Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4023/22.0T8VCT.G2
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS DE MATERIAIS UTILIZADOS NA CONSTRUÇÃO
VÍCIO OCULTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I O grau de probabilidade exigido para que se dê como verificada determinada realidade de facto é de elevada probabilidade.
II Exercendo o Autor, com carácter profissional, uma determinada atividade económica que envolveu a realização de obra consistente na construção de uma moradia, a qual vendeu a terceiro para sua habitação, mediante remuneração, o comprador da moradia é tido como consumidor, perante o Autor; e é com base no disposto no art.º 41º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 84/2021 de 18/10 que assiste ao Autor o direito de exigir do Réu, empreiteiro da especialidade de pichelaria, os valores que gastou a reparar danos sofridos na moradia que vendeu, fruto de uma fuga ocorrida por fissura de um cano aplicado.
III O empreiteiro responde perante o dono da obra pela conformidade da mesma, incluindo pelos materiais colocados (cfr. art.º 1210º do Código Civil).
IV O defeito pode provir de vícios ou desconformidades da obra propriamente dita, ou esses mesmos vícios e desconformidades podem ser referentes aos materiais utilizados na construção; estamos na presença de defeitos sempre que os materiais utilizados na construção sejam, eles próprios, detentores de vícios ou quando a forma como o empreiteiro os aplica seja inadequada.
V Verificando-se o incumprimento (art.º 798º do Código Civil) e presumindo-se a culpa (art.º 799º, n.º 1, do mesmo), ela só poderia ser afastada mediante a prova de uma causa absolutamente estranha ao processo de execução da obra.
VI Porém, caso o material aplicado, fornecido por terceiro, padeça de vício oculto, não sendo exigível ao empreiteiro que detetasse a anomalia, nesse caso a responsabilidade do empreiteiro pode ser ilidida, ou seja, pode ser afastada a presunção de culpa que sob si impendia, cabendo-lhe o ónus da prova respetiva.
VII Esta posição baseia-se na conceção subjetiva da responsabilidade do empreiteiro (que exige o juízo de censurabilidade), diversa da conceção objetiva que domina o mesmo regime, mas nas situações em que está em causa um consumidor.
VIII O vício será oculto, neste contexto, e porque se exige ao empreiteiro que, também na escolha dos materiais, como profissional, use os seus conhecimentos para verificar a sua conformidade/qualidade, se o defeito não era detetável mediante o grau de perícia exigido ao empreiteiro médio.
Decisão Texto Integral:
I RELATÓRIO (seguindo o elaborado pela 1ª instância).

AA, instaurou ação sob a forma de processo comum contra BB E EMP01..., LDA., pedindo a condenação solidária dos Réus a pagar-lhe quantia nunca inferior a € 7.961,77 (€ 5.161,77 a título de danos patrimoniais e € 2.800,00 a título de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, contados desde a data de citação até integral pagamento.
Para o efeito, alega, em síntese, que no âmbito da sua atividade de construção e venda dos imóveis, construiu um conjunto de moradias geminadas, entre as quais a moradia de ..., com logradouro, identificada pela letra ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em ..., Rua ..., freguesia ..., concelho ... e vendeu-a a CC e DD. Sucede que, aproximadamente 15 dias depois, a dita habitação sofreu uma fuga de água ao nível do chão. Chamado ao local, o Réu BB, que tinha sido o picheleiro responsável pela obra, veio a detetar que o problema advinha da casa de banho da suite e depois de ter partido a parede e a parte do chão desta divisão, verificou que a origem da fuga estava num tubo PPR. Posteriormente, deslocaram-se ao local os funcionários da 2ª Ré, que forneceu a tubagem, tendo aqueles dito que a fuga foi motivada por uma deficiência no tubo. Após, o primeiro Réu substituiu o tubo danificado e reparou a parede.
Acontece que, com a inundação provocada pela fuga de água, verificaram-se infiltrações e humidades que provocaram estragos nas paredes, pavimentos e rodapés, que tiveram que ser reparados, tendo o Autor pago pela reparação e pinturas das paredes interiores da moradia o valor de € 2.640,00 e pela substituição e reparação de rodapés e madeira flutuante a quantia de € 2.324,70 e ainda suportou o excesso de consumo de água que os proprietários do imóvel tiveram, no valor de € 377,07.
Mais alega que sofreu também desgosto, incómodos e transtornos para resolver a situação que contabiliza em, pelo menos, € 2.800,00.
*
Citados, ambos os Réus contestaram.
A Ré EMP01..., Lda. alegou, em síntese, que não forneceu o tubo em questão, pelo que não pode ser responsabilizada por quaisquer danos.
Mais alega que o tubo em questão não foi aplicado pelo Réu BB de acordo com as legis artis.
Impugna os danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados.
*
O Réu BB apresentou contestação com reconvenção.
Alegou, em síntese, que se deslocou de imediato ao local, logo que foi contactado pelo Autor, e resolveu provisoriamente a fuga com recurso a uma abraçadeira de pressão. Dois dias depois, os funcionários da Ré EMP01... deslocaram-se ao local e assumiram a existência de um defeito na tubagem PPR 25 marca .... Os trabalhos realizados por si realizados foram corretamente executados.
Levanta a questão da ilegitimidade do Autor uma vez que vendeu a habitação, o que fez na qualidade de proprietário, e não de construtor ou promotor.
No mais impugna os danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados.
Deduziu, ainda, reconvenção alegando, em síntese, que para reparação da fuga de água procedeu à execução de serviços de pichelaria no montante de € 250,43, peticionando o pagamento de tal valor, acrescido de juros de mora.
Requereu, ainda, o incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros EMP02..., alegando que, à data dos factos, tinha transferida para a referida Seguradora a responsabilidade civil pelos danos causados no âmbito da sua atividade profissional.
Mais peticionou a condenação do Autor como litigante de má-fé, em multa e indemnização a seu favor Réu, em montante não inferior a € 4.000,00.
*
Notificado das contestações, o Autor deduziu réplica, invocando, para além do mais, a inadmissibilidade da reconvenção deduzida pela Réu BB.
Mais, alegou que nada deve ao Réu, tanto mais que a fatura respetiva não foi emitida em nome do Autor, mas em nome de CC.
*
Por despacho proferido em 26/09/2023, foi indeferido o incidente de intervenção principal provocada.
*
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a exceção de ilegitimidade ativa.
Foi fixado o valor da ação em € 8.217,50.
De seguida, dispensou-se a realização da audiência prévia, bem como a fixação do objeto do processo e enunciação dos temas de prova, e designou-se data para julgamento.
No decurso da audiência final, na sessão ocorrida em 31/1/2024, em que prestou depoimento de parte EE, sócio gerente da Ré “EMP01...”, este exibiu o tubo em discussão nos autos, tendo explicado que só recentemente ficaram na posse do tubo que foi devolvido pelo importador, tendo sido proferido o seguinte despacho: “Tendo em conta a pertinência da junção do tubo que constitui o objecto do litígio e no uso dos poderes conferidos pelo disposto no artigo 411.º do CPC, determino a sua junção aos autos.”
Por requerimento de 12/2/2024 o Réu BB referiu que tal não corresponde ao segmento do tubo cortado em 13/7/2022, pelo que pediu a notificação da Ré para juntar o tubo verdadeiro.
Finda a instrução, foi proferida sentença que concluiu conforme consta do seguinte dispositivo: “…decide-se julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
- Condena-se o Réu BB a indemnizar o Autor, a título de danos patrimoniais, no montante de € 4.784,70 (quatro mil setecentos e oitenta e quatro euros e setenta cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
- Absolve-se do pedido a Ré EMP01..., Lda..
- Julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo Réu BB.
Custas pelo Autor e Réu na proporção do decaimento (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC).”
*
Inconformado, o Réu BB apresentou recurso.
Foi proferida decisão singular com data de 24/3/2025 com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se anular a decisão recorrida para que o Tribunal a quo fundamente a matéria de facto que consta das alíneas a), b) e c), dos factos provados, e g), dos factos não provados.
Custas de acordo com o vencimento final.”
*
Recebidos os autos em 1ª instância, foi proferida nova sentença com igual dispositivo, dando cumprimento à decisão sumária.
*
Inconformado, o Réu BB apresentou novo recurso com alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

a) O Recorrente considera incorretamente julgados os pontos a), b), c), n), o), q) e r) dos factos provados e os pontos f) e g) dos factos não provados;
b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida são os depoimentos das testemunhas FF, GG, HH, II e CC, as declarações do Recorrente, o relatório junto como doc. no 10 na Petição Inicial, os registos fotográficos, as _faturas, os recibos e os cheques juntos com a Petição Inicial;
c) Não foi produzida qualquer prova, designadamente documental ou testemunhal, que sustente a factualidade dos pontos a), b) e c) dos factos provados;
d) Pelo contrário, constam do processo documentos que indiciam que, na realidade, o A. não se dedica à construção e comércio imobiliário, como é o caso da comunicação remetida aos autos em 15/11/2023, onde IMPIC veio informar que não consta qualquer registo em nome da pessoa singular, AA, não sendo assim, detentor de qualquer título habilitante para o exercício da atividade da Construção ou para o exercício da atividade de Mediação Imobiliária;
e) Por outro lado, através de requerimento de 23/11/2023, o A. reconheceu que não subscreveu qualquer seguro de responsabilidade civil;
f) Além do mais, da escritura pública de compra e venda referida no ponto e) dos factos provados consta que o A. não vendeu o imóvel aí referido sozinho, mas sim juntamente com a sua esposa;
g) O declarado pelas testemunhas JJ e KK não se coaduna com as regras da experiência.
h) Não é normal que alguém que se dedique à atividade de construção de imóveis para revenda de forma permanente e sistemática, sem qualquer registo ou licença e sem contratar seguro de responsabilidade civil.
i) O facto de ter sido referido que o A. marido contratou profissionais de várias especialidades para a construção da moradia não constitui qualquer indício do exercício da atividade de construção e venda de imóveis.
j) Nenhuma das testemunhas mencionadas pelo Tribunal a quo aludiu ao facto de a A. mulher, que também vendeu o prédio objeto dos autos, exercer a atividade de construção e venda de imóveis.
k) Deveriam assim ser julgados não provados os factos constantes dos pontos a), b) e c) dos factos provados e provado o referido no ponto g) dos factos não provados;
l) No entender do Recorrente, foi feita prova de que no dia 13 de junho de 2022, no local, a 2ª Ré, pela pessoa do seu representante EE, reconheceu perante o Autor, perante o proprietário do imóvel e perante o aqui Recorrente a existência de um defeito no tubo fornecido e assumiu a responsabilidade pelos danos causados;
m) As testemunhas CC, GG e FF e o Réu foram unanimes em afirmar que a 2ª Ré, empresa fornecedora do tubo PPR, pela pessoa de EE, reconheceu in loco a existência de um defeito no tubo e assumiu a responsabilidade por todos os danos causados;
n) Quanto ao ponto q) dos factos provados, em face da prova produzida, o Tribunal a quo deveria ter dado como assente que a fuga se deveu a uma deficiência de fabrico no tubo de PPR, a qual não era detetável no momento da instalação;
o) Ora, do depoimento das testemunhas GG e FF e do Réu, todos eles valorados pelo Tribunal a quo, resulta que todos os procedimentos de instalação da tubagem foram religiosamente cumpridos;
p) Aliás, na douta sentença recorrida é dado como assente no ponto s) dos factos provados que a tubagem instalada foi, como é exigido pelas normas técnicas, colocada à carga durante vários meses;
q) A finalidade destes testes é precisamente a de aferir a existência de alguma fuga nos tubos, de outro modo indetetável, sendo que no caso dos autos o resultado foi inequívoco no sentido da sua inexistência;
r) De facto, só com a colocação da referida bomba de calor, sensivelmente dois meses depois, é que se viria a registar a fuga, isto sem que houvesse qualquer intervenção direta no circuito de tubos ou a realização de trabalhos que o pudessem comprometer;
s) Atendendo às regras da experiência e do normal acontecer, tem necessariamente de se concluir que a causa da fuga na tubagem PPR não foi nem a instalação, nem os trabalhos posteriormente realizados;
t) Por exclusão de hipóteses, e tendo sido respeitado todo o procedimento tecnicamente exigido ao Recorrente, só resta concluir que a tubagem tinha efetivamente um defeito de fabrico, não detetável no momento da instalação, e que se traduziria numa eventual falta de resistência daquela concreta parte do tubo à circulação de água quente;
u) No que se reporta aos pontos n), o) e r) dos factos provados, ao concluir sem mais que os estragos verificados na moradia resultaram da fuga na tubagem PPR, o Tribunal a quo não teve em consideração outros fatores que resultaram da prova produzida;
v) Quanto à origem da humidade que foi sendo detetada na moradia e que vem apontada na douta sentença recorrida como causa dos danos descritos no ponto o) dos factos provados, nenhuma das referidas testemunhas consegue atribui-la diretamente à fuga da tubagem PPR;
w) De qualquer modo, da prova produzida decorre à saciedade que os danos causados no pavimento do quarto e nos rodapés da moradia não se ficaram a dever a eventuais fenómenos de humidade ou águas decorrentes da fuga que se verificou na tubagem PPR;
x) Quanto ao pavimento, as testemunhas HH, CC e FF referiram concordantemente que o pavimento da moradia consistia num flutuante vinílico em PVC, totalmente resistente à água ou a fenómenos de humidade, situação que por si só exclui qualquer potencial nexo com a fuga;
y) Não bastante, estas testemunha afirmaram ainda que os danos do pavimento consistiam apenas em encaixes partidos, situação que terá ocorrido em consequência de um descuidado e negligente trabalho de levantamento e recolocação e de um acondicionamento manifestamente inadequado do material;
z) Quanto aos rodapés, o proprietário da casa é esclarecedor: os rodapés foram temporariamente colocados pelo carpinteiro na varanda da moradia, onde apanharam com chuva e ficaram empenados;
aa) Deste modo, quanto aos rodapés (empenados) e ao pavimento (encaixes partidos), em função da prova produzia, parece ser evidente que os estragos registados nada têm que ver com a fuga de água
bb) Face aos concretos meios probatórios acabados de enunciar, os concretos pontos de facto enunciado em A), ao serem considerados provados, e os concretos pontos de facto enunciados em B), ao serem considerados não provados, consubstanciam um julgamento incorrecto e um claro erro da apreciação da prova.
cc) A não correspondência entre a prova invocada pelo Tribunal e a decisão sobre a matéria de facto que sobre ela assentou traduz uma violação e uma interpretação inconstitucional do preceituado no artigo 607º, nº 3 do Código de Processo Civil e viola o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.
dd) Deveriam considerar-se não provados os factos constantes dos pontos a), b), c), n), o) e r) dos factos provados, alterada a formulação nos termos já expostos do facto constante do ponto q) dos factos provados e provado os factos constantes dos pontos f) e g) dos factos não provados.
ee) Como resulta da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, e salvo o devido respeito, a tubagem colocada na moradia tinha efetivamente um defeito de fabrico, não detetável no momento da instalação, e que se viria a traduzir numa falta de resistência daquela concreta parte do tubo à circulação de água quente.
ff) Não sendo o defeito visível nem detetável no momento da instalação e da realização dos trabalhos posteriores, e sendo ele prévio à instalação, encontrasse ilidida a presunção estabelecida no art.º 799, n.º 1 do C.C;
gg) De qualquer modo, o Recorrente cumpriu com todas as normas técnicas em todos os trabalhos e procedimento que realizou ou estavam no seu controlo, nada mais lhe podendo ser exigido, tendo, assim, excluído a sua culpa;
hh) Por outro lado, e como resulta dos autos, no dia 13/07/2022 o segmento do tubo danificado foi cortado e levado pela 2ª Ré, sendo que até ao presente dia não mais foi apresentado, obstando ao apuramento da origem do defeito, por exemplo através da realização de uma perícia ou de simples perceções;
ii) Aos autos foi trazido antes um tubo que nada tem que ver com o tubo que se discute na lide, tal como resulta dos depoimentos do Autor e das testemunhas CC e FF, valorados pelo Tribunal, conforme decorre da decisão recorrida, que desconsiderou fundamentadamente o tubo apresentado;
jj) Esta atuação da 2ª Ré enquadra-se no disposto no art.º 344, n.º 2 do C.C, uma vez que impossibilitou por completo a prova direta da origem do defeito existente no tubo, pelo que é sobre a mesma que deverá recair o ónus da prova sobre a origem do defeito que provocou a fuga na tubagem PPR;
kk) Por fim, só existe obrigação legal de garantia por parte de um vendedor no âmbito das vendas de bens de consumo, reguladas pelo D.L. n.º 84/2021, de 18 de Outubro, ou seja de contratos celebrados entre consumidores e profissionais;
II) No entanto, como se alega em sede de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, não ficou provado que o A. exercia a atividade de construção civil e venda de imóveis e que vendeu, no âmbito de tal atividade, o imóvel descrito no ponto e) dos factos provados;
mm) Neste sentido, à venda em causa não é aplicável o citado D.L. n.º 84/2021, mas sim o regime constante dos artigos 913º e seguintes do Código Civil, no âmbito do qual não existe qualquer obrigação legal de garantia do vendedor, podendo a garantia existir por convenção das partes ou por força dos usos, nos termos do artigo 921º do Código Civil;
nn) Tendo-se apurado que o A. não agiu no exercício da atividade de construção, compra e venda de imóveis, e não estando demonstrada a existência de garantia, deve entender-se que o mesmo não tinha qualquer obrigação legal de indemnizar os danos alegadamente sofridos pelos proprietários da fração descrita no ponto e) dos factos provados e, consequentemente, não lhe assistia qualquer direito de regresso sobre o aqui R;
oo) A douta decisão do Tribunal a quo violou assim o disposto nos artigos344º, n.º 2, 524º, 799.º, n.º 1 e 921º do Código Civil;
*
O Autor AA apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)
“1ª
A nulidade da sentença por falta de fundamentação prevista na alínea b) do art.º 615.º do Cód. Processo Civil respeita apenas à falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Assim, não basta ao Recorrente discordar da apreciação da prova ou da extensão da motivação: teria de demonstrar uma ausência total de fundamentação, o que não sucede.

A sentença recorrida elenca os factos provados e os factos não provados e discrimina a respectiva motivação - registando que «na consideração da factualidade provada e não provada o tribunal alicerçou a sua convicção no teor dos documentos aportados para os autos pelas partes, em conjugação com os depoimentos das testemunhas GG, HH, CC, II, JJ, KK, LL, FF, MM e NN, tudo analisado à luz das regras da experiência comum e normalidade social. Tomou-se, ainda, em consideração os depoimentos e declarações de parte do Réu BB, OO e EE, Representantes Legais da Ré EMP01..., e do Autor AA» - donde resulta que a mesma não é absolutamente omissa quanto à indicação dos fundamentos de factos.

Quanto i) aos pontos a), b) e c) dos factos dados como provados, omite o Recorrente que, como se admite na D. Sentença, a eles se referiram, pelo menos, o Autor «que confirmou os factos alegados» - e ele explicou a actividade que desenvolvia (na petição inicial e nas declarações de parte que prestou); a testemunha CC, que comprou o imóvel em questão ao Autor (no seu depoimento) e até o próprio Réu BB, que confessou ter sido contratado pelo Autor para realizar a empreitada de que cuidam os autos (nas declarações de parte que prestou);
ii) aos pontos n), o) e r) dos factos dados como provados oculta o Recorrente que a D. Sentença em crise, no tocante aos estragos causados no imóvel alude às testemunhas em que se alicerçou o Tribunal e porquê e, no tocante à origem dos estragos analisa, cuidadosa e criteriosamente, o teor do depoimento do Réu BB, dos representantes da Ré EMP01..., das testemunhas por eles indicados e até o que consta do relatório junto como doc. nº 1 com a contestação daquele.

Ao recorrente que impugne a matéria de facto, cabe indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões. O Réu/Recorrente, em parte alguma das suas conclusões especifica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com referência à decisão sobre a matéria de facto ou mesmo, se esta fosse omissa, aos articulados em que foram alegados. Tais omissões não podem ser supridas através de convite ao aperfeiçoamento pois o recurso que tem por objecto a impugnação da matéria de facto não comporta tal faculdade, estando, por isso, vedado ao Tribunal conhecer, nesta parte, o recurso interposto pelo Réu/Recorrente. Esta omissão é insanável e impede a Relação de reabrir a discussão factual, por violação direta do art.º 640.º CPC

O julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. E o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro notório na apreciação dos factos impugnados – aquele erro que é evidenciado pela simples leitura da decisão. Mas uma coisa é o erro na apreciação da prova, outra muito diferente é o pretendido pelo Réu/Recorrente e que é contrapor a sua própria convicção à do tribunal, esta colhida no âmbito do princípio da imediação e da oralidade.

Todas as provas utilizadas são de livre apreciação do julgador, segundo as regras da experiência comum e a sua convicção, operando a sua análise crítica, com a explicitação individualizada dos participantes que entendeu primordiais para a génese da formação da mesma. In casu, na motivação da D. Sentença recorrida, o M. Juiz a quo explica, fundada e exaustivamente, as razões por que foram dados como provados e não provados os factos, correlacionando os meios de prova e pormenorizando o contributo de cada um na formação da decisão. E, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada - como aqui efectivamente sucede -, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ter sido proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo o princípio da livre apreciação da prova.

A impugnação da decisão da matéria de facto não se pode transformar numa mera manifestação de inconsequente inconformismo e no reexame da prova gravada feito pela Relação e nunca pode envolver a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, como pretende o Réu/Recorrente – que não aceita que tenham sido dados como provados os factos vertidos nos pontos a), b), c), n), o), q) e r) e que tenha sido dados como não provados os factos vertidos nos pontos f) e g) – mas apenas, a correção de aspetos pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, inexistentes no caso dos autos. Sublinha-se que a impugnação feita pelo Recorrente não passa de inconformismo, que não é fundamento legal de recurso.

Quanto aos factos elencados nos pontos a), b) e c) (factos dados como provados) o Autor/Recorrido assegurou que se dedicava à seguinte actividade: construía prédios urbanos, contratando profissionais da área de construção civil, que adquiriam os materiais e realizavam as empreitadas e depois vendia/revendia os imóveis construídos. E nada nem ninguém demonstrou o contrário. Ao invés,
i) o Réu BB (depoimento prestado em 31/01/2024, de 11:22:14 a 14:36:18) reconheceu ter sido contratado pelo Autor para realizar toda a obra de pichelaria - acrescentando até que «fiz eletricidade e pichelaria» (00:01:08 - 00:01:09) -, incluindo fornecimento dos materiais necessários e mão de obra no imóvel que aquele estava a construir e confessou «iniciei a obra em novembro de 2020 e entreguei a obra em abril de 2022» (06:32 - 06:40), o que aconteceu antes de o Autor ter vendido o imóvel onde o Réu fez a empreitada e que foi em 21/06/2022 (cf. escritura de compra e venda que está nos autos e ponto e) dos factos dados como provados) e, depois desta venda, reconhece que «fui lá porque o Sr.AA me chamou» (00:11:25);
ii) e a testemunha CC (depoimento prestado em 06/02/2024, de 16:03:08 a 16:58:56), que confirmou «compramos uma casa nova» ao Sr. AA (00:01:39 - 00:31:41).
iii) Além disso, a matéria dada como provada nestes pontos é consentânea com o vertido nos pontos e) e h) dos factos dados como provados (e não impugnados pelo Recorrente).

Quanto aos factos elencados no ponto g) dos factos dados como não provados provém dos autos, das regras de experiência e das normas legais aplicáveis ao caso que
i) o Autor/Recorrido não era empreiteiro: quem realizava as obras eram as empresas da área da construção civil que ele contratava para esse fim e que adquiriam os materiais, forneciam a mão de obra e realizavam as empreitadas.
ii) o Autor/Recorrido não realizava a actividade de mediação imobiliária: não procurava, em nome dos seus clientes, de destinatários para vender as casas nem fazia prospeção e recolha de informações visando encontrar os bens imóveis pretendidos pelos seus clientes.
iii) o Autor vendia os seus próprios imóveis, aqueles onde as empresas de construção civil, mediante contrato de empreitada celebrado por ele com estas, haviam realizado obras, para as quais adquiriam os materiais e forneciam a mão de obra. E para esta atividade o Autor não tinha de possuir documentos habilitantes e que são indispensáveis para o exercício da atividade de construção e mediação imobiliária nem tinha de ter registo IMPIC, I.P. (que regula e fiscaliza o setor da construção e do imobiliário), nem era obrigado a ter seguro de responsabilidade civil profissional.
iv) porque o Autor exercia a sua actividade em nome individual e porque ele é casado em comunhão de bens adquiridos e a alienação de imóveis carece do consentimento de ambos os cônjuges, na escritura de venda da moradia de que cuidam os autos outorgaram, como vendedores, o Autor e a mulher.
10ª
Quanto aos factos elencados no ponto q) (dos factos dados como provados) o Tribunal considerou ser pacífico «que a obra veio a padecer de uma fuga de água que causou diversos danos na moradia que exigiram reparação» e não oferecer dúvidas «que tal fuga de água teve origem num tubo PPR, que se encontrava danificado, permitindo a saída de água para o interior das paredes e pavimentos, fuga que se localizou na parede entre a casa de banho da suite e o quarto». E tanto foi confirmado pelas testemunhas que estiveram no local, na altura dos factos, pelo Autor AA (depoimento prestado em 06/02/2024 de 10:05:44 a 12:14:15) quando explicou que «o Sr. BB andou a sondar onde é que seria a fuga [da água] e verificou que havia uma fuga na entrada da suite. Fechou-se a água da casa de banho e ele começou a picar a parede e o chão para ver se descobria os tubos. E quando descobriu voltou a abrir a água e verificou-se que, ou por defeito ou por motivo de má execução havia ali uma fuga no tubo» (00.05:13 – 00:05:19) e pelo Réu BB (depoimento prestado em 31/01/2024, de 11:22:13 a 14:36:18) que confessou haver uma fuga de água e afirmou que «para detectar a fuga, o buraco que fiz foi na parede, junto ao chão» (00:14:06 – 00:14:10) e «parti o chão também para descobrir. Cortei o tubo até aparecer a marca ...» (00:14:27 – 00:14:33) e vai de encontro ao que está no ponto j) dos factos dados como provados. E a testemunha FF (depoimento prestado em 18/06/2024, de 10:43:08 a 11:37:52) reconheceu que «o que tinha fuga era o da água quente» (00:03:48) e que o problema surgiu «quando se instalou a bomba de calor, quando começaram a utilizar a água quente» (00:12:27 a 00:13.35) e, como esclareceu a testemunha NN (depoimento prestado em 18/06/2024, de 10:43:08 a 11:37:52) «o circuito de água quente e o circuito de água fria são dois circuitos independentes» (01:42:09 – 01:42:15).
11ª
Quanto aos factos elencados nos pontos n) e o) (dos factos dados como provados) A inundação resultante da fuga de água causou humidades e estragos nas paredes, pavimentos e rodapés que ficaram impregnados de água, como
i) ilustram as fotografias que estão nos autos (juntas como doc.s 2 a 7 e 11 a 21 na petição inicial),
ii) foi admitido pelo Autor AA (depoimento prestado em 06/02/2024 de 10:05:44 a 12:14:15) que explicou ter visto «tudo descolado» (00:04:40) e «na entrada da suite havia muitas humidades na parede. Havia nas outras paredes também, mas ali havia mais» (00:04:41 - 00:04:45)
iii) foi atestado pelas testemunhas GG (depoimento prestado em 06/02/2024, de 14:13:32 a 15:11:41), o qual elaborou e confirmou o relatório que está nos autos (junto como doc. 10 com a petição inicial) e, porque «a água vai-se infiltrando nas paredes e no chão» (00:08:18), verificou «humidades nas paredes do quarto, rodapés a descolar, na suite e nas áreas circundantes» (00:34:01 – 00:34:19), «o soalho estava levantado em grande parte do quarto» (00:46:42) e «rodapés descolados em quase toda a casa» (00:48:16); HH (depoimento prestado em 06/02/2024, de 15:11:41 a 16:03:07) que disse «os rodapés parcialmente todos descolados, as paredes tinham humidade» (00:05:17 - 00:05:29), «a porta da casa de banho teve de ser substituída por a guarnição já estar um bocado estragada» (00:10:06 - a 00:10:14) e «dos rodapés o mal foi o desencaixar, aquilo é muito fininho e alguns dos encaixes partiram» (00:06:10 - 00:06:22); CC (depoimento prestado em 06/02/2024, de 16:03:08 a 16:58:56) que afirmou «o rodapé estava todo descolado e havia a 50-60cms uma mancha amarela de humidade de água, na parede. Como aquilo é gesso, subia pelo muro [parede] acima» (00:17:55 - 00:18:17), «os rodapés estava tudo torto» (00:18:35), «foi preciso tirar tudo, mas em certos sítios não foi preciso tirar o rodapé porque ele caiu» (00:18:44), «a humidade estava um pouco por todo o lado; começou no quarto que era fuga estava ali à beira do quarto e depois passou para a sala e para os outros quartos, só não atingiu a cozinha, no fundo» (10:31:49 – 00:32:00); «eu só me apercebi quando o rodapé estava todo descolado e manchas amarelas no muro [parede] e isso aconteceu por todo o lado» (00:33:52 – 00:34:05); II (depoimento prestado em 19/03/2024, de 10:36:45 a 11:17:04) que explicou «quando cheguei fiz uma medição da humidade com um aparelho que tenho de medição de humidade e toda a área da casa, entre 20 a 30cms estava contaminada com humidade» e «as paredes são em seral, um gesso projectado que só aceita água no dia da aplicação. Após aplicação não volta a aceitar água. Quando aceitar água apodrece» (00.04:23 - 00:04:53);
iv) e resulta das regras da experiência e do que é comum acontecer em situações idênticas.
12ª
quanto aos factos do ponto r) (dos factos dados como provados), Resulta das facturas que estão nos autos (os doc.s 22 e 23 juntos pelo Autor com a petição inicial) e do teor dos depoimentos das testemunhas II (depoimento prestado em 19/03/2024, de 10:36:45 a 11:17:04) e HH (depoimento prestado em 06/02/2024, de 15:11:41 a 16:03:07) que descreveram os trabalhos efectuados e asseguraram, o primeiro, que «os funcionários da empresa foram fazer o trabalho, eu facturei e foi pago à empresa directamente pelo Sr. AA» (00:10:30 – 00: 10:39) e o segundo «o trabalho foi facturado e pago» (00:12:20) que, em consequência da fuga de água na tubagem PPR, o Autor pagou à empresa EMP03..., Lda., pela reparação das paredes do interior da moradia danificadas pela água, o montante de € 2.460,00 e à empresa EMP04... Unipessoal, Lda., pela substituição e reparação de rodapés e madeira flutuante danificada pela água, a quantia de € 2.324,70.
13ª
Logo, não há qualquer erro de julgamento, mas apenas a confirmação coerente da prova produzida e analisada em audiência, pelo que não há espaço para alteração da matéria de facto.
14ª
O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
15ª
O Autor e o Réu BB celebraram um contrato de empreitada, tendo por objecto a realização de toda a obra de pichelaria, incluindo fornecimento dos materiais necessários e mão de obra no imóvel em questão. E das disposições normativas aplicáveis - em particular os art.ºs 1207.º (noção de contrato de empreitada), 1210.º (fornecimento dos materiais e utensílios pelo empreiteiro), 1208.º (execução da obra) e 406.º, n.º 1 (eficácia dos contratos) - resulta que a obrigação assumida pelo empreiteiro é uma obrigação de resultado, ou seja, a obrigação de executar a obra em conformidade com o plano convencionado, sem deformidades e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato e que a boa execução da obra refere-se quer aos trabalhos executados, quer, naturalmente, ao material aplicado, pelo que o empreiteiro responde pela deficiência, vícios ou desconformidade dos materiais aplicados.
16ª
No contrato de empreitada, ao credor basta demonstrar a materialidade do incumprimento ou seja, no caso de cumprimento defeituoso, o vício ou desconformidade da obra, cabendo ao devedor provar a ausência do nexo de imputação à sua pessoa desse incumprimento, o qual se presume “iuris tantum”. Isto é, provando-se a existência do defeito, é de presumir a culpa do empreiteiro e este, para afastar a sua responsabilidade, terá que demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de facto que lhe seja imputável a título de culpa.
17ª
O ónus de demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de facto que lhe seja imputável a título de culpa não se satisfaz com a simples demonstração que o empreiteiro, na realização da obra, agiu diligentemente pois se o tribunal ficar na ignorância de qual a causa e quem merece ser censurado pela verificação do defeito apontado pelo dono da obra, continua a funcionar a presunção de que o devedor da prestação é o culpado. Só demonstrando a causa do defeito e que a mesma lhe é por completo estranha é que o empreiteiro se exonerará da responsabilidade pelo defeito existente.
18ª
É ao empreiteiro, que tem o respectivo ónus, e não Tribunal, que compete oferecer e produzir prova sobre a causa e modo de surgimento das fissurações na tubagem PPR que aquele invoca. E o Tribunal a quo considerou que «Não se tendo apurado em que circunstâncias foi danificada (fissurada) a tubagem, mas tendo ficado claro que essa tubagem aplicada pelo Réu estava fissurada, permitindo a saída de água que se infiltrou nas paredes e pavimentos da moradia, competia-lhe ilidir a presunção de culpa, prova que não logrou efectuar».
19ª
Tendo sido o Autor quem celebrou com o Réu, profissional da área de pichelaria, o contrato de empreitada mediante o qual este realizaria toda a obra de pichelaria, com fornecimento dos materiais necessários e mão de obra, era aquele (o Autor), enquanto dono da obra, quem podia exigir responsabilidades ao empreiteiro (o Réu BB) por este não ter executado a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela e, naturalmente, pela deficiência, vícios ou desconformidade dos materiais aplicados.
20ª
Provada a existência do defeito na obra, opera a presunção legal de culpa do empreiteiro (art.º 799.º, n.º 1, e 1208.º CC), sendo irrelevante que este invoque diligência na execução se não demonstrar que a origem do defeito lhe é totalmente estranha. O Recorrente não ilidiu tal presunção.
21ª
O direito do Autor contra o Réu é direto e decorre da empreitada, não dependendo de qualquer sub-rogação ou figura de regresso fundada na venda. A jurisprudência consolidada confirma que o dono da obra pode sempre accionar o empreiteiro pelo defeito, ainda que já tenha transmitido o imóvel a terceiro.
22.ª
Não é ao Tribunal a quo que competia descobrir a origem concreta da fissuração na tubagem, mas sim ao Réu/Recorrente, a quem a lei comina o ónus de ilidir a presunção de culpa. Não o tendo feito, a responsabilidade mantém-se firmemente na sua esfera.
23.ª
O Recorrente tenta transferir o ónus da prova para a Ré EMP01..., mas sem qualquer base legal: o contrato relevante é o de empreitada, celebrado entre o Autor e o Réu BB, sendo a responsabilidade deste autónoma e direta, nos termos do art.º 1208.º do CC.
24ª
A jurisprudência maioritária, incluindo do STJ, é unânime: “o empreiteiro responde perante o dono da obra por defeitos resultantes quer da execução, quer dos materiais que aplicou, ainda que fornecidos por terceiro”. Assim, é irrelevante que a tubagem tenha sido adquirida à Ré EMP01... – a responsabilidade contratual mantém-se no Recorrente.
25ª
É também irrelevante que o imóvel tenha sido vendido a terceiro: o vício surgiu quando a obra já estava entregue e dentro do período de garantia, sendo ao empreiteiro que o dono da obra pode e deve exigir indemnização pelos danos sofridos.
26ª
Mesmo que se admitisse – por mera hipótese académica – que o defeito da tubagem tivesse origem em fabrico, caberia sempre ao empreiteiro agir contra o seu fornecedor, não podendo sacudir a responsabilidade perante o dono da obra.
27ª
O argumento de que não existe direito de regresso é falacioso: o direito do Autor não é de regresso, mas de ação direta e imediata contra o empreiteiro, resultante do contrato de empreitada. A venda posterior do imóvel não extingue nem reduz este direito.
28ª
O Recorrente, sendo profissional da área da pichelaria, tinha especiais deveres de cuidado, fiscalização e escolha dos materiais aplicados, pelo que a sua responsabilidade não se esgota na mera execução manual, abrangendo também a idoneidade dos materiais utilizados.
29ª
Ademais, a conduta da Ré EMP01..., que retirou o segmento de tubo danificado sem o reapresentar, não exonera o empreiteiro: este tinha o dever de preservar a prova dos materiais que aplicou, de modo a salvaguardar a sua defesa. A sua inércia só reforça a presunção de culpa.
30ª
Em face do exposto, a decisão recorrida aplicou corretamente o direito, em harmonia com os princípios da responsabilidade contratual, da tutela do dono da obra e da jurisprudência consolidada.
31ª
Todas as tentativas do Recorrente em desresponsabilizar-se são meramente dilatórias, carecem de suporte legal e colidem frontalmente com os factos provados, pelo que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida.
32ª
O recurso apresentado não encontra apoio em factos novos nem em interpretação jurídica plausível, traduzindo-se em mera manobra dilatória destinada a adiar o cumprimento da condenação, o que reforça a necessidade da sua total improcedência”.
Pugna pela improcedência dos recursos.
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo, o que foi confirmado por este Tribunal.
*
Após os vistos legais, cumpre decidir.
***
II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, 609º, n.º 1, 635º, n.º 4, e 639º do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Impõe-se, por isso, no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir:
-se a matéria de facto provada constante das alíneas a), b), c), n), o), q) e r) dos factos provados e os pontos f) e g) dos factos não provados deve ser reapreciada e alterada no sentido propugnado pelo recorrente;
-na afirmativa, se tal impõe diferente enquadramento jurídico da causa e consequentemente a absolvição do R./recorrente do pedido.
*
Nota prévia: nas suas contra-alegações o recorrido faz referência a matérias já tratadas e questões já eliminadas no primeiro recurso intentado e que deu origem à decisão sumária, uma vez que não terá adequado as suas contra-alegações ao novo recurso apresentado na sequência da sentença que deu cumprimento à dita decisão desta Relação. Por isso, não se considera a referência feita a um suposto recurso da Ré “EMP01...”, situação que se reportava à primeira sentença e já esclarecida anteriormente por despacho da relatora (e que não se repetiu nesta nova via recursória). Igualmente mostra-se ultrapassado o argumento da nulidade da sentença, que não foi reiterado neste recurso em apreciação.
***
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O Tribunal recorrido assentou na seguinte matéria (com destaque nosso a negrito dos pontos que, como veremos, o recorrente pretende impugnar):

“3.1. Factos provados
Com relevância para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
a) Até Junho de 2022, o Autor dedicava-se à actividade de construção de prédios urbanos, contratando profissionais da área da construção civil, que adquiriam os materiais e executavam os trabalhos, e depois vendia os imóveis construídos.
b) No âmbito dessa actividade, o Autor construiu, na freguesia ..., concelho ..., um conjunto de moradias geminadas (em banda), destinando-as à venda.
c) Entre as quais a moradia de ..., com logradouro, identificada pela letra ... do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em ..., Rua ..., ....
d) Para o efeito contratou profissionais da área da construção civil, nomeadamente o Réu BB, que foi contratado para a realização das obras de pichelaria na referida moradia, incluindo fornecimento de materiais e mão de obra.
e) Por escritura pública de “Compra e Venda” outorgada no dia 21 de Junho de 2022, exarada a fls. 116 a 118 verso do livro de Notas para escrituras Diversas ...68-B do Cartório Notarial de PP, sito na cidade ..., o Autor e esposa venderam a CC e DD, a fracção ..., correspondente ao ..., destinado a habitação, com entrada pelo nº ...14, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em ..., na Rua ..., ..., na União de Freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...20, omisso na matriz respectiva.
f) Cerca de 15 dias depois dos referidos proprietários se terem mudado para a habitação identificada, detectaram defeitos que comunicaram ao Autor.
g) Deslocado ao local, foi constatado pelo Autor que havia uma grande fuga de água ao nível do chão, pois os rodapés estavam descolados, com humidade.
h) O Autor chamou, de imediato, o técnico que tinha efectuado a obra de pichelaria, o aqui Réu BB.
i) O Réu BB deslocou-se, de imediato, ao local e após algumas diligências verificou que o problema advinha da casa de banho da suite.
j) Nessa sequência, partiu parte da parede e do chão deste aposento, tendo encontrado a fuga de água num tubo PPR, da marca ...”.
k) Ao ser localizada a fuga e de modo que o proprietário do imóvel não ficasse privado do fornecimento de água, o Réu BB resolveu provisoriamente a fuga com recurso a uma abraçadeira de pressão.
l) No dia 13 de Julho de 2022, deslocaram-se à moradia os funcionários da EMP01..., Lda. que fornecera a tubagem em questão.
m) Depois daquela vistoria, o Réu BB, cortou parte do tubo PPR (cerca de 1,00/1,20m), colocou outro, emendado por juntas e reparou a parede.
n) A inundação provocada pela fuga da tubagem PPR e a circulação da água no interior da habitação causou humidades, e estragos nas paredes, pavimentos e rodapés que ficaram impregnados de água.
o) Causou os seguintes estragos:
- Rodapés que descolaram e tiveram que ser substituídos por novos;
- Humidade generalizada nas paredes do imóvel, em bloco térmico, e algumas ficaram com manchas de cor ... e foi necessário repará-las e pintá-las;
- O pavimento do quarto ficou deformado e teve que ser substituído.
p) O tubo PPR onde ocorreu a fuga da água foi fornecido pela Ré EMP01... e aplicado pelo Réu BB.
q) A origem dessa anomalia deveu-se a uma fuga em tubo PPR do circuito de água quente por deficiência do mesmo.
r) Em consequência da fuga de água na tubagem PPR, o Autor suportou os seguintes montantes:
- À empresa EMP03..., Lda., pela reparação das paredes do interior da moradia danificadas pela água, no montante de € 2.460,00;
- À empresa EMP04... Unipessoal, Lda., a substituição e reparação de rodapés e madeira flutuante danificada pela água, na quantia de € 2.324,70.
s) Aquando da colocação das tubagens, estas foram postas à carga com uma pressão de 10 BAR durante 30 m, e reduzida depois para 3,5 BAR, assim se mantendo durante vários meses.
t) Os serviços e trabalhos de reparação efectuados pelo Réu BB na sequência da fuga de água, ascendem ao montante de € 250,43.
u) O Autor sofreu incómodos e transtornos vários, seja, porque, por diversas vezes, procurou, sem sucesso, que os Réus assumissem a responsabilidade pela situação, seja porque se teve que deslocar várias vezes à moradia e ainda multiplicou-se em contactos com profissionais da área da construção civil, pintura, carpintaria – para fazerem com urgência, as reparações dos estragos detectados em paredes, pavimentos e rodapés afectados pela água.
2.2. Factos não provados
a) Com a inundação provocada pela fuga da tubagem PPR, circularam, no interior da casa, entre o pavimento e a madeira flutuante do chão, mais de 78 m3 de água.
b) O Autor pagou à empresa Águas ... (Aguás ...) o excesso de consumo de água que os proprietários do imóvel tiveram em resultado da tal fuga de água, no valor de € 377,07.
c) O Autor sofreu um profundo desgosto ao ver a moradia nova, que tinha acabado de construir e poucos dias depois de a vender com “estragos detectados em paredes, pavimentos e rodapés impregnados de água”, e sobretudo porque nunca teve um problema ao longo da vida e sempre se orgulhou do seu trabalho.
d) Antes de serem aplicados devem ser cortadas as pontas dos tubos.
e) O Réu BB não procedeu ao seu controle, designadamente ao controle de vazamento/teste de carga com determinada pressão, a fim de verificar eventuais defeitos de fabrico do tubo aplicado ou defeitos na sua aplicação.
f) No dia 13 de Junho de 2022, no local, a 2ª Ré, pela pessoa do vendedor ou representante EE e do Engenheiro, verificou e assumiu perante o Autor, perante o proprietário do imóvel e perante o Réu BB a existência do defeito na tubagem PPR 25, marca ....
g) O Autor e a sua esposa, venderam a habitação enquanto particulares.
***
IV MÉRITO DO RECURSO.

IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
Cumpre começar por enunciar os requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar a impugnação da matéria de facto, para então se verificar se o recorrente os cumpriu, nomeadamente se indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se especificou na motivação os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, se indicou na motivação as passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova, se expressou na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no art.º 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, págs. 155 e 156. 
Conforme Acórdãos do STJ, designadamente de 29/10/2015, de 03/05/2016 e de 21/03/2019 (todos consultáveis em www.dgsi.pt, como os que aqui se citarão sem outra indicação), podemos distinguir nestas exigências um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação, e um ónus secundário tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. No primeiro caso, cabem as exigências de concretização dos pontos de factos que se consideram incorretamente julgados, especificação dos concretos meios de prova que sustentam a decisão errada e/ou diversa (sendo que o Tribunal pode considerar esses e, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão, conforme art.º 607º, n.º 5 do C.P.C.), e a indicação do sentido em que se deveria ter julgado a matéria de facto, na posição do recorrente, ou da decisão a proferir (art.º 640º, n.º 1, a), b) e c)). No segundo caso, cabe a exigência de indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver reapreciados (a), n.º 2, do art.º 640º). Em ambos os casos, a cominação para a falta de cumprimento das exigências é a rejeição imediata do recurso (cfr. a dita disposição), sem possibilidade de prévia oportunidade de aperfeiçoamento da peça. Em ambos os casos, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem orientar a decisão de rejeição (já que a parte ficará prejudicada ao não ver apreciado o seu recurso por motivos de ordem formal). A nuance entre os dois casos decorrerá do bom senso com que se analisam as exigências, as quais, antes de mais, têm que ver com o facto de possibilitar à parte contrária um efetivo exercício do contraditório, para além de serem decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso. Se as primeiras exigências são imprescindíveis a esse exercício e orientam também o Tribunal de recurso relativamente ao que se lhe pretende sujeitar, a segunda exigência, tendo em vista a melhor orientação para esse efeito, ainda que seja cumprida de forma imprecisa, caso a parte contrária tendo apreendido convenientemente o alcance do visado e o Tribunal esteja habilitado ao pretendido reexame, não imporá a rejeição do recurso, mas antes o seu aproveitamento. Deste modo se dará prevalência ao mérito sobre a forma, princípio enformador do atual C.P.C..
Além disso, a sanção de rejeição do recurso apenas poderá abarcar o segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, apenas pode abranger os pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras.
Por último, e continuando a seguir a orientação do nosso STJ, face ao que se pretende assegurar com cada um dos ónus, a especificação dos pontos concretos de facto impugnados deve constar das conclusões (art.ºs 635º, n.º 4, 640º, n.º 1, a), e 639º, n.º 1, do C.P.C.). No mais (meios de prova concretos e indicação das passagens das gravações), basta que constem do corpo das alegações.
Em 17/10/2023 foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência pelo STJ (n.º 12/2023, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, págs. 44 a 65), no sentido de se interpretar a exigência da indicação da decisão pretendida prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 640º, na ótica de que o recorrente não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.
Trata-se da consagração de uma corrente do STJ apologista de um menor rigor formal exigido no cumprimento dos ónus formais impostos no art.º 640º do C.P.C., promotora da verdade material em detrimento da observação de formalidades, de menor relevância, desde que não seja postergado o exercício cabal do contraditório, bem como seja apreendida em termos claros pelo julgador a pretensão recursiva, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, instrumentais em relação a cada situação concreta.
*
O recorrente anuncia a sua intenção de impugnar a matéria de facto.
Coloca em causa as alíneas a), b), c), n), o), q) e r) dos factos provados e os pontos f) e g) dos factos não provados.
Baseia-se para o efeito nos depoimentos das testemunhas FF, GG, HH, II e CC, nas declarações do Recorrente, no relatório junto como doc. nº 10 na Petição Inicial, nos registos fotográficos, nas faturas, nos recibos e nos cheques juntos com a Petição Inicial; na falta de prova, designadamente documental ou testemunhal, que sustente a factualidade dos pontos a), b) e c) dos factos provados; na comunicação remetida aos autos em 15/11/2023 pelo IMPIC, tudo como resume nas suas conclusões de recurso. No corpo das alegações faz a correspondência entre cada meio de prova e o respetivo facto ou tema impugnado, localiza e transcreve os depoimentos no caso da prova gravada.
Pretende que as alíneas a), b) e c) dos factos provados e g) dos factos não provados tenham o sentido inverso. Pretende que a alínea f) dos factos não provados transite para os factos provados. Sugere que a alínea q) dos factos provados deve fazer referência ao facto de a deficiência do tubo que provocou a fuga ter sido originada por um defeito de fabrico, não detetável no momento da instalação, e que se viria a traduzir numa falta de resistência daquela concreta parte do tubo à circulação de água quente. Ou então que se dê como assente que a fuga se ficou a dever a uma deficiência no tubo PPR que não decorreu da aplicação e instalação do mesmo, nem dos posteriores trabalhos realizados pelo recorrente, sendo, por isso, prévia. Quanto às alíneas n), o) e r) dos factos provados, entende que a causa da humidade nas paredes, estragos nos rodapés e pavimentos não se apurou como sendo decorrente de humidade ou água provenientes da tubagem em causa; o sucedido no pavimento e rodapés tão pouco se deveu a humidade, tão pouco as faturas juntas aos autos sustentam os trabalhos em causa, e por isso tais alíneas devem antes ser consideradas não provadas.
Pelo que se deixou expresso, conclui-se que o recorrente deu cumprimento aos ónus impugnatórios, de modo a permitir a este Tribunal a reapreciação da matéria de facto colocada em causa, não assistindo razão ao recorrido quanto afirma o contrário. Aliás, se dúvidas houvesse, prevalecia a admissão desta vertente recursiva devido ao facto da parte contrária ter exercido com efetividade o seu direito ao contraditório, como decorre da leitura das contra-alegações de recurso.
*
Antes de nos lançarmos na reapreciação da restante matéria de facto, impõe-se relembrar as orientações que seguimos.
A propósito da reapreciação da matéria de facto, dispõe o art.º 662º, n.º 1, do C.P.C. que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos que resultam do n.º 5 do art.º 607º do C.P.C.. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder à reapreciação da prova de acordo com a própria convicção que sobre ela forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material. A propósito refere também Abrantes Geraldes na mesma obra, pág. 273, que "(…) a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”. E, na pág. 274, (…) “a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daquelas que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.  
Porém, não está em causa proceder-se a novo e global julgamento, não sendo exigido nem permitido à Relação que de motu proprio se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo Tribunal de 1ª instância, para deles se extrair uma decisão inteiramente nova (pág. 279). Assim, a Relação irá examinar a decisão da primeira instância e seus fundamentos, analisar as provas gravadas e proceder ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, pronunciando-se apenas quanto aos concretos pontos impugnados.
O Tribunal da Relação, nesta sua função de reapreciação da decisão de facto, não opera apenas em casos de erros manifestos de apreciação, mas também pode formar uma convicção diversa da 1ª instância sobre os pontos de facto impugnados, o que deve levar a nova decisão que contenha esse resultado, fundamentadamente, ou seja, com base bastante para alterar aquela que foi a convicção (errada) do juiz de 1ª instância (erro de julgamento - error in iudicando, concretamente error facti).
Partindo do princípio do dispositivo, deve o recorrente indicar os meios de prova que, no seu entender, deviam ter feito o Tribunal a quo trilhar caminho diverso no seu juízo probatório; contudo, o Tribunal ad quem não está limitado a essa indicação – que será o seu ponto de partida e pode até ser o bastante - podendo e devendo se tal se impuser (além dos demais poderes conferidos em termos de retorno à primeira instância ou de oficiosidade) socorrer-se de todos os meios de prova produzidos nos autos para confirmar ou rebater a argumentação do recorrente.
O Acórdão desta Relação de 29-10-2020 (processo n.º 2163/17.7T8VCT.G1, relatado por Alcides Rodrigues) sintetiza os princípios a ter em consideração na atuação do Tribunal de recurso, recorrendo à doutrina -Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, “Prova testemunhal”, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396, e Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469- e jurisprudência -Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos. Aqui 2ª adjunta), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.- desta forma:
- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes);
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância;
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de apreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas;
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão;
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção -obtida com benefício da imediação e oralidade- apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
Voltando ao art.º 607º, n.º 5, do C.P.C., este dispõe que, em princípio, o Tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os Juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, com ressalva das situações em que a lei dispuser diferentemente: quando não dispense a exigência de uma determinada formalidade especial, quando os factos só possam ser provados por documento ou estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
A prova visa o convencimento do juiz sobre a realidade dos factos –art.º 341º do Código Civil. Essa prova não é, não tem de ser, a prova absoluta.
Diz Vaz Serra (“Provas – Direito Probatório Material”, BMJ 110/82 e 171) que “As provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. É a afirmação da corrente probabilística, seguida pela maior parte da doutrina que, opondo-se à corrente dogmática, considera não exigível mais do que um elevado grau de probabilidade para que se considere provado o facto. Mas terá que haver sempre um grau de convicção indispensável e suficiente que justifique a decisão, que não pode ser, de modo algum, arbitrária, funcionando aquela justificação (fundamentação) como base de compreensão do processo lógico e convincente da sua formação (cfr. entre outros o Acórdão da Relação do Porto de 23/9/2021, processo n.º 12138/19.6T8PRT-A.P1, relator Filipe Caroço).
O tribunal aprecia livremente os meios de prova e é livre na atribuição do grau do valor probatório de cada meio de prova produzido. Em cada caso o tribunal é livre para considerar suficiente a prova testemunhal produzida ou para considerar que a mesma é afinal insuficiente e exigir outro meio de prova de maior valor probatório (ou seja, com maior capacidade para convencer o juiz da probabilidade do facto em discussão). Coisa diferente é a questão do standard ou padrão de prova, a qual já tem que ver com a questão do ónus da prova ou da determinação do conceito de dúvida relevante para operar a consequência desse ónus – no sentido de que a lei manda que, na dúvida, o juiz decida contra a parte onerada com a prova (cfr. arts.º 346.º do Código Civil e 414º do C.P.C.).
Diz-nos Luís Filipe Pires de Sousa (“Prova testemunhal”, 2014, pág. 384) que “O standard de prova deve operar como uma pauta móvel que tem de ser permanentemente concretizada ao ser aplicada ao caso concreto. Cremos que no nosso ordenamento jurídico será, pois, de aplicar, o standard da probabilidade prevalecente…Assim, no vulgar caso de cobrança de um crédito decorrente de compra e venda, na ação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação ou na ação em que se discuta o cumprimento de um contrato de empreitada operará o standard da probabilidade lógica prevalecente desde que seja ultrapassado o limite mínimo de probabilidade(> ou = 0,51)…”.
Quanto a esta matéria, no Acórdão desta Relação de 7/12/2023 (processo n.º 573/20.1T8VCH.G1, relatado por Gonçalo Oliveira Magalhães), foi elucidativamente feita a apreciação dessa posição face ao nosso ordenamento jurídico.
Temos para nós que, como já decidimos no processo n.º 2568/18.6T8VRL.G1 (Ac. de 3/12/2020) e no processo n.º 967/19.5T8VRL.G1 (Ac. de 8/10/2020), ambos da relatora do presente e não publicados, “O grau de probabilidade exigido para que se dê como verificada determinada realidade de facto é de elevada probabilidade.”
Sem prejuízo, sumariou-se no Acórdão desta Relação de 3/5/2018 (processo n.º 573/14.0TBCTB.G1, relatado por Maria João Matos) que: “I. O standard (suficiência) de prova é uma pauta móvel, que terá que ser adaptada (embora de forma objectiva) ao concreto litígio em causa (nomeadamente, à natureza dos factos que nele se discutem e terão de demonstrar).”
No Acórdão da Relação do Porto de 23/2/2023 (processo n.º 30/21.9T8PVZ.P1, relatado por Aristides Rodrigues de Almeida) desenvolve-se a seguinte argumentação: “A primeira ideia a sublinhar é a de que no nosso sistema processual, com algumas excepções, vigora o sistema da prova livre. Este sistema caracteriza-se por duas ideias força complementares: o tribunal não só aprecia livremente os meios de prova (o que o meio prova) como é livre na atribuição do grau do valor probatório de cada meio de prova produzido (a quantidade de prova produzida por aquele meio). Em cada caso o tribunal é livre para considerar suficiente a prova testemunhal produzida ou para considerar que a mesma é afinal insuficiente e exigir outro meio de prova de maior valor probatório (leia-se: de maior capacidade para convencer o juiz da probabilidade do facto em discussão).
Esse aspecto não se confunde com o do standard ou padrão de prova, o qual se relaciona com a questão do ónus da prova ou da determinação do conceito de dúvida relevante para operar a consequência desse ónus.
Os artigos 346.º do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil mandam que na dúvida o juiz decida contra a parte onerada com a prova. Todavia, não existe entre nós norma ordinária ou constitucional que se pronuncie sobre o que deve ser entendido por dúvida, rectius, por dúvida relevante para fazer operar essa consequência.
A nosso ver a prova de um facto num processo judicial e para fins jurídicos é, por princípio, a demonstração de um alto grau de probabilidade (e não de mera possibilidade) de o mesmo corresponder à realidade material dos acontecimentos (dita verdade ontológica). O poder soberano que o Tribunal exerce, impondo às partes, mais que os efeitos jurídicos dos factos, os efeitos práticos da decisão jurisdicional, supõe e exige, como matriz radical da sua própria legitimidade, não uma qualquer probabilidade (apenas mais provável que não) mas um alto grau de probabilidade.
Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz a ideia de que o facto em discussão, mais do que ser possível e verosímil, possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, a um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que, em princípio, se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.
Esta regra carece, contudo, de adequação prática. Trata-se de uma regra que o julgador, com recurso ao bom senso e ao justo equilíbrio das coisas, há-de definir e aplicar caso a caso, em função das exigências de justiça que o mesmo coloca, determinadas a partir de aspectos como o da acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da acção.
Na verdade, se o padrão de prova for particularmente exigente tal pode conduzir à negação dos direitos, na medida em que dificulta a demonstração dos pressupostos de facto do direito. Todavia, a aceitação de um padrão pouco exigente importa precisamente o mesmo risco, na exacta medida em que ao facilitar a prova de quase tudo acaba por contemporizar com estratégias processuais vagas, difusas e pouco sustentadas, seja do lado activo seja do lado passivo da lide e, portanto, potencia a possibilidade de se fazer a prova do que não é verdade, perturbando o reconhecimento dos direitos correspondentes ao que realmente sucedeu. Por conseguinte, caso a caso o juiz deve adequar essa regra – esse grau de exigência – aos contornos da concreta situação que tem para julgar e ao contexto da prova dos factos que a corporizam.
A segunda ideia que importa destacar é que a circunstância de um facto ser verosímil ou possível não significa que o mesmo seja verdadeiro, mas o contrário também é correcto. A vida diz-nos que por vezes ocorrem factos que eram pouco verosímeis ou não ocorrem factos que além de possíveis eram perfeitamente verosímeis. No entanto, o normal é haver verosimilhança no processo causal gerador de um facto, pelo que a maior verosimilhança do facto torna-o mais provável e a menor verosimilhança menos provável. São as regras da experiência que o determinam. Daí que se possa afirmar a seguinte regra probatória não escrita: quanto mais inverosímil e improvável o facto é, à luz da inteligência que rege os comportamentos humanos e das leis das ciências exactas, normalmente reconduzidas às regras da experiência, mais ou melhor prova deve ser exigida.
(…)
Outra ideia a destacar é a de que o reconhecimento de um direito pressupõe a demonstração dos factos geradores do direito e para isso existem regras que distribuem o ónus da prova dos factos. Todavia, a função dessas regras não é tanto a de definir quem tem de provar o quê, mas essencialmente a de determinar contra quem se irá repercutir a não prova (por falta ou insuficiência dos meios de prova) de um facto.
Nos termos do artigo 414.º do Código de Processo Civil, havendo dúvidas sobre a realidade de um facto, a decisão deve ser desfavorável à parte a quem o facto aproveita. À outra parte não é exigida a prova do facto contrário, basta-lhe tornar o facto duvidoso. Isso mesmo resulta do artigo 346.º do Código Civil segundo o qual à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e se o conseguir, rectius, se lograr criar dúvidas sobre a verificação dos factos, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova. Por conseguinte, o esforço probatório a produzir pela parte sobre quem recai o ónus de prova é tanto maior quanto maior forem as dúvidas sobre o facto criadas pelos meios de prova produzidos pela parte contrária, mesmo que estes não sejam suficientes para fazer a prova do contrário.”
*
O recorrente inicia a impugnação da matéria de facto pondo em causa o sustento probatório dos factos elencados nas alíneas a), b) e c) dos factos provados. E defende, ao invés, a efetiva prova da materialidade constante da alínea g) dos factos não provados.
O Tribunal recorrido sustentou a sua posição do seguinte modo: “No que concerne aos factos dados como provados nas als. a), b) e c) relevaram fundamentalmente os depoimentos das testemunhas JJ e KK, os quais conhecem o Autor há mais de 40 anos, tendo conhecimento que se dedicava a construir casas para revenda desde que regressou do ..., onde esteve emigrado, declarando que aquele construiu várias casas em ... e nunca ninguém se queixou da qualidade da construção, sendo reputado como um profissional sério na freguesia.
As referidas testemunhas confirmaram as declarações do Autor que referiu que construiu o conjunto das moradias para revenda, onde se incluía a moradia em questão, e que contratava outros profissionais para a execução de trabalhos da especialidade. Neste particular, as testemunhas que prestaram serviços na obra, confirmaram que foram contratados pelo Autor, incluindo o Réu BB, que reconheceu que foi contratado pelo Autor para executar as obras de electricidade e pichelaria em todas as moradias. A este propósito, a testemunha GG confirmou, também, que foi contratado pelo Autor para elaborar o projecto das moradias e para assumir a responsabilidade técnica da obra.
Igualmente as testemunhas HH e o gerente da empresa EMP04..., Unipessoal, Lda. confirmaram que foram contratados pelo Autor para executar os trabalhos de carpintaria do conjunto de moradias geminadas em banda (4 moradias) que este se encontrava a construir.
Tais depoimentos não foram contrariados por qualquer outra prova, sendo certo que de acordo com as regras da experiência comum e normalidade social ninguém constrói um conjunto de moradias, com contratação dos profissionais da especialidade para uso particular, o que evidência que o Autor construía tais moradias para posterior revenda, naturalmente no exercício de uma actividade comercial e com vista a obtenção de dividendos.
A referida prova contraria a tese da defesa de que o Autor e a esposa venderam a moradia, enquanto particulares, reflectida no facto dado como não provado na al. g).
É certo que IMPIC (Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e Construção) informou os autos de que em nome do Autor não consta qualquer registo, não sendo detentor de qualquer título habilitante para o exercício da actividade de construção e para o exercício da actividade de medição imobiliária, mas isso apenas quer dizer que não possui título habilitante enquanto tal emitido pelo organismo competente, não estando excluído que se dedicasse, de facto, a tal actividade com carácter profissional e intuito lucrativo.”
Estamos inteiramente de acordo com esta motivação, não se evidenciando qualquer erro de julgamento, num juízo de probabilidade (elevada e) adequado ao tema em apreço.
Note-se que o recorrente não questiona que as testemunhas mencionadas fizeram tais declarações (as quais, não obstante, foram por nós ouvidas). Aliás, não deu cumprimento ao n.º 2, a) do art.º 640º citado, pelo que o recorrente não se fundamenta na prova testemunhal produzida (sob pena de rejeição da impugnação face ao incumprimento dessa norma, se fosse o caso).
Imputa-se ao Autor o exercício de determinada atividade, tal como alegado pelo próprio. Face aos termos da impugnação, e porque os juízos de experiência comum ditam exatamente aquela confirmação (tal como exposto pelo Tribunal recorrido), cumpre saber se a falta de seguro de responsabilidade civil e/ou a falta de inscrição no IMPIC são suscetíveis de abalar a convicção formada. Estes são verdadeiramente os (únicos) argumentos do recorrente, além da intervenção da esposa do Autor (que advoga causar estranheza), com vista a afastar a argumentação apresentada pelo Tribunal recorrido.
Nos factos provados em causa não se faz referência à esposa do Autor; apenas temos a sua efetiva participação na escritura, conforme consta da alínea e), o que não nos suscita particular dúvida (ou nos remete para qualquer juízo que enfraqueça a prova da matéria em causa). 
A inscrição no IMPIC (e a obtenção do respetivo alvará) é condição do exercício legal da atividade de construção. A sua falta configura ilícito contraordenacional, mas, para efeitos cíveis, não afasta a consideração do exercício da atividade. Aliás, não é incomum verificar-se o uso do nome de outra pessoa ou de empresa – inscritos - para os efeitos legais (do ponto de vista administrativo) necessários à realização da obra. Foi isso mesmo que o Autor disse (em audiência de julgamento) ter ocorrido na construção desta moradia: o alvará foi obtido em nome de QQ (responsável pela obra).
Acrescentou também que foi realizado contrato promessa de compra e venda da casa ainda esta estava em projeto.
Relativamente à falta de contratação de seguro de responsabilidade civil, trata-se de uma opção: assumir ou transferir o risco da atividade. Não é um argumento que afaste a convicção formada.
Assim sendo, deve improceder a pretendida alteração da factualidade em causa, seja a provada nas referidas alíneas, seja a não provada constante da g).
*
Vamos então passar para a alínea f) dos factos não provados, a qual será analisada em conjunto com a alínea q).
Na alínea q) dos factos provados o que se pretendeu transmitir foi que o sucedido se deveu a uma fuga em tubo, por deficiência, do mesmo tubo, ou seja, e conforme resulta claro da motivação e é mais esclarecedor, deveu-se a uma fissura (ou rachadela ou ranhura) do tubo, sem que se esteja a atribuir essa situação a uma causa, seja ela pré-existente, seja ela contemporânea ou até posterior à sua colocação; não se assentou na origem do defeito. O recorrente pretende que o seu sentido seja que a deficiência do tubo que provocou a fuga foi originada por um defeito de fabrico, não detetável no momento da instalação, e que se viria a traduzir numa falta de resistência daquela concreta parte do tubo à circulação de água quente; ou então que se dê como assente que a fuga se ficou a dever a uma deficiência no tubo PPR que não decorreu da aplicação e instalação do mesmo, nem dos posteriores trabalhos realizados pelo recorrente, sendo, por isso, prévia.
Na alínea f) dá-se como não provado a assunção do defeito na tubagem por parte da 2ª Ré (na pessoa de EE). Refere-se à mesma matéria daquela outra, pelo que se justifica a apreciação conjunta.
Face ao modo como é feita a impugnação, ouviram-se as declarações de parte do recorrente e os depoimentos de CC, GG e FF; confrontou-se essa factualidade com o que resulta apurado e consta em s). Também se apreciará a conduta da 2ª Ré, face à chamada à colação do disposto no art.º 344º, n.º 2, do C.C..
Perante os termos da motivação apresentada pelo Tribunal recorrido, impôs-se também ouvir os depoimentos de OO, EE, MM e NN, e ainda as declarações do Autor. Ponderou-se o doc. 1 junto com a contestação do Réu.
Diz-se a esse propósito na decisão recorrida: “O Réu BB confessou que executou as obras de pichelaria na moradia em questão. Com relevo esclareceu o procedimento de instalação das tubagens, tendo garantido que os tubos depois de colocados foram postos à carga a 10 BARS durante 30 m e depois 3,5 BARS, e não foi detectado qualquer defeito. Mais, atestou que os tubos instalados foram fornecidos pela 2ª Ré EMP01.... Esclareceu, ainda, o procedimento realizado para detecção e reparação da fuga de água.
O seu depoimento foi totalmente corroborado pela testemunha FF (seu pai) que executou, juntamente com o Réu, os trabalhos de pichelaria na moradia em questão.
Por seu turno, os depoentes OO e EE, embora não tenham confessado que o tubo tenha sido fornecido pela Ré EMP01..., admitiram como possível que tivesse sido a Ré a fornecer o tubo em questão, uma vez que sua representada comercializa os referidos tubos e admitiram o fornecimento de material ao Réu BB para a obra em questão, mas referiram que não encontraram na contabilidade da sociedade qualquer factura emitida em nome do Réu BB respeitante ao fornecimento das referidas tubagens. Mais, esclareceram que enviaram o tubo danificado para a empresa produtora, a qual concluiu que a fissura não está relacionada com a qualidade do tubo, tendo sido feita do exterior para o interior e poderia ter sido provocada por uma pancada. Todavia, a prova produzida não corrobora exactamente as referidas declarações. Com efeito, a testemunha MM esclareceu que o tubo não acompanhou a reclamação remetida para o fabricante, tendo apenas sido enviados vídeos do local da instalação (vídeos esses cujo teor se desconhece). Por outro lado, conforme resulta do teor do relatório junto como doc. nº 1 com a contestação do Réu BB, o fabricante não se pronunciou sobre a origem da deficiência, apenas considerou que o tubo já foi colocado na instalação danificado, o que seria facilmente detectado no controlo de carga ou “sob pressão”.
Assim, o referido relatório não afasta a possibilidade de a deficiência ter tido origem no processo de fabrico, assim como também não afasta a possibilidade de ter sido danificado no transporte, carga ou descarga. Por outro lado, não diz que o tubo não foi colocado em carga, o que diz é que se tivesse sido colocado em carga seria fácil de detectar a deficiência.
Por conseguinte, o referido relatório não afasta a possibilidade da pré-existência de microfissura(s) provocadas durante o processo de fabricação, nem qualquer outra circunstância susceptível de provocar tal danificação.
Por outro lado, afigura-se-nos como possível que a existência de microfissuras não fosse detectada a olho nu, e que se tivessem agravado com a colocação em funcionamento da instalação e a circulação da água quente, sendo certo que o teste de carga efectuado logo que a tubagem foi aplicada foi feito com o circuito de água fria.
A este propósito, o depoente OO admitiu essa hipótese, tendo declarado ser possível que a variação das pressões de água possa ter agravado uma microfissura pré-existente.
Por seu turno, o depoente EE, referiu que no seu entender a fissura do tubo foi provocada por uma pancada, embora tal não passe de uma mera suposição, um vez que não apresentou dados concretos para basear essa sua conclusão. Mais, reconheceu que o BB lhe chegou a encomendar tubos PPR, mas referiu que desconhece se foram para a obra em questão e apesar de assumir que era o depoente que entregava o material encomendado na obra, diz que apenas se lembra de ter entregue acessórios.
Negou perentoriamente ter assumido perante o Autor e os proprietários da casa a responsabilidade pelos danos.
O depoente, no decurso do seu depoimento, exibiu um tubo que declarou se tratar do tubo onde ocorreu a fuga de água.
Por seu turno, o Autor confirmou os factos alegados. Afirmou que o representante da sociedade Ré EE quando se deslocou à moradia reconheceu que o tubo tinha um defeito e assumiu a responsabilidade pelos danos causados.
Confirmou que o Réu BB colocou os tubos à carga (enchimento dos tubos com água e colocar um manómetro para verificar a pressão), primeiro com 10 BARS e depois aproximadamente a 4 BARS, até quase ao final da obra, até ser colocada a bomba de calor e nunca foi detectado qualquer problema.
A testemunha GG, Autor do projecto das moradias, esclareceu que elaborou o relatório junto aos autos como doc. nº 10 com a petição inicial com base em registos fotográficos que lhe foram disponibilizados da fuga de água do tubo, pois quando visitou o local o tubo já havia sido retirado. (…)
Mais, confirmou que o Réu BB colocou o circuito de água à carga e não se verificou qualquer problema. (…)”
A testemunha CC disse que “Depois deslocaram-se ao local os funcionários da empresa que forneceu os tubos e garantiram-lhe que assumiam a responsabilidade e tudo que fosse necessário reparar.
(…)
Por sua vez, a testemunha MM, como responsável de uma empresa de consultoria é intermediária entre a importadora do tubo e o fabricante, esclareceu que este depois de analisar a reclamação concluiu que o defeito existente no tubo foi causado pela sua má instalação.
Finalmente, a testemunha NN responsável pela parte técnica da empresa EMP05... (importadora do tubo) e que visitou o local da fuga, confirmou que presenciou a água a sair de esguicho pelo tubo. Confirmou que o tubo exibido e que se encontra junto aos autos é o tubo que foi retirado do local. Referiu que o dano verificado é típico de uma rachadela provocada pelo bater do tubo no chão, e que ficou com a ideia que já foi aplicado rachado, tendo concluído que se tratou de deficiente instalação. Nega que tenha assumido a responsabilidade no local da obra até porque está dependente da assunção de responsabilidade pelo fabricante. Esta testemunha concluiu que seria impossível que o tubo tenha sido sujeito à pressão de 10 BARS e depois de 3,5 BARS, pois a fuga teria sido detectada no manómetro de pressão, razão pela qual concluiu que houve uma deficiente instalação. Sucede, porém, que a referida testemunha não acompanhou os trabalhos em obra, pelo que não presenciou a instalação das tubagens, e várias testemunhas atestaram que a instalação foi colocada em carga ou à pressão. Mas como resultou da prova testemunhal, designadamente do depoimento da testemunha FF, o incidente ocorreu no circuito de água quente que é independente do circuito de águas frias (facto confirmado pela testemunha NN), sendo certo que a colocação à pressão é feita com água fria. De realçar que foi esclarecido que o equipamento de aquecimento de águas (bomba de calor) foi a última coisa que foi instalada já quase no final da obra, pelo que só nessa altura é que o circuito de água quente ficou em funcionamento.
De realçar que, o seu depoimento foi contrariado pelo Autor, e pelas testemunhas CC e FF, que confrontados com o tubo junto aos autos, declararam que não se trata do tubo retirado do local, uma vez que esse era mais pequeno. Acresce que a testemunha FF esclareceu que o tubo exibido está rachado, e que o tubo retirado do local não estava rachado, e que o defeito que tinha não era perceptível a olho nu.
Perante a inconsistência do depoimento da testemunha NN, uma vez que foi contrariado pelos referidos depoimentos quanto ao tubo nos autos ser o tubo deficiente retirado do local, e tendo em conta as circunstâncias em que este foi exibido, já no decurso do depoimento do representante legal da EMP01... – EE, com a justificação que só recentemente o tubo lhes foi devolvido pelo importador, quando o incidente ocorreu no ido ano de 2022 e nem sequer chegou a ser remetido para o fabricante, como esclareceu a testemunha MM, pelo que não se compreende que o tubo só lhes tenha sido devolvido “recentemente”.
A propósito da conclusão do fabricante quanto à origem do defeito do tubo, resulta do doc. nº 1 junto com a contestação do Réu BB, que não deu uma resposta conclusiva quanto à origem da deficiência, embora avente a hipótese de ter sido causada pela colocação na instalação de um tubo já rachado ou danificado sem que seja feito o controle do vazamento. É de realçar que a testemunha MM esclareceu que tal parecer não foi elaborado com base na análise do tubo danificado, mas apenas com base em vídeos/imagens que foram disponibilizadas pela empresa importadora (EMP05...). Todavia, tais vídeos nunca foram juntos aos autos, desconhecendo-se assim que vídeos é que foram analisados para que o fabricante chegasse a essa conclusão, sendo certo que se desconhece se lhe foi dada qualquer informação pertinente quanto ao momento da instalação, designadamente, se a instalação foi ou não colocada à carga.
Por conseguinte, a prova produzida não é conclusiva quanto à origem do dano, não sendo possível afirmar com segurança que a deficiência ocorreu durante o processo de fabricação (deficiência de fabrico), ou que ocorreu durante a instalação, pelo que também não é possível afirmar que o defeito foi de instalação.
Acompanhamos as dúvidas do Tribunal recorrido.
De certo, temos a fissura do tubo; como é que tal sucedeu, em que fase do processo e se era detetável, aventam-se meras possibilidades. Ficou inclusive a dúvida sobre o procedimento mais correto no que respeita ao corte das pontas dos tubos antes da sua colocação (que não foi feito) e influência que isso poderia ter. 
O próprio recorrente avança com duas possibilidades: deficiência de fabrico, ou, pelo menos, que não resultou da aplicação/instalação.
É verdade que quando o problema se evidencia na moradia, e quando o cano é retirado, a fissura é visível.
O facto de o problema se ter dado com o circuito de água quente (o que aumenta a pressão), e os testes terem sido realizados com água fria, é compatível com:
-a possibilidade da fissura não existir ainda quando o tubo foi colocado e, por defeito de fabrico, ter aberto naquelas circunstâncias;
-a possibilidade da fissura já existir quando o tubo foi colocado, mas não ser percetível, e ter resultado de defeito de fabrico, ou de incorreto transporte;
-a possibilidade da fissura já existir quando o tubo foi colocado, ser percetível, ter resultado de defeito de fabrico, ou incorreto transporte, e ter escapado ao Réu;
-a fissura ter resultado da instalação/colocação do tubo.
Existe uma clara divergência entre os depoimentos do Réu BB e do seu pai, por um lado, e de OO e EE, por outro, no que respeita às possibilidades (e tentativa de eliminação da que respetivamente os implica) da origem do ocorrido.
Os depoimentos destes últimos mostraram-se evasivos, desde logo na questão do fornecimento dos tubos, matéria que, não obstante, não suscitou dúvidas (que foram os fornecedores na obra em questão conforme alínea p) que não está sequer em causa); os seus depoimentos ficaram, por isso, seriamente abalados na sua credibilidade.
Todavia, no que respeita ao assumir de responsabilidade por parte de EE (em representação da Ré “EMP01...”), negado por este, tal não se afigura consentâneo com o normal acontecer; se inclusive foi acompanhado pelo engenheiro do importador/distribuidor do tubo respetivo, e o tubo foi levado para fábrica, para ver o que se poderia ter passado (o que não estava esclarecido, nem está hoje), não tem sentido que (de imediato) tenha sido afirmado que a Ré, na pessoa do seu representante (ou o engenheiro NN), assumia a responsabilidade pelo sucedido. O que terá, a nosso ver, sido assumido é que o tubo tinha a fissura. A posição de RR e do Autor nesse sentido pareceu-nos, inclusive, uma interpretação forçada/subjetiva do que foi então dito.
De mencionar que a testemunha NN não foi cabal nas suas explicações, imbuído que estava do objetivo de excluir uma deficiência do tubo.
Conjugados todos os elementos probatórios, e aferida a maior e menor credibilidade e clareza dos depoimentos prestados, embora nos inclinemos para a primeira hipótese que delineamos como a mais provável (a possibilidade da fissura não existir ainda quando o tubo foi colocado e, por defeito de fabrico, ter aberto naquelas circunstâncias), nenhuma das outras pode ser excluída com a necessária segurança para que se chegue ao juízo de probabilidade elevada, bastante para que se assente nessa materialidade.
Em suma, não se apurou a causa/origem da fissura. E, não se tendo apurado, também não se pode dizer que ela não decorreu da instalação/colocação do tubo, ou que não era detetável. O modo como o teste foi realizado, o facto de ter sido evidente a fuga quando o circuito de água quente entrou em funcionamento, é, não obstante, compatível com as hipóteses que elencámos e que não passam desse campo.
Não podemos deixar de referir que o princípio da imediação coloca o Tribunal recorrido numa posição privilegiada na apreciação da prova produzida neste caso concreto, em que houve exibição e confronto de imagens.
Mais uma vez, improcede esta pretensão do recorrente em ver alterada a matéria de facto.
*
Resta apreciar a impugnação a que estão sujeitas as alíneas n), o) e r) dos factos provados, e que se reportam aos danos propriamente ditos e sua relação causal com a fuga de água.
Para este efeito o recorrente invoca os depoimentos de GG, HH, LL, II e CC, o relatório junto como doc. n.º 10 com a petição inicial, registos fotográficos, faturas, recibos e cheques, também juntos com a petição inicial. A seu ver o Tribunal valorou mal esses elementos probatórios.
Tenta, por isso, o recorrente argumentar no sentido de colocar em causa o sustento da factualidade, face àqueles elementos de prova. Sem sucesso, a nosso ver.
A motivação apresentada pelo Tribunal recorrido resulta das seguintes passagens: “A testemunha GG, Autor do projecto das moradias, esclareceu que elaborou o relatório junto aos autos como doc. nº 10 com a petição inicial com base em registos fotográficos que lhe foram disponibilizados da fuga de água do tubo, pois quando visitou o local o tubo já havia sido retirado.
Quanto aos danos causados confirmou a existência de humidade que provocou o descolamento dos rodapés praticamente em toda a casa, e vestígios de humidades nas paredes e pavimentos da divisão onde ocorreu a fuga. Admitiu como possível que a água tivesse circulado pelas demais divisões da casa uma vez que são feitas de argamassa e materiais inertes que absorvem muita água e que só escorreria pelo vazio sanitário quando os materiais estivessem saturados.
Mais, confirmou que o Réu BB colocou o circuito de água à carga e não se verificou qualquer problema.
Por seu turno, a testemunha HH que executou toda a obra de carpintaria e procedeu às reparações dos rodapés e pavimento, esclareceu que foi retirado o pavimento de todo o quarto onde ocorreu a fuga de água (15/20 m2) e o rodapé de toda a casa (60 m2). Referiu que houve necessidade de substituir o pavimento de todo o quarto, com excepção dos roupeiros, porque o material foi encaixado e desencaixado várias vezes e os encaixes partiram. Os rodapés tiveram que ser todos substituídos porque devido à presença de humidade empenaram e ficaram escurecidos. O seu depoimento foi totalmente corroborado pela testemunha LL.
Por sua vez, a testemunha II, que procedeu à reparação e pintura das paredes do imóvel depois de reparada a fuga de água, esclareceu o procedimento adoptado antes de proceder à reparação, tendo referido que mediu os níveis de humidade nas paredes por toda a casa e concluiu que havia humidade generalizada em todas paredes em cerca de 30 cm a contar do pavimento, atestando que foram picadas as zonas afectadas, aplicado primário, enchimento com gesso, e só depois é que foram pintadas as paredes e confirmou que o serviço foi pago pelo Autor. Mais, esclareceu que a água se infiltrou na laje e percorreu toda a casa, mas as zonas mais afectadas eram as paredes mais próximas da zona onde ocorreu a fuga.
A testemunha CC, proprietário da moradia, referiu que não se apercebeu logo da fuga de água porque ouve mal. Só detectou que existia algum problema quando se apercebeu que os rodapés estavam a descolar, tendo até pensado que se tratava de algum defeito do material aplicado. Daí que contactou a testemunha HH que retirou parte dos rodapés e referiu que deveria haver uma fuga de água, tendo sido chamado o picheleiro que detectou a fuga num dos tubos. Depois deslocaram-se ao local os funcionários da empresa que forneceu os tubos e garantiram-lhe que assumiam a responsabilidade e tudo que fosse necessário reparar.
No mais, confirmou que foi substituído todo o pavimento do quarto e os rodapés de toda a casa.
(…)
No que respeita aos danos patrimoniais, o tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas HH e LL quanto aos trabalhos de reparação/substituição dos rodapés e pavimento flutuante, em conjugação com os registos fotográficos que retratam os danos causados pela humidade proveniente da fuga de água, e factura e recibo junto com a petição inicial que comprovam os valores facturados e pagos pelo Autor. Baseou-se, ainda, no depoimento da testemunha II em conjugação com a factura, recibo e cheque que comprovam o pagamento dos referidos valores pelo Autor, pela execução dos trabalhos de reparação e pintura das paredes.”
Este Tribunal procedeu à análise integral da prova a propósito produzida.
Parece-nos evidente que, verificando-se na suíte presença de humidade, afetando paredes, descolando rodapés e tendo deformado o soalho, em momento coincidente com a deteção da fuga situada na casa de banho da suite, fuga essa que o proprietário da habitação já vinha notando, embora não identificando exatamente, os juízes de experiência e normalidade completam o raciocínio quanto à verificação do nexo de causalidade entre os danos e a fuga (cfr. depoimento de GG, autor do documento 10 referido). Se havia um falso por baixo da casa de banho, certamente que a água não escorreu toda para lá; se havia outros modos de retenção da água, não foram suficientes. E a água infiltrada ainda se veio a notar mais depois da reparação da fuga, porque se terá espalhado (cfr. depoimento do próprio Réu, embora não na dimensão referida pelo Autor). Atente-se nas declarações do Autor quanto ao tempo que se esperou para detetar toda a humidade que se espalhou, proceder à reparação, inclusive, com prévia medição do grau de humidade.
Por outro lado, o tipo de pavimento em questão (flutuante), ao ser levantado e partindo alguns dos encaixes, levou a que todo ele (o do quarto) tivesse de ser reparado, pois de outro modo a colocação não ficaria correta. Foi isso que resultou também do depoimento de HH.
Os rodapés descolaram (cfr. depoimento de CC) ou foram tirados para reparação das paredes e pavimento. Não foram aproveitados porque, face à presença de humidade, ficaram empenados e escurecidos. A presença de humidade foi a que resultou da fuga, e não aquela a que poderiam ter estado sujeitos depois de retirados (cfr. HH e LL).
A testemunha II confirmou a reparação e pintura das paredes.
Os trabalhos executados encontram-se devidamente faturados, pelo que o respetivo valor está comprovado.
É verdade que o Réu BB tentou minimizar os danos. É também verdade que o Autor direcionou todo o seu depoimento no sentido de justificar a reparação do pavimento de todo o quarto, a pintura de toda a casa e a colocação de rodapés também em toda a casa. E é na dimensão da reparação que se coloca a dúvida; não propriamente na situação do quarto, uma vez que, para além da explicação já dada quanto ao soalho, não faria sentido pintar apenas um painel, sob pena de ficar de tonalidade diferente dos outros (não só porque há sempre alguma diferença de tonalidade, mas também porque a pintura inicial já tinha algum tempo), mas essencialmente na pintura da casa toda e na colocação de rodapés. Compreende-se que no quarto se tenha feito a reparação integral, já que a humidade podia-se ter espalhado ao longo do quarto.
Na versão do Autor, a água (cerca de 77 metros cúbicos, conforme doc. junto com a petição inicial, e descontado algum consumo) espalhou-se por toda a casa, situação que não era ainda visível quando o Réu BB lá foi. Os rodapés ficaram escurecidos e aumentaram de volume. 
As declarações das partes, meio de prova livre (art.º 466º, n.º 3, C.P.C.) quando em conflito, para além da aferição da sua credibilidade face ao modo como são produzidas, devem obter, se possível, apoio noutros meios de prova e ser encaradas no respetivo contexto.
Ora, a confirmação das declarações do Autor foi, por um lado, obtida, e, por outro, essa versão não foi contrariada de forma a torná-la dúbia.
Relativamente à pintura da casa toda (exceto casa de banho e parte da cozinha que tem azulejos, e garagem, porque a questão não foi colocada ao pintor), a testemunha II já referida, responsável pela realização do serviço, explicou de forma (inflamada, mas) perfeitamente plausível a razão porque o fez. Realizou medição do grau de humidade em toda a casa e toda ela apresentava valores acima dos normais. A casa tinha uma espécie de gesso projetado que, depois de colocado, não tolera humidade, pois apodrece se a ela estiver sujeito. Logo, picou todas as paredes nas zonas contaminadas, aplicou primário, novo gesso e deu 2 demãos de tinta. Viu a parte da parede que, tendo sido aberta, já estava reparada (feito por FF), mas os danos não se limitavam a isso. Prova de que a origem da humidade foi o sucedido é, para si, o facto da parede confinante com a suite ser a que estava mais afetada. Por outro lado, o cimento do chão/teto onde a água se infiltrou é um transportador dessa água.
Na fotografia junta aos autos com a petição como doc. 13, fruto talvez da luz, a mancha é visível.
Não obstante o modo como prestou o seu depoimento, a sua credibilidade não ofereceu dúvidas.
Esclarecendo a questão da parte da carpintaria, LL, responsável pela reparação (e pai da testemunha HH), confirmou a questão do chão flutuante, nomeadamente que tiveram de retirar quase tudo para encontrar a fuga, que os encaixes partem, que para ficar em condições teve de ser tudo novo. Os rodapés são em contraplacado marítimo; a água andou em vários sítios, pelo que teve de os substituir, para além dos do quarto (60 m2).
Mais esclareceu que o piso é resistente à água, em princípio não estraga; o problema são os ditos encaixes, pelo que o flutuante chegou a estar de facto ao ar livre (conforme também disse FF, referido infra); o piso inicial ainda voltou a ser colocado provisoriamente porque o dono da casa ia receber convidados, mas depois foi substituído de novo; poucas réguas foram aproveitadas (o que foi contabilizado). Confrontado com as fotografias, explicou devidamente os factos.
A mera retirada/colocação do pavimento é suscetível de levar a que os encaixes partam, independentemente do cuidado que se tenha na tarefa (sendo absolutamente de desvalorizar o confuso depoimento a esse propósito de CC). Como foi dito, o pavimento não é feito para andar a ser retirado e recolocado.
Note-se que o dono da habitação não foi perentório a afirmar que foram os rodapés que estiveram numa varanda e apanharam chuva; que empenaram foram palavras do ilustre mandatário. CC confirmou que os rodapés descolaram (estavam todos mal), e as paredes estavam estragadas (manchas amarelas a 50,60 cm do chão), fruto dos 77 metros cúbicos de água (tendo por referência o faturado) que se espalharam na habitação.
O depoimento de FF (pai do Réu BB) não invalidou os anteriores.
Atentos os princípios orientadores a nível de exigência probatória que supra enunciámos, mais uma vez concluímos pelo suficiente sustento e acerto da convicção atingida pelo Tribunal recorrido, e que coincide com a nossa.
Improcedendo na íntegra a impugnação da matéria de facto apresentada, resta verificar se a nível de aplicação do direito há alguma censura a fazer à decisão recorrida.
*
DECISÃO DE DIREITO.

O recorrente impugnou a aplicação do direito apenas na medida em que obtivesse procedência na impugnação da matéria de facto.
Não obstante não ter logrado atingir tal objetivo, importa salientar alguns pontos.
Juridicamente, com base na factualidade por ele próprio alegada, é com base no disposto no art.º 41º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 84/2021 de 18/10 que assiste ao aqui Autor o direito a exigir do Réu/recorrente os valores que gastou a reparar os danos sofridos na moradia que vendeu, fruto da fuga ocorrida. O comprador da moradia é tido como consumidor, perante o Autor, para esse efeito –cfr., a título de exemplo, o caso tratado no Ac. da Rel. de Lisboa de 5/3/2020, processo n.º 3490/14.0TBCSC.L1-2. A moradia destinou-se à habitação do comprador (o que não foi questionado neste processo) e o Autor exerce com carácter profissional uma determinada atividade económica que envolveu a realização da obra em causa, mediante remuneração.
O Autor já respondeu perante o comprador e atual proprietário da moradia e, nesta fase, está a acionar quem responde perante si: o empreiteiro (da especialidade em causa). De igual modo o empreiteiro já reparou o defeito (independentemente da sua origem). O que falta solucionar são as (outras) despesas que o A. teve com a reparação dos danos causados pelo defeito.
Relativamente à relação estabelecida entre o Autor e o Réu/recorrente, que é o que ao caso importa, estamos perante a celebração de um contrato de empreitada tal como integrado pelo Tribunal recorrido (art.ºs 1207º e 1208º, do Código Civil). O recorrente, empreiteiro da especialidade de pichelaria, responde perante o dono da obra pela conformidade da mesma, incluindo pelos materiais colocados (cfr. art.º 1210º do Código Civil).
Nesta medida, indiscutível o incumprimento (art.º 798º do Código Civil) e presumindo-se a culpa (art.º 799º, n.º 1, do mesmo), ela só poderia ser (excecionalmente) afastada mediante a prova de uma causa absolutamente estranha ao processo de execução da obra (afirmação que mais à frente justificaremos). Situação que pode ser diversa é a responsabilidade final e que nos remete para a relação entre o empreiteiro e o fornecedor dos materiais, que aqui não está em apreço. 
Afastamos aqui, porque não importa ao caso, situações de acordo prévio quanto à responsabilidade do empreiteiro mesmo na falta de culpa, ou no caso de prestação de garantia de qualidade da obra.
Como bem se diz na sentença recorrida, “A boa execução da obra refere-se quer aos trabalhos executados, quer, naturalmente, ao material aplicado, pelo que o empreiteiro responde pela deficiência, vícios ou desconformidade dos materiais aplicados”.
O defeito pode provir de vícios ou desconformidades da obra propriamente dita, ou esses mesmos vícios e desconformidades podem ser referentes aos materiais utilizados na construção. Como refere João Cura Mariano (“Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra”, pág. 49), estamos na presença de defeitos sempre que os materiais utilizados na construção sejam, eles próprios, detentores de vícios ou quando a forma como o empreiteiro os aplica seja inadequada.
Em sede de sentença conclui-se que “…inexiste qualquer relação contratual entre o Autor e a Ré, onde se enquadre o direito invocado. (…) “Apurando-se que o Réu BB adquiriu o tubo à Ré, esta só responde perante o primeiro, no quadro da relação contratual em que decorreu esse fornecimento.
A Ré não responde perante o Autor. A sua eventual responsabilidade só lhe pode ser assacada se demandada pelo Réu BB, designadamente em eventual acção de regresso, e se este provar que o tubo já padecia de deficiência quando lhe foi vendido pela Ré.”
A Ré foi absolvida do pedido. Não há recurso dessa decisão, a qual transitou. Portanto, é indiferente para o Autor que se averigue que a causa é imputável à Ré “EMP01...”; muito embora o seu pedido fosse dirigido contra ambos os Réus, é o seu ressarcimento perante o Réu BB que nos ocupa.
Porém, e justificando aquela afirmação supra relativa ao afastamento da culpa, pode o empreiteiro demonstrar a verificação da situação anormal de ausência de culpa, provando a causa do defeito e que lhe é estranha (cfr. agora págs. 59 e 61 da obra citada).
Nesse contexto defende-se que, caso o material aplicado, fornecido por terceiro, padeça de vício oculto, não sendo exigível ao empreiteiro que detetasse a anomalia, nesse caso a sua responsabilidade é ilidida – era esta a situação que no caso o recorrente queria provar, o que lhe competia segundo a regra prevista no art.º 342º, n.º 2, do C.C., porque tendente a afastar a presunção de culpa que sobre si impendia. Parte-se aqui da conceção subjetiva da responsabilidade do empreiteiro (que exige o juízo de censurabilidade), diversa da conceção objetiva que domina o mesmo regime, mas nas situações em que está em causa o consumidor, tuteladas pela legislação já citada e aplicável ao caso (cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 10/11/2022, processo n.º 346/20.1T8EPS.G1, relatado por Maria Cristina Cerdeira).
O vício oculto nas relações entre empreiteiro e dono da obra, e que se coloca precisamente na perspetiva do dono da obra, é, à partida, o defeito não detetável por qualquer pessoa normal, não especializada na área, mesmo usando de normal diligência.
Aqui teria de ser visto noutra perspetiva, já que se exige ao empreiteiro que, também na escolha dos materiais, como profissional, use os seus conhecimentos para verificar a sua conformidade/qualidade, ou seja, tem de ser aferido se o defeito não era evitável mediante o grau de perícia exigido ao empreiteiro médio.
Vejamos, antes de mais, a suscitada (pelo recorrente) aplicação do art.º 344º, n.º 2, do C.C..
A título de mera nota diremos o seguinte: o Autor propôs a presente ação pedindo a condenação solidária dos Réus. Reiteramos: a Ré “EMP01...” foi absolvida do pedido por não ter qualquer relação com o Autor.
Por sua vez, caso não tivesse sido demandada pelo Autor,  o Réu BB teria todo o interesse em ter suscitado a intervenção acessória da Ré “EMP01...”, tentando demonstrar que o defeito do tubo era originário.
Os Réus não são propriamente contrapartes, tal como configurada a ação.
Contudo, não deixaremos de analisar aquela disposição.
De acordo com a mesma, há inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.
O recorrente não desenvolve o motivo do acionamento desta norma, a não ser com base no facto da Ré “EMP01...” ter ficado com o tubo danificado, impossibilitando desse modo a averiguação da causa.
Ora, a questão da apresentação do tubo surgiu na sessão da audiência final ocorrida em 31/1/2024, tendo sido exibida pelo representante da Ré, EE, e determinada a sua junção aos autos. Ora, o Réu BB não aceitou que esse fosse efetivamente o tubo em causa, o que, além do mais, deu a saber através do seu requerimento de 12/2/2024, pedindo a junção do tubo verdadeiro.
Sucede que nunca se apurou que não fosse verdadeiro o tubo junto aos autos. E nada mais foi requerido a esse propósito pelo Réu BB. Nomeadamente nunca foi requerida qualquer perícia ao tubo. A Ré “EMP01...” não foi notificada para qualquer efeito com tal relacionado; pelo que, obviamente, nunca foi informada/advertida, ou lhe foi cominada qualquer sanção, por qualquer falta, o que se exige para a aplicação da norma.
Desse modo, não tem aqui aplicação aquela disposição, que prevê uma sanção civil à violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade, exigindo de uma parte uma atuação culposa, que tenha tornado impossível ou particularmente difícil a produção de prova (porque não há outra, ou porque não é admissível outra) pela contraparte dos factos que lhe competiam –cfr. art.ºs 7º, n.º 1, e 417º, do C.P.C..
Isso não significa que o facto controvertido em causa se tenha por verdadeiro ou por provado, significa, apenas, que passou a caber à parte não colaborante a prova da falta de veracidade desse facto, podendo e devendo ser valorada a recusa para efeitos da formação da sua convicção do julgador no que concerne àquela realidade controvertida.
Não é o caso, permanecendo o ónus a cargo do recorrente, e este não alcançou tal objetivo. Desde logo porque, como vimos, a dúvida reverte em seu desfavor (art.º 414º do C.P.C.). Assim, não provou o recorrente a causa da anomalia do material, como algo que lhe é estranho e impossível de detetar. Também não se pôde excluir a possibilidade do sucedido ter derivado de uma incorreta instalação/colocação.
Nesta perspetiva, o argumento relativo ao vício oculto (imputado à suposta deficiência de fabrico do tubo) também não tem aplicação ao caso.
Reiterando, não tendo ocorrido alteração da matéria de facto pertinente, resultando os danos ressarcidos pelo Autor ao seu comprador de defeito dos trabalhos prestados pelo Réu BB, tenha origem na execução propriamente dita ou tenha origem no material colocado, presume-se a sua culpa –art.º 799º, n.º 1, do Código Civil.
Quanto à obrigação de indemnizar os danos apurados (cfr. art.º 1223º do Código Civil), no que respeita aos factos a tal respeitantes (nomeadamente ao nexo de causalidade) também não houve qualquer alteração, do que dependia a pretensão recursiva, pelo que o decidido se deve manter.
Deve, por isso, improceder na íntegra o presente recurso de apelação.
O recorrente, vencido, deve arcar com as custas – art.º 527º, n.ºs. 1 e 2, C.P.C..
***
V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso totalmente improcedente e, em consequência, negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, C.P.C.).
*
Guimarães, 23 de outubro de 2025.
*
As Juízas Desembargadoras
Relatora: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1ª Adjunta: Maria Gorete Morais
2ª Adjunta: Rosália Cunha

(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)