Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | SOCIEDADE POR QUOTAS JUNÇÃO DE DOCUMENTO REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIA GERAL ATRAVÉS DE MEIOS TELEMÁTICOS FALTA DE GRAVAÇÃO AUDIO E VÍDEO DAS ASSEMBLEIAS GERAIS REALIZADAS FALTA DE GRAVAÇÃO AUDIO E VÍDEO DAS ASSEMBLEIAS GERAIS REALIZADAS ATRAVÉS DE MEIOS TELEMÁTICOS PARTICIPAÇÃO DOS SÓCIOS NA ASSEMBLEIA GERAL DIREITOS DOS SÓCIOS NAS ASSEMBLEIAS GERAIS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE EM PARTE E NOUTRA PARTE ANULA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil). 1- Uma sociedade agrícola que tenha por objeto a exploração agrícola de bens próprios, constituída sob a forma comercial de sociedade por quotas, é uma sociedade civil sob a forma comercial, à qual é aplicável o Código das Sociedades Comerciais na parte geral aplicável a todos os tipos societários e, bem assim, a parte especial aplicável às sociedades por quotas (art. 1º, n.º 4 do CSC). 2- Salvo disposição em contrário do contrato de sociedade, as assembleias gerais das sociedades por quotas podem ser realizadas através de meios telemáticos (art. 377º, n.º 6, al. b), ex vi art. 248º, n.º 1 do CSC). 3- A falta de gravação áudio e vídeo das assembleias gerais realizadas através de meios telemáticos imposta pelo art. 377º, n.º 6, al. b) do CSC, ou a falta de ata dessa assembleia, não são forma de deliberação, mas meio exclusivo de prova, não sendo a existência dessa gravação ou da ata condição de validade das deliberações aprovadas nessa assembleia. Daí que a mera alegação e prova de que não foi realizada a gravação da assembleia não determine a invalidação das deliberações nela aprovadas. 4- Nas sociedades por quotas a participação dos sócios na assembleia geral é garantida a todos os sócios, independentemente do montante da respetiva participação social e mesmo que se encontrem impedidos de votar, posto que, a assembleia, é o local destinado à discussão da vida societária e essa discussão é fundamental para que os sócios formem o seu sentido de voto de forma esclarecida através do mútuo esclarecimento proveniente da discussão. 5- A todos os sócios é garantido o direito de, na assembleia geral, usar da palavra, colocar questões, pronunciar-se sobre as matérias sob apreciação, solicitar informações, formular propostas, ouvir as opiniões dos restantes sócios, as questões, os pedidos de esclarecimentos e as informações que estes solicitem à gerência e a inteirar-se das respostas e das informações que, nessa sequência, lhe sejam prestadas. 6- Sempre que a presidência da assembleia não permita aos sócios exercerem aqueles direitos, nomeadamente, recusando-lhes a palavra, apesar de a solicitarem, para que os possam exercer, ou retirando-lhes a palavra quando se encontram a exercê-los, designadamente, desligando-lhes o microfone para impedir que sejam ouvidos pelos restantes sócios presentes ou representados na assembleia, ou criando condições com o propósito de impedi-los de exercerem esses direitos e que objetivamente sejam impeditivas daqueles efetivamente os poderem exercer (v.g. recusando pausas para refeições ou satisfação das necessidades fisiológicas apesar do longo período de tempo em que já decorre a reunião, forçando-os a terem de se ausentar da reunião), tais condutas obstam a que a vontade dos sócios se forme de modo esclarecido e são potencialmente geradora de anulabilidade das deliberações que sejam aprovadas nessa assembleia por vício de procedimento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, no seguinte: I- RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., ..., ..., e BB, residente na Rua ..., ..., instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra Sociedade Agrícola ..., Lda., com sede no Lugar ..., ..., ..., pedindo que se declarasse nula a assembleia geral da Ré de 16 de maio de 2020 e, consequentemente, todas as deliberações aí tomadas e, subsidiariamente, se declarasse a anulabilidade, pelo menos, das deliberações tomadas nessa mesma assembleia relativas aos pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos. Para tanto alegaram, em síntese, que a convocatória expedida para assembleia geral que teve lugar no dia 16 de maio de 202 não respeitou a antecedência mínima a que alude o art. 377º n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC) e era omissa quanto ao lugar em que se realizaria a dita assembleia. Acresce que, a primeira Autora viu-se impedida de participar nas deliberações tomadas na mencionada assembleia, uma vez que não se encontrava familiarizada com os meios eletrónicos e não possuía internet em casa. Na assembleia omitiu-se a gravação da verificação das presenças, a identidade dos participantes, a regularidade de mandatos, a falta de visibilidade dos participantes e o corte de som do sócio que estava a falar. Finalmente, as deliberações a que se reportam os pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos são nulas por não terem na sua base nenhuma proposta fundamentada ou justificação da necessidade de se proceder à venda dos vinhos. A Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação. Invocou a exceção perentória da caducidade do direito que as Autoras vêm exercer na presente ação, sustentando que a assembleia geral a que se reportam as deliberações impugnadas foi encerrada em 16/05/2020 e que o prazo para a interposição de ação de anulação dessas deliberações é de 30 dias, pelo que, o prazo para instaurarem a presente ação terminou em 15/06/2020 e daí que, na sua perspetiva, quando a presente ação deu entrada em juízo, em 02/07/2020, o direito das Autoras a obterem a anulação das deliberações sociais tomadas na dita assembleia geral já se encontrava extinto, por caducidade. Invocou a exceção da confirmação, alegando que a deliberação constante do ponto dois da ordem de trabalhos, obteve o voto favorável da Autora BB e já foi executada, tendo a Ré procedido à distribuição de lucros do exercício de 2019 aos sócios, incluindo a cada uma das Autoras; nessa assembleia visualizou-se e corrigiu-se o texto da respetiva ata, em que todos os presentes tiveram oportunidade de verificar, e verificaram, e concordaram com o teor dessa ata, e verificaram e concordaram que as votações se tinham verificado corretamente. Concluiu que, caso se verificasse alguma invalidade das deliberações tomadas na identificada assembleia geral, os comportamentos acima descritos das Autoras teriam de ser considerados como confirmação tácita de tais deliberações. Suscitou a exceção da ilegitimidade ativa das Autoras para instaurarem a presente ação, alegando que a Autora BB votou a deliberação do ponto dois da ordem de trabalhos, no sentido que fez vencimento, pelo que não dispõe de legitimidade ativa para arguir a invalidade dessa deliberação; as Autoras aprovaram tacitamente as deliberações constantes dos pontos um e dois da ordem de trabalhos, e a deliberação do ponto dois pressupõe necessária, implícita e tacitamente, a aprovação da deliberação constante do ponto um, pelo que, na sua perspetiva, as Autoras não dispõem de legitimidade ativa para arguirem a invalidade de tais deliberações, nem das demais constantes da ata da assembleia geral, no que respeita aos vícios que apontam como vícios que afetam a assembleia geral na sua totalidade. Invocou a exceção da impossibilidade ou da inutilidade da lide, sustentando que as deliberações constantes dos pontos um, dois e sete da ordem de trabalhos já foram executadas, porquanto, o vinho em causa já foi vendido, o que determina, a seu ver, a impossibilidade/inutilidade da lide quanto à invalidação das referidas deliberações, pois não é possível, neste momento, extrair qualquer efeito útil da invalidação dessas deliberações. Arguiu a exceção perentória do abuso de direito, alegando que as Autoras são irmãs gémeas, vivem em litígio com todos, incluindo com a Ré, sendo inadmissível que sendo titulares de apenas 1% do capital social da sociedade Ré possam perturbar o normal funcionamento desta. Invocou a exceção da colisão de direitos, sustentando que, caso assistisse algum direito às Autoras, este teria de ceder face ao interesse da Ré, por ser manifestamente superior ao daquelas, dado que as Autoras são detentoras, cada uma, de 1% do capital social da sociedade Ré, quando as consequências negativas/prejuízos que resultariam para a última decorrentes da anulação das deliberações sociais, seja qual for o critério que se siga nessa avaliação, seriam manifestamente superiores ao da manutenção de tais deliberações. Impugnou parte da facticidade alegada pelas Autoras, sustentando que a assembleia geral e as deliberações nela tomadas e impugnadas pelas Autoras não padecem de nenhum dos vícios que estas lhes imputam, uma vez que a assembleia geral foi convocada por meio de carta registada expedida em 27/04/2015 e, portanto, com a antecedência legal sobre a data designada para a realização dessa assembleia geral; por mail de 04/05/2020, a Autora BB solicitou a inclusão de assuntos na ordem do dia e, na sequência desse pedido, foi enviada nova comunicação aos sócios por carta expedida em 05/05/2020; na convocatória constava que a assembleia geral seria realizada por meios telemáticos; a gerência da Ré arrendou um espaço (que identifica), com disponibilização de uma pessoa com conhecimento na área dos meios telemáticos, e comunicou aos sócios, por mail de 12/05/2020, referindo expressamente que estes podiam participar na assembleia geral por meios telemáticos, a partir das suas casas, ou nesse local arrendado; a sociedade e os sócios comunicam frequentemente por mail; todos os presentes na assembleia geral, incluindo o representante da Autora BB, não demonstraram qualquer dificuldade na utilização de meios telemáticos; a assembleia geral terminou com a leitura e visualização da ata por todos os participantes, incluindo pelo representante da Autora BB, que aprovaram o respetivo texto, e assinaram essa ata, a qual apenas não foi enviada às Autoras, por motivo exclusivamente imputável à Autora BB, cujo representante ainda não assinou a ata; acresce que, à data da convocação da assembleia geral, estava em vigor o Decreto n.º 2-C/2020, de 17/04, e, à data da realização dessa assembleia encontrava-se em vigor a Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30/04, que impedia reuniões com mais de 10 pessoas, o que era o caso da assembleia geral da Ré, atento o capital social desta; quanto às deliberações dos pontos quatro e sete, alegou tratar-se de assuntos da competência da gerência; existirem deliberações anteriores em que a assembleia geral permitiu à gerência proceder à venda do vinho; ao submeter o assunto da venda do vinho à assembleia geral a gerência apenas o fez por uma questão de transparência; o negócio da venda do vinho aprovado pela assembleia geral e executado foi vantajoso para a Ré, posto que vendeu o vinho pelo dobro do preço das anteriores vendas que realizou. Concluiu pedindo que a ação fosse julgada improcedente e que se condenassem as Autoras como litigantes de má fé em multa e em indemnização, de valor não inferior a 50.000,00 euros. Por despacho proferido em 28/04/2021, a 1ª Instância notificou as Autora para, em dez dias, exercerem o contraditório quanto às exceções invocadas pela Ré na contestação. Aderindo a essa notificação, por requerimento entrado em juízo em 13/05/2021, as Autoras pronunciaram-se quanto a essas exceções e, bem assim, quanto ao pedido de condenação daquelas como litigantes de má fé, concluindo pela improcedência de tais exceções e pedido. Quanto à exceção da caducidade, as Autoras advogaram que o prazo de caducidade a que alude o art. 59º, n.º 2 do CSC, esteve suspenso por via da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, entre 09/03/2020 até 03/06/2020, não se verificando, por isso, a exceção da caducidade invocada. No que respeita à exceção da confirmação suscitada pela Ré, alegaram que essa figura não se aplica às deliberações nulas; acresce que, a possibilidade de sanar a nulidade pelos vícios procedimentais do art. 56º, n.º 1, als. a) e b), do CSC, só pode ter lugar em momento posterior à realização da assembleia geral em que foram aprovadas as deliberações, com o assentimento de todos os sócios ausentes e não representados, e que essa confirmação tem de se verificar de forma expressa e por escrito, o que não é o caso dos autos; no caso de se entender que as deliberações relativas aos pontos 4 e 7 são meramente anuláveis, a confirmação de tais deliberações dependia de um comportamento concludente das Autoras, no sentido de consolidarem o negócio, o que também não é o caso dos autos. No que tange à exceção da ilegitimidade ativa arguida pela Ré, sustentaram que o art. 57º do CSC, não afasta o regime geral previsto no art. 286º do CC; a primeira Autora não esteve presente na assembleia geral, e apesar da 2ª Autora ter nela estado presente através de representante, este votou em sentido contrário ao vencimento de dois pontos, pelo que nenhuma das Autoras votou no sentido em que fez vencimento, nem expressou qualquer aprovação relativamente a tais deliberações, mas antes, pelo contrário. No que concerne à exceção da impossibilidade/inutilidade da lide, sustentaram que da execução de deliberações nulas ou anuláveis não resulta a sua sanação; o contrato invocado pela Ré respeitante à venda do vinho não é um contrato de compra e venda, mas um contrato promessa de compra e venda de vinho, e que, em todo o caso, instauraram procedimento cautelar de suspensão das ditas deliberações e informaram a gerência da Ré da instauração desse procedimento cautelar, por mail de 03/07/2020, concluindo pela improcedência da mencionada exceção. Quanto à exceção perentória do abuso de direito suscitada pela Ré, sustentaram que um sócio com 1% de capital social tem o mesmo direito de impugnar uma assembleia eivada de nulidade que um sócio com 30%, ou mais, do capital; que no caso dos autos, uma das Autora foi impedida de fazer parte da assembleia geral e a Ré não alegou quaisquer factos conducentes à aplicação do instituto do abuso de direito, pelo que, na sua perspetiva, também improcede essa exceção. Finalmente, quanto à exceção da colisão de direitos invocada pela Ré, sustentaram que a sociedade Ré não tem qualquer direito sobre os sócios, nem se encontra em conflito com estes, pelo que não existe colisão de direitos. Em 06/09/2021, a 1ª Instância, após consignar afigurar-se-lhe que “a factualidade assente é suficiente quer à procedência ou improcedência das exceções invocadas pela Ré (tendo sido exercido o contraditório quanto às mesmas) e, porque os autos contêm já todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa, nos termos do disposto no art. 595º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, passo a conhecer dos pedidos deduzidos”, proferiu saneador-sentença, em que conheceu da exceção material (substantiva) da ilegitimidade ativa, julgando-a improcedente quanto à 1ª Autora, AA, e procedente quanto à 2ª Autora, BB, mas exclusivamente quanto ao ponto dois da ordem de trabalhos e, a final, julgou a presente ação improcedente, e absolveu a Ré dos pedidos formulados e as Autoras do pedido de condenação como litigantes de má fé, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, julgando a presente ação intentada por AA e BB contra a Sociedade Agrícola ..., Lda. improcedente por não provada, absolvo a R. dos pedidos formulados. Custas pelas AA.” Inconformadas com o assim decidido, as Autoras interpuseram recurso de apelação, tendo esta Relação, por acórdão proferido em 20 de janeiro de 2022, transitado em julgado, julgado procedente a apelação, com fundamento na violação do princípio do contraditório, dado ter sido omitida a realização de audiência prévia, quando a realização dessa diligência era obrigatória, porquanto, na decisão recorrida o tribunal a quo conheceu de mérito e, em consequência, anulou o saneador-sentença recorrido, determinando a baixa dos autos à 1ª Instância para que fosse convocada audiência prévia. Tendo os autos baixado à 1ª Instância, convocou-se a realização de audiência prévia, com as finalidades previstas nas als. a) e b), do n.º 1, do art. 591º do CPC. Realizou-se a audiência prévia em 04/04/2022 (cfr. ato de fls. 119 do processo físico). Em 23/05/2022 a 1ª Instância proferiu saneador-sentença, em que conheceu da exceção da ilegitimidade substantiva das Autoras para impugnarem as deliberações que colocaram em crise nos autos, julgando-a improcedente, e a final, julgou improcedente a ação, absolvendo a Ré dos pedidos formulados, constando esse saneador-sentença da seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, cumpre julgar a presente ação intentada pelas Autoras: AA e BB contra a Sociedade Agrícola ..., Lda. totalmente improcedente por não provada. Consequentemente, cabe absolver a Ré dos pedidos formulados. Custas pela Autora. Valor da causa: 30.000,01 euros”. Inconformadas com o assim decidido, as Autora interpuseram o presente recurso de apelação em que formularam as seguintes conclusões: A. Quanto a nulidades da sentença 1. A sentença recorrida não conheceu de parte dos argumentos jurídicos invocados pelas apelantes para sustentarem o pedido de anulação das deliberações sociais em apreço. Assim... 2. Em momento nenhum deste processo o Tribunal se pronunciou sobre a caducidade invocada pela Ré, inexistindo em absoluto qualquer despacho que aprecie esta exceção. 3. Como tal, impõe-se apreciar esta matéria, sob pena de poder ser a Ré a, posteriormente, vir suscitar ela própria a nulidade de não apreciação da exceção por si alegada. 4. Foi omitida a apreciação da questão de a sociedade ré não ser uma sociedade comercial mas sim uma sociedade civil sob forma comercial, questão essa suscitada, designadamente, de forma expressa, nos itens 2, 25, 26, 27 e 30 da petição inicial. 5. Aí se coloca a questão de a aplicabilidade do artº 377º do CSC a uma sociedade civil representar uma dupla analogia, absolutamente proibida por lei (aplicação do regime das sociedades por quotas a uma sociedade civil, seguido da aplicação do regime das sociedades anónimas às sociedades por quotas, que redundaria na aplicação direta do regime das sociedades anónimas a uma sociedade civil, sem nenhuma norma legal que o habilite). 6. Tendo o Tribunal, na decisão da questão, lançado mão da legislação especial atinente à situação de pandemia, que permitia, em certas circunstâncias, a realização de atos por via telemática, ocorre que as apelantes alegaram, no item 39º da petição, que na data de realização da assembleia-geral cujas deliberações são impugnadas nesta ação, já havia sido levantado o estado de emergência, pelo que nada obstava à realização da assembleia-geral presencial. 7. Mais uma vez, o Tribunal omitiu a apreciação desta questão, que é determinante para aferir da regularidade da convocatória e da legalidade da assembleia, escusando-se a apreciá-la. 8. As autoras invocaram, nos itens 43 e 44 da petição inicial, que a assembleia-geral não foi convocada com a antecedência legal prevista na lei para as assembleias telemáticas. 9. A Mmª Juiz não se pronunciou sobre esta questão, considerou que se tratava de uma sociedade comercial e que, portanto, a convocatória teria que ser expedida com antecedência de 15 dias, não se pronunciando, contudo, sobre a problemática, invocada pelas Autoras, de na assembleia telemática vigorar o regime das sociedades anónimas e haver, por conseguinte, um prazo para convocatória distinto, que seria, portanto, de 21 dias e não de 15 dias. 10. Do referido nas antecedentes conclusões 2 a 9 decorre que o Tribunal não se pronunciou sobre questões que lhe foram colocadas pelas apelantes na petição inicial, tendo assim cometido uma reiterada violação do artº 608º nº 2 do CPC, que determina também, por si só, a nulidade da sentença, conforme estatui o artº 615º nº 1, d) do CPC. B. Quanto ao mérito da decisão propriamente dita Subsidiariamente, para o caso de a nulidade não ser declarada e a sentença não ser anulada... - Quanto à realização de assembleia-geral por via telemática 11. Estando especificamente regulado no CSC que as assembleias gerais das sociedades por quotas devem ser realizadas presencialmente, num lugar previamente estabelecido, podendo em alternativa recorrer-se à deliberação por voto escrito – existindo portanto um regime próprio para as sociedades por quotas, prevendo-se a possibilidade de realização de deliberações por voto escrito, nos termos e com a ritologia estabelecida no artº 247º do CSC – ocorre uma previsão expressa que impede o recurso à aplicação do regime das assembleias-gerais das sociedades anónimas, prescrito no artº 377º da CSC. 12. Acresce ainda – como suprarreferido e omitido pela Mmª Juiz na apreciação – que a aplicabilidade do artº 377º do CSC a uma sociedade civil representaria uma dupla analogia, absolutamente proibida por lei. 13. Portanto, a assembleia-geral realizada exclusivamente por via telemática é nula, por violação de lei expressa. - Quanto à inexistência de local na convocatória da reunião 14. Ao invés do que considerou a Mmª Juiz a quo, o link da internet a que se poderia aceder para participar na reunião não equivale a assinalar na convocatória o local da reunião, porque o local tem de ser um lugar físico, onde as pessoas se possam materialmente e fisicamente encontrar para reunir, se o desejarem fazer. 15. A legislação de exceção publicada ao abrigo do período de emergência provocado pela pandemia de Covid-19 não teve a virtualidade de obrigar a realização de assembleias de forma não presencial, nem atribuiu aos cidadãos uma obrigação, ou um dever legal, de usarem meios telemáticos, até porque isso seria absolutamente inconstitucional. 16. O que a lei conferiu foi, durante o período excecional do estado de emergência, a possibilidade, a quem o desejasse fazer, de participar nos atos de relevância jurídica por via telemática, à distância, mas esta possibilidade não se confunde com uma obrigatoriedade. 17. A omissão do lugar físico onde os sócios poderiam participar na reunião acarreta a nulidade da convocatória e, por consequência, a nulidade das deliberações tomadas em assembleia. - Quanto à inexistência de registo documental escrito ou gravado com identificação dos presentes na assembleia 18. Se, confessadamente, não foi gravado o início da assembleia-geral, por esquecimento alegado pela Mesa, não se sabe se foram confirmadas as presenças, de que forma o foram, se foi verificada a regularidade dos eventuais poderes de representação, se estavam a participar pessoas que não eram sócios, se existiu quórum participativo e, depois, se existiu quórum deliberativo, bem como se foi formada maioria nas deliberações. 19. Não se podendo sindicar quem esteve presente, por total ausência de registo de presenças, seja escrito seja gravado, a assembleia é pura e simplesmente nula. - Quanto à falta de debate sobre alguns pontos da ordem e trabalhos e à proibição de intervenção de sócios ao longo da assembleia 20. Esta matéria da falta de debate sobre determinadas matérias e do impedimento de intervenção de sócios ao longo da assembleia é uma matéria controvertida, sobre a qual o Tribunal não poderia ter decidido de forma nenhuma sem realização da audiência de julgamento e sem ter ouvido as testemunhas. 21. Do facto de constar da ata que alguém interveio na reunião não decorre que, ao longo das oito horas contínuas de assembleia, não tenha sido alguém impedido de expor a sua posição sobre algum ponto da ordem de trabalhos, sendo certo que não consta dos factos provados, sobre este tema, nada mais do que a mera constatação de que a assembleia durou oito horas. 22. A duração da assembleia não basta para se considerar provado que houve ou não liberdade de debate. 23. Esta matéria não foi apurada porque não houve julgamento, como se impunha, porque não foi selecionado, como deveria, um tema de prova atinente a esta matéria, e finalmente porque não foi produzida prova, como deveria, sobre tal matéria, que é essencial para a decisão da questão jurídica. 24. Portanto, a conclusão tirada pela Mmª Juiz a quo, segundo a qual se houve uma reunião de 8 horas e se consta da ata a presença e intervenção do representante da sócia impugnante, então é porque houve amplo debate e ninguém foi impedido de debater, é uma conclusão no mínimo estranha e totalmente insubsistente.... - Quanto à falta de apresentação de propostas relativas aos pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos 25. Tal como se alegou – e se produzirá prova no indispensável julgamento – não houve nenhuma proposta de deliberação submetida à votação, nem qualquer intervenção favorável aos pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos em apreciação, tal qual estes dois pontos vinham formulados. 26. Não existiu sequer nenhuma intervenção da gerência, ou de quem quer que seja, a enunciar alguma proposta, ou sequer a fundamentar ou justificar a necessidade de venda de vinhos velhos pelo que, não existindo qualquer proposta, as deliberações são inexistentes, uma vez que versam sobre um objeto que não foi apresentado aos sócios. 27. A Mmª Juiz considerou esta inexistência uma mera irregularidade... dizendo que “...não revestem gravidade suficiente para que se possa reconduzir a anulabilidade nos termos do disposto no art. 58º nº1, al. a) do Código das Sociedades Comerciais.” 28. Porém, se as deliberações não recaíram sobre nenhuma proposta concreta apresentada à assembleia, então não são irregulares, nem sequer anuláveis, são nulas ou inexistentes, e como tal devem ser declaradas. C. Normas violadas 29. Ao longo destas conclusões foram arguidas nulidades insanáveis por violação do prescrito no artigo artº 608º nº 2 do CPC, o que determina também, por si só, a nulidade da sentença, conforme estatui o artº 615º nº 1, d) do CPC.30. Foi invocado o desrespeito e/ ou a errada interpretação e aplicação dos artigos 58º nº 1, al. a), 247º, 248º nº 1 a contrario sensu, 337º (designadamente o seu nº 4 o seu nº 6º al. b)), todos do Código das Sociedades Comerciais, 31. assim como foi invocado o impedimento ilegal de sócio a participar na assembleia, cujo direito está consignado no artº 21º nº 1, b) do mesmo diploma. 32. Funda-se, além destes, a pretensão das apelantes, no estatuído nos artºs. 53º nº 1, 56º nº 1, al. a) e nº 2, 58º nº 1, al. a), b) e c), todos do Código das Sociedades Comerciais. TERMOS EM QUE: a) Deve anular-se a sentença, ao abrigo do estatuído no artº 615º nº 1, al. d), por violação do preceituado no artº 608º nº 2, ambos do CPC, conforme conclusões 1 a 10 e 29 destas alegações. b) Subsidiariamente, se houver de conhecer-se desde já do mérito da sentença, deverá ordenar-se a baixa do processo à 1ª instância para julgamento, por subsistência de factos controvertidos, c) ou – sempre sem conceder e de forma subsidiária – deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que julgue a ação procedente, em acolhimento do vertido nas conclusões 11 a 28 e 30 a 32 destas alegações. A Ré contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação e concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem: 1) A douta sentença recorrida cumpriu a Lei e o Direito, não merecendo qualquer reparo. Vejamos: A) DA ALEGADA NULIDADE POR NÃO APRECIAÇÃO DE QUESTÕES JURÍDICAS 2) Contrariamente ao referido pelas AA., a questão da caducidade, como é óbvio, não foi suscitada na petição inicial mas sim pela R. na contestação, sendo que, quanto a esta questão, não existindo decisão desfavorável às AA. a este respeito, não ficaram as mesmas vencidas e, como tal, não podem recorrer com este fundamento. 3) Não corresponde à realidade o que as AA. alegam, pois, as questões jurídicas mencionadas pelas AA. foram tratadas na sentença, inclusivamente de forma expressa no que se refere às questões “à data da assembleia tinha sido levantado o estado de emergência” e “prazo da convocatória”. 4) Acresce que nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, o Tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes no sentido de que deve analisar a concreta questão que lhe é submetida – neste caso, a nulidade/anulabilidade de deliberações - mas não tem que o fazer relativamente à argumentação sobre cada uma dessas questões, uma vez que o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC). 5) Sem conceder, em caso algum procederiam os argumentos das AA. sobre essas questões. 6) Designadamente, quanto à questão da R. ser uma sociedade civil sob forma comercial, não está em causa qualquer lacuna nem qualquer analogia, sendo o Código das Sociedades Comerciais aplicável pura e simplesmente pelo facto de essas sociedades estarem abrangidas pelo âmbito de aplicação desse Código - art. 1.º, n.º 4, do CSC, e art. 248.º, n.º 1, do CSC. 7) Quanto à questão do estado de emergência, é completamente irrelevante dado que a assembleia por meios telemáticos é permitida por lei – arts. 248.º, n.º 1, e 377.º, n.º 6, al. b), do CSC – para além de que, sem conceder, à data da convocação da assembleia geral estava em vigor o estado de emergência e à data da realização da assembleia geral estava em vigor o estado de calamidade. 8) Quanto à questão do prazo da convocatória, o art. 248.º, n.º 1, do CSC, estipula que o regime das assembleias gerais previsto para as sociedades anónimas aplica-se às sociedades por quotas, exceto no que estiver especificamente regulado para estas, sendo que o art. 248.º, n.º 3, do CSC, é uma norma especifica para as sociedades por quotas. 9) Em face do exposto também nenhum vício se pode apontar à douta sentença recorrida neste âmbito. B) DO MÉRITO DA DECISÃO RECORRIDA 10)A assembleia geral e as deliberações da mesma não padecem de qualquer vício seja de que natureza for. Com efeito: i) Da realização da assembleia geral por via telemática. 11)Como se referiu, não está em causa qualquer lacuna nem qualquer analogia, pois o art. 1.º, n.º 4, do CSC, estipula expressamente que o Código das Sociedades Comerciais é aplicável a esse tipo de sociedades, e, por sua vez, o art. 377.º, do CSC, também não é aplicável por analogia às sociedades por quotas mas sim por via de remissão do art. 248.º, n.º 1, do CSC. 12)Não procede que as assembleias por via telemática não têm aplicação às sociedades por quotas, pois esta questão não está regulada especificamente e/ou de modo diverso no âmbito das sociedades por quotas. ii) Da alegada inexistência de local na convocatória da reunião 13)Não corresponde à realidade que da convocatória não constasse o local da realização da Assembleia Geral. 14)Da convocatória constava que a mesma seria realizada por meios telemáticos e o link para o efeito, ficando assim cumprido o disposto no art. 377.º, n.º 6, CSC, aplicável por força do art. 248.º, n.º 1, CSC. iii) Da alegada inexistência de registo dos presentes na assembleia 15)É totalmente falso que não exista tal registo. 16)Como resulta da ata e do registo/gravação da assembleia, a assembleia geral terminou com a leitura e visualização da ata, por todos os participantes na mesma, tendo inclusivamente sido solicitadas correções à minuta da ata que estava a ser exibida, designadamente por parte do referido Sr. CC, sendo o texto final da ata o texto aprovado por todos os participantes na assembleia geral. 17)E ninguém suscitou qualquer questão ou correção a respeito do registo dos presentes, sendo que, se dúvidas houvesse, seguramente as referidas questões teriam sido suscitadas. 18)Em suma, todos os presentes tiveram oportunidade de verificar e verificaram e concordaram com as presenças/representações e todos os presentes tiveram oportunidade de verificar e verificaram e concordaram que as votações se tinham verificado corretamente, tudo como consta da ata. iv) Da alegada falta de debate sobre alguns pontos da ordem de trabalhos e da proibição de intervenção de sócios ao longo da assembleia 19)A gravação da reunião da assembleia geral está junta aos autos, pelo que a sua visualização é o meio de prova quanto a esta questão e é esclarecedor de que o que se passou é o oposto do alegado pelas AA.. 20)Aliás, como resulta da ata dessa assembleia e, de forma muito mais evidente da visualização do registo/gravação da assembleia, o representante da A. BB, Sr. CC, foi um dos participantes mais ativos na reunião, a par do Sr. DD, pois ambos monopolizaram a quase totalidade do tempo da assembleia geral que durou cerca de 8 horas! v) Da alegada falta de apresentação de propostas relativas aos pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos 21)Como muito bem é referido na douta sentença recorrida, estariam em causa assuntos referentes à atividade corrente da sociedade, sem que os demais sócios tenham que interferir na gestão, tanto mais que já havia sido deliberado noutras assembleias gerais a venda de Vinho do Porto por um período de tempo que abrangia a venda em causa, como se encontra provado nos autos. 22)Acresce que o ponto quatro da ordem de trabalhos resultou de um pedido de inclusão de assuntos na ordem de trabalhos, solicitado em 14/março/2020, da iniciativa da A. BB (representada pelo Sr. CC) e de DD, no seguimento de uma primeira convocatória para uma Assembleia Geral que veio a ser adiada. 23)Em face disto, é completamente absurdo e denota a manifesta má fé das AA., alegar o que alegam quanto, quanto ao ponto quatro, a inclusão na ordem de trabalhos não foi da iniciativa da gerência, mas sim da iniciativa da própria A. BB (representada pelo Sr. CC) e de DD. 24)Sem conceder, como resulta da gravação, a discussão desse ponto decorreu durante cerca de 1 hora, em que por cinco vezes foi dito o que estava em discussão, designadamente, o representante da A. BB, uma das suas várias intervenções, explicou o que estava em causa. 25)No que se refere à deliberação relativa ao ponto sete da ordem de trabalhos, submetida a votação a venda de 10 pipas da colheita de 1970, foi esta venda aprovada por maioria de 56% dos votos expressos. 26)Sem conceder, este ponto da ordem de trabalhos foi discutido à exaustão estando todos completamente cientes do que estava em discussão, inclusivamente, o Sr. DD leu uma extensa declaração de voto que está anexa à ata e o representante da A. BB também usou em termos amplos da palavra e fez uma declaração de voto, como resulta do registo/gravação e da ata. vi) Sem conceder: a) Dos vícios irrelevantes: 27)Se por mera hipótese de raciocínio se entendesse que algum vício se verificava, seguramente estaríamos perante vícios irrelevantes insuscetíveis de produzir a invalidade das deliberações. 28)Também sem conceder, nunca estaríamos perante vícios suscetíveis de conduzir à invalidade das deliberações, por força da aplicação do “princípio do máximo aproveitamento dos atos processuais das partes”, de que são afloramentos o disposto nos arts. 195.º, ns.º 2 e 3, Cód. Processo Civil, e 122.º, n.º 3, Cód. Processo Penal. b) Sem conceder, da confirmação: 29)Nos termos do art. 288.º, CC, a anulabilidade é sanável mediante confirmação, podendo esta ser expressa ou tácita. 30)Sucede que, na sequência da Assembleia Geral objeto de impugnação, foi executada a deliberação constante do ponto dois da ordem de trabalhos (Apreciar e deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados formulada pela gerência), que, aliás obteve o voto favorável da A. BB, tendo a R. procedido à distribuição de lucros do exercício de 2019 aos sócios, designadamente a cada uma das AA., para os respetivos IBANs por elas indicados na sequência de solicitação expressa para este efeito pela R., valores que estas receberam e não restituíram. 31)Sem conceder, ainda, no final da Assembleia Geral, que durou cerca de 8 horas, visualizou-se e corrigiu-se o texto da ata, inclusivamente foram solicitadas correções à minuta da ata que estava a ser exibida, designadamente por parte do Sr. CC, representante da A. BB, sendo o texto final da ata o texto aprovado por todos os participantes na Assembleia Geral.32)Deste modo, se por mera hipótese de raciocínio se verificasse alguma invalidade, os comportamentos acima referidos teriam de se considerar como uma confirmação tácita e uma eventual invalidade ficou sanada. c) Sem conceder, da impossibilidade/inutilidade da lide: 33)As deliberações constantes dos pontos um, dois e sete da ordem de trabalhos já foram executadas. 34)Designadamente, como está provado na sentença, o vinho em causa já foi vendido à D. - Agência de Exportação de Vinhos ... e do P..., Lda., conforme resulta do contrato formalizado em 18/junho/2020. 35)Por conseguinte, verifica-se a impossibilidade/inutilidade da lide quanto às referidas deliberações, pois não é possível neste momento extrair da eventual procedência do pedido formulado pelas AA. qualquer efeito útil. 36)Sem conceder, se por mera hipótese de raciocínio assim não fosse, quer quanto a essas deliberações em concreto que se destacam por terem sido executadas, quer como quanto a todas as deliberações dessa Assembleia Geral, assiste sempre à R. o direito à renovação das deliberações nos termos do art. 62.º, CSC. d) Sem conceder, do abuso de direito: 37) As AA. vivem em litígio permanente com todos, bastando fazer uma consulta à distribuição de processos judiciais e à certidão permanente da R., aproveitando-se do facto de beneficiarem de apoio judiciário. 38) Dos autos resulta, que é manifesta a má fé das AA.. 39) É inadmissível que as AA. titulares de quotas representativas de 1% do capital social não se coíbam de perturbar o normal funcionamento da sociedade. 40) Sem conceder, estaríamos sempre perante um “abuso de minoria”, minoria essa que, na ponderação dos interesses em jogo - designadamente, a vontade da maioria expressa em deliberação de assembleia geral, por um lado, e, por outro lado, a vontade das AA. – teria que ceder. 41) Em face de tudo o exposto nas presentes alegações, caso por mera hipótese de raciocínio se entendesse que assistia algum direito à A., dúvidas não existem que estaríamos perante o exercício de um direito que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito, integrador do instituto do abuso de direito nos termos do art. 334.º, do Cód. Civil, que expressamente se invoca. e) Sem conceder, da colisão de direitos: 42)Se por mera hipótese de raciocínio se entendesse que assistia algum direito às AA., então, o eventual direito das AA. teria que ceder face ao direito da R. (e, indiretamente, dos sócios que formaram maioria para votação das deliberações) por ser manifestamente superior – art. 335.º, n.º 2, Cód. Civil. 43)Sendo que, atento tudo o acima exposto, salientando-se que as AA. são sócias absolutamente minoritárias detentorasde1%docapital social cada uma e, ainda o facto das consequências negativas/prejuízos que resultariam para a R. da anulação das deliberações, dúvidas não existem de que o direito da R. deve prevalecer sobre um eventual direito das AA., independentemente do critério que se siga na avaliação dos direitos (critério do interesse ou fim do exercício em concreto ou critério da minimização dos danos ou critério dos lucros do exercício). 44)De facto, o prejuízo resultante de uma eventual anulação seria sempre manifestamente superior ao da manutenção das deliberações, designadamente, traduzir-se-ia numa perturbação injustificada da atividade da R., com prejuízos largamente superiores àqueles que derivam da execução das deliberações. TERMOS EM QUE E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS DOUTAMENTE SE DIGNAREM SUPRIR, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, E, EM CONFORMIDADE, MANTER-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA. Juntou, em anexo às contra-alegações, um documento consubstanciado na ata da assembleia geral da apelada de 27 de março de 2021. Por despacho proferido em 30/09/2022, a 1ª Instância pronunciou-se quanto às nulidades imputadas pelas apelantes ao saneador-sentença recorrido, concluindo pela improcedência dessas nulidades, nos seguintes termos: “Em sede de alegações de recurso veio o Ilustre Mandatário das Autoras arguir a nulidade da decisão proferida nos autos porquanto a mesma, alegadamente, padece de vícios insanáveis, que, consequentemente, conduzem à sua nulidade. Alega, em suma, que a sentença recorrida não conheceu de parte dos argumentos jurídicos invocados pelas apelantes para sustentarem o pedido de anulação das deliberações sociais em apreço. Designadamente, não se pronunciou sobre a caducidade invocada pela Ré; foi omitida a apreciação da questão de a sociedade ré não ser uma sociedade comercial mas sim uma sociedade civil sob forma comercial; Mais discorda do enquadramento jurídico realizado. Como ponto prévio, como bem resulta dos autos e é reconhecidos pelas Autoras, a exceção de caducidade foi arguida pela Ré na sua contestação, pelo que, salvo melhor opinião, consideramos que carecem as Autoras de legitimidade para arguir qualquer nulidade por omissão de pronúncia a esse propósito, já que não foi a mesma por si arguida. Por outo lado, consideramos que da decisão proferida consta, fundamentadamente, a nossa posição quanto às questões de facto e de direito a apreciar. Bem entendemos o descontentamento das recorrentes, não obstante, somos do entendimento que, como para nós transparece das alegações de recurso das Autoras e com o devido respeito, o recurso interposto apenas tem lugar porquanto as Autoras não concordam com o teor da decisão proferida. Ora, como se extrai da leitura da decisão proferida, salvo melhor opinião, o Tribunal levou a cabo a apreciação de todas as questões de facto e de direito suscitadas pelas partes, sendo claro nos juízos formulados e discriminando os factos provados e não provados, analisando criticamente a prova, fundamentando o seu juízo decisório, concatenando toda a prova produzida e explicitando o raciocínio que esteve na base do seu julgamento de facto e de direito. Nessa medida, não se verifica a suscitada nulidade da sentença, consequentemente, indefiro o reclamado. Notifique, prosseguindo os autos os seus regulares termos. * Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação das apelantes, não podendo esta Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. Na sequência do que se acaba de dizer, as questões que se encontram submetidas à apreciação do tribunal ad quem são as seguintes: 1- da legalidade da junção aos autos pela apelada da ata da assembleia geral que teve lugar em 27 de março de 2021, pelas 10 horas; 2- se o saneador-sentença recorrido é nulo por omissão de pronúncia em virtude de nele a 1ª Instância não se ter pronunciado quanto: 2.1- à exceção da caducidade invocada pela apelada na contestação; 2.2- à aplicação do regime jurídico previsto no Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente, do regime do art. 377º à sociedade apelada e à relação estabelecida entre essa sociedade e os seus sócios, dado tratar-se de uma sociedade civil, quando a aplicação desse regime foi defendido pelas apelantes nos pontos 2º, 25º, 26º, 27º e 20º da petição inicial, mas em relação ao que a sociedade apelada dissentiu; 2.3- à inaplicação do regime jurídico especial atinente à pandemia, quando as apelantes, no ponto 39º da petição inicial, pugnaram pela não aplicação desse regime especial à assembleia geral da sociedade apelada convocada para o dia 16 de maio de 2020 e realizada nessa data por, na data da realização dessa assembleia, o identificado regime especial já não ser aplicável em virtude de ter sido levantado o estado de emergência; 2.4- à não convocação, com a antecedência legal das assembleias gerais telemáticas, quando essa questão foi suscitada nos pontos 43º e 44º da petição inicial; e por 2.5- o tribunal a quo ter incorrido, no saneador-sentença recorrido, em “desrespeito e/ou errada interpretação e aplicação dos arts. 58º, n.ºs 1, al. a), b) e c), 2, 47º, 248º, n.º 1, a contrario sensu, 337º, n.ºs 4 e 6, al. b), 21º, n.ºs 1, al. b), 53º, n.º 1, 56º, n.ºs 1, al. a) e 2, todos do CSC; 3- se a decisão de mérito constante do saneador-sentença recorrido, que julgou improcedente a presente ação e absolveu a sociedade apelada dos pedidos (principal e subsidiário), padece de erro de direito ao: 3.1- julgar válida a realização, por meios telemáticos, da assembleia geral da sociedade apelada de 16 de maio de 2020 e das deliberações nela aprovados, quando para as sociedades por quotas existe um regime próprio, previsto no art. 247º do CSC, que impede o recurso ao regime enunciado no art. 377º desse mesmo Código para as sociedade anónimas, e quando o recurso a esse art. 377º em relação à sociedade apelada representaria uma dupla analogia, absolutamente proibida por lei, dada a natureza civil dessa sociedade; 3.2- julgar improcedente o vício da invalidade das deliberações tomadas naquela assembleia com fundamento na inexistência de local na convocatória para a realização dessa assembleia geral, quando, contrariamente ao decidido no saneador-sentença recorrido, o link da internet a que os sócios poderiam aceder a fim de participarem na dita assembleia geral não equivale a assinalar, na convocatória dessa assembleia, o local de realização desta, porque esse local tem de ser um local físico, onde “as pessoas se possam materialmente e fisicamente encontrar e reunir, se o desejarem fazer”, e quando “a legislação de exceção publicada ao abrigo do período de emergência provocado pela pandemia de covid-19 não teve a virtualidade de obrigar a realização das assembleias gerais de forma não presencial, nem atribuir aos cidadãos uma obrigação, ou um dever legal, de usarem meios telemáticos, até porque isso seria absolutamente inconstitucional”; 3.3- julgar improcedente a invalidade das deliberações tomadas naquela assembleia geral de 16 de maio de 2020, com fundamento em inexistência de registo documental escrito ou gravado com identificação dos presentes naquela assembleia, quando essa assembleia não foi confessadamente gravada por esquecimento da mesa e se desconhece se foram conferidas (ou não) as presenças dos sócios, de que forma o foram, se foi verificada a regularidade dos eventuais poderes de representação, se estavam a participar nessa assembleia pessoas que não eram sócios, se existiu quórum participativo e deliberativo e se foi (ou não) formada a maioria nas deliberações tomadas; 3.4- julgar improcedente a invalidade das deliberações tomadas por falta de debate sobre alguns pontos da ordem de trabalhos e à proibição de intervenção de sócios ao longo da assembleia, quando se trata de matéria controvertida, pelo que, o tribunal a quo não podia ter conhecido dessa concreta questão sem realizar a audiência de julgamento para produção da prova arrolada pelas partes quanto a essa facticidade; 3.5- julgar improcedente a invalidade das propostas apresentadas relativas aos pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos, quando, conforme foi alegado pelas apelantes, em relação a esses pontos não foi apresentada, na assembleia geral, nenhuma proposta de deliberação, nem nenhuma proposta foi submetida nela a votação tal qual estes dois pontos vinham formulados, não existindo nenhuma intervenção da gerência da sociedade apelada, ou de quem quer que fosse, a enunciar alguma proposta quanto aos identificados pontos, ou a fundamentar ou justificar a necessidade de venda de vinhos velhos; e se, em consequência, se impõe anular o saneador-sentença recorrido por omissão de pronúncia, ou, subsidiariamente, para realização da audiência final quanto à facticidade que permanece controvertida, ou revogar a decisão de mérito nele proferida e substituí-la por outra que julgue a presente ação procedente e declare a nulidade da assembleia geral da sociedade apelada realizada em 16 de maio de 2020 e, consequentemente, de todas as deliberações nela aprovadas ou, pelo menos, a anulabilidade das deliberações relativas aos pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos. * III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade com relevância para a resolução da relação jurídica material controvertida que lhe foi submetida pelas partes: 1- A Sociedade Agrícola ..., Lda., pessoa coletiva nº ..., com sede na D..., ... e ..., ..., encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, desde 06.04.1987. 2- Tem o capital social de € 3.000.000,00, sendo as Autoras, irmãs, titulares, cada uma, de uma quota de € 149,64, representativa de 1% daquele capital. 3- Tem por objeto social a exploração agrícola de bens próprios. 4- A gerência pertence a EE e a FF, obrigando-se a sociedade com a assinatura de um dos gerentes. 5- Por convocatória expedida às Autoras em 27 de abril de 2020, foi convocada assembleia geral da Ré a realizar no dia 16 de maio de 2020, pelas 10.00 horas, através de meios telemáticos, com indicação do link para o efeito, com o teor de fls. 104/105 do apenso A, com a ordem de trabalhos aí indicada. 6- A referida convocatória foi acompanhada de um documento de instruções quanto aos meios telemáticos, junto a fls. 105/106 apenso A. 7- Por e-mail, datado de 04.05.2020, foi solicitado pelo marido da A. BB, na qualidade de seu representante, CC, a inclusão dos seguintes pontos à ordem de trabalhos: a) destino a dar ao resultado da eventual venda das 10 pipas do vinho do Porto de 1970 com data de colheita; b) discussão sobre novos métodos para a venda da quinta; c) deliberar sobre a alteração ao artigo 5º do contrato de sociedade no sentido de permitir que a cessão total ou parcial de quotas possa ser efetuada entre sócio e terceiro, dada sempre possibilidade ou preferência da aquisição à sociedade e aos sócios. 8- Nessa sequência, em 05.05.2020, foi enviada nova comunicação aos sócios, entre os quais às aqui Autoras, dando conta da inclusão dos assuntos descritos em 7, na ordem do dia. 9- Por e-mail, datado de 12.05.2020, a Ré comunicou aos sócios o aluguer de uma sala no ... Park – Parque de Ciência e Tecnologia, em ..., ..., com disponibilização de uma pessoa com conhecimentos na área de meios telemáticos, para os sócios que pretendam recorrer a esta alternativa, poderem participar por meios telemáticos a partir das suas casas ou nesse local. 10- A Autora, AA enviou à Ré e-mails, com data de 04.05.2020, a informar não possuir meios necessários à participação na Assembleia por via telemática e de 16.05.2020, tendo através deste último comunicado que se estava a dirigir, à sede social, para participar na assembleia convocada e referida em 5. 11- No dia 16 de maio de 2020, pelas 10.00 horas, realizou-se Assembleia Geral da Ré, por meios telemáticos com o link identificado, da qual foi lavrada a ata de fls. 35 e segs. (apenso A) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com a seguinte ordem de trabalhos: - Ponto um – Apreciar e deliberar sobre o relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas relativos ao exercício de 2019. - Ponto dois – Apreciar e deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados formulada pela gerência. - Ponto três – Análise do parecer da advogada sobre as questões colocadas na Assembleia Geral realizada no dia 30.03.2019. - Ponto quatro – Discussão e deliberação sobre a venda do Vinho do Porto velho e distribuição do resultado da venda pelos sócios. - Ponto cinco – Deliberar sobre a necessidade de nova escolha de amostra para análise, arejamento e eventuais correções aos Vinhos Nominais. - Ponto seis – Explicação pela Gerência sobre a existência de vinhos do Porto denominados “Colheitas Anteriores”, em que quantidade e de que tipo. - Ponto sete – Discussão e deliberação sobre a venda de 10 pipas da colheita de 1970. - Ponto oito – Destino a dar ao resultado da eventual venda das 10 pipas de vinho do Porto de 1970 com data de colheita. - Ponto nove – Discussão sobre novos métodos para a venda da quinta. - Ponto dez – Propor que seja deliberada a alteração ao artigo 5º do contrato da sociedade no sentido de permitir que a cessão total ou parcial de quotas possa ser efetuada entre sócio e terceiro, dada sempre possibilidade ou preferência da aquisição à sociedade e aos sócios. 12- Estiveram presentes/representados na Assembleia, os gerentes e entre outros, CC, na qualidade de representante da Autora BB, que nela interveio. 13- Foi aprovado, pela seguinte percentagem dos presentes: ponto um, por maioria de 56,0%; ponto dois, por maioria de 74,6%; ponto três não foi colocado à votação; ponto quatro, por maioria de 56,6%; ponto cinco, por unanimidade; ponto sete, por maioria de 56,0%. 14- A Assembleia referida em 11 teve a duração de oito horas e foi objeto de gravação. 15- No âmbito das deliberações tomadas quanto aos pontos um e dois referidos em 11, a Ré já procedeu à distribuição dos lucros do exercício de 2019 aos sócios, entre os quais, às Autoras. 16- No âmbito da deliberação tomada quanto ao ponto sete, a Ré celebrou o contrato datado de 18.06.2020, com a D. - Agência de Exportação de Vinhos ... e do P..., Lda., referente à venda e entrega do vinho em referência, facto que determinou a extinção do procedimento cautelar de suspensão de deliberação social (apenso A), por inutilidade superveniente da lide. 17- Em 2016, foi deliberado em Assembleias Gerais da Ré, a venda até 15.000 litros de vinho do Porto, durante os próximos cinco anos e, em 30.11.2019 foi aprovada pelos sócios a venda de cerca de 2.200 litros de vinho do Porto 1970. * IV- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA1- Da legalidade da junção aos autos pela apelada da ata da assembleia geral de 27 de março de 2021. Em anexo às contra-alegações de recurso a apelada juntou aos autos a ata n.º ...4, relativa à assembleia geral de 07 de março de 2021, pelas 10 horas, alegando como fundamento dessa junção que: “(…) as Autoras litigam manifestamente de má fé como resulta claramente dos factos já provados nos autos, do alegado na contestação, bem como de toda a prova já carreada para os autos, por exemplo, da gravação da reunião da assembleia geral de 16 de maio de 2020 em discussão que é mais do que esclarecedora. Aliás, por ser outro facto sintomático disso, veja-se que a Autora BB, numa outra reunião da assembleia geral da Ré realizada no dia 27 de março de 2021, através do seu representante CC (que também foi o seu representante na reunião em discussão nestes autos) pediu a palavra para convocar uma assembleia geral a realizar por videoconferência – Doc. .... Ou seja, em plena contradição com a pretensão que deduz nestes autos…” (sublinhado nosso). Ou seja, tendo as apelantes instaurado a presente ação, pretendendo, a título principal, que se declarasse a nulidade da assembleia geral da sociedade apelada de 16 de maio de 2020 e, consequentemente, de todas as deliberações nela aprovadas, ou, subsidiariamente, que se declarasse a anulabilidade dessas deliberações, alegando como fundamento dessas pretensões (entre outros fundamentos) a circunstância dessa assembleia geral ter sido realizada através de meios telemáticos, quando, na sua perspetiva, a possibilidade de realização de assembleias gerais por essa via, prevista no art. 377º do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC) para as sociedades anónimas, não é extensível às sociedades por quotas, porquanto, nestas, os sócios podem votar por escrito, o que, de per se, afastará a aplicação daquele regime às sociedades por quotas, e porque, sendo a sociedade apelada uma sociedade civil, a aplicação à última do regime jurídico daquele art. 377º representaria uma dupla analogia, absolutamente proibida por lei, tendo o tribunal a quo julgado improcedente os fundamentos de recurso que se acabam de enunciar, não se conformando as apelantes com essa decisão, imputando-lhe erro de direito, e insistindo nesses fundamentos no âmbito do presente recurso de apelação como causa de invalidação das deliberações aprovadas na dita assembleia geral de 16 de maio de 2020, mediante a junção aos autos da ata da assembleia geral de 27 de março de 2021, pretende a apelada demonstrar que, ao insistirem nesse fundamento de invalidação de tais deliberações, as apelantes litigam de má fé, na medida em que o representante da apelante BB requereu que fosse convocada uma assembleia geral, a realizar por videoconferência, com o que terá, em suma, assumido uma posição contrária àquela que vem assumida pelas apelantes nos presentes autos. Conforme já referido, o documento junto pela apelada em anexo às contra-alegações de recurso respeita à ata da assembleia geral realizada em 27 de março de 2021. A contestação apresentada pela apelada no âmbito da presente ação deu entrada em juízo em 15/03/2021 (cfr. fls. 31). A 1ª Instância veio a conhecer do mérito da relação jurídica material controvertida delineada pelas partes na presente ação, por saneador-sentença proferido em 06/09/2021, em que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu a apelada (Ré) do pedido (cfr. fls. 57 a 64). Contudo, as apelantes interpuseram recurso desse saneador-sentença, tendo, por acórdão desta Relação de 20/01/2022, transitado em julgado, esse recurso sido julgado procedente, com fundamento de que nele a 1ª Instância omitiu a realização da audiência prévia, quando a realização dessa diligência era obrigatória, já que nele o tribunal a quo conheceu de mérito e, em consequência, anulou o saneador-sentença recorrido e determinou a baixa dos autos à 1ª Instância para que fosse convocada audiência prévia (cfr. fls. 102 a 113). Nessa sequência, a 1ª Instância convocou e realizou a audiência prévia, a qual teve lugar no dia 04/04/2022 (cfr. fls. 117 a 119), vindo em 25/05/2022, a proferir novo saneador-sentença, em que conheceu novamente de mérito, julgando improcedente a ação e absolvendo a apelada de todos os pedidos (principal e subsidiário), sendo, aliás, esse saneador-sentença basicamente a reprodução do antes proferido e que fora anulado por esta Relação. No contexto processual que se acaba de descrever impõe-se indagar da legalidade (ou não) da junção aos autos da ata da assembleia geral de 27 de março de 2021, junta em anexo às contra-alegações de recurso, face ao disposto no art. 651º, n.º 1 do CPC, onde se estatui que: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionas a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”. E, bem assim, do estabelecido no art. 425º, em que se lê que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”. O princípio geral vigente em sede de junção de prova documental ao processo é o de que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (art. 423º, n.º 1 do CPC). Os documentos podem ainda ser juntos aos autos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, isto é, em que se inicie efetivamente a realização da audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado (n.º 2, do art. 423º do CPC). Posteriormente ao vigésimo dia que antecede a data do início efetivo da audiência final e até ao encerramento da discussão em 1ª Instância[1] as partes podem ainda juntar documentos aos autos desde que se verifique alguma das seguintes circunstâncias: a) se a apresentação do documento “não tenha sido possível” até ao vigésimo dia que antecede o início efetivo da realização da audiência final, ou b) se a junção “se tenha tornada necessária em virtude de ocorrência posterior” (n.º 3, do art. 423º). Quanto à primeira das exceções que se acabam de referir, em que é admitida a junção de documentos ao processo após o decurso do prazo limite do vigésimo dia que antecede o início efetivo da audiência final e até ao encerramento da discussão (isto é, a concessão da palavra aos mandatários das partes para alegações orais), essa impossibilidade pode ser objetiva ou subjetiva. Ocorre impossibilidade objetiva quando se verifique uma impossibilidade prática, concreta ou real, porque ontológica, do apresentante juntar aos autos o documento em causa até à data limite do vigésimo dia que antecede o início da realização efetiva da audiência final, por o documento respeitar a factos ocorridos historicamente após essa data limite ou, respeitando a factos anteriores, o documento apenas foi produzido, e podia ser produzido, após o decurso dessa data limite. E ocorre impossibilidade subjetiva quando, apesar do documento respeitar a factos ocorridos historicamente antes do decurso da data limite do vigésimo dia que antecede o início efetivo da audiência final, o apresentante, por razões que não lhe são imputáveis, nomeadamente, a título de negligência, desconhecia a existência do documento em causa ou o respetivo teor, acabando apenas por tomar conhecimento do documento e/ou do respetivo teor após o decurso dessa data limite. Enquanto na impossibilidade objetiva essa impossibilidade resulta demonstrada pelo próprio teor do documento, pelo que o apresentante não terá de alegar e provar factos dos quais resultem ser justificada a junção do documento após o vigésimo dia que antecede o início da audiência final, na impossibilidade subjetiva o apresentante terá de alegar e provar factos dos quais decorra que a junção do documento após o decurso daquela data limite não lhe é imputável a título de culpa, nomeadamente, negligência[2]. Acresce que, quer na impossibilidade objetiva, quer na subjetiva, a parte tem de requerer a junção aos autos do documento logo que isso se lhe torne possível, sem aguardar qualquer dilação[3]. Em relação à outra situação excecional em que é admitida a junção aos autos de documento após o decurso daquele prazo limite do vigésimo dia que antecede o início efetivo da audiência final e até ao encerramento da discussão em 1ª Instância - a junção se ter tornado necessária em virtude de ocorrência posterior –, o elemento legitimador dessa junção tardia assenta na “ocorrência posterior” ao decurso desse prazo limite, isto é, o documento tem de se destinar à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo desse prazo limite[4]. Após o encerramento da discussão em 1ª Instância, não é admitida a junção aos autos de documentos, exceto em caso de recurso e nos termos limitados previstos nos arts. 425º e 651º, n.º 1 do CPC, os quais consentem que sejam juntos aos autos, com as alegações ou as contra-alegações de recurso, documentos em duas situações excecionais, a saber: a) a junção do documento não ter “sido possível até àquele momento”, isto é, até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, por impossibilidade objetiva ou subjetiva do apresentante[5], com o sentido e o alcance já supra enunciados; ou b) a junção do documento se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância. A junção de documento em fase de recurso com fundamento em a junção se ter revelado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância pressupõe que esse julgamento seja de todo surpreendente para as partes relativamente ao que seria expectável em face dos elementos do processo, ou seja, é necessário que a decisão da 1ª Instância se tenha baseado em meio de prova não esperado, designadamente, em meio probatório cuja junção foi determinada oficiosamente pelo tribunal ou em preceito jurídico ou em interpretação de preceito jurídico com cuja invocação/interpretação as partes não tivessem justificadamente contado[6]. Dito por outras palavras, para que a junção do documento seja permitida na fase de recurso com fundamento no julgamento realizado pela 1ª Instância, não basta que essa junção seja necessária em face desse julgamento, sendo antes essencial que a junção apenas se tenha tornado necessária em virtude do mesmo, isto é, que a decisão proferida pela 1ª Instância se tenha ancorado num elemento de cariz “inovatório” para as partes. Destarte, se a junção do documento era necessária para fundamentar a ação ou a defesa antes de ser proferida a decisão da 1ª Instância, e se essa decisão se baseou em meio de prova com que as partes podiam razoavelmente contar, como sejam depoimentos de parte ou de testemunhas, declarações de parte, prova documental, pericial ou por inspeção judicial, respetivamente, arrolados e requeridos pelas partes ou oficiosamente determinadas pelo juiz, mas, neste último caso, em momento processual em que ainda era possível às partes carrearem para os autos o documento que se propõem juntar em sede de alegações ou contra-alegações de recurso até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, então a junção do documento com as alegações ou as contra-alegações de recurso não ocorre em virtude do julgamento realizado pela 1ª Instância, uma vez que as partes tiveram oportunidade de controlar a prova produzida em que assentou a decisão da 1ª instância, e, inclusivamente, de juntar aos autos, na 1ª Instância, o documento que se propõem juntar na fase de recurso. Apenas se a decisão da 1ª Instância se baseou em meio probatório não oferecido pelas partes, mas que tenha sido junto aos autos por iniciativa oficiosa do tribunal, em momento processual em que já não lhes era possível apresentar o documento que agora se propõem juntar na fase de recurso, tendo em vista contrariar esse meio de prova, ou quando essa decisão tenha assentado em regra de direito ou interpretação com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não podiam contar, em obediência ao princípio do contraditório, na sua dimensão positiva de proibição de prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), impõe-se admitir a junção aos autos do documento na fase de recurso, uma vez que, nesses casos, e exclusivamente neles, se pode afirmar que essa junção se tornou necessária em virtude do julgamento realizado na 1ª Instância, dado o cariz inovador deste[7]. Revertendo ao caso dos autos, a ata de assembleia geral de 27 de março de 2021, junta pela apelada aos autos com as contra-alegações de recurso, na medida em que se destina a contrariar os fundamentos da ação alegados pelas apelantes na petição inicial, devia ter sido junta aos autos, em princípio, com a contestação. Contudo, tendo a contestação entrado em juízo em 15/03/2021 e, portanto, em data anterior à realização da assembleia geral a que se reporta aquela ata, naturalmente que a apelada não a poderia juntar aos autos com a contestação, devendo, porém, requerer a junção dessa ata aos autos logo que tal se lhe tornou possível, sem aguardar qualquer dilação. Na presente ação não teve lugar a realização de audiência final, uma vez que, por saneador-sentença proferido em 06/09/2021, a 1ª Instância conheceu de mérito e julgou a ação improcedente, absolvendo a apelada do pedido. Acontece que tendo sido interposto recurso desse saneador-sentença e tendo, por acórdão desta Relação de 20/01/2022, essa decisão sido anulada, por preterição de uma formalidade essencial – a realização de audiência prévia -, determinando a baixa dos autos à 1ª Instância, para que fosse convocada a realização de audiência prévia, salvo melhor opinião, impunha-se que a apelada tivesse junto aos autos a ata da assembleia geral de 27 de março de 2021, mal esse acórdão transitou em julgado ou, o mais tardar, em 04/04/2022, data em que se realizou a audiência prévia (antes omitida), em que aquela e as apelantes mantiveram as posições que já tinham explanado nos seus articulados, nomeadamente, quanto ao mérito da presente causa. Não o tendo feito e tendo a 1ª Instância proferido, em 25/05/2022, o saneador-sentença recorrido, em que conheceu novamente de mérito da causa, julgando a presente ação improcedente e absolvendo a apelada do pedido (principal e subsidiário), não só não existia qualquer impossibilidade objetiva ou subjetiva da apelante em juntar o documento em causa aos autos com o trânsito em julgado do acórdão prolatado por esta Relação em 20/01/2022 ou, o mais tardar, na audiência prévia que teve lugar em 04/04/2022, como o saneador-sentença recorrido, proferido em 25/05/2022, não apresenta qualquer aspeto de cariz inovatório, em termos de prova ou de direito, uma vez que é basicamente a reprodução do saneador-sentença antes proferido em 06/09/2021 e que veio a ser anulado mediante o acórdão prolatado por esta Relação em 20/01/2022. Destarte, no caso, não se mostram preenchidos os requisitos legais dos arts. 425º e 651º, n.º 1 do CPC, que permitem à apelada juntar aos autos, em anexo às suas contra-alegações, o documento n.º ..., que se consubstancia na ata da assembleia geral de 27 de março de 2021. Termos em que se impõe não admitir a junção aos autos do documento junto pela apelada com as contra-alegações de recurso e, após trânsito, ordenar o seu desentranhamento dos autos e devolução à apresentante, condenando-se esta nas custas do incidente anómalo que gerou, fixando-se a taxa de justiça em uma UC (art. 7º, n.ºs 4 e 8 do RCP e tabela II-A e ele anexa), o que se decide. b- Da nulidade do saneador-sentença recorrido por omissão de pronúncia. Advogam as apelantes que o saneador-sentença recorrido é nulo por omissão de pronúncia na medida em que nele o tribunal a quo não se terá pronunciado quanto à exceção da caducidade invocada pela apelada na contestação; quanto à aplicação (ou não) do regime jurídico previsto no Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente, do regime previsto no art. 377º à sociedade apelada e à relação estabelecida entre esta e os seus sócios, dado tratar-se de uma sociedade civil, quando a aplicação desse regime foi defendido pelas apelantes nos pontos 2º, 25º, 26º, 27º e 20º da petição inicial, mas em relação ao que a sociedade apelada dissentiu; quanto à inaplicação do regime jurídico especial atinente à pandemia, quando as apelantes, no ponto 39º da petição inicial, pugnaram pela não aplicação desse regime especial à assembleia geral da sociedade apelada convocada para o dia 16 de maio de 2020 e realizada nessa data, por na data da realização dessa assembleia o identificado regime especial já não ser aplicável em virtude do levantamento do estado de emergência; quanto à não convocação, com a antecedência legal das assembleias gerais telemáticas, quando essa questão foi suscitada nos pontos 43º e 44º da petição inicial; e, finalmente, por nele a 1ª Instância ter incorrido em “desrespeito e/ou errada interpretação e aplicação dos arts. 58º, n.ºs 1, al. a), b) e c), 2, 47º, 248º, n.º 1, a contrario sensu, 337º, n.ºs 4 e 6, al. b), 21º, n.ºs 1, al. b), 53º, n.º 1, 56º, n.ºs 1, al. a) e 2, todos do CSC. Analisadas as pretensas causas de nulidade do saneador-sentença recorrido por alegada omissão de pronúncia que se acabam de descrever, dir-se-á que as apelantes incorrem na recorrente confusão de conceitos sobre o que sejam causas determinativas de nulidade da decisão judicial e erros de julgamento, confusão essa que, aliás, é particularmente patente quanto afirmam que, na decisão recorrida, o tribunal a quo incorreu em desrespeito e/ou errada interpretação dos preceitos jurídicos que identificam, além de incorrerem em confusão sobre o que sejam “questões” e “argumentos”. Vejamos: Como temos recorrentemente escrito nos acórdãos que vimos relatando, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se terem violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC[8]. As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente elencadas no n.º 1 do art. 615º do CPC, e, conforme decorre das diversas alíneas desse n.º 1, reportam-se a vícios formais da sentença (art. 615º, n.º 1), acórdão (art. 666º, n.º 1) ou despacho (art. 613º, n.º 3) em si mesmos considerados, decorrentes de na sua elaboração e/ou estruturação o tribunal não ter respeitado as normas processuais que regulam essa elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão neles proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição, em termos de fundamentos – causa de pedir, o que se reconduz à nulidade por omissão e excesso de pronúncia, respetivamente - e/ou de pretensão – pedido, o que se traduz na nulidade por condenação ultra petitum), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados, ou seja, reafirma-se, vícios formais que afetam essas decisões de per se e/ou os limites à sombra dos quais são proferidas[9]. Diferentes desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com erros em que incorre o tribunal em sede de julgamento da matéria de facto e/ou em sede de julgamento da matéria de direito, decorrentes de, respetivamente, o juiz ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou como provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do que realizou (error facti) e/ou ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis ao caso, na interpretação dessas mesmas normas jurídicas, e/ou na sua aplicação à facticidade que se quedou como provada e não provada no caso concreto (error juris). Nos erros de julgamento assiste-se, assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação, interpretação e/ou aplicação das normas jurídicas aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais são proferidos, não os inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando[10]. Entre as causas de nulidade da sentença (acórdão ou despacho) taxativamente enunciadas no n.º 1 do art. 615º, contam-se o vício da nulidade por omissão ou excesso de pronúncia (al. d), do n.º 1 do art. 615º). Trata-se de nulidades que se relacionam com o preceituado no art. 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença (acórdão ou despacho) todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso. Na verdade, devendo o tribunal conhecer todas as questões que lhe são submetidas, isto é, todos os pedidos deduzidos pelas partes, com fundamento em todas as causas de pedir por elas invocadas para ancorar esses pedidos e todas as exceções invocadas por aquelas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim, todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitadas/arguidas pelas partes, pelo que não integra nulidade da sentença, a omissão de pronúncia quanto a exceção de conhecimento oficioso do tribunal, mas não arguida pelas partes e de que aquele não conheceu, mas sim erro de julgamento) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes na sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC)[11]. Inversamente o conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção não arguidos pelas partes e que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente configura nulidade por excesso de pronúncia. Note-se que a nulidade da sentença, acórdão ou despacho por omissão ou excesso de pronúncia é uma decorrência do princípio do dispositivo, segundo o qual, na sua dimensão tradicional, “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe ao autor instaurar a ação e através dos elementos subjetivos (partes) e objetivos (pedido e causa de pedir) da relação jurídica material controvertida que submete à apreciação e à decisão do tribunal, e que terá de indicar/narrar (causa de pedir) e formular (pedido) na petição inicial, circunscrever o thema decidendum[12] a que fica adstrito o tribunal, o qual apenas será complementado pelas exceções que o réu venha eventualmente a invocar na contestação e pela reconvenção que aí venha a deduzir e, bem assim, pelas contra exceções que o autor venha a opor às exceções invocadas pelo réu na contestação, mas é também decorrência do princípio do contraditório, o qual, na sua atual dimensão positiva, proíbe a prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer-se às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e de influírem para a decisão a ser nele proferida. Acresce precisar que, como já alertava Alberto dos Reis[13], impõe-se distinguir entre “questões” e “razões ou argumentos”. “(…) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”. Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões[14]. Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que aquele não possa conhecer oficiosamente determina a invalidade da sentença (acórdão ou despacho) por excesso de pronúncia. “Questões”, reafirma-se, não se confundem com os “argumentos” que as partes invocam em defesa dos seus pontos de vista ou para afastar o ponto de vista da parte contrária. Na esteira da doutrina e da jurisprudência, dir-se-á que “questões” são os núcleo fáctico-jurídico essenciais, centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidos ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir das teses em confronto[15]. Revertendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, “… assim como a ação se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir (…), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”[16]. Finalmente, impõe-se assinalar que apenas ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal silencie, em absoluto, qualquer pronúncia quanto à questão colocada pelas partes e não quando a aprecie de forma sintética e escassamente fundamentada[17], nomeadamente, quando não aprecie todos os argumentos invocados pelas partes na defesa da solução que propugnam para essa questão. Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, ao advogar que a 1ª Instância, ao julgar a ação improcedente e ao absolver a apelada do pedido, incorreu “em desrespeito e/ou errada interpretação e aplicação dos arts. 58º, n.ºs 1, al. a), b) e c), 2, 47º, 248º, n.º 1, a contrario sensu, 337º, n.ºs 4 e 6, al. b), 21º, n.ºs 1, al. b), 53º, n.º 1, 56º, n.ºs 1, al. a) e 2, todos do CSC”, as apelantes confundem indiscutivelmente causas determinativas de nulidade do saneador-sentença recorrido com erros de direito. Na verdade, ao sustentarem que, no saneador-sentença recorrido, a 1ª Instância desrespeitou e/ou errou na interpretação das normas que identificam, as apelantes estão indiscutivelmente a imputar à decisão de mérito nele proferida erro de direito, ou seja, o tribunal a quo terá conhecido de todas as “questões” que aquelas (Autoras) e a sociedade apelada (Ré) lhe colocaram, ou seja, conheceu de todos os pedidos com fundamento em todas as causas de pedir que as apelantes invocaram e deduziram na petição inicial, e também terá conhecido de todas as exceções que foram invocadas pela apelada na contestação, com vista a extinguir, impedir ou modificar os direitos de que aquelas se arrogam titulares e de onde fazem derivar o pedido a obterem, a título principal, a declaração de nulidade das deliberações sociais aprovadas na assembleia geral de 16 de maio de 2020, ou, subsidiariamente, a declaração da anulabilidade dessas deliberações e, bem assim, terá conhecido de todas as contra exceções que as apelantes invocaram na resposta à contestação a fim de neutralizarem as exceções invocadas pela apelada na contestação, mas terá decidido mal essas “questões”, porquanto, não terá, no saneador-sentença recorrido, avocado todas as normas jurídicas que identificam (arts. 58º, n.ºs 1, al. a), b) e c), 2, 47º, 248º, n.º 1, a contrario sensu, 337º, n.ºs 4 e 6, al. b), 21º, n.ºs 1, al. b), 53º, n.º 1, 56º, n.ºs 1, al. a) e 2, todos do CSC) e que, na sua perspetiva, seriam aplicáveis à relação jurídica material controvertida sobre que versam os presentes autos e/ou terá incorrido numa errónea interpretação dessas mesmas normas jurídicas e/ou numa incorreta aplicação das mesmas à facticidade que se quedou como provada e não provada nos autos. Acontece que esse vício que as apelantes imputam ao saneador-sentença recorrido reconduz-se não a qualquer vício formal do tipo enunciado no n.º 1 do art. 615º do CPC, determinativo de invalidade dessa decisão, nomeadamente, por omissão de pronúncia, mas a uma situação de erro de direito. Já ao pretenderem que no saneador-sentença recorrido a 1ª Instância não conheceu da exceção da caducidade que tinha sido aduzido pela apelada na petição inicial, com o que terá incorrido no vício da nulidade por omissão de pronúncia, é igualmente indiscutível a falta de razão das apelantes. Na verdade, é certo que a exceção perentória da caducidade do direito das apelantes a instaurarem a presente ação de anulação das deliberações sociais aprovadas na assembleia geral de 16 de maio de 2020, foi expressamente invocada pela apelada (Ré) nos pontos 1º a 5º da contestação e, como tal, em princípio, cumpria ao tribunal a quo conhecer dessa exceção perentória sob pena de, não o fazendo, incorrer em nulidade por omissão de pronúncia. Acontece que, no caso dos autos, essa nulidade por omissão de pronúncia não se verifica, apesar de no saneador-sentença recorrido a 1ª Instância ter omitido qualquer pronúncia em relação a essa exceção perentória. Com efeito, tendo a 1ª Instância (bem ou mal) julgado improcedentes todas as causas de invalidade das deliberações sociais aprovadas na assembleia geral de 16 de maio de 2020 invocadas pelas apelantes, tanto assim que julgou improcedente a presente ação e absolveu a apelada do pedido (principal e subsidiário), naturalmente que, nos termos do n.º 2, do art. 608º do CPC, estava prejudicado o conhecimento da exceção perentória da caducidade do direito de ação das apelantes a instaurarem a presente ação, com vista a obter a invalidação dessas deliberações sociais, uma vez que o conhecimento dessa exceção dependia de assistir efetivamente às apelantes o direito a pedirem a invalidação dessas deliberações sociais. Ora, tendo o tribunal a quo concluído pela improcedência do direito das apelantes a pedirem a declaração de invalidação de tais deliberações sociais com fundamento nas diversas causas de pedir por elas invocadas na petição inicial, naturalmente que não tinha (nem devia) pronunciar-se se esse pretenso direito das apelantes a obterem a invalidação dessas deliberações sociais estava ou não extinto, por caducidade, dado que em função da decisão de mérito nele proferida o direito arrogado pelas apelantes a obterem a declaração da nulidade ou da anulabilidade de tais deliberações não ficou demonstrado nos presentes e daí que o tenha julgado improcedente. Continuam as apelantes, imputando ao saneador-sentença recorrido o vício da nulidade por omissão de pronúncia, sustentando que, em sede de petição inicial, adotaram o entendimento que sendo a apelada uma sociedade civil, nunca lhe poderia ser aplicável o regime jurídico previsto no art. 377º do CSC, que permite a realização de assembleias gerais, nas sociedades anónimas, através de meios telemáticos, uma vez que, nas sociedades por quotas prevê-se que os sócios possam votar, nas assembleias gerais, por escrito, o que, na sua perspetiva, afasta a aplicação às sociedades por quotas do regime subsidiário fixado para as sociedades anónimas na al. b), do n.º 6, do enunciado art. 377º, além de que, a aplicação desse regime a uma sociedade civil, como é o caso da sociedade apelada, levaria, na sua perspetiva, a uma dupla analogia, absolutamente proibida por lei, e que tendo a apelada dissentido desse seu entendimento jurídico, na decisão recorrida o tribunal a quo não se pronunciou sobre essas questões que suscitou, com o que terá incorrido em nulidade por omissão de pronúncia, mas, mais uma vez, sem qualquer arrimo jurídico possível. Na verdade, ao assim argumentarem as apelantes confundem questão com argumentos. A “questão” que o tribunal a quo teria de decidir no saneador-sentença recorrido consistia em saber se à sociedade apelada é ou não aplicável o regime jurídico do art. 377º, n.º 6, al. b) do CSC, e quanto a essa concreta questão basta a mera leitura do saneador-sentença recorrido para se concluir que nele a 1ª Instância pronunciou-se expressamente, a fls. 123 a 124 do processo físico, ao nele expender que: “Dispõe o art. 377º, n.º 6 do CSC que as sociedades anónimas podem realizar as assembleias pelo modelo tradicional, presencial, num local determinado, bem como a possibilidade de, em alternativa, ser realizada com recurso a meios telemáticos. (…). Sendo o regime aplicável às assembleias gerais das sociedades por quotas, fundamentalmente, um regime remissivo para o das sociedades anónimas (cf. art. 248º, n.º 1 do CSC), as soluções previstas para estas devem considerar-se também aplicáveis, em princípio, e sem prejuízo das ressalvas. (…)”, concluindo que: “Face ao que acima ficou dito, outra não poderá ser a posição do tribunal que não passe pela admissibilidade, também na sociedade por quotas, como sucedeu com a sociedade requerida, da realização de assembleia geral com recurso a meios telemáticos à distância, vulgo meios telemáticos”. A alegação das apelantes de que, nas sociedades por quotas, os sócios podem votar por escrito e, que por isso, essa possibilidade afastará a aplicação a esse tipo de sociedades do regime previsto no art. 377º, n.º 6, al. b) do CSC, bem como que, face à natureza de sociedade civil da sociedade apelada, a aplicação a esta desse regime que permite que, nas sociedades anónimas, as assembleias gerais, salvo disposição em contrário prevista no contrato de sociedade, possam ser realizadas através de meios telemáticos, implicaria uma dupla analogia, não consentida por lei, não passa de “argumentos” que invocam quando propendem no sentido da inaplicação daquele regime jurídico do art. 377º, n.º 6, al. b) do CSC quanto às assembleias gerais da sociedade apelada, argumentos esses em relação aos quais, embora seja conveniente o tribunal a quo ponderar e pronunciar-se em sede de decisão recorrida, por forma a afastá-los, colocando-se ao abrigo de um eventual erro de julgamento e por forma a proferir uma decisão completa e, portanto, convincente para as partes, de modo a promover a paz social, mas cuja falta de apreciação não determina qualquer nulidade por omissão de pronúncia. Destarte, a questão que as partes submeteram à apreciação do tribunal e em relação à qual este tinha efetivamente de se pronunciar, sob pena de incorrer em nulidade por omissão de pronúncia, era a de se saber se o regime jurídico do art. 377º, n.º 6 do CSC, que exceto quando o contrato de sociedade o proíba, permite que nas sociedades anónimas as assembleias gerais sejam realizadas através de meios telemáticos, é ou não aplicável às sociedades por quotas e, em especial, às sociedades civis sob a forma comercial, como é o caso da sociedade apelada, foi concreta e expressamente apreciada no saneador-sentença recorrido e daí que este não padeça do vício da nulidade por omissão de pronúncia que lhe é assacado pelas apelantes. De resto, conforme antedito, a nulidade por omissão de pronúncia supõe que o tribunal, no saneador-sentença recorrido, tivesse silenciado em absoluto a apreciação da questão acabada de enunciar, e não se preenche com uma decisão meramente sintética e escassamente fundamentada quanto a essa concreta questão, nomeadamente, por nela o tribunal não se ter pronunciado sobre todos os argumentos e razões aduzidas pelas partes na defesa do seu ponto de vista quanto à solução jurídica que propugnam para a questão decidenda[18]. Argumentam as apelantes que, no saneador-sentença recorrido, a 1ª Instância incorreu em nulidade por omissão de pronúncia ao não se ter pronunciado quanto à não aplicação do regime jurídico especial “atinente à situação de pandemia, que permitia, em certas circunstâncias, a realização de atos por via telemática”, quando aquelas, no item 39º da petição inicial, pugnaram pela não aplicação desse regime especial à assembleia geral da sociedade apelada do dia 16 de maio de 2020 por, na data da realização dessa assembleia, já ter “sido levantado o estado de emergência, pelo que nada obstava à realização da assembleia geral presencial”. Salvo o devido respeito por opinião contrária, ao assim argumentar a apelante confunde novamente “questões” com “argumentos”. A questão que as apelantes suscitaram nos autos e que, portanto, tinha de ser apreciada e decidida pelo tribunal a quo, sob pena de incorrer em nulidade por omissão de pronúncia, era a de se saber se à assembleia geral da apelada convocada para o dia 16 de maio de 2020 era ou não aplicável o regime especial aprovado para a pandemia. A alegação das apelantes de que, à data da realização dessa assembleia geral, o regime especial já tinha sido revogado e que, por isso, já não era viável realizar essa assembleia geral por meios telemáticos ao abrigo dessa legislação especial, consubstancia um mero “argumento” que as mesmas aduzem no sentido da não aplicação desse regime especial a essa concreta assembleia geral. Apesar de, no saneador-sentença recorrido o tribunal a quo ter decidido no sentido de que o regime jurídico previsto no art. 377º, n.º 6, al. b) do CSC, permite que, nas sociedades anónimas, as assembleias gerais, salvo disposição em contrário do contrato de sociedade, possam ser realizadas através de meios telemáticos, ser aplicável às sociedade por quotas, por via da norma remissiva do n.º 1, do art. 248º do mesmo Código, e desse regime jurídico ser, consequentemente, aplicável à sociedade aqui apelada e da supra referida questão se encontrar, por essa via, ultrapassada nos autos, porquanto, face ao assim decidido (bem ou mal), existiria uma disposição legal no âmbito do CSC que permitia que a assembleia geral da apelada tivesse sido realizada, em 16 de maio de 2020, através de meios telemáticos, sem ser necessário recorrer ao regime jurídico especial decorrente do estado de emergência aprovado para o período da pandemia provocada pela Covid, o que, de per se, afastaria qualquer nulidade que pudesse afetar o saneador-sentença recorrido, nomeadamente, por omissão de pronúncia, ainda assim, neste, a 1ª Instância conheceu expressamente daquela questão, ao escrever que: “(…), desde o dia .../.../2020 foi criado um regime excecional, em consequência da pandemia que vivemos. Tendo a mesma originado perturbações no normal funcionamento dos órgãos societários, em especial, no que respeita à realização das assembleias gerais, que levaram o legislador a intervir sobre a matéria, por forma a tentar minimizar as consequências e as dificuldades que, para aquelas reuniões de sócios, resultavam do referido confinamento a que as pessoas foram sujeitas. (…), com a Lei n.º 1-A/2020, veio estabelecer a possibilidade de as reuniões dos órgãos colegiais de quaisquer entidades públicas ou privadas (onde se incluem as sociedades) poderem ser realizadas com recurso a meios telemáticos (cfr. art. 5º, n.º 1 do diploma)”. Destarte, ao assim ter expendido, a 1ª Instância conheceu expressamente da questão suscitada, concluindo não só que a Lei n.º 1-A/2020, seria aplicável à assembleia geral da sociedade apelada, convocada e realizada no dia 16 de maio de 2020, como que o art. 5º, n.º 1, dessa mesma Lei, que vigorava à data em que essa assembleia foi convocada, permitia que essa assembleia geral fosse realizada por meios telemáticos. A alegação das apelantes vertida no art. 39º da petição inicial, nos termos da qual, no dia da realização da assembleia geral “o estado de emergência já havia sido levantado e que a legislação especial desse período não prevê a realização de assembleias gerais por via telemática”, não passa, conforme antedito, de um argumento que levaria que, na sua perspetiva, fosse afastada a possibilidade da realização dessa assembleia geral por via telemática, ainda que à data da convocação da mesma a dita legislação especial promulgada para o estado de emergência fosse aplicável à relação material controvertida sobre que versam os autos e essa legislação especial permitisse que essa assembleia geral fosse realizada por meios telemáticos. Acontece que, conforme antedito, se o tribunal estava obrigado a conhecer de todas as questões que as partes lhe submeteram, estas entendidas nos termos já acima enunciados, sob pena de incorrer em nulidade por omissão de pronúncia, já não era obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos. Aliás, quanto ao argumento, bem ou mal (o que contende com o mérito e, portanto, com erro de direito), a 1ª Instância, em sede de saneador-sentença recorrido rejeitou-o implicitamente ao nele decidir que a Lei n.º 1-A/2020, vigente à data da convocação da assembleia geral para o dia 16 de maio de 2020, é aplicável à presente relação jurídica material controvertida e que o art. 5º, n.º 1 desse diploma permite que as assembleias gerais das sociedades, onde se inclui a sociedade apelada, sejam realizadas com recurso a meios telemáticos, deixando implicitamente decidido que as posteriores alterações ocorridas ao nível da mencionada legislação especial após convocação dessa assembleia geral se mostram irrelevantes, relevando tão-somente o regime especial que se encontrava em vigor à data da convocação da identificada assembleia geral para o dia 16 de maio de 2020. Acresce que também a alegada nulidade do saneador-sentença recorrido por pretensa omissão de pronúncia suscitada pelas apelantes, ao sustentarem que naquele a 1ª Instância não se teria pronunciado sobre a antecedência legal das assembleias gerais telemáticas, quando essa questão foi por elas suscitada nos pontos 43º e 44º da petição inicial, carece de qualquer fundamento fáctico e/ou jurídico possível. Na verdade, lê-se no saneador-sentença recorrido, a fls. 123 verso e 124 do processo físico, que: “(…). Para as sociedades por quotas, o art. 248º, n.º 3 do CSC estabelece que a convocatória deve ser enviada, por carta registada, com a antecedência mínima de 15 dias, sendo este prazo para a expedição e não para a receção, a menos que o contrato disponha coisa diversa. A questão da convocatória é precisamente uma das que está concretamente regulada para a sociedade por quotas e, para este tipo societário, apenas se admite que a convocatória seja enviada por carta registada, pelo que, outras modalidades de convocação não se podem considerar admissíveis”, concluindo que, a convocatória para a realização da assembleia geral deve ser expedida “com a antecedência mínima de 15 dias, cujo prazo foi respeitado no caso em apreço, como se extrai dos factos provados”. Destarte, no saneador-sentença recorrido, o tribunal a quo pronunciou-se expressamente sobre o prazo com que as assembleias gerais da sociedade apelada, a serem realizadas por meios telemáticos, teriam de ser convocadas, decidindo no sentido que essa convocatória tinha de ser impreterivelmente realizada por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de 15 dias, independentemente do modo como essa assembleia geral seria realizada (presencialmente ou por meios telemáticos) e, bem assim, que esse prazo se encontrava observado no caso dos autos. Naturalmente que caso, por via da assembleia geral convocada ser a realizar por meios telemáticos, o dito prazo não seja de 15 dias, mas de 21 dias (a que alude o n.º 4 do art. 377 do CSC), conforme pretendem as apelantes acontecer nos pontos 43º e 44º da petição inicial, trata-se de erro de julgamento que afetará o saneador-sentença recorrido, e não causa determinativa de invalidade deste, nomeadamente, por omissão de pronúncia. Decorre do que se vem dizendo que todos os fundamentos em que as apelantes ancoram a pretensa nulidade do saneador-sentença recorrido por alegada omissão de pronúncia ou se reconduzem a erros de julgamento ou decorrem de confundirem “questões” com “argumentos”. Daí que o saneador-sentença recorrido não padeça de qualquer das nulidades, nomeadamente, por omissão de pronúncia, que as apelantes lhe imputam. Termos em que, sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede o vício da nulidade por pretensa omissão de pronúncia que as apelantes assacam ao saneador-sentença recorrido. 3- Do Direito 3.1- Da aplicabilidade do regime jurídico do art. 247º, n.º 6, al. b) do CSC às sociedades por quotas, nomeadamente, à sociedade apelada. No saneador-sentença recorrido a 1ª Instância considerou que, por via da remissão do n.º 1, do art. 248º do CSC, o regime jurídico previsto no art. 377º, n.º 6, al. b), que permite que, nas sociedades anónimas, exceto nos casos em que o contrato de sociedade o proíba, as assembleias gerais possam ser realizadas através de meios telemáticos, é aplicável às sociedades por quotas e, em consequência, julgou improcedente a invalidade que as apelantes assacam à assembleia geral da sociedade apelada que teve lugar em 16 de maio de 202, e às deliberações nela aprovadas, decorrente dessa assembleia geral ter sido realizada por meios telemáticos. As apelantes não se conformam com o assim decidido, imputando-lhe erro de direito, advogando que, “estando especificamente regulado no CSC que as assembleias gerais das sociedades por quotas devem ser realizadas presencialmente, num lugar previamente estabelecida, podendo em alternativa recorrer-se à deliberação por voto escrito –, existindo, portanto, um regime próprio para as sociedades por quotas, prevendo-se a possibilidade de realização de deliberações por voto escrito, nos termos e com a ritologia estabelecido no art. 247º do CSC -, ocorre uma previsão expressa que impede o recurso à aplicação do regime das assembleias gerais das sociedades anónimas, prescrito no art. 377º do CSC”. Mais aduzem que, sendo a sociedade apelada uma sociedade civil, a aplicação “do art. 377º do CSC a uma sociedade civil representaria uma dupla analogia, absolutamente proibida por lei”. Vejamos se assiste razão às apelantes quanto às críticas que apontam à solução jurídica acolhida no saneador-sentença recorrido. Neste conspecto, incumbe precisar que o erro de direito que as apelantes assacam ao saneador-sentença recorrido reconduz-se a duas questões, a saber: a) da aplicabilidade do Código das Sociedades Comerciais à sociedade apelada, que segundo as apelantes é uma sociedade civil, a propósito do que, o tribunal a quo, sem maiores explicações ou desenvolvimentos, considerou ser aplicável o regime jurídico do Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente, a parte especial deste que rege sobre as sociedades por quotas; e a b) da aplicabilidade (ou não) do regime jurídico fixado no art. 377º, n.º 6, al. b) do CSC para as assembleias gerais das sociedades anónimas às sociedades por quotas. 3.1.1- Da aplicabilidade do Código das Sociedades Comerciais às sociedades civis sobre a forma comercial. O art. 1º, n.º 1 do DL. n.º 336/89, de 04/10, define as sociedades de agricultura de grupo (SAG) como sociedades civis sob a forma de sociedade por quotas tendo por objeto a exploração agrícola ou agro-pecuária realizada por um número limitado de agricultores, os quais põem em comum a terra, os meios financeiros e os outros fatores de produção e asseguram conjuntamente a gestão da empresa e as suas necessidades em trabalhos, em condições semelhantes às que se verificam nas explorações de caráter familiar. No caso dos autos, conforme decorre da facticidade que se quedou como provada nos pontos 1º a 4º da decisão recorrida, a sociedade apelada é uma sociedade agrícola, que tem por objeto a exploração agrícola de bens próprios. Independentemente da sociedade apelada ser ou não uma sociedade de agricultura de grupo (SAG), para o que a facticidade que se apurou nos autos sob os identificados pontos 1º a 4º é de todo insuficiente para se proceder ao seu enquadramento enquanto sociedade de agricultura de grupo, o certo é que se está perante uma sociedade agrícola, cujo objeto social é a exploração agrícola de bens próprios. Nos termos dos parágrafos 1º e 2º do art. 230º do Cód. Comercial, os atos (atividade) praticados por empresas, singulares ou coletivas, no âmbito da atividade agrícola, silvícola, florestal e pecuária, excluem-se do comércio em sentido jurídico e, por isso, são tidos como atos não comerciais. Deste modo, tendo a sociedade apelada por objeto a exploração agrícola de bens próprios, a sua atividade é tida por lei como não comercial e daí que se trate de uma sociedade civil. Na verdade, a sociedade será comercial sempre que se proponha a realização de atos de comércio (celebração de contratos comerciais) ou de uma atividade económica empresarial, nos termos do art. 230º do Cód. Comercial, com fins lucrativos[19], e será civil, quando seja constituída nos termos dos arts. 980º e segs. do CC, tendo em vista a obtenção do lucro, mas cujo objeto (atividade) é não comercial, isto é, que não tem por objeto a prática de atos de comércio[20]. Acontece que o n.º 4, do art. 1º do CSC, permite que as sociedades civis adotem um dos tipos de sociedade que prevê no seu n.º 2, ou seja, umas das formas típicas que podem ser adotadas pelas sociedades comerciais para que estas possam ser qualificadas como sendo efetivamente comerciais – sociedade em nome coletivo, sociedade por quotas, sociedade anónima, sociedade em comandita simples ou sociedade em comandita por ações -, estabelecendo que, sempre que as sociedades “que tenham exclusivamente por objeto a prática de atos não comerciais” adotem um desses tipos societários, é-lhes, “nesse caso, aplicável a presente lei”. Dito por outras palavras, as sociedades que tenham por objeto a prática de atos exclusivamente não comerciais, isto é, as sociedades civis, podem ou não adotar uma das formas comerciais que se encontram elencadas de modo taxativo no n.º 2, do art. 1º do CSC, estando, portanto, na disponibilidade dos sócios adotarem ou não um dos enunciados tipos sociais. Caso os sócios optem por não sujeitar a sociedade civil que constituem a uma das formas das sociedades comerciais tipificadas no CSC, a sociedade assim constituída será uma sociedade civil sob a forma civil, que ficará submetida ao regime jurídico dos arts. 980º a 1021º do CC. No entanto, caso os sócios optem por sujeitar a sociedade civil que constituem a um dos tipos societários previstos no n.º 2, do art. 1º do CSC, essa sociedade será uma sociedade civil sob a forma comercial. As sociedades civis sob a forma comercial são, assim, as que têm um objeto civil, ou seja, que visam exclusivamente a prática de atos não comerciais, mas em relação às quais foi adotado um dos tipos de sociedade comercial taxativamente enunciados no art. 1º, n.º 2 do CSC. Às sociedades civis sob a forma comercial, nos termos do n.º 4, do art. 1º do CSC, é aplicável o Código das Sociedades Comerciais, isto é, o regime jurídico geral nele previsto aplicável a todos os tipos societários e o regime jurídico específico para o tipo societário escolhido[21]. No caso dos autos, apesar da sociedade apelada ser uma sociedade civil, esta foi constituída sob a forma de sociedade por quotas, e daí que se esteja perante uma sociedade civil sob a forma comercial, à qual, nos termos do n.º 4, do art. 1º do CSC, é aplicável o regime jurídico previsto no Código das Sociedades Comerciais, mais concretamente, o regime geral nele estabelecido para todos os tipos societários e, bem assim, o específico nele previsto para a sociedade por quotas. Destarte, diversamente do pretendido pelas apelantes, a decisão recorrida, ao aplicar à relação jurídica material controvertida sobre que versam os presentes autos as normas jurídicas gerais previstas no CSC, aplicáveis a todos os tipos societários, e as específicas nele enunciadas para as sociedades por quotas, não incorreu em nenhum erro de direito, improcedendo este fundamento de recurso. 3.1.2- Da aplicabilidade do regime jurídico fixado no art. 377º, n.º 6, al. b) do CSC para as assembleias gerais das sociedades anónimas à sociedade apelada. Dissentem as apelantes do facto da 1ª Instância, socorrendo-se do disposto no n.º 1, do art. 248º do CSC, ter aplicado à assembleia geral da sociedade apelada, convocada para 16 de maio de 2020, pelas 10 horas, o regime jurídico previsto no art. 377º, n.º 6, al. b) daquele Código, para as assembleias gerais das sociedades anónimas, em que, exceto se o contrato de sociedade dispuser em sentido contrário, permite que as assembleias gerais de tais sociedades se processem através de meios telemáticos e, em consequência, ter julgado improcedente a invalidade das deliberações nela aprovadas invocadas pelas apelantes decorrentes dessa assembleia geral ter sido realizada através de meios telemáticos, advogando que esse entendimento padece de erro de direito, por ser contrário ao disposto no art. 247º, n.º 2, o qual, ao permitir que as deliberações sociais tomadas nas assembleias gerais das sociedades por quotas possam ser votadas por escrito, na sua perspetiva, de per se, exclui a possibilidade de às assembleias gerais das sociedades por quotas ser aplicável o regime jurídico previsto na al. b), do n.º 2, do art. 377º. Acresce que a aplicação desse regime jurídico à sociedade apelada, que é uma sociedade civil, na perspetiva das apelantes, implicaria uma dupla analogia, absolutamente proibida por lei. Quid iuris? A sociedade apelada é uma sociedade civil sob a forma comercial, mais concretamente, constituída sob a forma de sociedade por quotas, encontrando-se, por isso, por força do n.º 4, do art. 1º do CSC, submetida ao regime jurídico previsto no Código das Sociedades Comerciais, mais concretamente, ao geral, nele enunciado para todos os tipos societários, e ao especial, aplicável às sociedades por quotas. Lê-se no n.º 1 do art. 248º do CSC que: “Às assembleias gerais das sociedades por quotas aplica-se o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas”. Assim, por via da norma remissiva que se acaba de transcrever, com exceção do que se encontrar, expressa e especificamente, regulado no CSC para a realização das assembleias gerais realizadas no âmbito das sociedades por quotas, essas assembleias gerais que sejam realizadas no âmbito das sociedades por quotas encontram-se submetidas ao regime jurídico fixado no CSC para a realização das assembleias gerais no âmbito das sociedades anónimas. As especificidades próprias a que o CSC submete a realização das assembleias gerais no âmbito das sociedades por quotas constam dos nºs 2 a 6, do art. 248º do CSC e reconduzem-se ao facto de: nelas qualquer sócio poder exercer os direitos atribuídos aos acionistas minoritários, quanto à convocação e à inclusão de assuntos na ordem do dia (n.º 2); a convocação da assembleia geral caber a qualquer gerente, e essa convocação ter de ser feita por carta registada com a antecedência mínima de 15 dias, salvo se a lei ou o contrato preverem mais formalidades ou estabelecerem um prazo mais longo (n.º 3); salvo disposição diversa do contrato de sociedade, a presidência da assembleia geral pertencer ao sócio presente que detiver ou representar mais capital ou, em igualdade de circunstâncias, ao sócio mais velho (n.º 4); mesmo impedido de votar, a todo o sócio assistir o direito a participar nas assembleias gerais (n.º 5); e as atas terem de ser assinadas por todos os sócios que participem na assembleia geral a que se reporta essa ata (n.º 4). Nessas especificidades próprias que os identificados n.ºs 2 a 6 do art. 248º do CSC estipulam para as assembleias gerais a serem realizadas nas sociedades por quotas nada se prevê quanto ao regime jurídico que se encontra fixado nos n.ºs 5 a 8 do art. 377º para a convocação e forma de realização das assembleias gerais a serem realizadas no âmbito das sociedades anónimas e daí que as identificadas disposições legais sejam aplicáveis à convocação (com ressalva do disposto no n.º 3, do art. 248º) e à realização das assembleias gerais nas sociedades por quotas, por força da remissão operada pelo n.º 1 desse art. 248º[22]. Ora, prevendo-se na al. b), do n.º 6, do art. 377º do CSC que, nas sociedades anónimas: “As assembleias gerais são efetuadas, salvo disposição em contrário no contrato de sociedade, através de meios telemáticos”, é apodítico que, por força do n.º 1 do art. 248º do mesmo diploma, a possibilidade de serem realizadas assembleias gerais por via telemática, no âmbito das sociedades por quotas, cujo regime jurídico é aplicável a sociedade apelada (uma sociedade civil constituída sob a forma comercial de sociedade por quotas, nos termos do art. 1º, n.º 4 do mesmo Código) apenas estará afastada quando o contrato de sociedade o declare direta e expressamente[23]. Note-se que ao que se acaba de concluir, contrariamente ao pretendido pelas apelantes, não obsta a circunstância do art. 247º, n.º 2 do CSC, prever que, nas sociedades por quotas, salvo disposição da lei ou cláusula contratual que o proíba, é lícito aos sócios acordar que a deliberações sejam tomadas por voto escrito, nos termos dos nºs 3 a 8 desse mesmo preceito. Com efeito, as deliberações por voto escrito são de facto deliberações por concordância com uma proposta remetida, por escrito, por um gerente da sociedade a todos os sócios propondo-lhes que determinada deliberação tendo por objeto determinada matéria que lhes indica, seja votada por escrito, e assemelham-se a uma espécie de referendo interno na sociedade[24]. Trata-se de um procedimento complexo e que apenas é admitido quando a lei ou o pacto societário não exclua essa modalidade de votação e quando nenhum dos sócios esteja impedido de votar, em geral ou no caso de espécie (n.ºs 2 e 8, do art. 247º). Nesses casos, o gerente tem de efetuar uma consulta por carta registada dirigida a todos os sócios, com indicação do objeto da deliberação a tomar, no sentido destes darem (ou não) o seu assentimento a que se vote por escrito quanto à matéria sobre que versa a deliberação que lhes indica, avisando-os de que a falta de resposta dentro do prazo de 15 dias seguintes à expedição da carta será tida como assentimento à dispensa da assembleia (n.º 3, do art. 247º). Apenas no caso de nenhum dos sócios se opor à votação por escrito, o gerente tem de enviar a todos os sócios a proposta concreta de deliberação, acompanhada pelos elementos necessários para a esclarecer, e fixando prazo para o voto, o qual não poderá ser inferior a 10 dias (n.º 4, do art. 247º); o voto escrito terá de identificar a proposta e os sócios terão de concordar in totum ou não com essa proposta de deliberação, posto que qualquer modificação ou condicionamento daquela envolve a sua rejeição (n.º 5, do mesmo preceito), e, finalmente, o gerente lavra ata onde transcreve tudo (n.º 6), considerando-se a deliberação tomada no dia em que for recebida a última resposta ou no fim do prazo marcado, caso algum sócio não responda (n.º 7). Conforme resulta do que se vem dizendo, o voto escrito que se encontra previsto no n.º 2, do art. 247º do CSC para as sociedades por quotas, para além de estar condicionado à inexistência de disposição legal ou contratual que proíba essa modalidade de votação e ao facto de nenhum sócio estar impedido de votar, é um processo longo e pesado, que tem a vantagem de permitir contornar o desinteresse e o absentismo dos sócios e de os poupar ao esforço de se deslocarem às assembleias gerais, mas que naturalmente não tem a virtualidade de substituir as vantagens do voto por meios telemáticos, os quais ao permitirem a realização de assembleias gerais virtuais stricto sensu, em que não existe contacto físico entre os sócios, tudo se passando via Internet, em que os sócios participam e votam nessas assembleias a partir do local em que se encontram, nomeadamente, a partir das suas residências ou locais de trabalho; de assembleias paralelas ou em satélite, em que a assembleia geral de sócios decorre, simultaneamente, em locais distintos, nos quais se concentram os sócios e os meios de telecomunicação, visuais e auditivos, que permitem que todos sigam o que se passa, participando e votando na assembleia geral; ou as assembleias mistas, em que se combina a presença física de parte dos sócios com outros que participam na assembleia geral via Internet, acarretam inegáveis vantagens para os sócios e para a própria sociedade, ao evitar que os primeiros se tenham de deslocar fisicamente ao local onde a assembleia geral está a decorrer, com os inerentes inconvenientes para as suas vidas pessoais e profissionais e os encargos que essas deslocações envolvem, e ao promover os interesses destes e da própria sociedade, ao combater o absentismo e ao fomentar a participação dos sócios na via societária, vantagens essas a que naturalmente o voto escrito não dá resposta. Note-se, aliás, que, reconhecendo as vantagens das novas tecnologias que se acabam de enunciar, “o legislador optou por uma solução legal supletiva de caráter permissivo, no sentido de que o silêncio tem valor declarativo permissivo, ou de “quem cala consente”, numa expressão vulgar da língua portuguesa. Assim, as sociedades que pretendam afastar as novas tecnologias do funcionamento dos respetivos órgãos sociais devem proceder à alteração prévia do contrato e expressamente clausular essa proibição”[25]. Destarte, perante a norma remissiva contida no n.º 1 do art. 248º do CSC, em que se declara expressamente que às assembleias gerais das sociedades por quotas aplica-se o disposto sobre as assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas, o facto das normas contidas no n.ºs 2 a 6 do identificado art. 248º, onde se estatuem as especificidades próprias que o CSC submete a realização de assembleia gerais no âmbito das sociedades por quotas, nada se prever quanto à possibilidade (ou não) dessas assembleias serem realizadas por meios telemáticos, o que significa que face àquela norma remissiva do art. 248º, n.º 1, o regime do art. 377º, n.º 6, al. b) daquele Código fixado para as assembleias gerais a serem realizadas nas sociedades anónimas é também aplicável às sociedades por quotas, às vantagens que a realização de assembleias gerais por meios telemáticos trás para os sócios e a própria sociedade e à consideração que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, n.º 3 do CC), na ausência de disposição estatutária da sociedade apelada que proíba a realização das suas assembleias gerais por via telemática (cuja existência as apelantes nem sequer alegaram, pelo que naturalmente não o puderam provar), ao decidir que a realização da assembleia geral da sociedade apelada realizada em 16 de maio de 2020, pelas 10 horas, por via telemática, e as deliberações nela aprovadas não padeciam de qualquer invalidade decorrente do modo como aquela assembleia foi realizada, a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que as apelantes lhe imputam. Uma última nota. A alegação das apelantes de que a aplicação à sociedade apelada do regime do art. 377º, n.º 6, al. b) do CSC implicaria uma dupla analogia, não tem qualquer fundamento jurídico. Com efeito, para que ocorresse aplicação analógica da dita norma era necessário que se estivesse perante uma lacuna legislativa, que tivesse de ser preenchida pelo julgador, o que não é indiscutivelmente a situação dos autos, quando se verifica que a aplicação do regime jurídico do art. 377º, n.º 6, al. b), às sociedades por quotas é uma decorrência da norma remissiva contida no n.º 1, do art. 248º do CSC. E quanto à aplicação do regime jurídico das sociedades por quotas previsto no CSC à sociedade apelada, essa aplicação decorre do n.º 4, do art. 1º do CSC, pelo que, mais uma vez, não existe nenhuma lacuna jurídica que se imponha preencher. Decorre do que se vem dizendo que, ao concluir que a assembleia geral da sociedade apelada que teve lugar no dia 16 de meio de 2020 e as deliberações nela aprovadas não padecem de nenhuma das invalidades que as apelantes lhe assacam, decorrentes dessa assembleia geral ter sido realizada através de meios telemáticos, a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que estas lhe assacam, improcedendo este fundamento de recurso. 3.2- Da ausência de indicação na convocatória do local para a realização da assembleia geral. Sustentam as apelantes que, “ao invés do que considerou a Meritíssima Juiz a quo, o link da internet a que se poderia participar na reunião não equivale a assinalar na convocatória o local da reunião, porque o local tem de ser um local físico, onde as pessoas se possam materialmente e fisicamente encontrar para reunir se o desejarem fazer”, mas, antecipe-se desde já, sem manifesta razão. É sabido que, por força da assunção dessa qualidade, os sócios, enquanto proprietários de uma participação social, ficam investidos numa posição complexa perante a pessoa jurídica societária em relação à qual detém essa qualidade, recheada de um conjunto unitário de direitos, deveres, ónus e expectativas, contando-se entre aqueles, no que ao caso releva, o de participar em deliberações de sócios (art. 21º, n.º 1, al. b) do CSC), sendo que é através do voto que o sócio exprime a sua vontade, contribuindo, assim, para a formação da vontade societária. O direito à participação nas deliberações compreende o direito dos sócios de estarem presentes nas assembleias, de nelas discutirem os assuntos sobre os quais se deliberará e o direito a votar as propostas, tratando-se, aliás, de uma prerrogativa que, nos termos dos arts. 21º, n.º 1, al. b) e 248º, n.º 5 do CSC, não pode, por norma, ser suprimida nas sociedades por quotas, em que os sócios, mesmo impedidos de votar, nomeadamente por conflito de interesses com a sociedade, não podem ser privados do direito de participar nas assembleias, designadamente, nelas usando da palavra, colocando questões, pronunciando-se sobre as matérias sob apreciação, solicitando informações e formulando propostas[26] . Nas sociedades por quotas, tal como nas sociedades anónimas, as assembleias gerais podem funcionar em termos clássicos, isto é, presencialmente, num determinado local, o qual, em princípio, será a sede da sociedade, salvo se as instalações desta não permitirem a reunião em condições satisfatórias e o presidente da mesma escolher outro local (art. 377º, n.º 6, al. a) ex vi, quanto às sociedades por quotas, art. 248º, n.º 1 do CSC), ou, salvo disposição em contrário do contrato de sociedade, através de meios telemáticos (art. 377º, n.º 6, al. b) ex vi, quanto às sociedades por quotas, art. 248º, n.º 1 do CSC). No que agora interessa, a convocatória da assembleia geral, tem de conter o lugar, o dia e a hora da reunião (cfr. al. b), do n.º 5, do art. 377º ex vi, art. 248º, n.º 1 do CSC). Quando a assembleia geral convocada funcionar em termos clássicos, ou seja, com a presença dos sócios num determinado espaço físico, o qual, em princípio, será a sede de sociedade, o local a indicar na convocatória será naturalmente a morada desse local físico onde irá decorrer a assembleia convocada. Mas, nos casos em que a assembleia convocada irá funcionar através de meios telemáticos, esse local que terá de ser indicado no aviso convocatório da assembleia geral, tal como decidido pela 1ª Instância, será o “link” que permite aos sócios “entrar na reunião”, isto é, o endereço eletrónico que permite àqueles, via internet, a partir do local em que se encontram, entrar em contacto com os demais sócios, constituindo-se em assembleia, nela participando, ainda que à distância e sem contacto físico, usando da palava, colocando questões, pronunciando-se sobre as matérias sob apreciação, solicitando informações, formulando propostas e votando, salvo se se encontrarem impedidos de votar. Ora, tendo a assembleia geral da apelada que teve lugar em 16 de maio de 2020, sido convocada para ser realizada (como foi), por meios telemáticos e constando do aviso convocatório dessa assembleia o link através do qual os sócios podiam aceder à mesma (cfr. ponto 5º dos factos apurados), ao concluir pela validade dessa convocatória quanto a este aspeto o saneador-sentença recorrido não padece do erro de julgamento que as apelantes lhe assacam, antes a posição destas segundo a qual “o local da reunião” que teria de constar do aviso convocatório dessa assembleia geral teria “de ser um lugar físico, onde as pessoas se possam materialmente e fisicamente encontrar para reunir, se o desejarem fazer” traduzir-se-ia numa inviabilização prática das denominadas assembleias gerais virtuais, quando estas são expressamente admitidas em sede de sociedades anónimas e por quotas, salvo disposição do contrato social que o proíba, nos termos atrás já ampla e sobejamente explanados. Termos em que, sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede este fundamento de recurso. 3.3- Da legislação de exceção publicada ao abrigo do período do estado de emergência provocado pela pandemia. Imputam as apelantes erro de direito ao saneador-sentença recorrido, quando nele se decide que a realização da assembleia geral da sociedade apelada de 16 de maio de 2020, por meios telemáticos, era consentida perante o disposto no art. 5º, n.º 1, da Lei n.º 1- A/2020, de 13/03, e que, consequentemente, a realização dessa assembleia através de meios telemáticos, seria legal por esta via, advogando que essa legislação excecional “não teve a virtualidade de obrigar a realização de assembleias de forma não presencial, nem atribuir aos cidadãos uma obrigação, ou um dever legal, de usarem meios telemáticos, até porque isso seria absolutamente inconstitucional. O que a lei conferiu foi, durante o período excecional do estado de emergência, a possibilidade, a quem o desejasse fazer, de participar nos atos de relevância jurídica por via telemática, à distância, mas esta possibilidade não se confunde com uma obrigatoriedade”. Note-se que o erro de direito que as apelantes imputam ao saneador-sentença recorrido quanto à interpretação e aplicação que nele se fez da legislação excecional destinada a dar resposta à situação epidemiológica provocada pelo Coronavirus SARS-COV 2 e da doença Covid-19, mostra-se totalmente irrelevante para a decisão de mérito a proferir no âmbito dos presentes autos quando se verifica que à relação jurídica material controvertida delineada pelas partes na presente ação é aplicável o disposto nos art. 377º, n.º 6, al. b), ex vi, art. 248º, n.º 1, ambos do CSC, que, independentemente daquele regime excecional, permite que a assembleia geral da sociedade apelada, convocada para 16 de maio de 2020, seja realizada por meios telemáticos. Destarte, dir-se-á que a legalidade da realização da dita assembleia geral por meios telemáticos e das deliberações nela tomadas não decorre da mencionada legislação especial, nomeadamente, do disposto no art. 18º do D.L. n.º 10-A/2020, de 13/03, e no art. 5º, n.º 1 da Lei n.º 4-B/2020, de 06/04, mas sim da legislação específica aplicável à sociedade apelada, a saber o disposto no art. 377º, n.º 6, al. b) ex vi art. 248º, n.º 1, ambos do CSC, pelo que essa legislação especial nem sequer tinha (devia) de ter sido avocada nos presentes autos a fim de se apreciar da legalidade ou não da realização da dita assembleia geral e das deliberações nela aprovadas por meios telemáticos. Porque assim é, dada a irrelevância da aplicação e da interpretação que dessa legislação excecional foi feita no saneador-sentença recorrido para a decisão de mérito a proferir nos presentes autos, nos termos do disposto no art. 130º do CPC, abstemo-nos de apreciar os erros de direito que as apelantes imputam à aplicação e à interpretação que dessa legislação excecional foi feita na decisão recorrida, sob pena de estarmos a levar a cabo uma atividade processual inconsequente e inútil. 3.4- Do prazo da convocatória para a convocação da assembleia geral da apelada a realizar por meios telemáticos. Advogam as apelantes que, nos itens 43º e 44º da petição inicial, sustentaram que a assembleia geral não foi convocada com a antecedência legal prevista na lei para as assembleias telemáticas e que o tribunal a quo não se terá pronunciado sobre essa questão, “pois considerou que se tratava de uma sociedade comercial por quotas e que, portanto, a convocatória teria que ser expedida com antecedência de quinze dias, não se pronunciando, contudo, sobre a problemática, invocada pelas Autoras, de nas assembleias telemáticas vigorar o regime das sociedades anónimas e haver, por conseguinte, um prazo para convocatória distinto, que seria portanto de 21 dias e não de 15 dias”. Concluíram que, ao não se ter pronunciado sobre a pretensa questão acabada de enunciar, a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia. Acontece que estando decidido que a mencionada alegação das apelantes não se reconduz a qualquer causa determinativa de nulidade do saneador-sentença recorrido, nomeadamente, por omissão de pronúncia, mas a um eventual erro de direito que poderá afetar o nele decidido quanto ao prazo com que essa convocatória teria de ser enviada aos sócios, urge indagar se ao ter decidido que a convocação da assembleia geral da sociedade apelada para o dia 16 de maio de 2020, apesar desta ser a realizar por meios telemáticos, tinha de ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de 15 dias, conforme estabelecido no n.º 3, do art. 248º do CSC (e não os 21 dias a que alude o n.º 4, do art. 377º), o saneador-sentença padece efetivamente do erro de direito que lhe vem imputado pelas apelantes. A resposta a essa questão é indiscutivelmente negativa. Na verdade, entre as normas previstas nos n.ºs 2 a 6, do art. 248º do CSC, que este, expressa e especificamente declara serem aplicáveis às assembleias gerais das sociedades por quotas e que, por isso, o seu n.º 1, parte final, subtrai do regime jurídico previsto no seu art. 377º para a convocação e forma de realização de assembleias gerais nas sociedades anónimas e que são aplicáveis, por via remissiva, às assembleias gerais das sociedades por quotas, conta-se o n.º 3 do identificado art. 248º, em que se lê que: “A convocação das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de 15 dias, a não ser que a lei ou o contrato de sociedade exijam outras formalidades ou estabeleça, prazo mais longo”. Logo, o modo de convocação e o prazo para a convocação das assembleias gerais nas sociedades por quotas rege-se pelo disposto no mencionado art. 248º, n.º 3 e não pelo n.º 4, do art. 377º do CSC. Neste sentido, expende António Menezes Cordeiro que os n.ºs 1 a 4 do art. 377º do CSC não são aplicáveis às assembleias gerais das sociedades por quotas, “prevalecendo o 248º, n.º 3”[27]. Destarte, ao assim ter decidido no saneador-sentença recorrido, a 1ª Instância não incorreu no erro de direito que as apelantes lhe imputam. 3.5- Da inexistência de registo documental escrito ou gravado com identificação dos presentes na assembleia geral. Na petição inicial as apelantes imputaram o vício da anulabilidade às deliberações aprovadas na assembleia geral da sociedade apelada realizada em 16 de maio de 2020, advogando que a gerência desta omitiu “a gravação áudio e vídeo da fase inicial da assembleia, na qual se verificam as presenças, a identidade das pessoas que se apresentam por detrás dos monitores dos computadores interligados, a regularidade dos mandatos, o conteúdo dos instrumentos de representação” e a eleição do “Presidente da Mesa, etc.” e que “só quando, já a teleconferência ia adiantada nessa parte, o representante da 2ª Autora, Sr. CC, questionou sobre se a reunião estava a ser gravada, é que o gerente EE (…) interveio a dizer que se tinha esquecido, mas que iria então passar a gravar daí em diante”, o que, na sua perspetiva, “fere de ilegalidade a assembleia, tornando anuláveis todas as deliberações aí tomadas – art. 377º, n.º 6, b) in fine do CSC” – (cfr. itens 46º a 50º da petição inicial). Neste conspecto, decidiu-se no saneador-sentença recorrido que: “A assembleia foi gravada e resulta da respetiva ata a identificação de todos os presentes e a participação do representante da Autora CC, ao longo de toda a assembleia, tomando posição quanto aos vários assuntos da ordem de trabalhos, não sendo por falta de debate que os mesmos não foram amplamente discutidos, considerando até o tempo de duração (oito horas) da assembleia e as oportunidades de debates concedidas e aproveitadas por aquele. Importa salientar que o negócio jurídico irregular não é, necessariamente, afetado na sua validade ou eficácia, antes produzindo todos os seus efeitos normais, embora implicando a aplicação de sanções aos seus autores. Logo, ainda que existissem falhas, poder-se-iam sanar. Como resulta da lei, são anuláveis as deliberações que violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do art. 56º, quer do contrato de sociedade (art. 58º, n.º 1 do CSC). Quer isto significar que as deliberações viciadas ou são anuláveis ou nulas. A consideração da irregularidade como tipo de deliberação afetada por um particular vício, levaria a que se houvesse que ser considerada uma nova classificação para além das deliberações nulas ou anuláveis, não sendo uma classificação não presente no CSC”. E concluiu que: “Assim, a alegada falta da gravação ou debate não seriam passíveis de afetar a validade da deliberação, por se tratarem de irregularidades, consideradas sanáveis no próprio ato”. Imputam as apelantes erro de direito ao assim decidido, advogando que: “se confessadamente não foi gravado o início da assembleia geral, por esquecimento alegado pela Mesa, não se sabe se foram confirmadas as presenças, se foi verificada a regularidade dos eventuais poderes de representação, se estavam a participar pessoas que não eram sócios, se existiu quórum participativo e, depois, se existiu quórum deliberativo, bem com se foi formada maioria nas deliberações”, concluindo que: “não se podendo sindicar quem esteve presente, por total ausência de registo de presenças, seja escrito seja gravado a assembleia é pura e simplesmente nula”. Vejamos se assiste razão às apelantes. Conforme acima já sobejamente ficou demonstrado, nas sociedades anónimas e nas sociedades por quotas (estas, por força da remissão contida no n.º1, do art. 248º do CSC, para o regime das primeiras contido na al. b), do n.º 6, do art. 377º do mesmo Código), exceto quando o contrato de sociedade o proíba, são admitidas as assembleias gerais por meios telemáticos, como foi o caso da assembleia geral de sócios da sociedade apelada que teve lugar em 16 de maio de 2020, sobre que versam os presentes autos. Nos termos da parte final da identificada al. b), nas assembleias gerais virtuais impende sobre a sociedade “assegurar a autenticidade das declarações e a segurança das comunicações, procedendo ao registo do seu conteúdo e dos respetivos intervenientes”. Esse registo passa naturalmente pela gravação áudio e vídeo de tudo o quanto se passar na assembleia geral realizada através de meios telemáticos. Note-se, contudo, que contrariamente ao que parece ser a posição das apelantes, se o registo áudio e vídeo de tais assembleias se destina a registar tudo o quanto nelas se passou, nomeadamente, o que nelas foi deliberado, com vista a evitar-se eventuais infidelidades e a fazer prova destas quando ocorram, o registo áudio e vídeo das assembleias gerais realizadas por meios telemáticos não se destina a substituir, nem substitui, a ata dessas assembleias gerais, nem sequer é condição de validade (assim como não o é, a ata) de tais assembleias e das deliberações que nelas foram aprovadas. Na verdade, nos temos do disposto no art. 63º, n.º 1 do CSC, as deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas atas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem. A ata de deliberação dos sócios tem de conter os elementos mínimos constantes do n.º 2, do mencionado art. 63º, ou seja, a identificação da sociedade, o lugar, o dia e hora da reunião (al. a)); o nome do presidente e, se o houver, dos secretários (al. b)); os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais quotas ou ações de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar lista de presenças, que deve ser anexada à ata (al. c)); a ordem do dia constante da convocatória, salvo quando esta seja anexada à ata (al. d)); a referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia (al. e)); o teor das deliberações tomadas (al. f)); os resultados das votações (al. g)); e o sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem (al. h)). As atas das assembleias podem ser particulares ou notariais. As atas particulares de assembleias gerais das sociedades por quotas, como é o caso da sociedade aqui apelada, a qual, relembra-se, é uma sociedade civil constituída sob a forma comercial de sociedade por quotas (art. 1º, n.º 4 do CSC), é elaborada, por norma, pelo presidente da mesa, presidência essa que, salvo disposição diversa do contrato de sociedade, cabe ao sócio presente que possuir ou representar maior fração de capital, preferindo-se, em igualdade de circunstâncias, o mais velho (n.º 4, do art. 248º do CSC), e essa ata tem de ser assinada por todos os sócios que tenham participado na assembleia geral (n.º 6, do art. 248º), devendo a sociedade, em caso de recusa de sócio em assiná-la, podendo fazê-lo, notificá-lo judicialmente para que, em prazo não inferior a oito dias, a assine, decorrido o qual, caso não o faça, a ata passa a ter a força probatória que lhe é conferida pelo n.º 1, do art. 63º do mesmo Código, quando esteja assinada pela maioria dos sócios que tomaram parte na assembleia, sem prejuízo do direito dos que a não assinaram de invocarem em juízo a sua falsidade (n.º 3, do art. 63º do CSC). As atas particulares podem estar consignadas em livro de atas, devidamente numerado e rubricado ou constar de folhas soltas (art. 63º, n.º 5 do CSC). Por sua vez, as atas são lavradas por notário nos casos previstos no n.º 6 do art. 63º. Assim, se a gravação áudio e vídeo das assembleias gerais realizadas por meios telemáticos que é imposta pela parte final da al. b), do n.º 6, do art. 377º do CSC, se destina a controlar e fazer prova de tudo o quanto se passou nessas assembleias, designadamente, das deliberações que nelas foram aprovadas, não é essa gravação que fixa a verdade jurídica do que se passou nessa assembleia e do que nelas foi deliberado e aprovado, mas antes é a ata que estabelece essa verdade, posto que uma vez lavrada, formalizada e lançada em livro de atas, a ata faz prova bastante dos factos nela certificados, cedendo perante contraprova (art. 346º do CC), a ata em documento particular avulso constitui princípio de prova (art. 63º, n.º 7 do CSC) e a ata notarial cuja falsidade não tinha sido arguida com sucesso, faz prova plena (arts. 371º e 372º do CC)[28]. A ata não corresponde, assim, a uma forma de deliberação, mas a um meio exclusivo de prova, isto é, “uma deliberação adotada pelos sócios em forma apropriada é, apesar da falta da ata, de facto juridicamente existente. A ata não é modo ou meio pelo qual os sócios exprimem ou exteriorizam a sua vontade deliberativa, não é forma nem formalidade ad substantiam”, mas trata-se apenas de uma formalidade ad probationem que, como tal é necessária para fazer prova do que se passou na assembleia e do que nela foi deliberado. Daí que uma deliberação sem ata não seja nula, nem a sua falta inquina o conteúdo dessa deliberação de vício de procedimento – “este fica completo antes e independentemente da sua narração por ata; não há lugar, portanto, para a anulabilidade da deliberação”[29]. E se isto é assim quanto à falta de ata, a qual tem essencialmente uma função certificativa ou probatória da atividade deliberativa, constituindo requisito ad probationem de tudo o quanto se passou na assembleia, não contendendo, portanto, com a validade da assembleia e das deliberações nela aprovadas, também a falta de registo áudio e vídeo das assembleias gerais realizadas por meios telemáticos, que é imposta pelo art. 377º, n.º 6, al. b), in fine do CPC, tem uma função puramente probatória (destinada a provar eventuais infidelidades de que padeça a ata, infidelidades essas que podem, aliás, ser provadas através de todos os meios de prova admitidos por lei), que em nada contende com a validade da assembleia geral realizada por meios telemáticos da sociedade apelada em 16 de maio de 2020 e com a validade das deliberações nela aprovadas. Decorre do que se vem dizendo que, contrariamente ao propugnado pelas apelantes, a circunstância do início da assembleia geral de 16 de maio de 2020 não ter sido gravado, por pretenso esquecimento da mesa, não constitui requisito de validade dessa assembleia e das deliberações nela aprovadas. Daí que, salvo o devido respeito e melhor opinião, não proceda o argumento das apelantes segundo o qual, perante a ausência de gravação do início dessa assembleia, “não se sabe se foram confirmadas as presenças, de que forma o foram, se foi verificada a regularidade dos eventuais poderes de representação, se estavam a participar pessoas que não eram sócias, se existiu quórum participativo e, depois, se existiu quórum deliberativo, bem como se foi formada maioria nas deliberações”, pelo que “não se podendo sindicar quem esteve presente, por total ausência de registo de presenças, seja por escrito seja gravado, a assembleia é pura e simplesmente nula”. Na verdade, a alegação das apelantes de que não existe registo escrito de presenças e do que se passou e foi deliberado nessa assembleia não é certo, na medida em que dessa assembleia foi lavrada ata (art. ponto 11º da facticidade provada, não impugnado pelas apelantes). Depois, caso essa ata não espelhe efetivamente a verdade histórica que se passou nessa assembleia, nomeadamente, caso nela constem deliberações que nela não foram efetivamente submetidas e/ou aprovadas pelos sócios presentes, que foram votadas por quem não era sócio ou sem o necessário quórum participativo ou deliberativo, incumbia às apelantes alegar, na petição inicial, a facticidade essencial integrativa desses vícios procedimentais (art. 5º, n.º 1 do CPC) e, posteriormente, prová-la (art. 342º, n.º 1 do CC), com vista a obterem a declaração da anulabilidade da deliberação ou deliberações que deles padecessem, o que tudo não fizeram, ficando-se pela mera alegação da ausência de gravação áudio e vídeo da fase inicial dessa assembleia, como se a ausência de tal gravação constituísse requisito de validade da dita assembleia e das deliberações sociais nelas aprovadas, quando assim não é. Decorre do exposto que, embora por fundamentos distintos dos que foram aduzidos pela 1ª Instância, impõe-se concluir pela improcedência deste fundamento de recurso. 3.6- Da falta de debate sobre alguns pontos da ordem de trabalhos e proibição da intervenção de sócios ao longo da assembleia. A 1ª Instância considerou que a facticidade alegada pelas apelantes nos pontos 52º a 72º da petição inicial consubstancia meras irregularidades, sem a virtualidade de “afetar a validade” das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade apelada de 16 de maio de 2020. Dissentem as apelantes do assim decidido, advogando que: “Do facto de constar da ata que alguém interveio na reunião não decorre que, ao longo das oito horas contínuas da assembleia, não tenha sido alguém impedido de expor a sua posição sobre algum ponto da ordem de trabalhos, sendo certo que não consta dos factos provados, sobre este tema, nada mais do que a mera constatação de que a assembleia durou oito horas. A duração da assembleia não basta para se considerar provado que houve ou não liberdade de debate”. Concluem que existe matéria controvertida alegada na petição inicial “sobre a qual o tribunal não poderia ter decidido de forma nenhuma sem realização da audiência de julgamento e sem ter ouvido as testemunhas”, e, antecipe-se desde já, a nosso ver, com parcial razão. Vejamos: Pondo de lado as deliberações ineficazes (cfr. art. 55º do CSC), dado que sobre elas não versam os autos, as deliberações sociais podem ser afetadas pelo vício da nulidade ou da mera anulabilidade e essas invalidades podem decorrer das deliberações sociais se encontrarem afetadas por vícios de procedimento ou de conteúdo. São vícios de procedimento os que respeitam “ao modo ou processo pelo qual se formou a deliberação, ao “como” se decidiu”, e são vícios de conteúdo os que se reportam “à regulamentação ou disciplina estabelecida pela deliberação, ao “que” foi decidido”[30]. Em sede de deliberações sociais, a regra é a de que, quer se trate de vícios de procedimento ou de conteúdo, tais vícios, por norma, apenas determinam a anulabilidade das deliberações sociais por eles afetadas (art. 58º, n.º 1, al. a) do CSC), pelo que a invalidade básica que vigora no âmbito das deliberações sociais é a anulabilidade e não a nulidade, como sucede no Direito Civil. Acrescente-se que os vícios procedimentais que afetem as deliberações sociais, por norma, apenas determinam a anulabilidades das deliberações sociais por eles afetadas, salvo os casos previstos no art. 56º, n.ºs 1, als. a) e b) e 2 do CSC, em que os vícios procedimentais neles enunciados, dada a sua gravidade, determinam a nulidade das deliberações sociais inquinadas por tais vícios. Por sua vez, quanto aos vícios de conteúdo, a violação de normas legais imperativas pelo conteúdo das deliberações determina, em regra, a nulidade destas (art. 56º, n.º 1, al. c) do CSC), enquanto a violação de nomas legais dispositivas ou de normas legais estatutárias pelo conteúdo das deliberações, em princípio, determina a sua anulabilidade (art. 58º, n.º 1, al. a) do CSC). Conforme resulta do que se acaba de expor, o vício da nulidade que afeta as deliberações sociais corresponde aos vícios mais graves e as causas determinativas de nulidade encontram-se taxativamente enunciadas no art. 56º, n.ºs 1 e 2 (a que acresce o disposto nos arts. 27º, n.º 1, 69º, n.º 3 e 282º, n.º 1 do CSC, que são meras concretizações do art. 56º, n.º 1, al. d) do mesmo Código[31]), reconduzindo-se as causas de nulidade previstas no art. 56º, n.ºs 1, als. a) e b) e 2 a vícios de procedimento, enquanto as previstas nas als. c) e d) desse n.º 1 a vícios de conteúdo. Por sua vez, os vícios determinativos de anulabilidade das deliberações sociais encontram-se elencados no art. 58º, n.º 1 do CSC, de cujo teor decorre que, com exceção dos casos previstos no art. 56º, n.ºs 1, als. a) e b) e 2 (geradores de nulidade da deliberação social), os vícios de procedimento, ainda que ofendam normas imperativas, geram, em princípio, a mera anulabilidade da deliberação social. Note-se, porém, que conforme se ponderou no saneador-sentença recorrido, nem todos os vícios de procedimento provocam a anulabilidade das respetivas deliberações, posto que, apesar do art. 58º, n.º 1, als. a) e c) não fazerem distinções, inculcando a ideia que todas as deliberações ilegais, por vício de procedimento, quando não sejam nulas, seriam anuláveis, impõe-se atender à teleologia das normas procedimentais ofendidas e às consequências delas decorrentes, posto que existem vícios relevantes e vícios irrelevantes para efeitos de anulação das deliberações sociais, impondo-se considerar que apenas os vícios procedimentais que possam interferir no sentido final da deliberação, tal como decorre do art. 195º, n.º 1 do CPC, determina a anulabilidade das deliberações sociais por eles afetadas (v.g. a contagem indevida de votos nulos só afeta a validade da deliberação quando descontados os nulos, não se atinja a maioria necessária para a aprovação da deliberação; é irrelevante a recusa, ainda que injustificada, de informações aos sócios nos casos em que não sejam essenciais para que um sócio razoável possa participar nas deliberações defendendo os seus legítimos interesses)[32]. Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, nos arts. 51º a 56º da petição inicial, as apelantes alegaram que, através dos meios técnicos (teleconferência) disponibilizados pela sociedade apelada, na assembleia de 16 de maio de 2020: “… não era possível a qualquer sócio ver quem eram as pessoas que estavam a participar, quem estava a falar ou a requerer; os sócios só viam um ecrã todo negro, tendo a um canto uma pequena reprodução da filmagem de si próprios; no ecrã apareciam apenas umas letras, supostamente as iniciais da identificação da pessoa que estaria a intervir em cada momento; o representante da 2ª Autora questionou por que motivo não poderia ver as demais pessoas, como em qualquer videoconferência e mesmo na própria plataforma Temas sempre acontece. Respondeu a gerência, dizendo que essa era uma configuração de que não dispunha”. E concluem, nos arts. 57º a 61º desse mesmo articulado inicial que: “(…) ao contrário do afirmado pela gerência e do constante da legislação das sociedades anónimas, não foi assegurada a autenticidade das declarações, nem a segurança das comunicações, em termos de garantir a fidedignidade das intervenções e votações. Desde logo, não foi possível a qualquer sócio saber quem estava a participar nessa assembleia, verificar a identidade das pessoas (reconhecendo-as) e, muito em especial, perceber se seriam as próprias quem intervinha e se estavam ou não acompanhadas por pessoas estranhas à sociedade – o que também é proibido nas sociedades por quotas e, por maioria de razão, nas sociedades civis. Aliás, ao longo da assembleia, foram notórias as vozes, as conversas com pessoas estranhas, os telefonemas entre sócios e com outras pessoas, terminando e destruindo a necessária colegialidade e a espontaneidade e isenção das deliberações tomadas. Também não foi possível aos participantes ajuizar da regularidade dos instrumentos de representação apresentados e da legitimidade dos demais intervenientes para participarem na assembleia, que ficou a cargo da gerência. Na maior parte das vezes não se apercebia muito bem quem estava a dirigir os trabalhos, sendo certo que por vezes se interpelava o Presidente da Mesa da assembleia geral e a seguir se vinha a verificar que quem estava a responder era um dos gerentes e não o Presidente da Mesa, ou vice-versa”. Em relação à facticidade alegada pelas apelantes nos pontos 51º a 56º da petição inicial e que acima se transcreveu, não se pronunciou a 1ª Instância, posto que não a julgou como provada, nem como não provada, no âmbito do saneador-sentença recorrido, onde se limitou a dar como provado que a assembleia da apelada de 16 de maio de 2020 teve a duração de oito horas e foi objeto de gravação (cfr. ponto 14º dos factos provados, não impugnados). Deste modo, urge indagar da relevância dessa facticidade para efeitos de verificar se a mesma, de acordo com as várias soluções de direitos plausíveis, é suscetível de ter afetado o processo formativo do sentido de voto dos sócios presentes nessa assembleia geral, nomeadamente, o do representante da apelante GG, posto que, se assim for, impor-se-á anular a sentença recorrida, na parte em que se pronunciou quanto a esta matéria, que qualificou como de mera irregularidade, não determinativa da anulabilidade daquelas deliberações, e se determinar a realização de audiência de julgamento para produção da prova arrolada pelas partes quanto a essa facticidade, seguindo-se após, a prolação de nova sentença quanto a este concreto vício. A este propósito, salvo o devido respeito, a ser certa a alegação das apelantes que os meios técnicos disponibilizados pela apelada para participarem na assembleia de 16 de maio de 2020 não permitiam aos sócios visualizar o que se passava nessa assembleia, mas apenas ouvir o que nela se dizia, esse facto mostra-se irrelevante para o processo formativo do sentido de voto dos sócios, porquanto, estando garantido aos sócios a audição do que se dizia nessa reunião, encontrava-se salvaguardado o direito daqueles de usar da palavra, colocar questões, pronunciar-se sobre as matérias em apreciação, solicitar informações, formular propostas e de votarem de um modo esclarecido. De resto, mesmo que se considere que para a formação da vontade esclarecida dos sócios era relevante a visualização do que se passava na dita reunião, que não a mera audição do que nela se dizia, atenta a consideração que a opinião daquilo que é dito pelos vários sócios não merece a mesma atenção ou credibilidade pelos seus pares, os meios técnicos disponibilizados pela apelada permitiam aos sócios ter perfeito conhecimento de quem estava a falar, na medida em que são as próprias apelantes que alegam que apesar de verem “um ecrã todo negro”, nele “apareciam umas letras, supostamente as iniciais da identificação da pessoa que estaria a intervir em cada momento” (cfr. art. 54º da petição inicial). Destarte, a ser certa a versão dos factos alegada pelas apelantes, as condições técnicas que alegam ter-lhes sido disponibilizadas pela apelada na assembleia de 16 de maio de 2020, ou em nada interferiram na formação do sentido de voto dos sócios presentes ou representados naquela, ou, tal como decidido pela 1ª Instância, consubstanciam meras irregularidades insuscetíveis de interferirem no sentido final do voto dos sócios. Note-se, aliás, que nem as apelantes alegam que as condições técnicas que descrevem e que sustentam terem sido disponibilizadas aos sócios interferiram na formação do sentido de voto destes, mas apenas que essas condições técnicas não asseguravam a autenticidade das declarações, nem a segurança das comunicações, em termos de garantir a fidedignidade das intervenções e votações, saber quem estava a participar nessa assembleia, verificar a identidade das pessoas, perceber se eram as próprias quem intervinha e se estavam ou não acompanhadas por pessoas estranhas à sociedade e ajuizar da regularidade dos instrumentos de representação apresentados e da legitimidade dos demais intervenientes para participarem na assembleia, reconduzindo, portanto, as apelantes aquela sua alegação a uma questão meramente probatória e não a uma questão de (in)validade das deliberações aprovadas nessa assembleia. Ou seja, por via dos factos que alegam e que supra se descreveram, as apelantes não imputam direta, expressa, concreta e especificadamente, que dessa facticidade decorra qualquer vício de procedimento em relação às deliberações aprovadas nessa assembleia, limitando-se (implicitamente) a aventar a possibilidade destas puderem padecer efetivamente de vícios de procedimento suscetíveis de gerar a respetiva anulabilidade perante aquelas limitações probatórias com que dizem terem-se visto confrontadas perante os meios técnicos que lhes foram disponibilizados pela apelada, mas sem que, reafirma-se, tenham chegado a imputar, na petição inicial, àquelas semelhantes vícios perante os factos que aí alegam. Decorre do exposto, que o saneador-sentença recorrido, ao ter concluído pela irrelevância daquela facticidade e ao julgar improcedente o pedido (principal e subsidiário) com fundamento nela, não padece de nenhum dos erros de direito que as apelantes lhe imputam, improcedendo este fundamento de recurso. * Não assim quanto à facticidade alegada pelas apelantes nos pontos 62º a 70º da petição inicial.Com efeito, alegam as apelantes que: “Por mais de uma vez, o presidente da mesa, ou alguém que estaria a controlar informaticamente a conferência (assembleia de 16 de maio de 2020), cortou o som a DD e de CC, quando estes estavam a falar, continuando estes a falar para si próprios, mas sem serem ouvidos pelos demais, porque a sua fonte áudio fora desconectada por quem geria a teleconferência, quando estes manifestavam opinião discordantes com a gerência sobre os temas em debate” e, bem assim, que também lhes foi recusada “a palava”, apesar daqueles a terem solicitado para manifestarem “a sua posição sobre os temas em debate” (cfr. arts. 62º e 63º da p.i.). E também alegam que a assembleia teve a duração de oito horas (facticidade esta já constante do ponto 14º dos factos provados, não impugnado), “sem períodos para repouso ou alimentação, não tendo sido permitidas pausas para satisfação de necessidades fisiológicas e para alimentação dos intervenientes na assembleia, apesar das solicitações feitas por CC e DD para que a assembleia fosse interrompida para alimentação dos participantes, sem que esses pedidos fossem atendidos ou submetidos à consideração da assembleia, o que levou que aqueles, por imperiosa necessidade de se alimentarem e satisfazerem necessidades fisiológicas tivessem de abandonar a assembleia, enquanto a discussão decorria”, e que tudo isto foi levado a cabo pela mesa da assembleia “para impedir o debate de ideias e esmagar os sócios com a sua exaustão, para obter uma votação favorável aos desígnios da gerência” (cfr. arts. 64º a 70º da petição inicial). As assembleias gerais constituem as reuniões magnas dos sócios das sociedades anónimas e por quotas, nas quais se manifesta a vontade societária nas deliberações que nas mesmas se formam. Nas sociedades por quotas, a cujo regime legal, relembra-se, se encontra submetida a sociedade apelada, a participação dos sócios nas assembleias gerais é garantida a todos os sócios, independentemente do montante da respetiva participação social e mesmo que se encontrem impedidos de exercer o direito de voto (art. 248º, n.º 5 do CSC), posto que a participação daqueles na assembleia não se esgota na emissão do voto. No pensamento da lei a assembleia é o local destinado à discussão e esta é fundamental para que os sócios formem o seu sentido de voto de forma esclarecida através do mútuo esclarecimento proveniente da discussão e assim se forme a vontade societária. Daí que aos sócios assista o direito de, na assembleia, usar da palavra, colocar questões, pronunciar-se sobre as matérias sob apreciação, solicitar informações, formular propostas, ouvir as opiniões nelas expressas pelos restantes sócios sob aquelas matérias, as questões, os pedidos de esclarecimento e as informações que estes solicitem à gerência e de inteirar-se das respostas e das informações que, nessa sequência, lhes sejam prestadas, posto que só assim ficarão habilitados a tomar uma posição informada e esclarecida sobre as questões que são chamados a votar. Sempre que a mesa não permita aos sócios intervir na assembleia, nomeadamente, recusando-lhes a palavra, apesar de a solicitarem, para que possam exprimir a sua posição, formular questões ou solicitar informações, ou desligando-lhes o microfone quando estes estão a expressar a sua posição sob os assuntos em apreciação, impedindo-os de serem ouvidos pelos restantes sócios presentes na assembleia, ou criando condições que sejam objetivamente impeditivas daqueles puderem efetivamente participar na assembleia e de nela exercerem os direitos que legal e estatutariamente lhes assistem (v.g. recusando pausas para refeições ou satisfação de necessidades fisiológicas apesar do longo período de tempo em que já decorre a assembleia), tais condutas obstam a que vontade dos sócios votantes se forme de modo esclarecido[33] e são potencialmente geradoras de anulabilidade das deliberações que sejam aprovadas nessa assembleia por vício procedimental. Deste modo, atenta a facticidade acima elencada que foi alegada pelas apelantes e que permanece efetivamente controvertida, essa facticidade, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, em face do que se acaba de dizer, mostra-se relevante para apurar da existência (ou não) de um eventual vício de procedimento que poderá determinar a anulabilidade das deliberações aprovadas na assembleia geral da sociedade apelada de 16 de maio de 2020, impondo-se, consequentemente, anular o saneador-sentença recorrido, na parte em que se pronunciou quanto à anulabilidade que as apelantes imputam às deliberações aprovadas na assembleia de 16 de maio de 2020 decorrente da “falta de debate sobre alguns pontos da ordem de trabalho e à proibição de intervenção de sócios ao longo da assembleia”, e em que concluiu estar-se perante uma mera irregularidade, ordenando o prosseguimento dos autos para realização de audiência final, exclusivamente quanto à matéria acima identificada (pontos 62º a 70º da petição inicial, supra transcrita a itálico). Porque esse eventual vício de procedimento, a existir, afetará necessariamente as deliberações aprovadas nessa mesma assembleia quanto aos pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos, abstemo-nos de apreciar os erros de julgamento que as apelantes imputam ao decidido no saneador-sentença recorrido, sob pena de estarmos a levar a cabo uma atividade inútil e inconsequente e, por isso, também se anula o segmento desse saneador-sentença em que o tribunal a quo se pronunciou quanto às invalidades que as apelantes imputam às deliberações aprovadas nessa assembleia geral quanto aos identificados pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos. A anulação do saneador-sentença ora determinada não abrange as questões acima já apreciadas e em relação às quais se concluiu improcederem os fundamentos de recurso aduzidos pelas apelantes, que assim vai confirmado quanto a essas concretas questões de que aqui se conheceu e decidiu. E também não abrange a facticidade julgada provada constante do saneador-sentença recorrido, a qual não foi impugnada pelas apelantes, sem prejuízo do disposto na al. c), do n.º 3, do art. 662º do CPC, com o fim de evitar contradições. Em suma, a sentença que venha a ser proferida na sequência da audiência final ora determinada apenas versará sobre a anulabilidade das deliberações sociais aprovadas na assembleia geral da sociedade apelada de 16 de maio de 2020, decorrente da “falta de debate sobre alguns pontos da ordem de trabalho e à proibição de intervenção de sócios ao longo da assembleia”, sobre os vícios que as apelantes assacam às deliberações que aprovaram os pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos e quanto às exceções da confirmação, da impossibilidade/inutilidade da lide, do abuso de direito e da colisão de direitos invocadas pela apelada na contestação. * Decisão:Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação parcialmente improcedente e parcialmente procedente e, em consequência: I- anulam o saneador-sentença recorrido, exclusivamente na parte em que se pronunciou quanto à anulabilidade que as apelantes imputam às deliberações aprovadas na assembleia de 16 de maio de 2022 decorrente da “falta de debate sobre alguns pontos da ordem de trabalho e à proibição de intervenção de sócios ao longo da assembleia”, e em que se decidiu estar-se perante uma mera irregularidade e, bem assim, na parte em que conheceu das invalidades que as apelantes imputam às deliberações aprovadas nessa mesma assembleia quanto aos pontos 4 e 7 da ordem de trabalhos, que nele foram julgadas improcedentes, e, em consequência, ordenam o prosseguimento dos autos para realização de audiência final, exclusivamente quanto à matéria acima identificada (pontos 62º a 70º da petição inicial, supra transcrita a itálico); A anulação ora determinada não abrange a facticidade julgada provada constante do saneador-sentença recorrido (que não foi impugnada pelas apelantes), sem prejuízo do disposto na al. c), do n.º 3, do art. 662º do CPC, com o fim de evitar contradições; II- confirmam a parte remanescente do saneador-sentença recorrido quanto às questões supra decididas em relação às quais se julgou improcederem os fundamentos de recurso aduzidos pelas apelantes. * Mais acordam em não admitir a junção aos autos do documento junto pela apelada com as contra-alegações de recurso (ata n.º ...4, da assembleia geral realizada em 27 de março de 2021, pelas 10 horas) e, após trânsito, ordenam o seu desentranhamento dos autos e devolução à apresentante, condenando-se esta nas custas do incidente anómalo que gerou, fixando-se a taxa de justiça em uma UC (art. 7º, n.ºs 4 e 8 do RCP e tabela II-A e ele anexa). * Custas da apelação por apelantes e apelada, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em partes iguais (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).* Notifique.* Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:Guimarães, 15 de dezembro de 2022 José Alberto Moreira Dias - relator Alexandra Maria Viana Parente Lopes - 1ª Adjunta Rosália Cunha - 2ª Adjunta
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