Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
150/21.0T8BCL-G.G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
MEDIDA DE APOIO JUNTO DOS PAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
• De acordo com a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, na escolha da medida adequada a afastar de modo definitivo os perigos aos quais se encontram sujeitas as crianças, o tribunal deve nortear-se pelos princípios estabelecidos pelo legislador no seu art.º 4.º, com destaque para o interesse superior da criança, a intervenção mínima, a proporcionalidade e actualidade, a responsabilidade parental, o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, a prevalência da família e audição obrigatória e participação.
Decisão Texto Integral:
Rel. – Des. José Manuel Flores
1º Adj. - Des. Fernanda Fernandes
2º - Adj. - Des. Paula Ribas

Recorrente(s):
AA;

Recorrido(s):
- BB;
- MINISTÉRIO PÚBLICO.
 
*
ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

1. RELATÓRIO
O presente processo respeita às crianças CC, nascido a .../.../2010, e DD, nascida em .../.../2014.
O processo nasceu, junto da C.P.C.J., na sequência de uma sinalização da GNR onde a progenitora apresentava queixa de violência doméstica a nível psicológico e físico por parte do progenitor das crianças e recolha de dados que apontavam para o dissenso do casal sobre a convivência com os menores (cf. docs. de 6.8.2021).
Em fase judicial, em 22.11.2021, em conferência e com o acordo de todos os intervenientes, incluindo os progenitores, foi aplicada uma medida de promoção e protecção de “Apoio junto dos pais”, a executar junto da mãe, prevista no art.º 35.º, n.º 1, al. a), da LPCJP.
No contraditório precedente à decisão em crise, a mãe das crianças emitiu pronúncia, defendendo a prorrogação da referida medida (cf. Req. de 6.2.2023).
O pai das crianças também se pronunciou, desta feita no sentido da substituição da medida em vigor pela de Apoio junto do Pai e, assim não se entendendo, subsidiariamente, requereu a substituição da medida por medida de Apoio junto de outro familiar, indicando, para o efeito, os avós paternos ou, em alternativa, as tias paternas dos menores BB e EE (cf. Req. de 14.2.2023).
O Ministério Público emitiu o seu parecer pugnando pela prorrogação da medida de “apoio junto dos pais”, a executar junto da mãe, por seis meses (cf. acta de 28.3.2023).
Essa medida foi sendo revista e mantida, tendo por último, em 28.3.2023, sido proferida a seguinte
 decisão, sic:
“Atento o teor do último relatório social junto aos autos e as declarações hoje prestadas pela técnica da segurança social e considerando que que não se alteraram os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da medida de promoção e protecção de “Apoio Junto dos Pais”, a executar junto da progenitora, determino a prorrogação da medida, por 6 meses, nos termos do art.º 62º, nº 1 e nº 3, al. c) da LPCJP.
Atentas as declarações prestadas pela Sr.ª técnica no dia de hoje, a mesma deverá elaborar um plano de apoio psicológico que será prestado na APAC a ser implementado junto da progenitora e do progenitor caso o mesmo em tal venha a consentir.
Deverá ainda a Sr.ª técnica remeter aos autos, no prazo de 24 horas, um plano convivial das crianças com o progenitor supervisionado e coadjuvado pela Sr.ª Técnica para iniciar nas férias da Páscoa que se iniciam na próxima semana.”

Inconformado, o progenitor das crianças apelou.
Foi instruído o recurso que, neste Tribunal da Relação de Guimarães mereceu acórdão que declarou nula a sentença recorrida e determinou a devolução dos autos ao Tribunal a quo a fim de que fosse proferida nova decisão devidamente fundamentada de facto.

Na sequência dessa decisão, foi em primeira instância proferida nova sentença, datada de 18.7.2023, que mantém o decidido.
Dessa decisão recorreu novamente o progenitor, formulando a final as seguintes
Conclusões.

I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida sobre a matéria de facto, especificando-se infra quais os concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados, quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e qual a decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas e, ainda, da decisão de direito que se traduz na Sentença que, em sede de revisão de medida, determinou a prorrogação da medida aplicada de “Apoio junto da mãe”, por mais seis meses, revista ao final de três, nos termos do art.º 62, n.º 1 e n.º 3. al. c) da LPCJP.
II. Não obstante o maior respeito pela decisão recorrida, mas com a qual não se concorda, no que respeita à decisão de direito e à aplicação da medida de proteção de apoio junto da mãe, o Tribunal a quo, sem prejuízo de outros aspetos que infra se detalharão, descurou, in totum, um aspeto objetivo e que dá como provado nos parágrafos 27, 28, 29 da matéria da fundamentação de facto: a persistência da progenitora, a quem está confiada a responsabilidade principal de residir com as crianças, em comportamentos que interferem negativamente na capacidade de reação e ajustamento de que as crianças necessitam, que coloca as crianças em perigo, sendo este o perigo que deve ser combatido e, definitivamente, removido por decisão judicial.

III. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

C. DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO INCORRETAMENTE JULGADOS

IV. Não obstante a aconselhável, em sede decisória, separação da matéria de facto e de
direito, o recorrente indica infra os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados:
V. Ter o Tribunal a quo considerado como provado que:
vi. “Do compulso dos autos surpreende-se que a situação de perigo patenteada nos autos está intimamente ligada à relação de litígio vivenciada entre os progenitores, revelando-se a mesma fortemente penalizadora para as crianças e tendo um impacto negativo no relacionamento destas com o pai.
vii. “Note-se que, o facto do progenitor residir até há algum tempo a esta parte no estrangeiro, onde se encontrava emigrado, a subsequente separação dos pais, bem como o patente conflito que lhe esteve e está inerente, criou um distanciamento entre as crianças e o pai, criando um sentimento de rejeição daquelas em relação a este.”
viii. Com efeito, os progenitores não tiveram ainda capacidade de interiorizar que a única forma de salvaguardar o bem-estar emocional das crianças seria dirimir os conflitos que os opõem.”
ix. Face a esta situação de conflito latente as crianças estão sujeitas a uma situação de perigo para o seu bem-estar psico-emocional, que urge colmatar com a aplicação de uma medida de promoção e proteção;”
x. Em agosto de 2022, apesar de estarem acordados os convívios entre os filhos e o pai, estes não ocorreram, pelo contrário, agudizou-se o conflito entre partes e a exposição das crianças ao conflito, com a intervenção das forças policiais”

D. DOS MEIOS PROBATÓRIOS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO PROVADA E DA DECISÃO QUE DEVE SER PROFERIDA SOBRE AS QUESTÕES DE FACTO IMPUGNADAS.

VI. Com efeito, do último relatório social e de acompanhamento da execução da medida junto aos autos no dia 26/01/2023 e demais elementos que constam dos presentes autos e seus apensos, verifica-se que é a atuação da mãe que colocou e persiste em colocar em perigo grave a segurança, a saúde física e mental, a formação e a educação dos menores, comprometendo seriamente os vínculos próprios da filiação.
VII. Sendo o comportamento da mãe a fonte exclusiva do perigo em que se encontram
os menores, porquanto os estes jamais devem ser envolvidos no conflito dos pais, incumbindo essa obrigação à progenitora, já que é esta quem reside com os filhos e é com esta que eles estão em todos os momentos, uma vez deixou de permitir o convívio destes com pai no minuto em que ocorreu a separação de facto, resultando cristalino de tal relatório social que a mãe não alheia os filhos da situação conflitual com o pai e, mais grave, não acolhe as orientações técnicas da equipa técnica gestora do processo no que se reporta às práticas parentais tidas como mais adequadas face à situação.
VIII. Importa, ainda, evidenciar que a progenitora conduziu o menor CC ao Serviço de Urgência no dia 7/01/2023 pelas 13:57h, após a visita ao pai, alegando falsa e inventada (pela Mãe) intenção suicida do seu filho…
IX. Estes factos só logram explicação racional considerando as conclusões apresentadas
no relatório social e de execução da medida, no qual consta que a progenitora não protegeu os filhos da imagem negativa que a própria tem do pai e de os distanciar, como era sua obrigação, das questões conjugais.
X. Constando, ainda, do mesmo relatório, que a progenitora motivou a consolidação da recusa das crianças aos convívios com pai, uma vez que foi continuamente abordando as questões económicas, afirmando que as mesmas eram prioritárias face aos convívios, envolvendo, propositadamente, sempre as crianças nas disputas económicas, não se demonstrando sensível ao facto de as suas ações potenciarem sofrimento emocional nos filhos.
XI. Na realidade, o Tribunal recorrido não valorou, nem interpretou corretamente, quer a prova documental, quer as declarações dos técnicos, desconsiderando-a totalmente, razão pela qual manteve a execução da medida de apoio junto dos pais, a executar junto da progenitora.
XII. De facto, tais provas, se devidamente analisadas e conjugadas criticamente na sua globalidade, dariam outra solução à decisão que o Tribunal recorrido deu aos presentes autos
XIII. Assim, têm relevância para a alteração da decisão do Tribunal a quo o relatório social da CPCJ de 06/08/2021, os documentos números ... a ... juntos com o requerimento do recorrente datado de 16/09/2021, os documentos números ... a ...1 juntos com o requerimento do recorrente datado de 09/02/2022, o documento número ... junto com o requerimento do recorrente datado de 22/07/2022, documento n.º ... junto com o requerimento datado de 06/02/2023, os relatórios sociais da Equipa Técnica da Segurança Social Gestora do Processo, designadamente o relatório social de 25/01/2023, os relatórios de perícia psicológica forense (fls. 335 a 347) e, ainda, o depoimento da Dra. FF, Técnica da Segurança Social, gestora do caso, com domicilio profissional na Segurança Social de ..., declarações prestadas e gravadas, através do sistema integrado de gravação digital, às 12:23:45, entre o minuto 00.00.00 e o minuto 44:30, o depoimento do Dr. GG, diretor técnico do CAFAP, com domicilio profissional no CAFAP em ... e o depoimento da Dra. HH, psicóloga, com domicilio profissional no ... em ..., declarações prestadas e gravadas, em simultâneo, através do sistema integrado de gravação digital entre o minuto 44:30 e o minuto 52:19, todas por referência à Ata de Declarações do dia 28 de março de 2023.
XIV. Ora, a técnica gestora do processo, em declarações prestadas no dia 28 de março de 2023 afirma que a mãe não reúne, no presente, condições para ativamente promover a aproximação dos filhos ao progenitor.
XV. Mais, a Psicóloga, Dra. HH, que acompanha as crianças no âmbito dos presentes autos afirma, também em sede declarações, que mãe não tem conseguido proteger as crianças do conflito e não tem tido a postura ativa necessária para conseguir a adesão das crianças ao pai.
XVI. Está mais do que demonstrado e comprovado que o comportamento da progenitora revela o propósito de afastar o pai, a quem vê exclusivamente como um «multibanco», da vida dos menores, o que consubstancia efetivos maus-tratos, e, por conseguinte, uma situação de perigo para os menores.
XVII. A progenitora tem vindo a desenvolver, desde há mais de dois anos um processo de Alienação Parental.
XVIII. Até ao momento tudo foi feito e tentado para implementar um regime de convívios entre o pai e os seus filhos, tentativas essas todas frustradas o que, inclusivamente, consta, também, da douta decisão a quo.
XIX. Nenhuma das medidas tentadas pelo Tribunal: - (1) supervisão de convívios nas instalações do CAFAP, (2) tentativa de implementação de visitas aos fins-desemana, sem supervisão, com o pai (sempre frustradas por obstaculização da mãe) e, após esta, (3) nova tentativa de implementação de visitas com o pai mediadas pelo técnico do CAFAP e pela técnica da Segurança Social gestora do processo - até aqui foram eficazes (por culpa da mãe) para inverter o processo de alienação parental que se evidenciava desde a decisão de supervisão das visitas que, aliás, se iniciaram por queixas falsas e infundadas - já judicialmente decidido - de violência doméstica por parte da mãe.
XX. Por fim, os intentos da progenitora concretizaram-se tornando a situação de tal forma insustentável que o progenitor entendeu «desistir», completamente destroçado, temporariamente, dos convívios, pelas razões aduzidas no requerimento apresentado aos autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais, que corre termos sob o apenso “C”, em 11/01/2023, com a ref.ª citius ...27.
XXI. É evidente e incontroverso o grave perigo em que os menores se encontram e ao qual estão expostos por atuação da mãe.
XXII. Em síntese, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que:
i. “Do compulso dos autos surpreende-se que a situação de perigo patenteada nos autos está intimamente ligada à persistência da progenitora em expor os menores à relação de litígio vivenciada entre os progenitores, o que é fortemente penalizador para as crianças e tem um impacto negativo no relacionamento destas com o pai.
ii. “Note-se que, o facto do progenitor residir até há algum tempo a esta parte no estrangeiro, onde se encontrava emigrado, não dita este distanciamento relacional entre ele e os menores”
iii. Com efeito, a progenitora não teve ainda capacidade de interiorizar que a única forma de salvaguardar o bem-estar emocional das crianças seria não expor as crianças aos conflitos que os opõem.”
iv. Face a esta situação de conflito latente exposta pela mãe às crianças, estas estão sujeitas a uma situação de perigo para o seu bem-estar psico-emocional, que urge colmatar com a aplicação de uma medida de promoção e proteção;”
v. Em agosto de 2022, apesar de estarem ordenados os convívios entre os filhos e o pai, estes não ocorreram, pelo contrário, agudizou-se o conflito entre partes e a exposição pela mãe das crianças ao conflito, com a intervenção das forças policiais”
XXIII. Meios probatórios:
j. relatório social da CPCJ de 06/08/2021;
k. documentos números ... a ... juntos com o requerimento do recorrente datado de 16/09/2021;
l. documentos números ... a ...1 juntos com o requerimento do recorrente datado de 09/02/2022;
m. documento número ... junto com o requerimento do recorrente datado de 22/07/2022;
n. documento n.º ... junto com o requerimento datado de 06/02/2023;
o. relatórios sociais, da Equipa Técnica da Segurança Social Gestora do Processo, designadamente o relatório social de 25/01/2023 (fls 329 a 333);
p. relatórios de perícia psicológica forense (fls. 335 a 347),
q. depoimento da Dra. FF, Técnica da Segurança Social, gestora do caso, com domicílio profissional na Segurança Social de ..., declarações prestadas e gravadas, através do sistema integrado de gravação digital, às 12:23:45, entre o minuto 00.00.00 e o minuto 44:30;
r. depoimento do Dr. GG, diretor técnico do CAFAP, com domicílio profissional no CAFAP em ... e o depoimento da Dra. HH, psicóloga, com domicílio profissional no ... em ..., declarações prestadas e gravadas, em simultâneo, através do sistema integrado de gravação digital entre o minuto 44:30 e o minuto 52:19, todas por referência à Ata de Declarações do dia 28 de março de 2023.
XXXV. Atenta a factualidade dada como provada e a que o recorrente entende que deveria ter decisão diferente, bem como dos elementos de prova constante dos autos, resulta ser inequívoca a razão do recorrente e a necessidade premente de ser substituída a medida protetiva aplicada aos menores, por medida de apoio junto pai, confiando-se os menores à sua guarda até recuperação efetiva da progenitora.
XXXVI. É única e exclusivamente o comportamento que a progenitora tem vindo a desenvolver, desde há mais de dois anos, que se traduz num processo de Alienação Parental, a causa única da situação de perigo em que os menores se encontram.
XXXVII. É certo que a mãe constitui figura de referência dos menores, todavia não é o único progenitor, além de que, tal facto, em si mesmo, encerra fator de perigo para as crianças, já foi sendo reforçado pela sua atuação no sentido de se tornar a «única» figura parental das mesmas.
XXXVIII. A progenitora não têm defendido o superior interesse dos menores sobrepondo sempre o litígio que a afasta do recorrente, ao relacionamento saudável de cada um deles com os filhos.
XXXIX. Não convivendo os filhos com o Pai, em contexto livre e sem supervisão, desde a separação, é claro e objetivo que a mãe é o único veículo de transmissão da informação aos filhos sobre as questões conflituais que envolvem os pais.
XL. Ora o Tribunal a quo alicerça a sua decisão no facto de a progenitora ser a figura de referência primária dos menores.
XLI. Porém, tendo vivido pai e mãe ao longo de mais de 10 anos como cônjuges e tendo nascido os dois filhos durante tal período, não havendo comportamentos negativos a apontar ao pai dos menores, será temerário afirmar que a figura do pai não era uma referência na vida dos filhos.
XLII. Seja como for, concluindo-se, como tem de se concluir, que o comportamento da mãe é nefasto, constitui maus-tratos e coloca os filhos em situação de perigo, é evidente que os filhos devem ser entregues ao pai nesta fase da vida dos mesmos, pelo que a questão da figura da mãe como referência primária é, neste momento, irrelevante.
XLIII. Com efeito, estando em causa uma criança com 8 anos e um pré-adolescente de anos, não pode nem deve manter-se a situação de perigo em que estes se encontram a aguardar a possibilidade, meramente teórica e sem qualquer consistência prática, de a mãe vir a alterar o seu comportamento e adquirir as condições e competências necessárias a promover o bem-estar, a segurança (da própria e dos filhos) e, designadamente, a reaproximação do pai aos filhos.
XLIV. Cumpre aqui, salientar que o legislador no n.º 8 do artigo 1906.º do Código Civil realça a importância, em caso de separação dos pais, dos filhos manterem «uma relação de grande proximidade com os dois progenitores» e, que, nos termos do n.º 5 «O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro».
XXIV. Neste momento, é o pai dos menores, e só este, que assegura estes objetivos.
XXV. A mãe não reúne condições para zelar pelo superior interesse dos filhos, infligindolhes, no momento presente, sofrimento psicológico, que já vem tendo repercussões físicas nos menores, tal como resulta do relatório social.
XXVI. Sendo, no momento presente, que devem ser tomadas as devidas medidas para proteger os menores.
XXVII. Pelas razões expostas, deverá ser alterada a decisão do Tribunal a quo, uma vez que o interesse dos menores apenas estará protegido com a manutenção de uma relação que construa, preserve e fortaleça os vínculos afetivos positivos existentes entre o pai e os filhos e os afaste um ambiente destrutivo de tais vínculos.
XXVIII. Cumpre, por fim, reiterar que tendo pai e mãe sido marido e mulher e pai dos menores ao longo de mais de 10 anos, não havendo comportamentos negativos a apontar ao pai dos menores, será temerário afirmar que o facto do pai ter estado mais ausente do quotidiano dos filhos é motivo para o afastamento dos menores.
XXIX. O pai sempre trabalhou em ..., tendo regressado a Portugal definitivamente para estar com os filhos, e a mãe esteve em casa com os filhos.
XXX. Aliás, sublinhe-se, a própria Psicóloga, Dra. HH, que acompanha os menores atesta claramente que não é esse o motivo que justifica a recusa dos menores em conviver com o pai.
XXXI. A conclusão óbvia é a de que os filhos devem ser entregues ao pai nesta fase da vida dos mesmos, apenas desta forma se conseguindo protegê-los.
XXXII. Isto, por ser esta a única e adequada forma de cortar ou diminuir os efeitos nocivos que a mãe dos menores vem exercendo e continua a exercer sobre a mente destes, no sentido de causar uma intencional e maquiavélica quebra dos laços afectivos próprios da filiação e paternidade entre filhos e pai.
XXXIII. Nestas circunstâncias, a vontade dos menores e da mãe não pode prevalecer, para bem deles e dos progenitores.
XXXIV. É manifesto que o comportamento da mãe se subsume a um tipo de maus-tratos, que não sendo maus-tratos físicos, são mais subtis que estes últimos, como que invisíveis e difíceis de percecionar, mas nem por isso deixam de ser maus-tratos a que urge colocar termo.
XXXV. É comum que, tanto psicólogos como juristas, considerem as expressões de rejeição que as crianças realizam como um reflexo do conflito verificado nos adultos. Nesta perspetiva, levam as partes a chegar a acordos, forçam a sua participação na terapia psicológica ou remetem-nos para mediação familiar ou pontos de encontro.
XXXVI. Em suma a alienação parental, mais do constatada nos autos, integra o conceito de «perigo» inerente à LPCJP.
XXXVII. Resulta de tudo quanto precede que apenas com a substituição da medida aplicada pela pretendida medida de medida de Apoio junto do Pais, confiando-se os menores à guarda do Pai, até comprovada recuperação da progenitora, se retirarão os menores da situação de perigo em que se encontram por via da conduta da progenitora que constitui maus-tratos.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, que não deixarão de ser supridos por Vossas Excelências,
deverá ser revogada a Douta Decisão recorrida, substituindo-a por outra que determine a substituição da medida, por medida de apoio junto dos pais, confiando-se a guarda dos menores ao pai, até recuperação da progenitora.

Em resposta, a Recorrida, progenitora, alega, em suma, que…
I. A decisão proferida da qual viera o Recorrente interpor recurso NÃO SE TRATA DE uma aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e proteção.
II. Padecendo de inexistência de fundamento legal o recurso interposto pelo Recorrente.
III. Conforme supra exposto, a decisão recorrida determinou, como se referiu, a continuação da medida. Assim, não se tratando de decisão que tenha aplicado, alterado ou, finalmente, determinado a cessação de medidas de promoção e proteção, há que concluir pela sua irrecorribilidade.
IV. Quando a lei fala em aplicação tem em vista a imposição de uma medida ex novo, o decretamento de uma medida originária, isto é, a imposição de uma das medidas taxativamente enumeradas no Artº 35º, ao passo que a continuação da execução da medida é uma das possíveis consequências do reexame dos pressupostos da medida anteriormente aplicada ou, na expressão da norma do nº 3 do Artº 62º, é um dos possíveis efeitos da “decisão de revisão” da medida anteriormente aplicada; por outras palavras, é a prossecução da execução de uma medida anteriormente aplicada, é óbvio; só uma medida anteriormente aplicada pode ser mantida; a medida cuja continuação da sua execução foi decidida permanece a mesma.
V. Por articulação das disposições dos artigos 35º, nº 1, 62º, nº 3, e 123º, nº 1, resulta que a decisão que determine a continuação da execução da medida não é passível de recurso.
I. A não se entender assim, nunca se poderá aceitar e ou sequer admitir que, os menores são vítimas de alienação parental e que seja a guarda dos menores confiada ao pai.
VII. Tal como o tribunal a quo refere a mãe é a figura principal de referencia e vinculação de ambas as crianças e retirar os menores do seu agregado não é viável face à cumplicidade que existe entre os menores e a mãe.
VIII. Ficara explícito na última conferência, em que a Meritíssima Juiz do tribunal a quo decretara a manutenção da medida no momento da revisão, que os menores não se encontram preparados para, a curto prazo manterem uma relação de proximidade constante e recorrente com o aqui recorrente.
IX. Ora, a manutenção da medida, a decisão proferida, fora aplicada tendo por base as declarações quer da Ex.ma Dra. FF, Técnica da Segurança Social, quer da Ex.ma Psicóloga Dra. II e demais Técnicos, profissionais envolvidos.
X. Cumprindo referir que, nenhuma medida tem caracter ad aeternum, havendo lugar à revisão da mesma findo o período de duração e aplicação da medida decretada.
XI. Pois que, a diligência ocorrida no passado dia 28 de março fora agendada em virtude do término do período definido para duração e aplicação da medida aplicada de apoio junto dos pais, a exercer junto da progenitora. Sendo necessária a revisão da mesma.
XII. Tendo inclusive o Ministério Público emitindo o seu parecer pugnado pela prorrogação da medida de apoio junto dos pais, a executar junto da mãe, por mais 6 meses, conforme ata do dia 28 de março de 2023.
XIII. Mesmo com a revisão a medida foi mantida em sede de Conferencia.
XIV. Ao contrário do que afirma o Recorrente nas alegações por si apresentadas, a decisão de manter a medida de apoio revelara-se sem qualquer dúvida, necessária.
XV. Pois que, as declarações prestadas pela Dra. FF foram claras, sem que deixasse margem para dúvidas de que, as crianças não reveem no Recorrente, à data, a segurança e estabilidade emocional que necessitam para com o mesmo privarem para além dos momentos/convívios que aconteceram durante o período de fixação da aludida medida.
XVI. Logo, muito bem andou o tribunal a quo em decidir manter a medida de apoio.
XVII. Não sendo possível outra decisão se não a proferida.

NESTES TERMOS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE E MANTER-SE INALTERADA A DECISÃO PROFERIDA.

O Ministério Público também respondeu ao recurso, concluindo nos seguintes termos…
Posto tudo o que ficou dito, importa assim concluir que deve o presente recurso ser julgado improcedente e confirmada a douta decisão recorrida que não violou qualquer dispositivo legal, sendo esta a única decisão que salvaguarda o superior e legítimo interesse das duas crianças.

1.1. Questão prévia – admissibilidade do recurso

Defende a Recorrida que, por articulação das disposições dos artigos 35º, nº 1, 62º, nº 3, e 123º, nº 1, a decisão que determine a continuação da execução da medida não é passível de recurso.
O Ministério Público contesta essa tese.
A Apelada sustenta a sua posição essencialmente na letra do dispositivo do art. 123º, nº 1, da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, ou L.P.C.J.P. (LEI DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO), do qual resulta que: Cabe recurso das decisões que, definitiva ou provisoriamente, se pronunciem sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e protecção e sobre a decisão que haja autorizado contactos entre irmãos, nos casos previstos no n.º 7 do artigo 62.º-A.
Em   nosso  entender, pressuposto no  despacho liminar proferido anteriormente sobre o recurso interposto da mesma decisão, antes de ser anulada, e no acórdão anteriormente proferida, que passou sem qualquer reclamação ou impugnação, a interpretação literal da aqui Recorrida não deve proceder.
Com efeito, renovando o entendimento então defendido, dela resulta uma leitura dessa norma que não atende ao seu espírito e contexto sistemático (cf. art. 9º, do C.C.).
Em substância, a decisão em crise não deixa de emitir pronúncia sobre medida de promoção e protecção das crianças alegadamente em perigo, mantendo a que vinha sendo aplicada e, no caso, simultaneamente, rejeitando a alteração sugerida pelo progenitor, decisão esta que não está excluída do dever geral de fundamentação e do que especialmente se insere no nº 4, do art. 62º, da L.P.C.J.P..
Não se trata, por isso, de modo algum, de uma decisão proferida no uso legal de um poder discricionário, prevista no art. 630º, nº 1, do Código de Processo Civil.
A posição defendida pela Apelada consubstancia assim uma injustificada distinção entre a recorribilidade das decisões que, pela primeira vez, “aplicam”, “alteram” ou fazem “cessar” uma medida de promoção e protecção e aquelas que, fazendo apelo e analisando as mesmas questões, determinam a manutenção ou prorrogação da mesma medida, o que, a ser aceite, redundaria numa interpretação materialmente inconstitucional do art. 123º, nº 1, por violação do disposto no art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.1
De acordo com este entendimento, improcede a excepção invocada pela Recorrida.

2. QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.  Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas  que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma:
- Reapreciação da matéria de facto considerada;
- Substituição da medida aplicada pela de apoio junto do pai.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA

Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil,
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

Descendo ao caso

No entender do Apelante, o Tribunal a quo, atenta a prova produzida em audiência de julgamento, julgou incorrectamente os factos mencionados no item V. das suas conclusões.
Pretende-se que a decisão a proferir nessa matéria seja aquela que consta do item XXII das mesmas conclusões, nomeadamente que se julgue provado que, sic :
i. “Do compulso dos autos surpreende-se que a situação de perigo patenteada nos autos está intimamente ligada à persistência da progenitora em expor os menores à relação de litígio vivenciada entre os progenitores, o que é fortemente penalizador para as crianças e tem um impacto negativo no relacionamento destas com o pai.
ii. “Note-se que, o facto do progenitor residir até há algum tempo a esta parte no estrangeiro, onde se encontrava emigrado, não dita este distanciamento relacional entre ele e os menores”
iii. Com efeito, a progenitora não teve ainda capacidade de interiorizar que a única forma de salvaguardar o bem-estar emocional das crianças seria não expor as crianças aos conflitos que os opõem.”
iv. Face a esta situação de conflito latente exposta pela mãe às crianças, estas estão sujeitas a uma situação de perigo para o seu bem-estar psico-emocional, que urge colmatar com a aplicação de uma medida de promoção e proteção;”
v. Em agosto de 2022, apesar de estarem ordenados os convívios entre os filhos e o pai, estes não ocorreram, pelo contrário, agudizou-se o conflito entre partes e a exposição pela mãe das crianças ao conflito, com a intervenção das forças policiais”

O Apelante suporta essa modificação nos elementos probatórios que indica no item V das suas conclusões.
As modificações propostas pelo Apelante incidem sobretudo sobre uma série de conclusões que o Tribunal a quo inscreveu no relatório inicial da sua decisão (pontos I a IV) e que, não constituindo, em nosso entender, matéria de facto propriamente dita, não podem ser alvo da reapreciação prevista no citado art. 640º, do Código de Processo Civil.
Com efeito, embora, como nota o Recorrente, a decisão recorrida não seja muito clara na distinção entre o que considera factualidade histórica a atender e as conclusões de facto e de direito que extrai da mesma, parece-nos que essa enumeração, ainda que singela, nos remete para a matéria que expõe quando afirma: “Do teor das informações contantes dos autos surpreende-se o seguinte: (…) ”.
De resto, o esforço do Apelante centra-se na imputação à progenitora de toda a responsabilidade pela situação de perigo que está identificada nos autos, esquecendo aquilo que ele próprio vai admitindo na redacção da matéria de facto que propõe seja considerada, nomeadamente no seu item v., única matéria que encontramos no rol dos “factos” considerados pela decisão, na enumeração acima apontada, na qual a propósito ficou dito, sic:
Em Agosto de 2022, apesar de estarem acordados os convívios entre os filhos e o pai, estes não ocorreram, pelo contrário, agudizou-se o conflito entre partes e a exposição das crianças ao conflito, com a intervenção das forças policiais.
Ora, analisado esse facto histórico à luz dos dados probatórios que os autos revelam, constata-se que este dado se extraiu do relatório social (junto a fls. 313 deste apenso) de 25.1.2023 (p. 3), no qual se produz essa afirmação, sem qualquer ressalva do género daquela que agora o Recorrente pretende introduzir tendo como pano de fundo imputar à progenitora, a todo o custo, a responsabilidade pela exposição das crianças ao inegável conflito que grassa entre os progenitores.
Contudo, o que se relata nesse ponto da decisão recorrida diz apenas respeito ao período aí mencionado, salientando o “agravamento” do conflito a que as crianças foram expostas nessa altura, sem ignorar que a progenitora tem tido um papel determinante nesse litígio, como ficou dito na matéria que ficou a constar da mesma decisão, v.g., quando se afirma, sic: Não obstante a intervenção levada a cabo pela equipa do CAFAP e centrada nas questões do conflito parental, a verdade é que, em concreto a mãe, mantém uma elevada conflitualidade sobretudo relacionada com a situação económica.
 Mais se recorda, como resulta desse mesmo relatório, que, desgraçadamente, alguém se lembrou de envolver forças policiais – GNR – num pretenso momento de convívio entre as crianças e o progenitor, o que nos remete para um cenário eventual de grave ou criminosa conduta de algum dos presentes que o justificou e que agravou esse clima de conflitualidade ou resultou da despropositada e imponderada iniciativa de alguém para alimentar esse clima, perante crianças de 8 e 12 anos de idade!
Do exposto, concluímos que inexistem razões para modificar essa matéria de facto considerada pela decisão recorrida, improcedendo a impugnação deduzida.
3.2. Factos considerados pela decisão recorrida
A nível de saúde o CC é acompanhado em consulta de pediatria do desenvolvimento. Frequenta a consulta de pediatria desde 2012, por alterações das enzimas hepáticas (hepatite). É também seguido na consulta de gastroenterologia pediátrica, do Hospital ..., pois tem défice de alfa 1 antitripsina. É igualmente seguido em oftalmologia, por miopia. Não apresenta faltas às consultas e nada foi reportado em relação à postura do CC e da mãe nesse contexto.
A nível escolar, a DD encontra-se integrada na turma. Apesar de tímida e introvertida apresenta um excelente relacionamento com os pares. Sendo um elemento muito cumpridor e assertivo do que concerne ao cumprimento das normas e regras da sala de aula.
Apresenta uma excelente educação, respeitando os pares, a professora e os restantes elementos do meio educativo. Relativamente ao seu desempenho académico, é uma aluna muito autónoma na realização das tarefas propostas, mostra afinco, motivação, empenho e gosto pela escola. No que diz respeito à assiduidade e pontualidade, é uma aluna assídua e pontual, faltando apenas por motivos de doença, apresentando sempre justificação médica.
A mãe na qualidade de Encarregada de Educação mostra-se presente e interessada, comparecendo às reuniões para as quais é convocada.
O CC é considerado um aluno calmo, educado, curioso, empenhado e interessado. Contudo, os docentes estão atentos à possibilidade de o CC poder assumir uma participação menos frequente, distrair-se mais e ficar mais triste, uma vez que a mudança da sua rotina familiar poderá, de algum modo, interferir com o seu comportamento e, consequentemente com o seu aproveitamento. Na escola, o CC tem todo o apoio dos colegas, dos professores e das estruturas de apoio para que possa lidar com as dificuldades ao nível escolar e pessoal que possam surgir. Até ao momento, o CC parece ser um rapaz feliz e sensível. Na sala de aula, o CC, realiza as tarefas propostas, com empenho e interesse, é respeitador e cumpridor das regras de conduta e demonstra respeito pela autoridade. O CC interage de forma saudável com os colegas e professores, mantendo um bom relacionamento com os seus pares e professores.
O CC sente-se apoiado pela mãe, que é a encarregada de educação, tendo esta demonstrado, até ao momento, interesse e preocupação com o percurso escolar e o bem-estar do seu educando.
No tange à situação familiar, há um elevado nível de conflito entre os progenitores, apesar das variadas estratégias interventivas que têm vindo a ser desenvolvidas.
Em Agosto de 2022, apesar de estarem acordados os convívios entre os filhos e o pai, estes não ocorreram, pelo contrário, agudizou-se o conflito entre partes e a exposição das crianças ao conflito, com a intervenção das forças policiais.
No dia 25 de Agosto de 2022, o CC acordou com a psicóloga que iria conviver com o pai, o que depois não se verificou, tendo-se oposto ao convívio com o mesmo. Nesses momentos, existiram vários conflitos a que as crianças assistiram entre os pais e entre a mãe e avó paterna.
Foi proposta a frequência dos progenitores, do Programa de Educação Parental “Crianças no Meio do Conflito”, ministrado pelo CAFAP de .... Os objectivos do Programa são: promover uma co-parentalidade focada no bem-estar emocional das crianças; aumentar a co-parentalidade positiva e cooperante; e reduzir a co-parentalidade conflituosa.
Não obstante a intervenção levada a cabo pela equipa do CAFAP e centrada nas questões do conflito parental, a verdade é que, em concreto a mãe, mantém uma elevada conflitualidade sobretudo relacionada com a situação económica.
3.3. Direito
Na decisão recorrida justifica-se a opção pela medida aplicada, em suma, nos seguintes termos:
“Apesar de puder ser assacada responsabilidade à progenitora nesta situação ao não salvaguardar as crianças de verbalizações negativas sobre o pai, designadamente quanto ás questões económicas que os dividem, a verdade é que se constata ser esta a principal figura de referência e vinculação de ambas as crianças.”

O Recorrente, por sua vez, defende, em suma, que é única e exclusivamente o comportamento que a progenitora tem vindo a desenvolver, desde há mais de dois anos, que se traduz num processo de Alienação Parental, a causa única da situação de perigo em que os menores se encontram, sendo a circunstância de a mãe ser considerada actualmente como referência primária “irrelevante”.
No seu entender, aguardar a possibilidade, meramente teórica e sem qualquer consistência prática, de a mãe vir a alterar o seu comportamento e adquirir as condições e competências necessárias a promover o bem-estar, a segurança (da própria e dos filhos) e, designadamente, a reaproximação do pai aos filhos é inadequado.
Acrescenta que é determinante que os filhos mantenham «uma relação de grande proximidade com os dois progenitores» e, que, o tribunal deve determinar a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro».
Mais salienta que não há comportamentos negativos a apontar a si, pai dos menores, e a “vontade dos menores e da mãe não pode prevalecer, para bem deles e dos progenitores”.
Conclui, deixando cair o pedido subsidiário que formulara em primeira instância, apontando como adequada a medida de apoio junto dos pais, confiando-se a guarda dos menores ao pai, até recuperação da progenitora.

A Recorrida mãe e o Ministério Público, defendem a solução encontrada pela decisão em crise.
Vejamos…
Segundo a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei nº 147/99), há lugar à intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a resolvê-lo  –  art.º 3.º, n.º 1.
Como estipula o art. 3º, nº 2, da mesma Lei, considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações: a) Está abandonada ou vive entregue a si própria; b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais; e) É obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; f) Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; g) Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação. h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.
Está fora do âmbito deste recurso discutir aquilo que a decisão recorrida assumiu e todos os intervenientes processuais concordam: as crianças encontram-se actualmente, numa situação de perigo nos termos definidos pela L.P.C.J.P., mais concretamente a mencionada na al. c), nº 2, do acima citado art. 3º (art. 638º, nº 5, do C.P.C.).
Note-se que o Recorrente (cf. art. 639º, nº 2, do C.P.C.) não aponta qualquer violação dessa norma, como era sua incumbência.
Com efeito, como ficou assente, as crianças acima identificadas estão sujeitas a maus-tratos psíquicos decorrentes da conduta belicosa e conflituosa de ambos os progenitores, que assim descuidam do seu melhor interesse e os perturbam afectivamente.
A questão é, por isso, não a pertinência da intervenção mas sim a escolha da medida adequada a afastar de modo definitivo os perigos aos quais se encontram sujeitas estas crianças.
Essa finalidade foi exposta pelo legislador nos seguintes termos do art. 34º, da L.P.C.J.P.: As medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e protecção, visam: a) Afastar o perigo em que estes se encontram; b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.
Constatada a situação de perigo a que se encontram sujeitas estas crianças, cumpre decidir qual a medida mais adequada a afastar essa situação, face ao leque de medidas estabelecidas pelo legislador no art.º 35.º, n.º 1 da LPCJP.
Na sua escolha, o tribunal deve nortear se pelos princípios estabelecidos pelo legislador no art.º 4.º, com destaque aqui para os do interesse superior da criança, intervenção mínima, da proporcionalidade e actualidade, responsabilidade parental, primado da continuidade das relações psicológicas profundas, prevalência da família e audição obrigatória e participação  .
Dispõe o art.º 36.º, n.º 6 da Constituição da República Portuguesa (e também o art.º 9.º, n.º 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque em 26 de Janeiro de 1990 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de Setembro), que os filhos não podem ser separados dos seus pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
Há que ter ainda em conta que o poder paternal inerente a essa qualidade engloba um conjunto de poderes/deveres.
Esse poder é de cariz funcional, irrenunciável e intransmissível e deve ser exercido no interesse dos filhos “com vista ao seu desenvolvimento integral” (art. 69º Constituição da República Portuguesa).
Nessa matéria e de acordo com artigo 18.º, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, (1.) os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental.
Conforme estipula o art. 24º, da CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA, (1.) as crianças têm direito à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade. (2.) Todos os actos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança. (3.) Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses.
No nosso direito interno, o art. 1878º, do Código Civil, prevê, por sua vez, que (1.) compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens. (2.) Os filhos devem obediência aos pais; estes, porém, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida.
O art. 1885º, do Código Civil, estabelece que (1.) cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos. (2.) Os pais devem proporcionar aos filhos, em especial aos diminuídos física e mentalmente, adequada instrução geral e profissional, correspondente, na medida do possível, às aptidões e inclinações de cada um.
Por conseguinte, o poder paternal é uma situação jurídica complexa, onde avultam poderes e deveres de natureza funcional e daí resulta que não seja entendido como um “conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e exercício livre, mas de faculdades de conteúdo altruísta, que devem ser exercidas primariamente no interesse do menor (e não dos pais), de exercício vinculado  .
A legislação e a jurisprudência, nacionais e internacionais, têm afirmado a preponderância, nos processos de regulação do poder paternal, desse interesse do menor na definição do regime parental das crianças mas também na intervenção protectiva destas.
Vide nesse sentido algumas das normas acima citadas, bem como, v.g.:
- O art. 3º, da referida Convenção das Nações Unidas, onde se impõe que (1.) todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança;
- O art. 22º, da Convenção de Haia de 1996, onde refere que, sic, a aplicação da lei indicada pelas disposições do presente capítulo apenas poderá ser recusada se esta aplicação for manifestamente contrária à ordem pública, tendo em consideração os melhores interesses da criança;
- O preâmbulo dessa Convenção, onde se afirma que os melhores interesses da criança devem constituir consideração primordial;
- O art. 1906º, nº 7, do Código Civil, onde se estabelece que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles. 

Sendo certo que, o interesse do menor é um conceito jurídico indeterminado, é necessário recorrer a critérios de oportunidade, de acordo com o caso concreto, de modo a concretizar o seu conteúdo.
Conforme estipula o dispositivo do art. 1906º, do Código Civil, (5) o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

Também Maria Clara Sottomayor  defende que a residência do menor deve ser confiada ao progenitor que promove o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, que tem mais disponibilidade para satisfazer as necessidades do menor e que tem com este uma relação afectiva mais profunda.
Assim sendo, e uma vez que o interesse do menor comporta diversos conteúdos consoante cada caso concreto, é necessário ter em atenção a relação afectiva da criança com cada um dos pais, a disponibilidade de cada um para prestar ao filho os cuidados necessários à sua saúde, alimentação e educação social, cultural e moral, o grau de desenvolvimento da criança e as suas necessidades, a preferência do menor, a continuidade das relações afectivas e do ambiente em que tem vivido a criança.
O interesse do menor está assim ligado à qualidade e profundidade das relações afectivas deste, pelo que se deve promover a continuidade da educação e das relações afectivas da criança e atribuir a guarda dos filhos ao progenitor com mais capacidade para cuidar destes e a quem estes estão mais ligados emocionalmente.
Deste modo, o escopo fundamental da actividade do tribunal deve ser o de conseguir a melhor solução possível face às circunstâncias concretas do caso, procurando assegurar o mínimo de desestabilização e descontinuidade da vida do menor, já abalada pela separação dos pais .
Como nota Tomé Ramião , uma das caracterizações do princípio do reconhecimento do superior interesse do menor é o seu direito de ser ouvido e ser tida em consideração a sua opinião, conferindo-lhe a possibilidade de participar nas decisões que lhe dizem respeito, com a sua autonomia e identidade próprias, conforme transparece da al. i), do art. 4º, e do art, 84º, ambos da mesma Lei, e dos arts. 4º e 5º da R.G.P.T.C. (Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
Neste art. 5º, nº 1, está estipulado que a criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.
Descendo ao caso concreto, a questão colocada pelo Recorrente prende-se primacialmente com a concreta definição do melhor interesse das crianças, CC e DD, na escolha da medida protectiva a aplicar.
E, nesse propósito, é preciso salientar que o interesse do pai em ver restabelecidos os convívios é secundário ou apenas uma das facetas que envolve o conceito, mais vasto, do interesse superior dos menores em causa, contrariamente ao que pretendem algumas conclusões do Recorrente, que sobrevaloriza uma  relação parental que, neste momento, está claramente posta em causa e o levou, inclusive, de forma responsável, a desistir da alteração da regulação das responsabilidade parentais, optando pela “total supressão dos convívios com eles” .
Posto isto, é preciso lembrar que actualmente nenhuma das crianças pretende sequer conviver com o pai e que os episódios em que isso foi tentado se revelaram ser fontes de mais conflitos e de sofrimento psíquico para as mesmas, como ressalta do que ficou apurado supra e está abundantemente relatado nos autos.
É certo que a postura da progenitora tem sido, nesse aspecto, uma das fontes determinantes dessa reacção das crianças e do perigo envolvido, no entanto, também é verdade que, por norma, o conflito envolve duas posições dissonantes, e, no caso, isso não pode ser ignorado. O progenitor, salvo alguns momentos de melhor ponderação como a acima apontada, insiste em contactos com as crianças sem atender à sua vontade expressa e alimenta, com comportamentos impróprios que vão sendo relatados (v.g., a conflitualidade ou clima de tensão que se nota nos contactos tentados recentemente ), uma convivência forçada que só alimenta o clima negativo em apreço.
Neste contexto, não esquecendo a ideia fundamental de que ambos os pais são potencialmente, repete-se, apesar de tudo o que lhes têm feito, imprescindíveis para o seu bem-estar afectivo e, portanto, para o seu desenvolvimento como pessoas, não podemos deixar de concordar com a decisão da primeira instância e com o parecer do ISS que lhe subjaz, no sentido de manter, neste momento, a medida acordada inicialmente com ambos os pais, pois o bem estar e o melhor interesse das crianças parece estar em grande medida garantido por essa medida, como retratam os factos apurados e acima relatados, dando prevalência à figura de referência, que apesar de tudo, é neste momento a progenitora, à continuidade do núcleo familiar que perdura desde a separação dos progenitores e à vontade expressa pelos menores e auscultada pelo ISS e examinadores forenses que os têm ouvido nos autos, isto sem esquecer que o Tribunal mantém o propósito de acompanhar os pais e as crianças no sentido de promover o restabelecimento saudável do convívio com o pai, queiram eles enveredar por esse caminho.
Por outro lado, repete-se, a solução proposta pelo progenitor é, neste momento, inviável, pelas razões que acima forma notadas, das quais destacamos a circunstância de ela se ter revelado, nos contactos esporádicos havidos, como sendo fonte de maior perigo, na geração de forte instabilidade emocional nas crianças.
Do tudo o que fica dito, julgamos que o melhor interesse do CC e da DD está neste momento satisfeito com a medida aplicada na decisão recorrida, pelo que consideramos improcedente a apelação em apreço.

As custas ficam, por isso, a cargo do Recorrente (art. 527º, do C.P.C.).

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação.

Custas pelo Recorrente.   
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Guimarães, 28/09/2023
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Sumário :

• De acordo com a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, na  escolha da medida adequada a afastar de modo definitivo os perigos aos quais se encontram sujeitas as crianças, o tribunal deve nortear-se pelos princípios estabelecidos pelo legislador no seu art.º 4.º, com destaque para o  interesse superior da criança, a intervenção mínima, a proporcionalidade e actualidade, a responsabilidade parental, o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, a prevalência da família e audição obrigatória e participação.
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Guimarães, 28/09/2023