Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
31/01.3PEVCT.G1
Relator: ISILDA PINHO
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
PERDÃO DE PENA
PENA DE MULTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Relativamente à causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 120.º, n.º1, alínea d) do Código Penal - “A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência”- a lei não estabelece qualquer limite máximo de tempo durante o qual a suspensão vigore ou se mantenha.
II- O artigo 3.º n.º 2 alínea a) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, não diz que são perdoados 120 dias de multa a todas as penas de multa, mas sim que são perdoadas as penas de multa até 120 dias, o que são realidades bem distintas, inconfundíveis entre si.
Decisão Texto Integral:
Acordaram, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I-RELATÓRIO

I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 31/01.... que corre termos pelo Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em 23 de janeiro de 2003, foi proferida sentença condenatória, com o seguinte dispositivo [transcrição]:
“(…)
Julgar totalmente procedente a acusação, quanto ao arguido AA e condená-lo, assim, pela autoria material de um crime de receptação, p. p.. pelo art. 231°, n.° 1 do CP82Rev95, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de €3,00 dia, num total de €900,00 de multa;
(…) ”. [sublinhado e negrito nossos].

I.2 Recurso da decisão

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“(…)
I. O presente recurso interposto da douta sentença que decidiu condenar o arguido AA pela autoria material de um crime de recetação, p.p. pelo artigo 231º, nº1 do CP82REV95, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 3.00€/dia, num total de 900€.
II. Ao presente caso, deverá ser aplicada a lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, que entrou em vigor no passado dia 1 de setembro,
III. A Lei mencionada no ponto II das conclusões veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
IV. Nos termos do disposto no art-º 3º, nº2, alínea a) do citado diploma e no que aqui releva, são amnistiadas as penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão.
V. A referida lei abrange as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00h00m de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre os 16 e 30 anos de idade à data da prática, nos termos definidos nos respetivos artigo 3º e 4º, pressupostos que também se verificam no caso vertente (Artº 2º)
VI. Nos presentes autos estão em causa factos ocorridos no mês de julho de 2001.
VII. O arguido nasceu no dia 5-11-72.
VIII. Quer isto dizer que, por altura da prática dos factos, o arguido tinha 28 anos.
IX. Pelo que, o supra referido diploma será necessariamente de aplicar ao caso em concreto.
X. Sendo que o arguido foi condenado numa pena de 300 dias, então, ao manter-se a condenação, esta terá de ser necessariamente numa pena de 180 dias, por força da amnistia de 120 dias de que o arguido beneficia, o que se pugna.
XI. Por outro lado, entende o recorrente que o procedimental criminal se encontra prescrito.
XII. Ora, o julgamento em 1ª instância ocorreu sem a comparecência do recorrente.
XIII. O mesmo foi declarado contumaz no dia 04/11/2003, conforme é possível constatar nos presentes autos.
XIV. Nos termos do artigo 231º do Código Penal, o crime de recetação é punível com uma pena de prisão até 5 anos ou pena de multa até 600 dias.
XV. Por força disso, de acordo com o artigo 118º, nº1 alínea c) do Código Penal, neste crime o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido o prazo de dez anos.
XVI. Sucede que, nos termos do artigo 120º, nº1 alínea c) do Código Penal, a prescrição do procedimento criminal suspende-se durante o tempo em que vigorar a declaração de contumácia, não podendo a suspensão ultrapassar o prazo normal da prescrição, isto é, dez anos. Cfr. artigo 120º, nº 3 do CP.
XVII. A prática do crime ocorreu em Julho de 2001.
XVIII. Tendo em consideração o prazo de 10 anos de prescrição, então, o procedimento criminal prescreveria, sem ter em consideração qualquer tipo de suspensão, em julho de 2011.
XIX. Contudo, e como referido supra, o arguido foi declarado contumaz em 4-11-2003, tendo sido suspensa a prescrição do procedimento criminal.
XX. Assim sendo, entre julho de 2001 e a data da declaração da contumácia, passaram-se dois anos e 4 meses.
XXI. Em virtude do exposto, no artigo 120º, nº1, alínea c) e nº3 do CP, a prescrição do procedimento criminal esteve suspensa durante 10 anos, isto é, até ao dia 4-11-2013.
XXII. Sucede que, após esta data, deu-se por cessada a declaração de contumácia e, consequentemente, a suspensão da prescrição do procedimento criminal.
XXIII. Levantada a suspensão do procedimento criminal, e já tendo sido decorridos dois anos antes da declaração de contumácia, então, faltariam ainda 7 anos e 8 meses para que ocorresse a dita prescrição do procedimento criminal.
XXIV. Assim sendo, tal prescrição ocorreria, tal como como ocorreu, no dia 04- 07-2021.
XXV. Desta feita, em virtude da ocorrência da prescrição do procedimento criminal, deverá a condenação da qual foi alvo o arguido ser decreta extinta, o que se pugna.
XXVI. Nestes termos, por força da conjugação dos artigo 118º, nº1, alínea b), 120º, nº1 C) e nº3 CP, deverá ser decretada a extinção da pena aplicada ao aqui recorrente, com as devidas e legais consequências.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:

a) deverá ser decretada a extinção da pena de multa aplicada ao recorrente em virtude da prescrição do procedimento criminal, com as devidas e legais consequências; caso não seja esse o entendimento,
b) Ser aplicado aos presentes autos o exposto na lei 38-A/2023, designadamente, o artigo 3º, nº2, alínea a), descontando à pena aplicada a pena de multa de 120 dias (correspondente à amnistia), perfazendo assim a pena de multa aplicada ao recorrente em 180 dias.
(…)”.

I.3 Resposta ao recurso

Efetuada a legal notificação, a Ex.mª Sr.ª Procuradora da República junto da 1.ª instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
“(…)
I. O Recorrente foi condenado como autor material de um crime de recetação, p. e p. pelo 231.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 3.00€/dia, num total de 900€ de multa, por factos ocorridos em Julho de 2001, tendo o julgamento decorrido na sua ausência.
II. O Recorrente foi declarado contumaz no dia 04/11/2003, nos termos previstos no artigo 335.º do Código de Processo Penal.
III. A prescrição do procedimento criminal é, no caso, de dez anos - artigo 118.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, por referência ao artigo 231.º, n º1 do Código Penal.
IV. Tal prazo de prescrição suspende-se e interrompe-se com a declaração de contumácia, de acordo com o disposto nos artigos 120.º, n.º 1, alínea c), e 121.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.
V. A suspensão do prazo de prescrição, enquanto vigora a declaração de contumácia, não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição (artigo 120.º, n.º 3, do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 19/2013, de 21-02).
VI. Trazendo à colação o artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal, sempre se dirá que, desde a data da prática dos factos – julho de 2001 – até à data de declaração de contumácia – 04-11-2003 (decorreram dois anos e três meses), descontado o período em que esteve suspensa a prescrição (de 04-11-2003 a 04-11-2013), não decorreram mais de 15 anos– prazo normal de prescrição acrescido de metade).
VII. Além da aludida declaração de contumácia, verifica-se que a sentença não pôde ser notificada ao ausente, nos termos do art. 120.º, n.º1, d) do Código Penal, enquanto segunda causa de suspensão daquele prazo de prescrição.
VIII. Pelo exposto, salvo melhor entendimento, não se considera que deva ser declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal quanto à prática do crime de recpetação pelo qual o arguido, ora Recorrente, se encontra condenado.
IX. A lei n.º 38.º A /2023 de 2 de Agosto, estabelece um perdão de penas e uma amnistiam de infracções por ocasião da realização da Jornada Mundial da Juventude, cuja entrada em vigor ocorreu no dia 01.09.2023.
X. É concedido o perdão das penas, além do mais, e no que ao caso interessa, às penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão, nos termos do art. 3.º, n.º 2, a), do sobredito diploma legal.
XI. O Recorrente foi condenado na pena de 300 dias de multa, não se prefigura que o mesmo possa beneficiar do Perdão da Pena nos termos expostos.

Por tudo quanto exposto, o recurso deverá ser considerado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, condenando o arguido pela prática do crime de receptação.
(…)”.

I.4 Parecer do Ministério Público

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao sobredito parecer.

I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir:

II- FUNDAMENTAÇÃO

II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:

Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2].

Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:

® Saber se o presente procedimento criminal se encontra extinto por efeito da prescrição;
Caso assim não se entenda:
® Saber se é de reduzir a 180 dias a pena de multa aplicada ao arguido, face à Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto [Lei do perdão de penas e amnistia de infrações].

II.2- Com relevo para a apreciação do recurso, cumpre trazer à colação a seguinte factualidade/elementos processuais:
® Os factos que consubstanciam o crime de recetação, previsto e punido pelo artigo 231.º, n.º 1, do Código Penal, pelo qual o arguido/recorrente foi condenado, ocorreram no mês de julho de 2001, em dia não concretamente apurado, mas anterior ao dia 11;
® A sua constituição como arguido ocorreu a 12-07-2001 [cfr. fls. 29].
® Nessa mesma data, o arguido/recorrente prestou termo de identidade e residência, do qual consta que lhe foi dado a conhecer [e que este declarou ter ficado ciente]:
- da obrigação de comparecer perante a autoridade competente sempre que para tal fosse devidamente notificado;
- da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
- que o incumprimento de tal obrigação, legitimaria a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tivesse o direito ou dever de estar presente e, bem assim, a realização da audiência na sua ausência, ao abrigo do artigo 333.º do Código de Processo Penal; e de que
- as posteriores notificações ser-lhe-iam feitas por via postal simples para a morada ali identificada. [cfr. fls. 45].
® Deduzida contra si acusação, pelo crime pelo qual acabou por ser condenado, prosseguiram os autos para julgamento, cuja audiência veio a ter lugar a 20-01-2003, de cuja ata decorre que, perante a ausência do arguido, foi proferido despacho pelo Mm.º Juiz a quo considerando a sua regular notificação e determinação da realização da audiência de julgamento, ao abrigo dos artigos 332.º e 333.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal [cfr. fls. 197 a 200].
® A leitura da sentença ocorreu na ausência do arguido/recorrente, na sessão de julgamento agendada para o dia 23-01-2003, na qual esteve presente apenas a sua ilustre defensora [cfr. ata de fls. 209].
® Nessa sequência, em obediência ao determinado na parte final da sentença recorrida [a saber: “Caso o arguido AA não compareça à leitura de sentença, porque o mesmo foi julgado ao abrigo do art. 332.°, n.° 1 e 333º, , n.°s 1 e 2 do CPP, passem-se os competentes mandados de detenção, ao abrigo do art. 333.°, n.° 5 e 6 do CPP, ex vi art. 254.°, n.° 1 b) do CPP, único meio de assegurar o início do prazo para trânsito em julgado da sentença ou eventual recurso”], a 04-02-2003, foram emitidos mandados de detenção com vista à notificação da sentença ao arguido/recorrente, diligência que se revelou infrutífera  [cfr. fls. 214, 226, 228].
® Procedeu-se, então, à sua notificação edital, ao abrigo do artigo 335.º, do Código de Processo Penal, após o que o arguido/recorrente veio a ser declarado contumaz, mediante despacho proferido a 04-11-2003 [cfr. fls. 238 a 244 e 250].
® Continuaram-se a efetuar diligências com vista a averiguar o seu paradeiro, que não tiveram qualquer êxito [cfr. são exemplos fls. 284, 288, 291, 374, 377].
® O arguido/recorrente acabou por ser notificado da sentença recorrida apenas a 29-06-2023, através do SEF, na sequência de mandado de detenção que se encontrava pendente para esse efeito [cfr. ref.ª citius n.º ...09 de 07-07-2023/fls. 416 e ss. ].

II.2- Apreciação do recurso

Da invocada prescrição:

Defende o arguido/recorrente que o presente procedimento criminal encontra-se extinto por prescrição desde 04-07-2021.
Alega para o efeito, essencialmente, que a prática do crime ocorreu em julho de 2001, tendo o julgamento decorrido na sua ausência.
Assim, tendo em consideração o prazo de 10 anos de prescrição, então, o procedimento criminal prescreveria, sem ter em consideração qualquer tipo de suspensão, em julho de 2011.
Contudo o arguido foi declarado contumaz em 4-11-2003, tendo sido suspensa a prescrição do procedimento criminal.
Assim sendo, entre julho de 2001 e a data da declaração da contumácia, passaram-se dois anos e 4 meses.
Em virtude do exposto, no artigo 120º, nº1, alínea c) e nº3 do CP, a prescrição do procedimento criminal esteve suspensa durante 10 anos, isto é, até ao dia 4-11-2013.
Sucede que, após esta data, deu-se por cessada a declaração de contumácia e, consequentemente, a suspensão da prescrição do procedimento criminal.
Levantada a suspensão do procedimento criminal, e já tendo sido decorridos 2 anos e 4 meses antes da declaração de contumácia, então, faltariam ainda 7 anos e 8 meses para que ocorresse a dita prescrição do procedimento criminal.
Assim sendo, tal prescrição ocorreria, tal como como ocorreu, no dia 04-07-2021.
Porém, não lhe assiste qualquer razão.
Na verdade, é incontornável que o crime de recetação previsto e punido pelo artigo 231.º, n.º 1, do Código Penal, que foi imputado ao arguido e pelo qual veio a ser condenado, é punível, em alternativa à pena de multa, com uma pena de prisão até 5 anos e, como tal, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos [artigo 118.º, n.º 1, al. b), do Código Penal], como, aliás, assim o defende o arguido/recorrente.
É igualmente verdade, que, cfr. decorre do n.º 1 do artigo 119.º, do Código Penal “o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.”
E é, também, incontroverso que constitui causa da suspensão da prescrição do procedimento criminal o período durante o qual vigorar a declaração de contumácia, que, como bem argumenta o arguido/recorrente, não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição, ou seja, os referidos 10 anos [cfr. artigos 120.º, n.º 1, al. c), e n.º 3, do Código Penal].  
Contudo, parece ter esquecido o arguido/recorrente que, além de constituir causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, a declaração de contumácia também constitui causa de interrupção dessa prescrição [artigo 121.º, n.º 1, c), do Código Penal] e, como tal, depois desse momento começou a correr novo prazo de prescrição [cfr. n.º 2, do mencionado preceito legal], pelo que, como bem o refere a Digníssima Procuradora da República junto da 1.ª instância em resposta ao recurso, “o prazo de prescrição esteve suspenso entre 04-11-2003 a 04-11-2013, tendo-se iniciado nesta última data (por força da simultânea interrupção do prazo), novo prazo de prescrição, de dez anos, cujo término ocorrerá [ocorreria] a 04-11-2023.” [sublinhado e negrito nossos], e não na data indicada pelo recorrente.
De qualquer forma, pese embora tenha já decorrido também esta última data, o facto é que o arguido/recorrente não atentou em todas as causas da suspensão da prescrição do procedimento criminal previstas na lei, concretamente na prevista na al. d), do n.º 1, do artigo 120º do Código Penal e conforme refere o Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, “é precisamente nesta referência a tal previsão que, (…), se encontra a resposta para o caso sub judice.”.  
Com efeito, já na redação introduzida pela Lei n.º 65/98, de 02 de setembro, dispunha o artigo 120.º do Código Penal, sob a epígrafe, “suspensão da prescrição”, o seguinte:
“1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.”

Tendo, entretanto, tal disposição legal sido alterada, alcançou a seguinte redação, introduzida pela Lei n.º 19/2013, de 21/02:
1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;
f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição.
4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo.
5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.
6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.”.

Ou seja, quer na atual redação do artigo 120.º, do Código Penal, quer na redação vigente na data da prática dos factos, sempre constituiu causa da suspensão da prescrição do procedimento criminal a circunstância de “a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência” e, ao contrário do que ocorre quanto a outras causas de suspensão que aí se encontram previstas, não estabelece a lei qualquer limite máximo de tempo durante o qual a suspensão vigore ou se mantenha, quando essa causa da suspensão é a da sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência, sendo certo que o legislador, através da Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, deixou tal situação inalterável.
E tal ocorreu não por esquecimento do legislador, que até fez alterações, designadamente quanto à causa de suspensão reportada à contumácia, mas sim porque foi essa a sua vontade, atento o fundamento com que a mesma foi estabelecida: o de não premiar o arguido pela sua conduta revel.
“A causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal a que se refere o art.º 120.º, n.º 1, al. d), do CP, visa sancionar um comportamento revel do arguido e, por isso, tem o seu início no momento da realização da audiência de leitura da sentença a que o arguido não comparece, desrespeitando o seu dever processual e, deste modo, impossibilitando o primeiro acto para o notificar da sentença.”.[3]
“(…) Efectivamente, não se afere que se possa premiar o arguido que, tendo pleno conhecimento dos direitos e deveres que sobre ele impendem, adopta um comportamento revel e se furta à administração e à acção da justiça, ausentando-se para parte incerta sem comunicar previamente a alteração da sua morada ou que não comparece quando a sua presença é solicitada. E, de facto, essa ausência não poderá reconduzir-se à ineficácia de perseguição criminal ou da acção penal (nos termos da abordagem preconizada na Exposição de Motivos da Lei n.º 19/2013, de 2 de Fevereiro).
Assim, e sem deixar de ter em consideração os princípios constitucionais estabelecidos, entende-se que não poderá fazer-se uma interpretação para além da letra da lei ínsita no artigo 120.º do Código Penal, pois que o espírito da lei se prende com a intenção do legislador de não premiar o arguido que, com uma conduta de tal forma grave e atentatória do sistema da justiça, pudesse vir a obstar ser judicialmente punido.[4]
Entendemos, portanto, tal como se defendeu, entre outros, nos referidos arestos, que tal causa de suspensão de prescrição do procedimento criminal se mantem durante o tempo em que o arguido não for localizado e notificado da sentença, por causas que só ao mesmo são imputáveis, o que foi, claramente, o que ocorreu no caso dos presentes autos, em que, pese embora todas as diligências efetuadas, ao longo de vários anos, com vista à sua localização para notificação da sentença recorrida, o arguido/recorrente apenas viria a ser notificado da mesma mais de 20 anos depois, através do SEF, em cumprimento de mandado de detenção que se encontrava pendente para o efeito.
Ou seja, ao longo de mais de 20 anos não foi possível apurar o paradeiro do arguido/recorrente,  nem este, bem sabendo da existência dos presentes autos, veio dar qualquer informação aos autos sobre o seu paradeiro, preferindo, ao invés, ausentar-se, permanecer em local desconhecido para, de tal modo, não ter de cumprir a pena por um ilícito que bem sabe que praticou, não devendo, por conseguinte, por só agora se conseguir levar a cabo a execução da sua sentença, ser premiado pelo longo prazo decorrido desde a sua condenação, pois tal incentivaria a fuga à administração da justiça e a correspondente impunidade.
Assim sendo, outra conclusão não poderá ser extraída que não seja a de que, in casu, a causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal constante da alínea d), do n.º 1, do artigo 120.º do Código Penal se manteve desde 23-01-2003 [data da leitura da sentença na ausência do arguido] até 29-06-2023 [data da notificação pessoal da sentença ao arguido].
Como tal, tendo ocorrido o crime dos autos entre os dias 1 e 11 de julho de 2001, momento em que começou a correr o prazo de prescrição do procedimento criminal, desde essa data até à referida causa de suspensão do procedimento criminal, cujo início data de 23-01-2003, decorreram apenas 1 ano, 6 meses e 22 dias, pelo que retomando-se a contagem do prazo de prescrição na data da notificação da sentença, ocorrida a 29-06-2023, data em que cessou a referida causa de suspensão, o prazo de prescrição em falta, que é de 8 anos, 5 meses e 8 dias, encontra-se muito longe de ser alcançado.
Aliás, tal desiderato nem sequer seria alcançável se atendêssemos ao n.º 3, do artigo 121.º do Código Penal, pois ao prazo normal de prescrição acrescido de metade [no caso de 15 anos: 10 anos + 5 anos], contado deste julho de 2001 [data dos factos], sempre teria de ser ressalvado, isto é acrescentado, o referido período de suspensão. 
Consequentemente, improcede o presente recurso quanto à invocada prescrição do procedimento criminal.    

Da invocada aplicação da Lei n.º 38-A/2023 de 02 de agosto:

Defende o arguido/recorrente que tendo sido condenado numa pena de multa de 300 dias, então, ao manter-se a condenação, pela improcedência da invocada prescrição, esta terá de ser necessariamente numa pena de 180 dias, por força da “amnistia” de 120 dias de que beneficia, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, al. a) da Lei n.º 38-A/2023 de 02 de agosto.
Porém, sem qualquer razão.
De facto, a citada Lei estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude e in casu, é incontroverso que se encontram reunidos os pressupostos legais ínsitos no artigo 2.º, n.º1, da referida Lei para que esta pudesse ser aplicada, pois a sanção penal aqui aplicada ao arguido reporta-se a um ilícito praticado até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023 [concretamente em julho de 2001] e o arguido/recorrente, seu infrator, à data da prática do facto tinha entre 16 e 30 anos de idade [concretamente, 28 anos].

Porém, o invocado artigo 3.º em que o arguido/recorrente fundamenta a sua pretensão dispõe, no que aqui releva, o seguinte:

Artigo 3
Perdão de penas
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.
2 - São ainda perdoadas:
a) As penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão;
(…)”.
Ou seja, estão excluídas da sua aplicação, as penas de multa aplicadas em medida superior a 120 dias.
Na verdade, é essa a interpretação literal que se vê acolhida no mencionado normativo legal, pois o legislador não diz que são perdoados 120 dias de multa a todas as penas de multa, mas sim que são perdoadas as penas de multa até 120 dias, o que são realidades bem distintas, inconfundíveis entre si.
Além disso, se a intenção do legislador fosse a de perdoar 120 dias de multa em qualquer pena de multa que fosse aplicada, certamente que o teria dito, à semelhança do que fez quanto ao perdão reportado às penas de prisão ínsito no n.º 1 do invocado artigo 3.º.
Conforme defende Pedro Brito, in Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, na Revista JULGAR Online, agosto de 2023, pág. 8., acessível em https://julgar.pt/notas-praticas-referentes-a-lei-n-o-38-a20023-de-2-de-agosto-que-estabelece-um-perdao-de-penas-e-uma-amnistia-de-infracoes-por-ocasiao-da-realizacao-em-portugal-da-jornada-mundial-da-juventude/ “3. Do perdão das penas de multa aplicadas a título principal (n.º 2, al. a), 1.ª parte): Prevê-se um perdão da totalidade das penas de multa aplicadas em medida inferior ou igual a 120 dias, a título principal. Assim, estão excluídas da aplicação do perdão aqui em causa as penas de multa aplicadas em medida superior a 120 dias de multa a título principal”. [sublinhado e negrito nossos].
Assim sendo, tendo, in casu, o arguido/recorrente sido condenado numa pena de 300 dias de multa a título principal, ou seja, numa pena superior aos referidos 120 dias a que alude a alínea a), do n.º 2, do artigo 3.º da Lei n.º 38-A/2023 de 02 de agosto, não beneficia do perdão ali consagrado.
E não se defenda que a sua pena terá de ser necessariamente reduzida a 180 dias, por força da “amnistia” de 120 dias de que beneficia, como se o perdão e a amnistia correspondessem à mesma realidade, pois, como é sabido, e a Lei n.º 38-A/2023 de 02 de agosto, a esse nível, não contempla qualquer equívoco, perdoam-se penas e amnistiam-se infrações, e a infração dos autos também não se encontra amnistiada, pois, a esse título, rege o artigo 4.º da citada Lei, e deste decorre que “são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa.”, e, como vimos, a pena aplicável à infracção penal subjacente aos presentes autos é de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.
Consequentemente, também nesta parte, carece de razão a pretensão do arguido/recorrente e, como tal, o presente recurso terá de improceder in totum

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].
Notifique.
Guimarães, 09 de janeiro de 2024
[Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]

Os Juízes Desembargadores
Isilda Maria Correia de Pinho [Relatora]
Júlio Pinto [1.º adjunto]
Ana Teixeira [2ª Adjunta]


[1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95.
[3] Cfr. se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 03-11-2020, Processo n.º 992/01.2PBCSC.L1-5, consultável in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 03-02-2022, Processo n.º 414/05.0GTCSC.L1-9, consultável in www.dgsi.pt.