Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | HEITOR GONÇALVES | ||
| Descritores: | SUB-ROGAÇÃO PRAZO PRESCRICIONAL PRAZO PRESCRIÇÃO PRECLUSÃO DO DIREITO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 01/21/2016 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | . O reembolso peticionado pela seguradora da entidade patronal contra o principal responsável na produção do acidente que é simultâneamente acidente de viação e de trabalho é um direito de sub-rogação legal e não um direito de regresso (não obstante ambos serem de-vedores solidários), porque se trata da transmissão de um crédito (artigo 589º do Código Civil), e não da sua extinção, sendo esse o sentido das disposições dos artigos 31º da Lei nº.100/97, e 294º do Código de Trabalho aprovado pela Lei nº. 99/2003. .A entidade patronal, ou a sua seguradora, só fica sub-rogada nos direitos do credor com o pagamento da indemnização aos lesados, e constituindo o cumprimento pressuposto incontornável do exercido do direito ao reembolso, e a data em que o mesmo é efectuado marca o início da contagem do prazo da prescrição que é de três anos, por aplicação analógica do nº 2 do artº 498º do CC. .Tendo a A. deduzido pedido de intervenção principal na acção judicial 528/08.4TBMDL. a não oposição da agora ré ao incidente não tem efeitos preclusivos, podendo invocar nestes autos a prescrição. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I.Relatório. 1.B…Companhia de Seguros, SA, exercendo direito de regresso nos termos do artigo 31º da lei 100/97, pediu nesta acção a condenação do réu Gabinete Português de Carta Verde a pagar a quantia de € 38.255,09, acrescida dos juros legais desde a citação da ré até efectivo pagamento. Alega no essencial e em síntese que celebrou com a C.G.D. um contrato de Seguro, assumindo a sua responsabilidade resultante de acidentes de trabalho, e na sequência do acidente que vitimou mortalmente C…, trabalhador da CGD., pagou as despesas de funeral de €1.498,00 e o capital da remissão da pensão de €1.050,00 a cada um dos herdeiros (D… e E…). Que a morte do sinistrado sobreveio às lesões sofridas no acidente de viação de 11 de Maio de 2005 produzido por culpa do condutor do veículo de matrícula francesa XXXX, e por isso é responsável a CPCV nos termos dos artigos 2º do DL 122-A/86 e 26º do DL 522/85, de 31.12. 2.Na contestação, além de impugnar os factos alusivos à culpa imputada ao condutor do veículo XXXX, o Réu invoca a prescrição do direito do autor nos termos do artigo 498º, nºs 1 e 3, do Código Civil, decorridos que estão 5 anos, contando-se o prazo desde o acidente ou desde a data em que foi paga a indemnização aos lesados. 3. Foi agendada e realizada audiência prévia na qual o tribunal entendeu que o processo continha todos os elementos capazes de habilitar uma decisão sobre o fundo da causa, sem necessidade de produção de prova, ao abrigo do artigo 591.º, n.º1, b) do CPC, e assim procedeu ao julgar procedente a excepção peremptória de prescrição, absolvendo o réu do pedido. II. A Cª de Seguros B… interpôs recurso, concluindo: 1ª O presente recurso restringe-se à apreciação da verificação ou não da excepção de prescrição do direito da autora. 2ª- Em 28.06.14 a aqui apelante intentou a presente acção contra a recorrida, alegando que ocorreu um sinistro simultaneamente de trabalho e de viação que vitimou mortalmente C…, e como ressarciu os pais do sinistrado ao abrigo de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, pretende sub-rogar-se nos seus direitos contra o aqui recorrido e reclamar o pagamento das despesas por si efectuadas. 3ª Insurge-se a apelante contra a decisão porquanto prevê o art. 323.º nº 1 do CC que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”. 4ª- A apelante requereu a sua intervenção principal espontânea no Processo 528/08.4tbmdl, em que era Réu o aqui recorrido, que correu termos no 1º juízo do Tribunal de Mirandela, a 31/08/2011, manifestando, assim, a sua vontade de interromper a prescrição ao ter deduzido aquele incidente, incidente este idóneo para a interrupção da prescrição e vontade de ser ressarcida dos prejuizos causados –vide Ac. TRC de 09.07.2014 e Acórdão do STJ de12.3.1998). 5ª- O recorrido foi notificado da intervenção espontânea da recorrente em 20.09.2011 e para o contestar querendo, e não deduziu qualquer oposição ou invocou a prescrição. 6ª- Desta feita, não sendo a prescrição do conhecimento oficioso, não tendo o recorrido deduzido qualquer oposição nem tão-pouco invocado a prescrição, dúvidas não restam de que a prescrição se teve por interrompida em 31/08/2011. 7ª- A prescrição é um instituto jurídico que não é do conhecimento oficioso, sendo necessário, para que o tribunal dela conheça, a sua invocação pela parte que dela beneficia, por isso, teria o recorrido de invocar, contestando aquele incidente, a prescrição, o que não fez, nem tão-pouco deduziu oposição. 8ª-E não poderia o tribunal substituir-se à parte para conhecer daquela, pelo que, consequentemente, tem-se a prescrição por interrompida e a sua alegação ulterior sempre seria extemporânea. 9ª-Assim, não poderia o tribunal a quo julgar prescrito o direito da A, aqui apelante, quando a prescrição foi interrompida em 31/08/2011. Acresce que, 10ª- A sub-rogação pode ser definida como a transmissão de crédito em favor daquele que , substituindo-se ao devedor , cumpre a obrigação a que se encontrava adstrito – art. 589º, supõe sempre um pagamento feito por terceiro ao originário credor , ingressando esse terceiro na posição jurídica que o primitivo credor ocupava na relação obrigacional- a sub-rogação é uma forma de transmissão de um crédito – vidé Ac. STJ de 15.11.2007 in www.dgsi.pt. 11ª- A sub-rogação envolve a transmissão de todas as garantias e outros acessórios de crédito nos termos do disposto nos arts 594º e 583º do CC, pressupondo, assim, o cumprimento, que é uma das formas de extinção da obrigação, permanecendo o mesmo direito , ainda que com alteração subjectiva, o instituto fica diferenciado do chamado “direito de regresso”. 12ª- E de acordo com o Ac. do STJ de 04.11.1999 in CJ , Tomo III pg 77: “ E porque a sub-rogação é uma figura jurídica distinta do direito de regresso, o prazo de prescrição do direito sub-rogado é o ordinário de 20 anos, nos termos do disposto no nº 1 do art. 311º do CC e não o fixado no art. 498º, nº 2 do mesmo Código”. 13ª- Assim, salvo o devido respeito, o tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no art 31º da LAT e nos arts 304º, 306º, 323º, 326º, 498º e 592º do CC. Respondeu a recorrida pugnando pela manutenção do julgado. Em síntese, conclui que o prazo de prescrição é de 5 anos por aplicação dos artigos 498º, nºs 2 e 3, do Código Civil, e 11º, nº1, alínea c), do Código Penal, o qual já tinha ocorrido à data do alegado acto interruptivo do prazo. III. Factos considerados provados em 1ª instância: 1) O acidente que vitimou mortalmente C… deu-se em 11/08/2005. 2) Por decisão datada de 27/01/2006 foi homologado, no Tribunal do Trabalho de Bragança, o acordo de conciliação com o teor de fls. 37 e 38 dos autos, conforme documento de fls. 40, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 3) A petição inicial deu entrada neste tribunal em 28/06/2014. 4) O AR de citação do réu para a presente acção foi assinado em 11/07/2014. 5) Por carta datada de 01/06/2006, a autora deu conhecimento ao Tribunal do Trabalho de Bragança e enviou comprovativos do pagamento do capital de remissão aos familiares do falecido, conforme documento de fls. 32 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 6) Em 30/05/2006 a autora procedeu ao pagamento do capital de remissão aos familiares do falecido, conforme documento de fls. 33 a 34 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 7) Por requerimento datado de 31/08/2011, a autora peticionou a sua intervenção principal espontânea nos autos com o númeroYYYYTBMDL, que correram termos no 1.º juízo do Tribunal de Mirandela, pedido que foi julgado extemporâneo por despacho datado de 26/10/2011, conforme documento de fls. 54 a 65 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. IV. Colhidos os vistos, cumpre decidir. As questões jurídicas suscitadas nas conclusões de recurso: 1ª Tendo a seguradora da entidade patronal indemnizado os lesados, qual o regime de prescrição aplicável para o peticionado direito de reembolso contra o terceiro responsável (no caso contra o GPCV)? 2ª. Qual a relevância na prescrição do pedido da autora de 31/08/2011 para intervir como parte principal na acção judicial 528/08.4TBMDL: interrompeu o prazo de prescrição, e a não oposição da aqui ré ao incidente tem efeitos preclusivos? Antes de entrarmos na apreciação do mérito dessas questões, consigna-se que posição das partes nos articulados e o teor dos documentos juntos (v.g. os de fls. 27, 28, 30 e 31) permitem nos termos do artigo 607º, nº5, do CPC, considerar a aquisição processual dos seguintes factos, além dos elencados na decisão recorrida: a) Em 11.08.2005 ocorreu um acidente de viação no IP4, Mirandela, em que foram intervenientes os veículos automóveis: XXXX, de matrícula francesa, conduzido por Xavier ; ZZZ, conduzido por C…, e 00-00-TI, e conduzido por F…; b) Em consequência do embate entre esses três veículos, o C… sofreu lesões as quais foram causa directa e necessária da sua morte; c) No exercício da sua actividade, a autora celebrou com a CGD contrato de seguro de Acidentes de Trabalho titulado pela apólice iiiii pelo qual assumiu a responsabilidade infortunística daquela entidade patronal resultante de acidentes de trabalho; d) No âmbito desse contrato, foi participado à autora como sendo tam-bém de trabalho o aludido acidente de viação donde sobrevieram as lesões que causaram a morte ao Àlvaro, trabalhador da CGD. Vejamos: A situação respeita a um acidente simultaneamente de trabalho e de viacção, em que a seguradora da entidade patronal pede o reembolso das indemnizações pagas aos herdeiros da vítima, demandando para o efeito o Gabinete Português da Carta Verde nos termos do artigo 2º do Decreto-Lei 122-A/86[1], enquanto garante da responsabilidade civil do terceiro culpado na produção do acidente. Acolhemos a posição da decisão recorrida quando considera que o reembolso peticionado pela seguradora da entidade patronal contra o principal responsável na produção do acidente é um direito de sub-rogação legal e não um direito de regresso (não obstante ambos serem devedores solidários), porque se trata da transmissão de um crédito (artigo 589º do Código Civil), e não da sua extinção, e é esse o sentido das disposições dos artigos 31º da Lei nº.100/97, e 294º do Código de Trabalho aprovado pela Lei nº. 99/2003. Sobre essa matéria, refere na fundamentação o acórdão do STJ de 11.12.2012 (Lopes do Rego): «Desta fisionomia essencial do concurso ou concorrência de responsabilidades (que não envolve um concurso ou acumulação real de indemnizações pelos mesmos danos concretos) pode extrair-se a conclusão que este figurino normativo preenche, no essencial, a figura da solidariedade imprópria ou imperfeita, já que: no plano das relações externas, o lesado pode exigir alternativamente a indemnização ou ressarcimento dos danos a qualquer dos responsáveis, civil ou laboral, escolhendo aquele de que pretende obter em primeira linha a indemnização, mas sem que lhe seja lícito somar, em termos de acumulação real, ambas as indemnizações; no plano das relações internas, a circunstância de haver um escalonamento de responsabilidades, sendo um dos obrigados a indemnizar o responsável definitivo pelos danos causados, conduz a que tenha de se outorgar ao responsável provisório (a entidade patronal ou respectiva seguradora) o direito ao reembolso das quantias que tiver pago, fazendo-as repercutir definitivamente, directa ou indirectamente, no património do responsável ou responsáveis civis pelo acidente. Têm sido, todavia, acentuadas algumas particularidades ou aspectos específicos e peculiares desta relação de solidariedade imprópria. Assim: - no que toca ao regime das relações externas, acentua-se que (ao contrário do que ocorre na normal solidariedade obrigacional–art. 523º do C.C.) o pagamento da indemnização pelo responsável pelo sinistro laboral não envolve extinção, mesmo parcial, da obrigação comum, não liberando o responsável pelo acidente de viação: é que, se a indemnização paga pelo detentor ou condutor do veículo extingue efectivamente a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não será exacto, na medida em que a indemnização paga por esta entidade não extinguiria a obrigação a cargo do responsável pela circulação do veiculo que causou o acidente ( cfr., por exemplo, o Ac. de 19/10/10, do STJ…) e daí que se qualifique como sub-rogação legal (e não como direito de regresso) o fenómeno da sucessão da entidade patronal ou respectiva seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, referentemente à parcela da indemnização que tiver satisfeito ( cfr. Acs. de 9/3/10, proferido pelo STJ no P. 2270/04.6TBVLG.P1.S1, e de 11/1/01, proferido no P. 4760/07.0TBBRG.G1.S1)»; O mesmo aresto também nos dá conta de que se tende a estabilizar a corrente jurisprudencial no sentido da aplicação analógica do nº2 do artigo 498º do Código Civil aos casos de direito de reembolso – segundo essa disposição legal «prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis». A propósito vale a pena transcrever os comentários de Vaz Serra ao acórdão do STJ de 3 de Novembro de 1964: «A razão de ser do curto prazo fixado na lei para o exercício do direito de indemnização (evitar que as circuns-tâncias do acidente sejam apreciadas judicialmente muito tempo depois da pro-dução deste) é extensiva à hipótese de exercício, pela entidade patronal ou pelo seu segurador, do direito de indemnização contra o responsável pelo acidente de viação. A situação deste responsável e o interesse numa apreciação das circuns-tâncias do acidente não muito distante da data deste não podem ficar comprome-tidos pelo facto de o pedido de indemnização ser formulado, não pelo próprio le-sado, mas por um terceiro sub-rogado legalmente nos seus direitos» (RLJ, ano 98, pág. 202). E se a entidade patronal, ou a sua seguradora, só fica sub-rogada nos direitos do credor com o pagamento da indemnização aos lesados, o mesmo é dizer que o cumprimento constitui pressuposto incontor-nável do exercido do direito ao reembolso, e a data em que o mesmo é efectuado marca o início da contagem do prazo da prescrição. Ora, tendo a autora pago aos herdeiros da vítima o capital da remis-são da pensão em 30 de Maio de 2006, o termo do prazo da prescrição de 3 anos ocorreu em 30 de Maio de 2009, e mesmo que beneficiasse do prazo mais longo de 5 anos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 498º, nº3, do Código Civil, e 118º, nº1-c), do Código Penal (a jurisprudência do STJ maioritária é actualmente no sentido da inaplicabilidade do prazo de prescrição mais longo ao direito de regresso: entre outros, cfr. acórdãos do STJ de 07.05.2014, 29.11.2011, 17.11.2011, 16.11.2010, 04.11.2010, 27.10.2009 e 06.05.2009), o seu termo já tinha ocorrido quando a autora praticou o alegado acto interruptivo de 31 de Agosto de 2011, requerendo a sua intervenção como parte principal nos autos de acidente de viação, e não é defensável a tese de que ficou precludido o direito da ré em invocar a prescrição só porque não ofereceu oposição à alteração subjectiva da instância (esse silêncio não envolve qualquer cominação quanto aos factos e ao mérito da pretensão do interveniente). Eis pois as principais razões que nos levam a concluir que o direito da autora à data em que propôs esta demanda judicial (28.06.2014) já se encontrava extinto por prescrição, como bem decidiu a sentença recorrida, dando procedência à excepção peremptória invocada pela ré na contestação. V. Pelos fundamentos enunciados acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação. Custas pela apelante. TRG, 21 de Janeiro de 2016 ____________________ [1]Dispõe esse artigo 2º do DL 122-A/86 que: «Compete ao Gabinete Português de Certificado Internacional de Seguro, constituído em conformidade com a Recomendação n.º 5, adoptada pelo Subcomité de Transportes Rodoviários do Comité de Transportes Internos da Comissão Económica para a Europa da Organização das Nações Unidas, a satisfação, ao abrigo da Convenção Complementar entre Gabinetes Nacionais, das indemnizações devidas, nos termos legais e regulamentares do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, aos lesados por acidentes causados por veículos matriculados noutros Estados membros da Comunidade Económica Europeia ou em países terceiros cujos gabinetes nacionais de seguros tenham aderido à referida Convenção Complementar, bem como por veículos matriculados noutros países terceiros que sejam portadores de um documento válido justificativo da subscrição num outro Estado membro de um seguro de fronteira». |