo, apontando igualmente à decisão sobre a matéria de facto os vícios de insuficiência para a decisão e de erro notório na apreciação da prova, a analisar infra, o que faz de forma confusa e misturada com a invocação da nulidade da sentença por falta de exame crítico da prova, o qual, como vimos, resulta exuberantemente exposto da motivação da decisão de facto.

3.2 – Dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova

Nas conclusões 20º, 76º, 78º e 79ª, defende o recorrente que a sentença recorrida padece dos vícios previstos no art. 410º, n.º 2, als. a) e c), ou seja, respetivamente, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.
Todavia, é manifesto que a fundamentação aduzida não é suscetível de consubstanciar a verificação qualquer desses vícios, atento o sentido com que os mesmos devem ser entendidos.

3.2.1 - Conforme resulta expressis verbis do citado preceito, os vícios aí referidos, que são de conhecimento oficioso[3], constituindo um defeito estrutural da decisão, têm de resultar do respetivo texto, na sua globalidade, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, estando vedado o recurso a elementos a ela estranhos para os fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[4]. Tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença, esta terá que ser autossuficiente quanto a eles, não se podendo recorrer à prova documentada.
No âmbito desta revista alargada, contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla, o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto no sentido da reapreciação da prova, limitando-se a detetar os vícios que a sentença em si mesmo evidencia e, não podendo saná-los, a determinar o reenvio do processo para novo julgamento, tendo em vista a sua sanação (art. 426º, n.º 1).

Como frequentemente tem sido referido pelo Supremo Tribunal de Justiça[5], o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão.
A insuficiência para a decisão (de direito) da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados. Na primeira critica-se o tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo. Consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente. Por seu lado, na insuficiência da prova para os factos provados censura-se a errada apreciação da mesma levada a cabo pelo tribunal, por terem sido dados como provados factos sem prova para tal[6].
Por seu turno, o vício de erro notório na apreciação da prova ocorre quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, bem como quando se violam as regras sobre prova vinculada ou as leges artis.

Existe, pois, tal vício quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de o erro não passar despercebido ao cidadão comum ou, melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente[7].

Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido[8]. É um erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.

3.2.2 - No caso vertente, como claramente resulta da leitura das conclusões e do próprio corpo da motivação, o recorrente assaca tais vícios à sentença recorrida com base numa argumentação que se enquadra antes na impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, por erro de julgamento, ao abrigo do disposto no art. 412º, n.ºs 3 e 4, confundido, pois, ambas as forma de reagir contra essa decisão.

Com efeito, apela aos depoimentos testemunhais dos ofendidos J. C. e C. V., nos quais assentou a convicção da Mmª. Juíza relativamente aos factos por ele impugnados (pontos 8, 9, 10, 11, 12, 13, 16, 17 e 18 da matéria provada), para procurar demonstrar que os excertos que indica, conjugadamente com os restantes depoimentos e com as suas próprias declarações, que igualmente especifica, evidenciam erros de julgamento da matéria de facto, que qualifica de notórios, e são insuficientes para fundamentar essa convicção, devendo tais factos ser dados como não provados, por aplicação do princípio in dubio pro reo.
Constata-se, assim, que o recorrente não se atém, como se impunha, ao texto da decisão recorrida para demonstrar que da mera leitura da mesma resultam os alegados vícios decisórios, o que afasta liminarmente a sua existência.
Pelo contrário, extravasando o âmbito da arguição dos vícios em questão, o recorrente socorre-se da prova oralmente produzida em audiência, de que inclusivamente transcreve vários excertos, para demonstrar que o tribunal recorrido a valorou erradamente, visando, assim, a reapreciação da mesma pelo tribunal de recurso, com vista a serem dados como não provados os factos relativos aos seus comportamentos e com base nos quais foi condenado.
Tal erro, nos termos em que é invocado, a existir, traduzir-se-á antes em erro de julgamento, objeto da impugnação alargada de decisão de facto ao abrigo do art. 412º, n.ºs 3 e 4, a analisar infra, e não da impugnação restrita prevista no art. 410º, n.º 2.
Aquilo que o recorrente questiona é o modo como o tribunal a quo valorou a prova produzida, ou seja, o uso que fez do princípio da livre apreciação da mesma, sem apontar à decisão recorrida qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nem erro notório na apreciação da prova, no sentido em que estes vícios devem ser entendidos, ou seja, como resultando do próprio texto da decisão posta em crise.
Com efeito, o recorrente invoca os apontados vícios como corolário da sua própria apreciação da prova produzida, chamando à colação elementos externos ao texto da sentença recorrida, confundindo, pois, vícios da decisão judicial com erro de julgamento.
De todo o modo, uma vez que os vícios previstos no art. 410º, n.º 2, são de conhecimento oficioso, sempre diremos que, do texto da decisão sob escrutínio, por si só ou conjugado com os ditames da experiência comum, não resulta a verificação de qualquer deles.
Por um lado, não se vislumbra qualquer insuficiência da matéria de facto dada como assente, uma vez que o tribunal tomou posição sobre todos os factos da acusação, não decorrendo também que tenham surgido factos relevantes para a discussão da causa (para além daqueles que constam da matéria de facto) sobre os quais devesse recair um juízo probatório, sendo os factos dados como assentes bastantes para se poder decidir a questão da culpabilidade do arguido e da determinação na pena a aplicar-lhe.
Por seu lado, também não se deteta ostensivamente qualquer equívoco resultante de factos do conhecimento geral ou do funcionamento das leis da lógica, da física, da mecânica ou de conhecimentos científicos, criminológicos e vitimológicos, o que afasta a existência de um erro notório na apreciação da prova. A decisão proferida pelo tribunal a quo sobre os factos impugnados não revela qualquer vício de raciocínio na apreciação da prova, que se evidencie aos olhos do homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, e que se traduza em ter-se dado como provado algo que não se provou ou que não pode ter acontecido. Na perspetiva da lógica interna da decisão e em face do respetivo texto, os factos dados como provados têm suporte na prova produzida, porquanto, de acordo com o teor da motivação da decisão de facto, os mesmos assentaram nos depoimentos das testemunhas J. C. e C. V., militares da GNR relativamente a quem o arguido assumiu as suas condutas, tendo esses depoimentos, corroborados por outros meios de prova, merecido toda a credibilidade ao tribunal a quo, em detrimento das declarações do arguido. Por seu lado, em face das regras do normal acontecer, a ocorrência de tais factos surge como perfeitamente possível e lógica, na sequência da abordagem feita pelos agentes de autoridade e da subsequente detenção do arguido.
Pelo exposto, improcede a questão dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova.
O que deixa sem fundamento, desde logo por falta desse pressuposto, a renovação da prova ao abrigo do disposto no art. 430º, que o recorrente parece querer solicitar na conclusão 82ª, ainda que sem concretização das provas que devessem ser renovadas.

3.3 - Da impugnação da matéria de facto

Como resulta do teor das conclusões 1ª a 19ª, 21ª a 24ª, 71ª a 75ª e 80ª a 83ª, o recorrente insurge-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentando padecer a mesma de erros de julgamento e ter sido violado o princípio in dubio pro reo.

3.3.1 - O erro de julgamento resulta da forma como foi valorada a prova produzida e ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Tal erro pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.
Nesta forma de impugnação ampla, os poderes de cognição do tribunal de recurso não se restringem ao texto da decisão recorrida (como acontece com os vícios previstos no art. 410º, n.º 2), alargando-se à apreciação do que contém e se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, nomeadamente pela audição da prova gravada por parte do tribunal de recurso, sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412º, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431º, al. b).
Todavia, conforme jurisprudência constante[9], esse recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição das gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, importa ter presente que entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º, segundo o qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Tal não significa que a atividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Concedendo esse princípio uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, o julgador deverá ser capaz de o fundamentar de modo lógico e racional.
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária dos meios de prova, impondo-lhe a lei que extraia deles um convencimento lógico e motivado, avaliando-os com sentido de responsabilidade e bom senso.
Mais se exige que o julgador indique os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos pelos quais relevaram ou obtiveram credibilidade no seu espírito. Não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
No recurso sobre a matéria de facto, o recorrente não se pode limitar a pretender uma revisão da convicção alcançada pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, sendo imperioso demonstrar que as provas indicadas a impõem. É necessária a demonstração que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que se demonstre não só a possível incorreção decisória, mas a imperatividade de uma diferente convicção.
Na realidade, ao tribunal de recurso cabe analisar o processo de formação da convicção do julgador do tribunal a quo, verificando se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar, não bastando, para uma eventual alteração, uma diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.
Ou seja, o tribunal da relação só pode e deve determinar uma modificação da matéria de facto quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa da proferida [cf. art. 412º, n.º 3, al. b)] e não apenas quando permitem uma outra decisão[10].
Como é salientado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-01-2010[11], «(…) o regime do recurso em matéria de facto, se não exige do tribunal de recurso uma avaliação global, impõe-lhe, todavia, como se referiu, que confronte o juízo sobre os factos do tribunal recorrido com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifica nas conclusões da motivação.
A decisão do recurso sobre a matéria de facto exige que aprecie se, no caso concreto, a matéria de facto, rectius, os pontos questionadas da matéria de facto, tem efetivo suporte, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados na decisão recorrida e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem «decisão diversa». (…)
Mas a convicção autónoma sobre o sentido da decisão em matéria de facto relativamente aos pontos questionados só poderá resultar da ponderação, em concreto, das provas identificadas pelo recorrente que o tribunal de recurso deve analisar em juízo e ponderação autónomos; as razões da convicção têm de ser as razões da convicção do próprio tribunal formadas perante os elementos de prova que ponderou nos limites do recurso, e não a assunção ou a recuperação genéricas da convicção ou dos termos da convicção do tribunal recorrido. (…)
Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto tem como pressuposto que o princípio da livre apreciação da prova (e a livre convicção, no sentido materialmente adequado do conceito) não esteja deferido, ou seja passível de aplicação, apenas ao tribunal de 1ª instância, mas também à instância de recurso no limite dos poderes de cognição definidos pela delimitação do recorrente.
A livre convicção do tribunal de recurso substitui-se, nos limites da cognição, à convicção do tribunal recorrido, aceitando-a na identidade de apreciação, ou sobrepondo-lhe, se for o caso, a sua própria convicção
Em suma, o tribunal de recurso deve verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova nela indicados e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa, cabendo-lhe confrontar o juízo que sobre esses pontos foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção, determinada por uma autónoma valoração probatória.
Daí a exigência que é feita nas als. a), b) e c) do n.º 3 do art. 412º, no sentido de o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto ter de especificar, respetivamente, os concretos pontos da mesma que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sendo caso disso, as que devem ser renovadas.
3.3.2 - No caso em apreciação, não obstante o recorrente individualizar como factos que, em seu entender, foram erroneamente julgados, os pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 da matéria provada (cf. conclusões 1ª e 14ª), isto é, a totalidade da factualidade relativa às suas condutas e que o tribunal a quo considerou integrar os elementos objetivos e subjetivos dos crimes de resistência e coação sobre funcionário e de injúria pelos quais o condenou, constata-se que apenas em relação a parte dos factos vertidos em alguns desses pontos se mostra cumprido o ónus de especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Com efeito, o cumprimento de tal ónus, previsto na al. b) do n.º 3 do art. 412º, exige que o recorrente indique os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, que ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões.
Ou seja, exige-se que o recorrente refira o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou sustenta o facto dado por não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que considera incorretamente julgado.
De acordo com o n.º 4 do art. 412º, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em ata, nos termos do n.º 2 do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, cabendo ao tribunal da relação proceder à audição e visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (art. 412º, n.º 6).

Ora, das conclusões e da densificação da respetiva alegação feita no corpo da motivação, é inequívoco que o recorrente apenas aponta à decisão recorrida uma errada valoração da prova no que concerne aos seguintes factos dados como provados:

- o arguido ter apelidado o ofendido J. C. de "cabrão" (por a expressão por si proferida "deixai-me seus cabrões" também ser dirigida àquele, conforme dado como provado na parte final do ponto 9º);
- o arguido também ter apelidado o ofendido C. V. de "aldrabão", como consta do ponto 11º;
- o arguido ter admitido como possível que ao agir como descrito em 9) poderia molestar o corpo e a saúde do agente C. V., resultado com o qual se conformou, conforme dado como provado no ponto 12º, cuja impugnação está necessariamente conexionada com o ponto 10º, onde é dado como provado que "Em consequência desta conduta do arguido [descrita no ponto 9º], o militar C. V. sofreu uma ferida na face palmar do 4.º dedo da mão direita e dor na zona dorso-lombar".

Na verdade, só em relação a essa factualidade é que o recorrente especifica os meios de prova que, em seu entender, foram incorretamente valorados, explicitando as razões desse entendimento, relacionando o seu conteúdo específico com cada dos referidos factos e indicando os excertos da gravação em que os mesmos se encontram registados, que inclusivamente transcreve, em ordem a demonstrar que o tribunal errou na apreciação dos meios probatórios que tinha ao seu dispor, por não ter sido produzida qualquer prova, ou pelo menos prova suficiente, sobre tais factos.
Assim sendo, a impugnação deduzida pelo recorrente restringe-se à mencionada factualidade, vertida nos pontos 9º (parte final), 10º, 11º (no segmento "aldrabão") e 12º, bem como, naturalmente, aos correspondentes factos atinentes aos elementos subjetivos dos tipos de crime, apenas sobre ela devendo incidir a tarefa de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.
Como resulta da respetiva motivação, a convicção da Mmª. Juíza sobre tais factos assentou nos depoimentos das testemunhas J. C. e C. V., que revelaram conhecimento direto dos acontecimentos, como militares da GNR que tiveram intervenção na situação, tratando-se dos próprios ofendidos, e que os confirmaram, em relatos pormenorizados, serenos, firmes, coerentes, coesos e consentâneos com a demais prova, mormente os depoimentos circunstanciados, assertivos, harmoniosos e desinteressados das testemunhas A. C. e A. F., bombeiros voluntários que no exercício das suas funções se deslocaram ao posto da GNR e conduziram ao hospital o ofendido C. V. e o arguido, tendo afirmado que este último, durante toda a abordagem, estava exaltado, alterado e sempre a barafustar com os elementos da GNR, os quais, ao contrário, permaneciam serenos e silenciosos, mais acrescentando a primeira das referidas testemunhas que ouviu o arguido a dirigir-se ao agente da GNR C. V., chamando-o “aldrabão”, e a segunda que, no caminho para o hospital, no interior da ambulância, o arguido insultou o mesmo agente, só não conseguindo precisar, por já não se lembrar, o/s concreto/s impropério/s proferidos.
Em relação ao primeiro referido facto impugnado, defende o recorrente que o próprio ofendido J. C. afirmou que o arguido não lhe dirigiu a expressão injuriosa dada como provada na parte final do ponto 9º (cf. conclusões 4ª e 5ª).
Efetivamente, da audição do excerto desse depoimento indicado pelo recorrente, confirma-se que a testemunha, questionada sobre se o arguido lhes tinha dito (a si e ao colega C. V.) diretamente “seus cabrões”, respondeu "Não, não. Pelo menos a mim não.”.
Resposta esta que, todavia, ao invés da pretensão do recorrente, não é bastante para se considerar não ter sido produzida prova sobre o facto em apreço ou, pelo menos, para suscitar fundadas dúvidas sobre o mesmo.
Desde logo porque o que se perguntou à testemunha foi se o arguido lhes chamou diretamente “seus cabrões”, o que é diferente de esta expressão surgir integrada na frase proferida por ele.
Por outro lado, o ofendido C. V. foi perentório em afirmar que o arguido lhes chamou "cabrões" (cf. o trecho do respetivo depoimento registado entre os minutos 00:50:54 e 00:51:14), sendo possível e mesmo natural que a testemunha J. C., até por força da confusão derivada do facto de o arguido também dizer que os militares lhe estavam a chamar "cabrão", não tenha ficado com a perceção daquele facto ou que dele já não se recordasse no momento da inquirição.
Acresce a circunstância de a expressão dada como provada ("deixai-me seus cabrões"), ser perfeitamente consentânea com o contexto e o desenrolar dos acontecimentos descritos pelos ofendidos, sendo que o emprego do plural significa que o arguido se estava a dirigir a ambos os agentes.
Por seu lado, em relação ao segundo facto impugnado (o arguido também ter apelidado o militar C. V. de "aldrabão"), defende o recorrente que tal não resulta de qualquer depoimento ou outro meio de prova, indicando um excerto do depoimento da testemunha A. C., bombeiro que transportou o arguido desde o posto da GNR ao hospital, a fim de receber assistência médica (conclusões 6ª e 7ª).
Efetivamente, da audição desse excerto retira-se que a testemunha, ao ser instada sobre se o arguido proferiu aquele insulto, respondeu "Não. Não me apercebi." (cf. entre os minutos 00:04:14 e 00:04:22).
Todavia, o facto de a mesma não se ter apercebido desse comportamento do arguido não equivale a uma certeza sobre a sua não verificação, sendo, pois, tal depoimento inapto para, por si só, infirmar a declaração do próprio ofendido de que o arguido, no percurso para o hospital, o injuriou, chamando-lhe, entre outros nomes, "aldrabão" (cf. entre os minutos 00:58:21 e 00:58:32). Ademais, esclarecendo que na parte detrás da ambulância apenas seguia ele, o arguido e a bombeira A. F. (cf. entre os minutos 00:57:44 e 00:58:05), o que leva a crer que o bombeiro A. C., por ser o condutor da ambulância, não estaria em condições de ouvir o que foi dito pelo arguido.
Assim, a afirmação constante da motivação da decisão de facto de que a testemunha A. C. afirmou ter ouvido o arguido chamar "aldrabão" ao ofendido C. V. não tem sustentação na prova produzida. Sem que, todavia, o afastamento desse elemento probatório, invocado pela Mmª. Juíza para corroborar o depoimento do referido ofendido, seja suficiente para lhe retirar credibilidade.
Tanto mais que, de acordo com as regras da normalidade e da experiência comum, o contexto dos acontecimentos é consentâneo com o facto de o arguido dirigir insultos aos militares da GNR, conforme corretamente ponderou a Mmª. Juíza. Com efeito, tal sucedeu no âmbito da interseção do arguido numa operação de fiscalização rodoviária, o qual se pôs em fuga e veio a embater com o seu veículo na traseira da viatura policial quando esta o ultrapassou e reduziu a velocidade para o obrigar a parar, tendo ainda oferecido resistência à sua subsequente detenção.
Em relação à impugnação do ponto 12º, necessariamente conjugado com o ponto 10º, aquilo que o recorrente alega é que as alegadas feridas no dedo e nas costas do militar C. V., não foram infligidas com intenção ou propositadamente, mas, pelo contrário, resultaram da tentativa do arguido/recorrente se libertar quando se encontrava a ser algemado – de barriga no chão, convocando, para o demonstrar, as declarações dos referidos militares (conclusões 8ª e 9ª).

Da audição dos excertos desses depoimentos resulta que a testemunha J. C. afirmou não se ter apercebido da forma como é que tais lesões foram causadas, apenas sabendo que o colega se queixou, mostrando-lhe as escoriações no dedo, dizendo que as dores nas costas foram derivadas só do embate dos veículos e as lesões no dedo ocorreram aquando da algemagem do arguido (cf. entre os minutos 00:56:02 e 00:56:04). E, efetivamente, o próprio ofendido C. V. confirmou que as lesões nas costas foram provocadas pelo embate [do veículo conduzido pelo arguido na viatura policial em que ele seguia e no momento em que se estava a apear em andamento] e que o ferimento no dedo anelar da mão direita foi durante a algemagem, por se ter partido o anel (cf. entre os minutos 00:45:00 e 00:45:46), afirmando posteriormente estar convencido que o arguido lhe acertou com a sola do sapato (cf. entre os minutos 01:54:25 e 01:54:40).
Perante a ausência de qualquer outro elemento probatório sobre estes factos, que não foram sequer presenciados por outras pessoas, cremos assistir razão ao recorrente no que concerne à ausência de prova quanto ao ponto 10º dos factos provados, na parte em que se dá como assente que a dor sofrida pelo militar C. V. na zona dorso lombar foi consequência da conduta do arguido descrita no ponto 9º.
Assim, na procedência desse segmento da impugnação, impõe-se alterar a matéria de facto dada como provada no ponto 10º, eliminando a sua parte final ("e dor na zona dorso lombar"), que passa a ser considerada como não provada.
Já no que concerne à parte restante, não tem o recorrente razão, sendo certo que a impugnação por si deduzida nem faz sentido, uma vez que, contrariamente ao que parece pressupor nessa alegação, no ponto 12º não é dado como provado que as lesões (agora restritas ao dedo da mão) foram infligidas com intenção ou propositadamente, mas sim que «o arguido admitiu como possível que ao agir como descrito em 9) poderia molestar o corpo e a saúde do agente C. V., resultado com o qual se conformou».
Alega ainda o recorrente (na conclusão 15ª) que são inúmeras as indecisões e contradições no depoimento do militar C. V., quando contraposto com o depoimento do outro agente da GNR (J. C.).
Todavia, para além de se abster completamente de concretizar essas alegadas "indecisões" e "contradições", quer entre as declarações do próprio C. V., quer entre elas e o que foi dito pela testemunha J. C., o recorrente limita-se a remeter para a totalidade da gravação desse primeiro depoimento, indicando que o mesmo foi prestado entre as 15h01m45s e as 17h09m59s, sem especificar os momentos precisos da gravação onde estão registadas as declarações que, em seu entender, são imprecisas ou contraditórias, como se impunha de molde a tornar praticável a reapreciação desse segmento da impugnação.
Com efeito, do n.º 4 do art. 412º decorre que, relativamente ao ónus de especificação previsto na al. b) do n.º 3, é insuficiente a indicação genérica de todo um depoimento gravado, pois exige-se que o recorrente refira o que é que nesse meio de prova não sustenta o facto dado por provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.
Para tal desiderato apresenta-se como manifestamente inadequada e inócua a indicação da hora real do início e do fim do depoimento, como se limita a fazer o recorrente, porquanto, como referimos supra, o que se lhe exigia, ao efetuar a indicação concreta da sua divergência probatória, era uma remissão para os suportes onde se encontra gravada a prova, remetendo para os concretos locais da gravação que suportam a sua tese, em vez de se estribar probatoriamente em referências não situadas, tornando o recurso sobre a matéria de facto um encargo tremendo para o tribunal ad quem, que teria de proceder a novo julgamento na sua totalidade.
No corpo da motivação, o recorrente acrescenta que o ofendido C. V. se mostrou claramente emotivo (zangado) e interessado, tendo grande parte das perguntas que lhe foram colocadas pelo Exmo. mandatário do arguido obtido a resposta de "não me recordo".
Todavia, após audição dos excertos indicados na motivação, de modo algum é de concluir nesse sentido, antes se nos afigurando, tal como também considerou a Mmª. Juíza a quo, que ambos os militares depuseram de forma serena, firme, coerente, coesa e consentânea com a demais prova produzida, pelas razões amplamente explicitadas na motivação da decisão de facto e supra expostas.
O que não é abalado pela circunstância de o militar C. V., efetivamente, a algumas perguntas que lhe foram colocadas, ter respondido que não se recordava, uma vez que tal sucedeu praticamente sempre em relação a factos meramente circunstanciais e acessórios, sobre os quais é perfeitamente possível que não guardasse memória segura, desde logo pela própria dinâmica do episódio da detenção, designadamente se o arguido também tinha ferimentos na mão, se havia areias no pavimento, se no momento em que abordou o arguido o vidro do veículo deste estava aberto ou fechado, bem como a inclinação da via e algumas das concretas palavras proferidas pelo arguido, mormente já no posto, após a chegada dos bombeiros.
Saliente-se que a circunstância de o ofendido afirmar não se recordar ou não ter a certeza de alguns factos, mesmo que com maior relevância, como sejam os insultos proferidos pelo arguido, poderá até ser sinal de isenção da testemunha e não de falta de credibilidade do seu depoimento, por revelar que não cedeu a uma eventual tentação de reforçar a incriminação do arguido.
Por outro lado, quanto ao alegado na conclusão 23ª, refira-se que as circunstâncias de o arguido apresentar várias lesões, traduzidas em escoriações na cara, no joelho e na perna, documentadas nas fotografias juntas a fls. 418 a 424, bem como de, no âmbito do processo que moveu contra os militares da GNR, imputando-lhes um crime de injúrias, estes lhe terem pedido desculpa, originando uma desistência de queixa, também não são aptas a infirmar os factos impugnados pelo recorrente, posto que uns e outros são consentâneos. Designadamente, a existência de lesões no corpo do arguido é perfeitamente coerente com o emprego de força por parte dos militares da GNR para o conseguirem algemar, atenta a resistência oferecida pelo mesmo, ao esbracejar e espernear, encontrando-se já deitado no chão, em decúbito ventral.
Não se reconhece, pois, fundamento nem razoabilidade na alegação do recorrente no sentido de ter sido atribuída uma credibilidade excessiva, absoluta e exagerada aos depoimentos dos ofendidos, não se encontrando igualmente qualquer arrimo para a afirmação de que os mesmos foram periclitantes, especulativos e conclusivos no que concerne à maior parte dos factos dados como provados.
Pelo exposto, conclui-se que, com exceção do referido facto dado como provado na parte final do ponto 10º, os meios de prova especificados pelo recorrente não são de molde a impor uma decisão diversa da recorrida quanto aos restantes factos impugnados.

3.3.3 - O recorrente também invoca ter sido violado o princípio in dubio pro reo.

É sabido que no processo penal não tem aplicação o ónus da prova formal, segundo o qual cada uma das partes terá de produzir as provas necessárias a sustentar os factos que alega, porquanto, vigorando o princípio da investigação, recai sobre o juiz o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido a julgamento.
Em consequência, se uma vez produzida toda a prova, persistir uma dúvida razoável sobre determinados factos no espírito do julgador, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a favor do arguido. Sendo o direito penal um direito de culpa, a qual representa um limite intransponível para a decisão, “os princípios da presunção de inocência e de in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta, como suporte axiológico-normativo da pena”[12].

Como ensina Figueiredo Dias[13], “relativamente ao facto sujeito a julgamento, o princípio [in dubio pro reo] aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude, de exclusão da culpa e de exclusão da pena bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas «modificativas» ou simplesmente «gerais». Em todos estes casos a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido”.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, será dado como não provado se lhe for desfavorável, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa.
Contudo, para tanto não basta dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou que derivem da sua interpretação da factualidade revelada nos autos. Da mesma forma que também não é suficiente a circunstância de terem sido apresentadas em audiência versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes.
Acresce que não é toda a dúvida que justifica a absolvição com base neste princípio, mas apenas aquela em que for inultrapassável, séria e razoável a reserva intelectual à afirmação de um facto que constitui elemento de um tipo de crime ou com ele relacionado, deduzido da prova globalmente considerada. A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio[14].
A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Terá de ser uma dúvida séria, positiva, racional e que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a íntima convicção do tribunal, que seja argumentada e coerente.
Em suma, o princípio in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
No âmbito dos seus poderes de cognição sobre a matéria de facto, compete ao tribunal da relação sindicar a concreta utilização do princípio in dubio pro reo por parte da primeira instância.
Com efeito, a violação desse princípio pode resultar da análise do texto da própria decisão recorrida e do processo decisório nela evidenciado, ocorrendo quando se concluir que o tribunal recorrido ficou em dúvida quanto a elementos que permitem estabelecer o grau de culpabilidade do arguido e, nesse estado de dúvida, decidiu contra ele.
Para além dessa situação, de verificação pouco frequente, a imputação da violação do princípio in dubio pro reo torna necessário demonstrar a existência de erro na apreciação dos meios probatórios produzidos, através do reexame dos mesmos, com vista a evidenciar que, em face da carência ou insuficiência da prova, o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida quanto a factos relevantes para a responsabilidade criminal do arguido.
In casu, como transparece do processo decisório explicitado na motivação da decisão de facto, o tribunal a quo considerou provados os factos em apreço, relativos às condutas do arguido, para além de qualquer dúvida razoável sobre eles, ou seja, sem ter dúvidas em fixar a sua ocorrência tal como se encontram descritos, não decorrendo da sentença a existência ou confronto da julgadora com qualquer dúvida insanável, motivo pelo qual não houve que a valorar a favor do arguido, tendo-se, pois, baseado num juízo de certeza e não dubitativo.
Designadamente, aí se consignou de forma expressa que «É de lembrar que a circunstância de existirem duas versões antagónicas dos factos não é suficiente para colocar, sem mais, o tribunal numa situação de non liquet, ou seja, numa situação de dúvida insanável sobre a verificação dos factos que, necessariamente, tenha de ser resolvida por via do princípio do in dubio pro reo. Com efeito, sopesada toda a prova produzida, conjugados os testemunhos e demais prova, pode o tribunal atribuir maior credibilidade a uns depoimentos que a outros e, por via disso, dar credibilidade a uma das versões apresentadas.
No caso ajuizado verificou-se esta última situação, pois na ponderação de toda a prova, nos termos que passamos a explicitar, pode o Tribunal dar maior credibilidade e acolher a versão apresentada pelos ofendidos.»
Segue-se, efetivamente, uma ampla explicitação das razões pelas quais a Mmª. Juíza não teve dúvidas em dar os factos como provados com base nos referidos depoimentos testemunhais.
De todo o modo, a invocação da violação do princípio in dubio pro reo pelo recorrente adequa-se à segunda referida vertente, fazendo-a assentar na alegada insuficiência da prova produzida para permitir dar como provados os factos relativos aos seus comportamentos (essencialmente os depoimentos dos ofendidos).
Todavia, como vimos, é de concluir precisamente no sentido oposto, ou seja, que esses elementos probatórios, valorados pelo tribunal a quo, sustentam plenamente a matéria de facto impugnada, inexistindo razões válidas e fundadas que devessem ter levado o tribunal a quo a ficar com qualquer réstia de dúvida séria e razoável sobre a mesma, pelo que não se mostra violado o referido princípio.
Em face do exposto, apenas parcialmente procede a impugnação da matéria de facto.

3.3.4 – Refira-se que, de forma misturada com essa impugnação, alega ainda o recorrente, na conclusão 19ª, que «parece até ao arguido/recorrente que o Tribunal “a quo” incorreu em excesso de pronúncia, quando se pronuncia sobre mais factos do que os que vêm alegados na acusação», afirmação esta que é densificada no corpo da motivação com a alegação de que, em relação aos factos de ter chamado “aldrabão” ao militar C. V. (ponto 11º) e de ter admitido como possível que poderia molestar o corpo e a saúde do agente C. V., resultado com o qual se conformou (ponto 12º), existe um manifesto excesso de pronúncia por parte do tribunal a quo, por a sentença recorrida ter excedido aquilo que os depoimentos e a prova documental autorizavam que se permitisse concluir, bem como que, para além das declarações prestadas pelos ofendidos, que não traduzem o que ficou provado, nenhuma outra prova foi feita, tendo-se o tribunal pronunciado sobre mais factos do que os que vêm alegados e demonstrados pelas partes.

Todavia, esta alegação é manifestamente insuscetível de se enquadrar na arguição da nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, prevista no art. 379º, n.º 1, al. c), segunda parte, que, aliás, o recorrente também não invoca expressamente.
Com efeito, o excesso de pronúncia, enquanto fundamento de nulidade da sentença, pressupõe que o tribunal tenha conhecido de uma questão de que não podia tomar conhecimento, sendo certo que as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal e as que sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, do Código de Processo Civil), isto é, de que deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual[15].

Ora, aquilo que o recorrente alega é algo diferente, ou seja, que foram dados como provados factos que não constavam da acusação ou que também não resultaram da prova produzida, situações essas que, a verificarem-se, teriam antes enquadramento, respetivamente, no instituto da alteração substancial ou não substancial de factos, regulado nos art. 358º e 359º, ou na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, já supra analisada. Sendo certo que, quanto a essa primeira situação, confrontando o teor da acusação, que remete para o auto de notícia, acrescentando-lhe ainda vários outros factos (cf. fls. 56 a 58), com o teor da factualidade dada como provada na sentença recorrida, facilmente se constata que nesta não foi incluído qualquer facto não constante daquela e que assuma relevância para a decisão da causa, o que afasta a existência de uma qualquer alteração factual relevante, a impor a respetiva comunicação ao arguido ao abrigo dos citados artigos.

3.4 - Da não verificação dos elementos típicos do crime de resistência e coação sobre funcionário

Subsidiariamente, pugna o recorrente pela sua absolvição do crime de resistência e coação sobre funcionário, por não estarem demonstrados os respetivos elementos objetivos e subjetivos, alegando, concretamente e em suma, que o seu comportamento não integra o conceito de violência a que se reporta o preceito incriminador (n.º 1 do art. 347º do Código Penal), já que não foi idóneo a intimidar, dificultar ou impedir de forma significativa a capacidade de atuação dos agentes policiais na situação em causa (conclusões 25ª a 40ª).

3.4.1 - Este tipo legal de crime pune “quem empregar violência ou ameaça grave contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres”.
O bem jurídico protegido é, diretamente, a autonomia intencional do Estado, pretendendo-se evitar que não-funcionários ponham entraves à livre execução das “intenções” estaduais, tornando-as ineficazes, apenas reflexamente protegendo a pessoa do funcionário, incumbido de desempenhar determinada tarefa, cuja liberdade importa na medida em que representa a liberdade do Estado. Por outras palavras, acautela-se a liberdade de ação pública do funcionário e não a sua liberdade de ação privada[16].
Trata-se de um crime de execução vinculada, em que é necessária a prática de violência (física ou psíquica) ou ameaça grave, dirigida ao funcionário, obstando à realização do ato pretendido ou atuação contrária ao dever do mesmo.
Em termos genéricos, podemos dizer que se entende por violência todo o ato de força ou hostilidade que seja idóneo a coagir o funcionário ou membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança. Do conceito tradicional de violência entendida como intervenção da força física, tem a doutrina e a jurisprudência evoluído para um conceito mais amplo que abrange também a violência psíquica. Por seu lado, há ameaça grave sempre que a ação afete a segurança e a tranquilidade da pessoa a quem se dirige e seja suficientemente séria para produzir o resultado pretendido.
Importa, assim, que a violência ou a ameaça tenha a virtualidade suficiente para intimidar o visado e limitá-lo no exercício da sua liberdade pessoal.
Daí que, no que concerne à violência, para que a mesma se tenha por verificada, não é necessária a existência de lesão ou contacto físico com o ofendido, mas apenas que ela se manifeste de tal forma que se possa afirmar que atingiu a liberdade de determinação do visado.
De todo o modo, sempre terá de ser exercida de modo sério e com a intensidade necessária para intimidar.
O critério de avaliação do grau de violência relevante para se considerar preenchido o tipo em causa há de assentar na idoneidade dessa violência para perturbar a liberdade de ação do funcionário.

A este propósito, refere Cristina Líbano Monteiro[17] que «os meios utilizados – violência ou ameaça grave – devem ser entendidos, principalmente, do mesmo modo que no tipo legal de coação (…). Há de considerar-se, em todo o caso, que os destinatários da coação possuem, nalgumas das hipóteses deste tipo legal, especiais qualidades no que diz respeito à capacidade de suportar pressões e estão munidos de instrumentos de defesa que vulgarmente não assistem ao cidadão comum. Membros das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança não são, para efeitos de atemorização, homens médios. O grau de violência ou de ameaça necessários para que se possa considerar preenchido o tipo não há de medir-se, por conseguinte, pela capacidade de afetar a liberdade física ou moral de ação de um homem comum. A utilização do critério objetivo-individual (...) há de assentar na idoneidade dessa violência ou ameaça para perturbar a liberdade de ação do funcionário. Assim, será natural que uma mesma ação integre o conceito de violência relevante nos casos em que o sujeito passivo for mero funcionário e seja desvalorizada quando utilizada para defrontar, por exemplo, um militar ou um membro das forças de segurança. Ou seja: nalgumas hipóteses desta concreta coação que se considera, hão de ter-se em conta não apenas as eventuais sub-capacidades do coagido ou ameaçado, mas talvez sobretudo as suas “sobre-capacidades”.».

Nestes termos, a violência ou ameaça devem surgir como preordenadas e idóneas, como forma de oposição ao exercício das funções por parte do funcionário, devendo a adequação do meio ser aferida por um critério objetivo, tendo sempre em conta as circunstâncias do caso concreto, mormente que, sendo visados agentes de autoridade, em princípio, são os mesmos possuidores de qualidades especiais de ordem psicológica e física, bem como que, na maior parte das situações, estão armados, como é o caso, por exemplo, dos militares e das forças policiais em geral, quando no cumprimento dos seus deveres funcionais.
Sem que, todavia, se exija que o agente impeça, de facto, o exercício do ato de função pública que estiver em causa, sendo bastante que se oponha com violência a esse exercício. A consumação do crime (que é de perigo), exige apenas a prática da ação coatora adequada a anular ou comprimir a capacidade de atuação do funcionário ou afim.
Como salienta a mencionada autora[18], «diferentemente do que acontece no crime de coação do artigo 154.º, não se torna necessário que à adequação do meio, no sentido atrás considerado, (…) se siga um comportamento coagido. Tanto a resistência eficaz como a ineficaz estão compreendidas na ofensa típica. Trata-se, contudo, de um crime material, uma vez que deve exigir-se, para a consumação, um resultado intermédio: que a ação violenta ou ameaçadora tenham atingido, de facto, o seu destinatário.».
Não havendo emprego de violência ou de ameaça, nos termos em que estes conceitos devem ser entendidos, limitando-se o agente da ação à fuga ou tentativa de fuga, à imprecação verbal contra o ato de que está a ser alvo, à gesticulação mais ou menos efusiva, sempre presente em tais situações, ou quaisquer outras atitudes e comportamentos que não sejam adequados a anular ou dificultar significativamente a capacidade de atuação do funcionário ou afim, não há resistência e, como tal, não está preenchido esse elemento objetivo do tipo de crime.
É este o entendimento maioritariamente seguido pela jurisprudência, nomeadamente nos vários acórdãos citados pelo recorrente, e que também perfilhamos[19].

3.4.2 - Em face do exposto, estamos em condições de concluir que, no presente caso, a concreta atuação do recorrente, que, após ter sido deitado ao chão a fim de ser algemado, tentou evitar a sua detenção e algemamento, esperneando e esbracejando, impondo a ação conjunta dos dois agentes da GNR e dizendo-lhes “deixai-me seus cabrões", provocando a um deles uma ferida na face palmar do 4º dedo da mão direita (pontos 9º e 10º da factualidade provada), não constitui um meio idóneo para atingir a liberdade de ação dos agentes de autoridade nem uma ação suficientemente constrangedora suscetível de os levar a deixar de proceder à detenção, na medida em que é inerente ao exercício das respetivas funções que os mesmos se encontrem habilitados para assegurar a detenção de cidadãos que, perante a iminência ou a execução de detenção, tenham manifestações moderadas de resistência e hostilidade, como se verificou na situação em apreço. Em suma, tal conduta não é suficientemente idónea para inviabilizar os atos funcionais dos agentes da GNR.
Note-se que esta conclusão não é suscetível de ser abalada pela circunstância de um dos militares ter sofrido a referida ferida no dedo anelar, não só pela sua insignificância, constatável nomeadamente pela observação da fotografia de fls. 18, mas também por não se ter concretizado como efetivamente foi provocada e, sobretudo, por se ter provado que o arguido apenas admitiu como possível que, ao atuar da forma descrita, ou seja, esbracejando e esperneando, pudesse molestar o corpo e a saúde do agente, resultado com o qual se conformou (cf. ponto 12º dos factos provados), ficando, pois, por demonstrar a existência de uma intenção direta em o atingir corporalmente.
Sendo indiscutível que o arguido, ao atuar da forma descrita, causou perturbação à ação dos militares da GNR que o procuravam deter, o certo é que estes possuem especiais qualidades no que concerne à capacidade para suportar pressões, que estão munidos de instrumentos de defesa e que dispõem de conhecimento de técnicas de defesa que vulgarmente não assistem ao cidadão comum.
Os atos do arguido, de certa forma frequentes nestas situações, traduzidos em esbracejar e espernear, na tentativa de obstar à sua detenção, depois de já ter sido deitado ao chão para ser algemado por dois militares da GNR, não são idóneos a atingir, de facto, a liberdade de ação dos agentes de autoridade nem constituíram ações suficientemente constrangedoras que os pudessem levar a deixar de atuar com a concretização da detenção.
Tenha-se presente que a prévia tentativa de fuga e o não acatamento da ordem de paragem não foram acompanhadas de qualquer ato de violência ou de ameaça, posto que, embora esteja dado como provado que quando o arguido se encontrava em fuga, anteriormente à sua detenção e algemagem, o veículo por si conduzido embateu na traseira da viatura policial e assim parou (ponto 7º), o que poderia revelar o emprego de violência com vista a resistir à sua intersecção e fiscalização, já não resultou provado que tenha agido dessa forma com o propósito de dificultar ou impedir que os militares da GNR conseguissem parar a sua marcha e assim procedessem à respetiva fiscalização rodoviária [cf. al. a) dos factos não provados], tendo a Mm.ª Juíza explicitado que, «(…) neste particular, os factos fixados evidenciam que o embate do veículo conduzido pelo arguido na traseira da viatura policial ficou a dever-se, não a uma atitude deliberada do arguido/condutor, mas a um mero acidente, que eclodiu no seguimento da manobra de ultrapassagem feita pela viatura policial (…)».
Em conclusão, o comportamento do arguido dado como provado não integra o conceito de violência exigido pelo art. 347º, n.º 1, do Código Penal, necessariamente aferido pelo critério individual objetivo supra apontado, por não ser idóneo a intimidar, dificultar ou impedir de forma significativa a capacidade de atuação dos militares da GNR na situação concreta.
Não estando, pois, verificado esse elemento objetivo do ilícito do art. 347, n.º 1, do Código Penal, procede a questão em análise, com a consequente absolvição do arguido do crime de resistência e coação sobre funcionário, pelo qual vinha condenado na pena de 1 ano de prisão, substituída por 280 dias de multa.

3.4.3 - Nessa decorrência, reassume autonomia o crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos arts. 143º, n.º 1, 145º, n.ºs 1, al. a), e 2, com referência ao art. 132º, n.º 2, al. l), do Código Penal, bem como a contraordenação de desobediência ao sinal regulamentar de paragem das autoridades com competência para fiscalizar o trânsito, prevista e punida pelos arts. 4º, n.º 3, 146º, al. l) e 147º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada, ilícitos estes pelos quais o arguido vinha igualmente acusado em concurso efetivo com o crime de resistência e coação sobre funcionário e que o tribunal a quo considerou estarem em concurso aparente com ele.
Aliás, ainda que fosse de manter a condenação do arguido pelo crime de resistência e coação sobre funcionário com base nos factos dados como provados na sentença recorrida, sempre seria de afastar a referida relação de concurso aparente entre esse crime e a mencionada contraordenação, uma vez que a fuga, com o não acatamento da ordem de paragem, não seria suscetível de contribuir para a concretização da resistência.
Note-se que o arguido vinha acusado pelo crime de resistência e coação previsto no n.º 2 do art. 347º, o qual pune “quem desobedecer ao sinal de paragem e dirigir contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, veículo, com ou sem motor, que conduza em via pública ou equiparada, (…) para se opor que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres”.
Todavia, foi absolvido dessa modalidade do crime de resistência, por não se ter provado que «o arguido agiu com o propósito de dirigir o veículo automóvel que conduzia contra os militares C. V. e J. C. [quando estes se encontravam dentro da respetiva viatura policial, conforme consta da acusação] de forma a dificultar ou impedir que estes conseguissem parar a sua marcha e assim procedessem à respetiva fiscalização rodoviária» [cf. al. b) dos factos não provados].
Posto isto, e não oferecendo dúvidas o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do crime de ofensa à integridade física qualificada (cf. pontos 10º, 12º, 17º e 18º dos factos provados) e da contraordenação de desobediência ao sinal regulamentar de paragem (cf. pontos 3º, 5º, 6º, 16º e 18º), cumpre proceder à determinação das respetivas sanções.

Nada obsta, antes se impõe, que seja este Tribunal da Relação a proceder à determinação das mesmas, por não ser invocável o argumento de o arguido ser privado de um segundo grau de jurisdição, vendo, assim, afetando o direito ao recurso consagrado no art. 32º, n.º 1, da Constituição.

Na linha, aliás, do decidido pelo Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2016, para os casos em que no julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da primeira instância, se a relação concluir pela condenação do arguido, deve proceder à determinação da espécie e medida da pena.

Com efeito, como a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade de salientar, nomeadamente no acórdão n.º 49/2003[20], «o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.
Este direito assenta em diferentes ordens de fundamentos.

Desde logo, a ideia de redução do risco de erro judiciário. Com efeito, mesmo que se observem todas as regras legais e prudenciais, a hipótese de um erro de julgamento – tanto em matéria de facto como em matéria de direito – é dificilmente eliminável. E o reexame do caso por um novo tribunal vem sem dúvida proporcionar a deteção de tais erros, através de um novo olhar sobre o processo.

Mais do que isso, o direito ao recurso permite que seja um tribunal superior a proceder à apreciação da decisão proferida, o que, naturalmente, tem a virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade potencial da decisão obtida nesta nova sede.

Por último, está ainda em causa a faculdade de expor perante um tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição jurídico-processual da defesa. Neste plano, a tónica é posta na possibilidade de o arguido apresentar de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável, por forma a que a nova decisão possa ter em consideração a argumentação da defesa».

No caso vertente a conduta do arguido foi apreciada pela primeira instância, que, na parte em apreço, a qualificou como integrando o crime de resistência e coação sobre funcionário, em concurso aparente com o crime de ofensa à integridade física qualificada e com a contraordenação de desobediência à ordem de paragem, tendo, porém, em recurso dessa decisão, o Tribunal da Relação, com base nos mesmos factos, procedido à absolvição do arguido pela prática daquele primeiro crime, deixando, assim, de subsistir a referida relação de concurso aparente.

O caso foi, assim, apreciado por dois tribunais de grau distinto, o que tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.

O facto de ser a relação a determinar, pela primeira vez e sem possibilidade de recurso, a pena e a coima a aplicar pelo crime de ofensa à integridade física qualificada e pela contraordenação de desobediência à ordem de paragem, não é de modo algum manifestamente desproporcionado ou lesivo de qualquer princípio constitucional, uma vez que tal decisão resulta, justamente, da reapreciação por um tribunal superior de uma decisão condenatória (embora com diferente qualificação jurídica, já conhecida do arguido) e perante o qual este teve a possibilidade de expor a sua defesa, como, aliás, fez. Ou seja, o acórdão da relação, proferido em segunda instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso.

Pelo exposto, afigura-se que que as garantias constitucionais de defesa não constituem obstáculo a que a relação, assumindo a sua plenitude jurisdicional, no âmbito de apreciação de uma decisão que condenou o arguido por um crime em concurso aparente com um outro crime e com uma contraordenação, após decidir absolver o arguido por aquele primeiro crime e condená-lo pelo outro crime e pela contraordenação, proceda à determinação da pena e da coima a aplicar-lhe.

Dito isto:

Relativamente ao ilícito penal, há que ter presente que a determinação da medida da pena é feita, dentro dos limites definidos na lei (in casu prisão de 1 mês a 4 anos - arts. 41º, n.º 1, 143º, n.º 1, 145º, n.ºs 1, al. a), e 2, e 132º, n.º 2, al. l), do Código Penal), em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art. 71º, n.º 1, do Código Penal), atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele (n.º 2 do mesmo artigo), nomeadamente as previstas nas várias alíneas deste último normativo, concretamente e com relevo para o caso em apreço, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, as condições pessoais do agente e a sua conduta anterior ao facto.
Mais deverá ser observado o seguinte procedimento na determinação da pena concreta: o limite mínimo da pena deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral que no caso se façam sentir, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva, ao passo que o limite máximo não deve exceder a medida da culpa do agente revelada no facto, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do mesmo; e, dentro desses limites mínimo e máximo, a pena deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível, sendo, pois, as razões de prevenção especial que servem para encontrar o quantum de pena a aplicar[21].

No caso concreto ponderando o reduzido grau de ilicitude dos factos, aferido pela extensão, natureza e localização da lesão sofrida pelo ofendido C. V. (ferida no 4º dedo da mão direita, sem apuramento de qualquer sequela ou consequência de relevo), o contexto em que a mesma foi provocada pelo agente (ao esbracejar e espernear como forma de reação à sua algemagem), a atuação com dolo na forma menos intensa (eventual), as moderadas exigências de prevenção especial que se fazem sentir (tento em conta que, apesar do antecedente criminal que o arguido regista, é relativo a crime de diversa natureza e cometido há mais de 9 anos, e que ele se apresenta social e familiarmente inserido), bem como as notórias exigências de prevenção geral (atenta a relativa frequência com que ocorrem comportamentos de violência contra agentes de autoridade em contextos idênticos ao dos autos), afigura-se-nos adequada a pena de 4 meses de prisão.
Não sendo essa pena superior a 1 ano e considerando que as apontadas necessidades de prevenção geral e especial não assumem uma relevância tal a ponto de exigir o seu cumprimento, ao abrigo do disposto nos arts. 45º, n.º 1, e 47º, n.º 1, do Código Penal, deverá a mesma ser substituída por multa.
Ponderando os limites da respetiva moldura abstrata (10 a 360 dias) e os fatores acima elencados para a determinação da pena de prisão, afigura-se-nos ajustada a medida concreta de 120 dias de multa, à taxa diária fixada na sentença recorrida (€ 6) e que não foi objeto de recurso.
No que concerne à contraordenação, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 139º do Código da Estrada, "na fixação do montante da coima, deve atender-se à gravidade da contraordenação e da culpa, tendo em conta os antecedentes do infrator relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos, e a situação económica do infrator, quando for conhecida".
A gravidade da contraordenação, aferida nomeadamente pelo grau de ilicitude do facto, é elevada, sendo, aliás, qualificada como muito grave pela al. l) do art. 146º do Código da Estrada.
Acresce a intensidade da culpa do arguido, revelada pela sua conduta persistente e repetida em desobedecer à ordem de paragem que lhe foi dada pelos agentes fiscalizadores do trânsito.
Não há notícia de o arguido possuir antecedentes contraordenacionais e o mesmo apresenta uma condição económica remediada, atenta a factualidade dada como provada no ponto 21º.
Perante estes elementos, tendo presente que a contraordenação é punível com a coima de € 500 a € 2500 (art. 4º, n.º 3, do Código da Estrada), afigura-se-nos ajustado fixar a sua medida concreta em € 600.
Não obstante a conduta contraordenacional do arguido ser igualmente punível com sanção acessória de inibição de conduzir (art. 147º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada), estamos impedidos de, agora, a aplicar, porquanto o tribunal a quo, considerando haver uma relação de concurso aparente entre a contraordenação e o crime de resistência e coação sobre funcionário, não fixou a referida sanção acessória, o que não estava impedido de fazer uma vez que a mesma não está legalmente prevista para a punição dos factos de natureza criminal pelos quais condenou o arguido.
Por conseguinte, aplicar neste momento a referida sanção acessória redundaria na violação da proibição da reformatio in pejus.

3.5 - Da falta de legitimidade do Ministério Público para promover o procedimento criminal em relação ao crime de injúria agravada na pessoa do ofendido J. C.

Na conclusão 70ª invoca o recorrente que o Ministério Público não tinha legitimidade para promover o processo e deduzir acusação pela prática dos crimes de injúria, pelo que não poderá ser condenado por esse ilícito.
Apesar da alusão, nessa conclusão, ao plural “crimes de injúria”, do teor das restantes conclusões em que o recorrente sintetiza os fundamentos da sua alegação (59ª a 69ª), é manifesto que apenas se está a reportar ao crime de injúria cometido na pessoa do militar da GNR J. C..

Com efeito, o fundamento por ele invocado radica na circunstância de a única referência à vontade dos ofendidos em desejarem procedimento criminal contra o arguido ser a que consta da parte final do auto de notícia junto a fls. 4 a 7, em que, após a narração dos factos, o militar da GNR autuante que o elaborou (C. V.) escreveu “o participante e a testemunha desejam procedimento criminal e consequente pedido de indemnização civil”, auto esse que, todavia, apenas se encontra assinado pelo referido autuante e já não pelo militar J. C., que nele surge identificado como testemunha e que em momento algum manifestou, por motu proprio, ainda que implicitamente, querer avançar com a queixa-crime por injúria contra o arguido, desejo esse que não se infere sequer das declarações por ele prestadas em sede de audiência de julgamento.
Refira-se que, apesar de na conclusão 65º o recorrente misturar os nomes próprios do militar J. C. com os apelidos do militar C. V., escrevendo “C. V.”, é inequívoco que se está a referir ao primeiro, tanto mais que alude a “testemunha” e não a “autuante”.
Assim sendo, a questão a apreciar é a de saber se o ofendido J. C. manifestou nos autos, de forma inequívoca, a sua vontade de procedimento criminal contra o arguido pela prática do crime de injúria agravada pelo qual este foi condenado.

3.5.1 - A função relativa ao exercício da ação penal encontra-se atribuída ao Ministério Público pelo disposto no art. 219º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Em conformidade com essa atribuição, decorre do art. 48º que a legitimidade para promover o processo penal cabe ao Ministério Público, com as restrições dos artigos 49º a 52º, sendo, pois, a natureza do ilícito que delimita a promoção da ação penal.

Assim, é ao Ministério Público que cabe a promoção do processo, enquanto titular da ação penal, promovendo-a oficiosamente nos crimes públicos, mediante apresentação de queixa nos crimes semipúblicos (art. 49º) e dependente de queixa, constituição de assistente e dedução de acusação particular nos crimes particulares (art. 50º).

O art. 53º, n.º 2, dispõe que compete em especial ao Ministério Público: a) receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes; b) deduzir acusação e sustentá-la efetivamente na instrução e no julgamento; c) promover a execução das penas e das medidas de segurança.

Assim, adquirida a notícia de um crime, e legitimado pela queixa nos crimes semipúblicos e particulares, o Ministério Público tem o poder-dever de promover o processo, determinando e dirigindo o inquérito. Não havendo essa legitimidade do Ministério Público, o processo é nulo, de acordo com o disposto na al. b) do art. 119º, segundo o qual constitui nulidade insanável “a falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do art. 48º”.

Como refere Germano Marques da Silva[22], esta alínea refere-se à ilegalidade da promoção do processo pelo Ministério Público, por falta de queixa, nos crimes semipúblicos e particulares, ou de acusação particular, nos crimes particulares, e a qualquer outra irregularidade na promoção do processo.

Sem queixa o procedimento não pode iniciar-se e caso se tenha iniciado não pode prosseguir, a todo o tempo se podendo e devendo retirar as consequências do facto de a queixa não existir ou não ser juridicamente relevante.
De acordo com o art. 113º do Código Penal, "Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação".

É o caso do crime em apreço nos autos - injúria agravada pela circunstância de a vítima ser uma das pessoas referidas na al. l) do n.º 2 do art. 132º do Código Penal, no exercício das suas funções (arts. 181º e 184º do mesmo diploma) - relativamente ao qual o art. 188º, n.º 1, al. a), dispensa a dedução de acusação particular, mas exige a queixa ou participação.

Dispõe o art. 49º, n.º 1, que “quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas deem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo”, acrescentando o n.º 3 que "a queixa pode ser apresentada pelo titular do direito respetivo, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais".
Tanto a lei penal como a lei processual penal são omissas quanto à forma da queixa, não estando, pois, a sua efetivação sujeita a quaisquer formalidades legalmente impostas, não se podendo, no entanto, confundir com a denúncia (art.s 241º e ss.).
A noção de queixa tem conteúdo e natureza processual específicos; não constitui, como a denúncia, a simples transmissão do facto com relevância criminal, isto é, não constitui processualmente queixa uma simples declaração de ciência feita acerca de um facto. A queixa exige que se manifeste nessa declaração uma vontade específica de perseguição criminal pelo facto, e distingue-se nos seus elementos da denúncia, pois na queixa além da declaração de ciência na transmissão da ocorrência de um facto, exige-se ainda "uma manifestação de vontade de que seja instaurado um processo para procedimento criminal contra o agente"[23].

Como ensina Figueiredo Dias[24], a “queixa é o requerimento, feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do respetivo direito (em regra, o ofendido) exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada (…)”. E acrescenta o mesmo autor[25]: “No que toca à forma da queixa, tanto o CP como o CPP são omissos, devendo por isso entender-se que ela pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por um certo facto. (…) Indispensável é só que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes (eventuais) pelo substrato fáctico que descreve ou menciona”.


3.5.2 – No presente processo, a única alusão à vontade de o militar J. C. desejar procedimento criminal contra o arguido consiste no teor do auto de notícia, elaborado pelo agente autuante C. V. e em cujo rosto é identificado como testemunha o militar J. C., contendo a narração dos comportamentos do arguido, designadamente e com relevo para o ilícito em questão, que, após ter embatido com o veículo que conduzida na traseira da viatura policial, o arguido disse ao militar C. V. «“Viste o que fizeste, filho da puta?”», e que posteriormente, «durante todo o processo de algemagem o condutor não facilitou, proferindo palavras repetidas em voz alta para que fosse audível por outras pessoas, tais como: “Deixai-me seus cabrões. Ai que eles me querem matar! Eu quero testemunhas” Eu não fiz nada. Sou um cidadão exemplar. Eles estão-me a chamar cabrão! Quem me ajuda! Cuidado com as minhas costas”, e ainda que, mais tarde, durante a viagem desde o posto da GNR para o hospital, o arguido «injuriou e ameaçou o participante, (…), proferindo as seguintes palavras: “Aldrabão. Ordinário é o que tu és! Não Vales merda nenhuma. Seu parasita. Se eu tivesse aqui uma arma eu matava-te, pá”».
Com efeito, no termo desse auto de notícia o autuante C. V. escreveu que “o participante e a testemunha desejam procedimento criminal e consequente pedido de indemnização civil”.
Todavia, tal auto apenas foi assinado pelo referido autuante e já não pela testemunha, mostrando-se completamente em branco o espaço expressamente reservado à assinatura da mesma.
Contendo o auto uma declaração de vontade do militar J. C. e não tendo este conferido quaisquer poderes ao autuante para agir em sua representação, impunha-se que também fosse assinado por ele.
É legítimo questionar se a ausência da referida assinatura no auto se deveu a mero lapso, por esquecimento, ou se, contrariamente, o militar J. C. não quis subscrever a declaração de procedimento criminal que nele ficou a constar ou, ainda, se o autuante C. V. fez essa menção na convicção de que também o colega desejava procedimento criminal, não sendo igualmente de excluir a hipótese de o auto de notícia não ter sido dado a ler à testemunha J. C. e de, consequentemente, esta não ter conhecimento da sua manifestação de vontade nele incluída.
A ter havido uma mera falha, não deixa de ser estranho que os militares da GNR não tenham diligenciado pela recolha da assinatura em falta, o que poderia ser feito a todo o tempo. Tanto mais que, pela sua qualidade profissional não desconheciam a necessidade de haver uma manifesta e inequívoca manifestação do desejo de procedimento criminal contra o arguido pelo referido crime.
Acresce que o militar J. C. em momento algum posterior manifestou ou ratificou essa declaração de vontade, não tendo tido qualquer intervenção processual que a corrobore, pois não foi inquirido em sede de inquérito, não requereu a constituição de assistente nem formulou pedido de indemnização civil. E como o recorrente salienta, esse desejo também não se infere das declarações prestadas em audiência de julgamento, porquanto, como vimos no âmbito da apreciação da impugnação da matéria de facto, quando questionada se o arguido lhes tinha chamado “seus cabrões”, a testemunha respondeu “Não, não. Pelo menos a mim não”, sendo certo que essa é a única expressão injuriosa que lhe foi dirigida pelo arguido.
Esta resposta do militar J. C. é sugestiva de que ele não se terá sentido ofendido e, como tal, não desejaria a perseguição criminal do arguido por esse crime, o que poderá constituir uma possível explicação para a falta de assinatura do auto de notícia.
Em suma, cremos não estar perfeitamente demonstrada nos autos, de forma expressa e inequívoca, como se impunha, a vontade de o ofendido J. C. pretender procedimento criminal contra o arguido pelo crime de injúria agravada.
Por conseguinte, conclui-se pela falta de legitimidade do Ministério Público para o prosseguimento da ação penal relativamente a esse crime, o que integra a nulidade insanável prevista no art. 119º, al. b).
Impõe-se, consequentemente, absolver o arguido do crime de injúria agravada na pessoa do ofendido J. C., pelo qual foi condenado na pena de 60 dias de multa, declarando extinto o respetivo procedimento criminal, assim procedendo o segmento em apreço do recurso.
Necessariamente, fica desfeito o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas pelos dois crimes de injúria, donde resultou a pena única de 120 dias de multa, reassumindo autonomia a pena parcelar de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6, relativa ao crime cometido na pessoa do ofendido C. V..

3.5.3 - Nas conclusões 84ª a 89ª insurge-se o recorrente contra a medida da pena que lhe foi aplicada, por a considerar injusta, ilegal, pouco criteriosa e excessiva, invocando terem sido violados os arts. 18º, n.º 2, e 25º, n.º 1, da Constituição.
Conquanto não esclareça a que pena se está a reportar, se à aplicada pelo crime de resistência e coação sobre funcionário, se à pena parcelar correspondente a cada um dos dois crimes de injúria agravada ou, ainda, se à pena única resultante do cúmulo jurídico destas duas últimas condenações, no item XI do corpo da motivação, relativo à densificação da síntese contida naquelas conclusões, o recorrente alude expressa e exclusivamente à pena de 120 dias de multa, aplicada em cúmulo jurídico das duas condenações pelos crimes de injúria, a ela se circunscrevendo, portanto, o objeto desse segmento do recurso.
Todavia, tal questão, elencada em último lugar na delimitação do objeto do recurso, mostra-se prejudicada, em virtude de o referido cúmulo ficar necessariamente desfeito em consequência da absolvição do arguido de um dos dois crimes que o integraram.

3.6 - Da não verificação dos elementos típicos do crime de injúria

Nas conclusões 41ª a 50ª, alega o recorrente que as circunstâncias em que tiveram lugar as expressões injuriosas que lhe são imputadas (quando o militar da GNR C. V. saiu da viatura policial, empunhou a arma de serviço e lhe ordenou que saísse do seu veículo, bem como quando se encontrava a ser algemado, no chão) revelam que a situação ocorreu num processo de descarga emocional do arguido, num episódio de vida unívoco e num estado de nervosismo extremo, em tom de protesto quanto à forma de atuação dos agentes de autoridade, não tendo tais expressões sido dirigidas à "pessoa" destes, não constituindo a imputação de qualquer facto, não visando ofender a honra e a consideração dos referidos agentes nem sendo suficientes para os abalar moralmente, por não os fazerem ser alvo de falta de consideração ou desprezo públicos, pelo que, não sendo objetivamente ofensivas, o que se repercute ao nível do elemento subjetivo, não se encontra preenchida, objetivamente, a previsão do crime de injúria.

Vejamos se lhe assiste razão.

3.6.1 - De acordo com o teor do art. 181º do Código Penal, comete o tipo de crime em apreço “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração”.

Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-12-2007[26], para efeitos de tutela penal, cujo fundamento se busca na proteção do direito fundamental ao bom nome e reputação, constitucionalmente consagrado no art. 26º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a honra traduz-se num bem jurídico multiforme, que mistura uma conceção fáctica, subjetiva e objetiva, com uma conceção normativa, pessoal e social, incluindo, desta forma, por um lado, o valor e dignidade pessoal e interior de cada indivíduo, e, por outro, a sua integração e consideração na comunidade em que se insere.
No caso do crime de injúria, prevê-se que a imputação de factos e a simples direção de palavras a outrem podem traduzir uma forma de ofensa da honra e consideração do visado.
No entanto, a ordem jurídica acolhe os direitos ao bom nome e reputação de forma harmonizada e convergente, de tal modo que nem todo o comportamento incorreto de um indivíduo merece tutela penal, devendo-se destrinçar as situações que traduzem, de facto, uma ofensa da honra de terceiros com dignidade penal, daquelas situações suscetíveis de revelar tão só indelicadeza, grosseirismo ou uma má educação do agente, sem repercussão relevante na esfera da dignidade ou do bom nome do visado. Importa ter em consideração que, por vezes, é normal algum grau de conflitualidade e animosidade entre os membros de uma comunidade, surgindo situações em que alguns deles se podem até expressar, ao nível da linguagem, de forma deselegante ou indelicada. Contudo, o direito não pode intervir sempre que a linguagem ou as afirmações utilizadas incomodam o visado, devendo a sua intervenção reservar-se para as situações em que é atingido o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana e que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros, segundo os princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade, imanente ao Estado de direito[].
Por conseguinte, atentos os múltiplos fatores que concorrem para a identificação das condutas ofensivas da honra, apenas nos casos concretos é possível discernir quais as palavras ou afirmações que, efetivamente, comportam uma carga ofensiva da honra de um indivíduo. Para este efeito, cumpre considerar, não só as expressões em si mesmas ou o seu significado, mas todas as circunstâncias envolventes, como sejam a comunidade mais ou menos restrita a que pertencem os intervenientes, a relação existente entre estes, o contexto em que as palavras são produzidas e a forma como o são.
Ao invés do que sucede com as normas de costume e morais, cuja violação apenas acarreta a reprovação por parte de quem lhes atribui importância ou por parte dos membros da comunidade em que o infrator se insere, conduzindo, nos casos mais ostensivos, a uma desqualificação do mesmo em certos círculos sociais, as regras jurídicas prendem-se com o núcleo essencial da convivência humana, tutelando valores de tal forma relevante para a vida em sociedade, a ponto de o Estado impor coativamente a sua observância e estabelecer sanções para os prevaricadores.

3.6.2 - No caso vertente, importa começar por precisar que parte das expressões em questão, concretamente “aldrabão" e "ordinário", dirigidas pelo arguido ao ofendido C. V., foram-no já num contexto espácio-temporal perfeitamente distinto da sua detenção, ou seja, posteriormente à consumação desta e depois de o arguido ter sido conduzido desde o local da interseção até ao posto da GNR e já no percurso deste para o hospital, no interior da ambulância e na presença de uma bombeira. Ou seja, esse comportamento já não é suscetível de ser integrado numa conduta meramente reativa, de descarga emocional e de nervosismo própria da situação da detenção, como sustenta o recorrente.
Já as demais expressões (“viste o que fizeste, seu filho da puta” e “deixai-me seus cabrões”, dirigidas, a primeira ao militar C. V. e a segunda a este e ao colega J. C.), foram efetivamente proferidas no momento da interseção e da detenção do arguido, concretamente quando o veículo por ele conduzido embateu na traseira da viatura policial, devido à redução da velocidade desta para o obrigar a parar, e logo de seguida, quando os militares procuravam algemá-lo.
Todavia, apesar da verificação desse concreto circunstancialismo e do estado de exaltação em que o arguido se pudesse encontrar, que, aliás, foi criado pelo próprio, ao procurar evitar a sua interseção, pondo-se em fuga (sabe-se lá porquê) e ao resistir à subsequente detenção, afigura-se-nos que os concretos epítetos em questão (“filho da puta” e “cabrão”), tal como os demais supra referidos (“aldrabão" e "ordinário"), pelo seu teor e carga pejorativa, exprimem um juízo negativo acerca do visado, juízo esse adequado e idóneo, pelo significado social que lhe corresponde, a desacreditar, desprestigiar e diminuir o bom nome do ofendido, quer perante si próprio quer em face da generalidade das pessoas, pelo que não podem deixar de ser considerados como objetivamente injuriosos.
À luz dos padrões médios de valoração social, as expressões em apreço, mesmo no contexto e circunstâncias em que foram dirigidas pelo arguido ao ofendido, são suscetíveis de ofender, de modo jurídico-penalmente relevante, a honra e consideração do visado, por atingirem nitidamente a esfera da sua dignidade pessoal, indo muito além de uma mera violação das regras de cortesia, delicadeza e boa educação e atingindo já o âmago do mínimo de respeito indispensável ao relacionamento em sociedade.
Refira-se, por fim, que para integrar o elemento subjetivo da infração basta a consciência por parte do agente de que a sua conduta é suscetível de produzir ofensa da honra ou consideração do visado, não se exigindo, portanto, qualquer dolo dito específico ou especial, facto este que, todavia, até resultou provado (cf. ponto 13º).
Conclui-se, assim, que, relativamente ao ofendido C. V., a conduta do arguido é subsumível ao tipo legal do crime de injúria pelo qual se mostra condenado, assim improcedendo este segmento do recurso.

3.7 - Da existência de concurso aparente entre os crimes de injúria e de resistência e coação sobre funcionário

O recorrente pugna pelo reconhecimento de uma relação de concurso aparente entre os crimes de injúria e de resistência e coação sobre funcionário, com fundamento na alegação de que a sua conduta global se desenrolou num encadeamento da ação que não pode deixar de ser avaliado na sua integralidade, tendo proferido as expressões injuriosas quando se encontrava a ser detido, ou seja, enquanto praticava o crime de resistência e coação, pelo que, apesar de serem vários os tipos preenchidos, retira-se do seu comportamento global um sentido de ilicitude dominante, em que as injúrias se integram num mesmo processo de descarga emocional, num episódio de vida unívoco espácio-temporalmente conexo, inequivocamente revelador de uma unidade de sentido do comportamento ilícito global, a determinar que o concurso entre estes três crimes é meramente aparente, a punir na moldura do tipo legal de resistência e coação sobre funcionário (conclusões 51ª a 58ª).
Também esta questão se encontra prejudicada pela solução dada à questão atinente aos elementos típicos do crime de resistência e coação sobre funcionário, na qual se concluiu pela não verificação do elemento objetivo da violência, com a consequente absolvição do recorrente da prática desse crime.
De todo o modo, sempre se dirá que, para além da expressão dirigida pelo arguido ao ofendido C. V. no contexto de resistência à detenção e algemamento, esbracejando e esperneando ("deixai-me seus cabrões"), também o apelidou de "filho da puta", "aldrabão" e "ordinário". Todavia, este primeiro epíteto foi proferido em momento anterior e ainda fora daquele contexto, mais concretamente na sequência de o arguido ter embatido com a sua viatura na traseira do veículo da GNR, que seguia à sua frente, por o respetivo condutor ter reduzido a velocidade para o forçar a parar. Por seu turno, as restantes expressões foram dirigidas ao ofendido já posteriormente à detenção, durante o percurso desde o posto da GNR, para onde fora levado, até ao hospital, a fim de receber assistência médica.
Por outro lado, mesmo a verificar-se o crime de resistência e coação, nunca assistiria razão ao recorrente, na medida em que esse ilícito apenas tem como elemento típico o emprego de violência, física e psicológica, e de ameaça grave, e já não a ofensa da honra e da consideração do funcionário. Assim, o bem jurídico protegido pelo crime de injúria não está abrangido, com a mesma amplitude, pelo crime de resistência e coação sobre funcionário, o que conduz à afirmação de uma relação de concurso efetivo entre ambos.

O que, naturalmente, é válido para a relação entre o crime de injúria e o crime de ofensa à integridade física qualificada objeto de punição autónoma na sequência da absolvição do arguido do crime de resistência e coação, que o tribunal a quo havia considerado estarem em relação de concurso aparente.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido, O. F., e, em consequência, decidem:

A) – Alterar a decisão sobre a matéria de facto, eliminando o segmento final do ponto 10º dos factos provados ("e dor na zona dorso lombar"), que passa a considerar-se não provado.
B) – Absolver o arguido da prática do crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo art. 347º, n.º 1, do Código Penal, pelo qual foi condenado.
C) - Condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos arts. 143º, n.º 1, e 145º, n.ºs 1, al. a), e 2, com referência ao art. 132º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, substituída por 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), o que perfaz € 720 (setecentos e vinte euros).
D) – Condenar o arguido pela prática da contraordenação de desobediência ao sinal regulamentar de paragem das autoridades com competência para fiscalizar o trânsito, prevista e punida pelos arts. 4º, n.º 3, e 146º, al. l), do Código da Estrada, na coima de € 600 (seiscentos euros).
E) - Julgar extinto, por ilegitimidade do Ministério Público para o promover, o procedimento criminal relativamente ao crime de injúria agravada na pessoa do ofendido J. C., absolvendo o arguido de tal crime, ficando desfeito o cúmulo jurídico entre a respetiva pena e a pena aplicada pelo crime de injúria agravada na pessoa do ofendido C. V. (90 dias de multa, à taxa diária de € 6, o que perfaz € 540), que reassume autonomia.
F) - Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.

Sem custas, atento o parcial provimento do recurso (art. 513º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal).
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(Elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
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Guimarães, 11 de novembro de 2019

(Jorge Bispo)
(Pedro Cunha Lopes)
(assinado eletronicamente, conforme assinaturas apostas no canto superior esquerdo da primeira página)


1. - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a formatação do texto e a ortografia utilizada, que são da responsabilidade do relator.
2. - Cf. o acórdão do STJ de 25-01-2006 (processo n.º 05P3460), disponível em http://www.dgsi.pt.
3. - Cf. o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 7/95, proferido pelo Plenário das Secções Criminais do STJ em 19 de outubro de 1995, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de dezembro de 1995.
4. - Vd. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., pág. 729; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pág. 339; e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pág. 77 e ss..
5. - Cf., nomeadamente, o acórdão de 20-04-2006 (processo n.º 06P363), disponível em http://www.dgsi.pt.
6. - Cf. o acórdão do TRL de 18-07-2013 (proc. 1/05.2JFLSB.L1-3), disponível em http://www.dgsi.pt.
7. - Vd. Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 341.
8. - Vd. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, pág. 74.
9. - Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 18-01-2018 (processo n.º 563/14.3TABRG.S1), de 17-03-2016 (processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), de 20-01-2010 (processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1), de 14-03-2007 (processo n.º 07P21) e de 23-05-2007 (processo n.º 07P1498) e do TRP de 11-07-2001 (processo n.º 110407), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
10. - Cf. os acórdãos do STJ de 18-01-2018 (processo n.º 563/14.3TABRG.S1) e de 25-03-2010 (processo n.º 427/08.OTBSTB.E1.S1), disponíveis em http://www.dgsi.pt.
11. - Proferido no processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.
12. - Vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 519.
13. - In Direito Processual Penal, I, pág. 215.
14. - Cf. o acórdão do STJ de 04-11-1998, in BMJ n.º 481, pág. 265.
15. - Cf. os acórdãos do STJ de 14-07-2010 (processo n.º 408/08.3PRLSB.L2.S1), 25-03-2010 (processo n.º 427/08.0TBSTB.E1.S1), 24-02-2010 (processo n.º 563/03.0PRPRT) e 13-01-2010 (processo 274/08.9JASTB.L1.S1), todos disponíveis em http//www.dgsi.pt.
16. - Vd. Cristina Líbano Monteiro, in Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. III, Coimbra Editora, 2001, pág. 339.
17. - Obra e volume citados, pág. 341.
18. - Obra e volume citados, pág. 342.
19. - Cf., entre outros, o acórdão da RE de 20-03-2018 (processo n.º 26/14.7GTEVR.E1), da RG de 09-01-2017 (processo n.º 622//14.2GBBCL.G1), da RL de 09-05-2017 (processo n.º 17/16.3PTHRT.L1-5) e da RP de 17-04-2013 (processo n.º 597/12.2GCOVR.P1), todos disponíveis em http//www.dgsi.pt.
20. - Processo nº 81/02, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030049.html.
21. - Cf. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas - Editorial Notícias, págs. 227 e ss..
22. - In Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª edição revista e atualizada, pág. 34.
23. - Vd. Germano Marques da Silva, ob. cit., Vol. III, págs. 55 a 59.
24. - In Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, 1993, Aequitas - Editorial Notícias, pág. 665.
25. - Ob. cit., pág. 675.
26. - Proferido no processo n.º 0745811, disponível em http://www.dgsi.pt.
27. - Neste sentido, cf. o acórdão desta Relação de Guimarães de 22-01-2018 (processo n.º 154/15.1GAPCR.G1, disponível em http://www.dgsi.pt).