Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
541/16.8T8GMR-F.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: DÍVIDA DA MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Os créditos que dizem respeito a trabalho alegadamente prestado à sociedade insolvente no período compreendido entre a data da declaração de insolvência e o despedimento são dívidas da massa;
II – Tendo sido estes créditos devidamente reclamados perante a Srª Administradora de Insolvência, mas não tendo sido reconhecidos pela mesma enquanto dívidas da massa, cabe à A. lançar mão da acção judicial prevista no art. 89º do CIRE e não da acção de verificação ulterior de créditos.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

M, residente na Rua D. Mafalda, nº …, freguesia de Oliveira do Castelo, concelho de Guimarães, ora apelante, intentou os presentes Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Guimarães – Juízo Comércio – Juiz 3. autos de processo comum contra a Massa Insolvente de A, Filho & Companhia, S.A., representada pela Administradora de Insolvência nomeada Drª Maria Joana Machado Prata, com domicílio profissional na Avª Combatentes da Grande Guerra, nº … – … – … Guimarães, Insolvente – …, Filho & Companhia, S.A., com sede na Rua António da Costa Guimarães, Urgezes – 4810-491 Guimarães e CREDORES DA Massa Insolvente de A, Filho & Companhia, S.A., pedindo o reconhecimento dos seus créditos no montante global de € 48.956,72 enquanto dívida da massa insolvente e que seja a Massa Insolvente condenada a proceder ao seu pagamento.

Aberta conclusão, em despacho liminar, por se ter entendido existir erro na forma de processo, foi a A. convidada a corrigir os termos da acção interposta, nos termos do artigo 3º/3 do CPC (art. 146º do CIRE).

Respondeu a A. ao convite nos seguintes termos:
- atento o pedido formulado na petição inicial pela Autora, os créditos que a Autora reclama que lhe sejam pagos são créditos sobre a Massa Insolvente e não sobre a Insolvente.
- créditos que foram devidamente reclamados perante a Sra. Administradora de Insolvência, mas que, como não foram reconhecidos pela mesma enquanto dívidas da massa, apenas cabe à Autora lançar mão da presente acção judicial prevista no artigo 89º do CIRE, mas nunca da acção de verificação ulterior de créditos.
- porquanto da norma do artigo 146º do CIRE, resulta que a acção de verificação ulterior de créditos permite apenas que sejam reclamados os créditos sobre a insolvência, que não tenham sido reclamados tempestivamente,
- não permitindo esta norma que se reclamem créditos sobre a massa insolvente e que sejam dívidas contraídas por esta, após a declaração da insolvência.
- por contraponto, porque da causa de pedir e do pedido formulados pela Autora na petição inicial resulta que os créditos da Autora são sobre a massa insolvente e não sobre a insolvência, não podia esta se socorrer do mecanismo processual da acção de verificação ulterior de créditos.
- assim, porque o que está em causa é uma dívida da massa insolvente, nunca será a verba em apreço passível de reclamação de créditos (ordinária ou ulterior), mas apenas de reconhecimento, por parte da Administradora da Insolvência, do seu montante e qualidade.
- e apenas quando a Administradora não reconhece a dívida da massa é que a respectiva credora, vendo-se a isso obrigada, pode lançar mão de acção contra a massa insolvente.
- neste caso, porém, essa acção continua a não ser a de verificação ulterior de créditos, prevista no artigo 146º do CIRE, mas a acção relativa a dívidas da massa insolvente, prevista no artigo 89º do mesmo código.

Seguidamente foi proferida decisão que, entendendo haver erro quanto à forma de processo, convidou a A. a apresentar em 10 dias petição inicial nos termos da acção de verificação ulterior de créditos.
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Inconformada com essa decisão, a A. interpôs recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

A) Conforme petição inicial, peticionou a aqui Recorrente, nos termos do disposto no artigo 89º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que julgada totalmente procedente, por provada a acção fossem:
a) os Réus condenados a reconhecer o crédito da aqui Autora no montante de € 48.956,72 (quarenta e oito mil, novecentos e cinquenta e seis euros e setenta e dois cêntimos) como dívida da MASSA INSOLVENTE DE A, FILHO & COMPANHIA, S.A. e
b) a Ré MASSA INSOLVENTE DE ANTÓA, FILHO & COMPANHIA,
S.A. condenada a pagar à aqui Autora a quantia de € 48.956,72 (quarenta e oito mil, novecentos e cinquenta e seis euros e setenta e dois cêntimos), enquanto dívida da Massa Insolvente, e correspondente:
A) a título de retribuição base:
- retribuição do mês de Abril de 2016, no montante de € 1.326,00
- retribuição do mês de Maio de 2016, no montante de € 1.326,00
- retribuição do mês de Junho de 2016, no montante de € 1.326,00
- retribuição do mês de Julho de 2016, no montante de € 1.020,00
- férias vencidas em 2016 e não gozadas, no montante de € 1.326,00
- subsídio de férias vencidas em 2016 e não gozadas, no montante de € 1.326,00
- proporcionais das férias do ano de 2016, no montante de € 773,50
- proporcionais do subsídio de férias do ano de 2016, no montante de € 773,50
- proporcionais do subsídio de Natal do ano de 2016, no montante de € 773,50
D) a título de subsídio de alimentação - a quantia de € 189,60
E) a título de indemnização da cessação do contrato de trabalho – calculada nos termos do disposto no artigo 366.º do Código do Trabalho, aplicável ex vi artigo 347.º, n.ºs 5 e 2 do mesmo diploma e artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 5, alínea a) da Lei n.º 69/2013, de 30.08 – a quantia de € 37.791,00
F) € 1.005,62 (mil e cinco euros e sessenta e dois cêntimos) a título de juros de mora vencidos e não pagos e calculados à taxa legal em vigor desde o vencimento de cada uma das prestações sempre acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Assim,
B) Considerando:
i) que a insolvência da sociedade A, FILHO & COMPANHIA, S.A foi decretada por sentença proferida a 01 de Fevereiro de 2016 e já transitada em julgado,
ii) que a aqui Recorrente apenas foi despedida pela Sr.ª Dr.ª Administradora de Insolvência nomeada nos autos a 22 de Julho de 2016,
iii) que os montantes reclamados são respeitantes a trabalho prestado pela Recorrente à sociedade insolvente no período compreendido entre a data da declaração de insolvência a 01 de Fevereiro de 2016 e o despedimento da Recorrente a 22 de Julho de 2016 e
iv) que os créditos peticionados (retribuições e subsídios) são fruto de um contrato de trabalho bilateral celebrado entre as partes.
C) Sempre, ao abrigo do disposto nas alíneas d) e e), do n.º 1, do artigo 51.º do CIRE, terão forçosamente por imposição legal, tais créditos – retribuições dos meses de Abril, Maio, Junho e Julho de 2016, férias vencidas em 2016 e não gozadas, subsídio de férias vencidas em 2016 e não gozadas, proporcionais das férias do ano de 2016, proporcionais do subsídio de férias do ano de 2016, proporcionais do subsídio de Natal do ano de 2016 e subsídio de alimentação do mês de Julho de 2016 – que serem reconhecidos e considerados como dívidas da Massa Insolvente.
D) Pelo que, ao ter o tribunal a quo decidido pela qualificação de todos e quaisquer dos montantes reclamados pela aqui Recorrente na petição inicial como sendo dívidas da Insolvente e não da Massa Insolvente, e ao convidar a Recorrente a apresentar a petição inicial nos termos da acção de verificação ulterior de créditos, fê-lo em clara violação do disposto nos artigos 51.º, n.º 1, alíneas d) e e) e 89.º, n.º 2 do CIRE.
E) Termos em que, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser provido o presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, conforme alegado e concluído, e em sua substituição ser proferido despacho a ordenar a citação de todos os Réus nos termos peticionados na acção conforme apresentada pela Recorrente, assim se fazendo Justiça.
Sem prescindir,
F) O mesmo se diga também quanto ao crédito indemnizatório peticionado pela Recorrente pela cessação do contrato de trabalho.
G) Nestes termos, dispõe o artigo 277.º do CIRE, que “Os efeitos da declaração de insolvência relativamente a contratos de trabalho e à relação laboral regem-se exclusivamente pela lei aplicável ao contrato de trabalho”.
H) Sendo que, o artigo 347.º, n.º1 do Código do Trabalho, estatuí que “a declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo a administradora da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado”, mantendo-se por conseguinte a obrigação de satisfação integral das obrigações que dos referidos contratos resultem para os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado, nesta fase, a cargo da Administradora da Insolvência.
I) Assim, porque decorre dos presentes autos que a sentença de declaração de insolvência da devedora “A, Filho & Companhia, S.A.” foi proferida no dia 01-02-2016, porque o crédito de indemnização pela cessação do contrato de trabalho da Recorrente apenas se venceu e passou a ser exigível com a cessão do contrato de trabalho operada pela Sr.ª Dr.ª Administradora de Insolvência a 22 de Julho de 2016, apenas podemos concluir que o valor respeitante a indemnização pela cessação do contrato na quantia de € 37.791,00 (trinta e sete mil, setecentos e noventa e um euros) é dívida da Massa Insolvente.
J) Aliás, caso, por exemplo, tivesse sido a Recorrente a cessar o seu contrato de trabalho sem justa causa para o efeito, caso tivesse procedido ao abandono do seu posto de trabalho, não se venceria ou seria sequer exigível o pagamento de qualquer crédito indemnizatório.
K) Determina assim o artigo 51º, nº1, alínea d) do CIRE que o referido crédito devido a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho da Recorrente é dívida da Massa Insolvente.
L) Aliás, múltipla jurisprudência tem sido prolatada pelos tribunais superiores exactamente neste sentido, sendo aqui indicados a título de exemplo os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto datado de 14-10-2013 e proferido no âmbito do processo n.º 711/12.8TTMTS.P1, do Tribunal da Relação de Guimarães, ambos datados de 09-07-2015 no âmbito dos processos n.º 72/12.5TBVRL-AG-G1 e 72/15.5TBVRL-W-G1, do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15-10-2015 e proferido no âmbito do processo n.º 188/14.3T8VPV-C.L1-2 e mais recentemente do Supremo Tribunal de Justiça datado de 16-06-2016 e proferido no âmbito do processo n.º 775/12.4TTMTS.P3.S1 todos publicados e disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
M) Em suma, no que ao crédito de indemnização pela cessação do contrato de trabalho diz respeito cumpre igualmente concluir que mal andou o tribunal a quo ao ter decidido pela qualificação de tal crédito como sendo dívida da Insolvente e não da Massa Insolvente, e ao convidar a Recorrente a apresentar a petição inicial nos termos da acção de verificação ulterior de créditos, fê-lo em clara violação do disposto nos artigos 51.º, n.º 1, alínea d) e 89.º, n.º 2 do CIRE.
N) À Recorrente, tendo reclamado o referido crédito perante a Sr.ª Dr.ª Administradora de Insolvência, mas porque não foi reconhecido pela mesma enquanto dívida da massa, apenas cabia lançar mão da presente acção judicial e prevista no artigo 89º do CIRE.
O) Assim, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser revogada a douta sentença recorrida e em sua substituição ser proferido despacho a ordenar a citação de todos os Réus nos termos peticionados na acção conforme apresentada pela Recorrente.
Termos em que, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser provido o presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, conforme alegado e concluído, e em sua substituição ser proferido despacho a ordenar a citação de todos os Réus nos termos peticionados na acção conforme apresentada pela Recorrente, assim se fazendo Justiça.
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A Exmª Juíz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, a questão a decidir consiste na classificação dos créditos aqui peticionados, isto é, se são créditos sobre a massa insolvente ou sobre a insolvência. Classificação que contende com outra questão, que é a de saber se há erro quanto à forma de processo como decidido pelo tribunal a quo.

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3OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.

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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I - Pretende a apelante requerente M ter sido incorrecto o entendimento do tribunal que entendeu haver erro quanto à forma do processo.
Foi defendido na decisão ora em recurso que:
“(…)Cumpre decidir, desde já por discordarmos da qualificação da divida.
A Autora era trabalhadora da insolvente, que se manteve (segundo alega) ao serviço após a declaração de insolvência, alegando que tem direito a indemnização por justa causa de resolução ou pelo despedimento ilícito efectuado pelo Administrador da Insolvência.
Resulta inequivocamente do Código do Trabalho (artigo 347.º, n.º 1) que a insolvência do empregador não faz cessar automaticamente os contratos de trabalho, nem permite, por outro lado, ao trabalhador resolver o contrato de trabalho ou denúncia sem aviso prévio, continuando a valer, após a declaração de insolvência, em princípio, as normas de direito de trabalho que anteriormente se aplicavam (Júlio Manuel Vieira Gomes, Nótula sobre os efeitos da insolvência do empregador nas relações de trabalho, “I Congresso de direito da insolvência”, Almedina, 2013, pp. 285 ss.).
Nesta sede tudo é objeto de ampla discussão e divergência: o meio de cessação dos contratos de trabalho pela administradora da insolvência, a possível aplicabilidade ou não, ao contrato de trabalho do artigo 111.º do CIRE, âmbito de aplicação e adaptações necessárias das regras do despedimento coletivo nos casos de encerramento da empresa.
A estas divergências não será estranho o facto do direito do trabalho e do direito da insolvência terem escopos diferentes: o primeiro, pelo menos tradicionalmente, procura garantir a continuidade das relações laborais, enquanto que o segundo visa garantir a satisfação dos credores do devedor, de modo tendencialmente igualitária (de modo particular, o administrador da insolvência está obrigado a orientar a sua conduta, neste caso, para a maximização da satisfação dos interesses dos credores – artigo 12.º do Estatuto, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro).
Liquidada a empresa, os trabalhadores são agora credores, quer de créditos do trabalho, classificados como créditos remuneratórios (salários, subsídios de férias e de Natal, subsídio de alimentação), podendo também estar em causa créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, compensatórios (por cessação do contrato de trabalho) ou indemnizatórios (devidos pela resolução do contrato de trabalho com justa causa por iniciativa do trabalhador ou pela cessação do contrato de trabalho que resulta de um despedimento ilícito) – ver Ac. RG de 14/01/2016, p. 6034/13.8TBBRG, www.dgsi.pt.
Assim, sem prejuízo de todas estas discussões, antes de mais, importará saber se os créditos peticionados devem ser considerados como um crédito sobre a massa, não tendo de ser reclamados, mas requerida a liquidação precípua nos termos do artigo 172.º do CIRE, ou se, ao invés, deverão ser considerados como créditos sobre a insolvência.
Esta divisão encontra distinção formal no CIRE: os créditos sobre a insolvência, nos termos do artigo 47.º, como sendo os que se constituíram em data anterior à declaração de insolvência ou lhe são equiparáveis, dos créditos sobre a massa insolvente, que são, grosso modo, os constituídos no decurso do processo, que se encontram qualificados, entre outros e salvo preceito expresso em contrário, no artigo 51º, n.º 1, os quais são pagos com precipuidade, nos termos dos artigos 46.º, n.º 1, e 172.º, n.º 1, do CIRE.
A natureza destes créditos laborais tem também originado debate no seio da doutrina e da jurisprudência.
Há quem entenda que estes créditos são dívida da massa, subsumíveis ao disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 51.º do CIRE por resultar de um ato praticado pela administração da massa insolvente (Carvalho Fernandes, in Revista de Direitos e Estudos Sociais, 2004, Luís Menezes Leitão, “As Repercussões da Insolvência no Contrato de Trabalho”, Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques; no mesmo sentido, Acs. RE de 14/6/2012, p. 177/09.0TBVRS, Ac. RG de 29/4/2014 e de 25/6/2015, p. 2742/12.9TBBRG). Não resultando a manutenção dos contratos de trabalho após a insolvência do disposto no artigo 111.º, do CIRE, não é aplicável a estes contratos o disposto no artigo 108.º do CIRE, pelo que a sua extinção é regulada pelas normas constantes do Código do Trabalho, enquadrando-se o crédito como emergente de ato de administração da massa insolvente ou podendo integrar a alínea d), do mesmo artigo 51.º – dívida resultante da atuação do administrador.
Outros defendem que se trata de dívidas da insolvência, posição que acompanhamos (vide, na jurisprudência, Ac. RC de 14/7/2010, p. 562/09.7T2AVR, Ac. RG de 09/07/2015, p. 72/12.5TBVRL e de 14/01/2016, p. 6034/13.8TBBRG, in www.dgsi.pt).
Em primeiro lugar, os factos alegados não decorrem de qualquer ato próprio do exercício de administração pelo administrador, mas sim, por um lado, de factos atinentes a circunstâncias ocorridas antes mesmo da declaração de insolvência (motivos da alegada justa causa) e, por outro lado, do encerramento e liquidação da empresa determinado por despacho judicial.
Neste último caso, a cessação do contrato é “consequência daquele estado de insolvência, uma vez que a compensação é um direito adquirido com referência à duração do vínculo laboral, cujo contrato de trabalho perdurou enquanto a empresa insolvente esteve em atividade” (Joana Costeira, Os Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho, 2013-91, citado no referido Ac. RC, p. 72/12.5TBVRL).
A teleologia das dívidas da massa é a de permitir que a empresa permaneça em funcionamento, nem que seja para facilitar a sua liquidação, mas também, por vezes, para tentar a sua recuperação. As dívidas da massa correspondem, pois, designadamente, a contraprestações por prestações efetuadas por exemplo por fornecedores ou trabalhadores depois da declaração da insolvência.
Como refere o agora Conselheiro, Prof. Dr. Júlio Gomes (ob.cit.), numa explanação que seguimos, “não parece que se possa dizer, regra geral, que a compensação devida pela cessação seja uma daquelas despesas que se inserem no escopo da lei ao qualificar certas dívidas como dívidas da massa”, sendo que as causas do despedimento “se encontram na situação económica da empresa pré-existente à declaração de insolvência”.
Ao invés dos créditos retributivos, os créditos compensatórios não só não pressupõem qualquer contraprestação por parte do trabalhador, como também não assumem a natureza alimentar dos créditos retributivos, sendo duvidoso que a fonte de tais créditos radique na atuação do administrador «pois se a cessação do vínculo em si pode ser reconduzida a esse ato volitivo, não é menos verdade que o direito de crédito associado a tal cessação tem fonte legal, por ser a lei que determina, para além das condições de tal cessação, a forma de cálculo da compensação a atribuir aos trabalhadores visados» e a solução contrária conduziria a uma desigualdade de tratamento entre os trabalhadores despedidos em data anterior à declaração de insolvência, cujo crédito compensatório é dívida da insolvência, e os despedidos após a declaração da insolvência – que pode até ocorrer poucos dias depois - que vêm o crédito compensatório classificado como dívida da massa”.
Propõe-se, assim, uma interpretação teleológica e restritiva do artigo 51.º, designadamente, da sua alínea d), de forma a fazê-la coincidir com o disposto nas outras alíneas, constatando-se que a alínea f) prevê uma dívida da massa resultante de contrato bilateral, salvo se corresponder a contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou que se reporta a período anterior a essa declaração; tal como na alínea e) se estabelece que é dívida da massa “qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência”.
Salvo melhor opinião, e para evitar ainda a desigualdade de tratamento de credores iguais, neste caso os trabalhadores da insolvente, que reclamaram os créditos à insolvente, somos de entender que estes créditos não são dívidas da massa, mas sim créditos da insolvente.
Estes trabalhadores reclamaram também créditos na sede própria, entendendo que devem ser aí graduados nos termos legais.(…)”
Verifica-se, assim, que todo o raciocínio desenvolvido assenta no pedido de uma trabalhadora (a A.) que alega ter-se mantido ao serviço após a declaração de insolvência e do seu direito a indemnização por justa causa de resolução ou pelo despedimento ilícito efectuado pelo Administrador da Insolvência.
Ora, não se pondo em causa tal raciocínio, o qual, aliás, também acompanhamos, verifica-se, como bem refere a apelante, serem peticionados além do crédito compensatório, créditos retributivos.
Efectivamente, como consta da p.i., além do pedido de:
“(…)
E) a título de indemnização da cessação do contrato de trabalho – calculada nos termos do disposto no artigo 366.º do Código do Trabalho, aplicável ex vi artigo 347.º, n.ºs 5 e 2 do mesmo diploma e artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 5, alínea a) da Lei n.º 69/2013, de 30.08 – a quantia de € 37.791,00
F) € 1.005,62 (mil e cinco euros e sessenta e dois cêntimos) a título de juros de mora vencidos e não pagos e calculados à taxa legal em vigor desde o vencimento de cada uma das prestações sempre acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
são também peticionados:
“(…)
A) a título de retribuição base:
- retribuição do mês de Abril de 2016, no montante de € 1.326,00
- retribuição do mês de Maio de 2016, no montante de € 1.326,00
- retribuição do mês de Junho de 2016, no montante de € 1.326,00
- retribuição do mês de Julho de 2016, no montante de € 1.020,00
- férias vencidas em 2016 e não gozadas, no montante de € 1.326,00
- subsídio de férias vencidas em 2016 e não gozadas, no montante de € 1.326,00
- proporcionais das férias do ano de 2016, no montante de € 773,50
- proporcionais do subsídio de férias do ano de 2016, no montante de € 773,50
- proporcionais do subsídio de Natal do ano de 2016, no montante de € 773,50
D) a título de subsídio de alimentação - a quantia de € 189,60 (…)”.
Créditos que dizem respeito a trabalho alegadamente prestado à sociedade insolvente no período compreendido entre a data da declaração de insolvência e o despedimento. E que, de acordo com o raciocínio desenvolvido na decisão ora em recurso, são dívidas da massa (“A teleologia das dívidas da massa é a de permitir que a empresa permaneça em funcionamento, nem que seja para facilitar a sua liquidação, mas também, por vezes, para tentar a sua recuperação. As dívidas da massa correspondem, pois, designadamente, a contraprestações por prestações efetuadas por exemplo por fornecedores ou trabalhadores depois da declaração da insolvência.”).
Assim, ao ter o tribunal a quo decidido pela qualificação de todos e quaisquer dos montantes reclamados pela aqui Recorrente na petição inicial como sendo dívidas da Insolvente e não da Massa Insolvente, e ao convidar a Recorrente a apresentar a petição inicial nos termos da acção de verificação ulterior de créditos, fê-lo, como bem refere a apelante, em clara violação do disposto nos artigos 51.º, n.º 1, alíneas d) e e) e 89.º, n.º 2 do CIRE. Isto depois de ter salientado que “… antes de mais, importará saber se os créditos peticionados devem ser considerados como um crédito sobre a massa, não tendo de ser reclamados, mas requerida a liquidação precípua nos termos do artigo 172.º do CIRE, ou se, ao invés, deverão ser considerados como créditos sobre a insolvência. Esta divisão encontra distinção formal no CIRE: os créditos sobre a insolvência, nos termos do artigo 47.º, como sendo os que se constituíram em data anterior à declaração de insolvência ou lhe são equiparáveis, dos créditos sobre a massa insolvente, que são, grosso modo, os constituídos no decurso do processo, que se encontram qualificados, entre outros e salvo preceito expresso em contrário, no artigo 51º, n.º 1, os quais são pagos com precipuidade, nos termos dos artigos 46.º, n.º 1, e 172.º, n.º 1, do CIRE.”.
Diferente é a questão de saber se é possível cumular nos presentes autos créditos retributivos e créditos compensatórios, considerando que uns são créditos da massa e outros são créditos da insolvência. Ou se a solução passará pela instauração de 2 acções. Todavia, tratando-se de questão nova, não abordada na decisão da 1ª instância e, como supra referido, só podendo este Tribunal conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso, não é questão de que se deva conhecer.
Perante o exposto, dúvidas não temos que deve ser revogada a decisão proferida e, assim, dado prosseguimento aos autos, onde se deverá tomar posição relativamente às questões já atrás afloradas.
Procede, pois, a apelação.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Os créditos que dizem respeito a trabalho alegadamente prestado à sociedade insolvente no período compreendido entre a data da declaração de insolvência e o despedimento são dívidas da massa;
II – Tendo sido estes créditos devidamente reclamados perante a Srª Administradora de Insolvência, mas não tendo sido reconhecidos pela mesma enquanto dívidas da massa, cabe à A. lançar mão da acção judicial prevista no art. 89º do CIRE e não da acção de verificação ulterior de créditos.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar procedente o recurso e, revogando a decisão recorrida, determinar a substituição da mesma por outra que determine o prosseguimento dos autos.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.

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Guimarães, 27-04-2017

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(José Cravo)

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(António Figueiredo de Almeida)

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(Maria Cristina Cerdeira)

1 - Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Guimarães – Juízo Comércio – Juiz 3.