Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | RAQUEL BAPTISTA TAVARES | ||
| Descritores: | PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NULIDADE DE SENTENÇA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ILEGITIMIDADE EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/27/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I - A legitimidade constitui um pressuposto processual positivo, cuja existência é essencial para que o juiz possa pronunciar-se sobre a procedência ou improcedência da ação, para que possa proferir decisão de mérito, não se confundindo com os requisitos que interessam ao mérito da causa. II - O que interessa saber através do pressuposto da legitimidade é qual a posição que devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo para que o juiz possa e deva pronunciar-se sobre o mérito. III - A exceção do não cumprimento do contrato não nega a qualquer das partes o direito ao cumprimento da obrigação, nem o dever de a outra cumprir a prestação. IV - O que decorre da mesma é a possibilidade de recusar a prestação por uma das partes enquanto a outra não efetuar a prestação que lhe cabe, ou seja, tem somente um efeito dilatório: a possibilidade de realização da prestação em momento ulterior, quando seja recebida a contraprestação. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório X – FUROS PARA CAPTAÇÃO DE ÁGUA, S.A., intentou ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contratos nos termos do Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09 contra N. R. E M. R., peticionando, a final, a condenação dos Requeridos no pagamento da quantia total de €8.930,90, acrescida de juros de mora a contar da data da instauração da ação até efetivo e integral pagamento. Alega, para tanto e em síntese, que no exercício da sua atividade de prestação de serviços de pesquisa de águas subterrâneas e sua captação, contratou com N. R. a execução de um furo de captação de água, tendo sido devidamente explicadas as condições do contrato. O início dos trabalhos ocorreu no dia 29 de julho, data previamente acordada com o primeiro Réu e ficaram concluídos a 31 de julho desse mesmo mês, tendo o Réu assinado o auto de receção e conformidade dos trabalhos. O valor total dos trabalhos executados ascende ao montante de € 7.496,85 (c/ IVA incluído). No dia 06/08/2019 foi emitida a fatura e remetida para o primeiro Réu, que não procedeu ao seu pagamento. Para além do valor em dívida, é devida a quantia de €1.349,43, a título de cláusula penal pelo incumprimento superior a 60 dias, em conformidade com a cláusula 10ª do contrato outorgado. Mais, alega que os Réus ficaram beneficiados com a realização da empreitada, com um furo que lhes permite a captação de água subterrânea e que valorizou o terreno, o que somente conseguiram à custa dos equipamentos, materiais e mão-de-obra fornecidos pela Autora, que ficou empobrecida no valor correspondente ao valor peticionado. Regularmente citados, vieram os Réus contestar invocando a exceção de ilegitimidade do primeiro Réu, alegando, em suma, que o Réu não entabulou quaisquer negociações ou outorgou qualquer contrato com a Autora. Mais, alegam que as negociações foram entabuladas com o segundo Réu, a quem foi garantido pelo responsável da Autora, depois de se deslocar ao prédio onde seria para executar o furo que naquele terreno havia água em qualquer sítio, bastando uma profundidade máxima de 60 metros para atingir o veio ou lençol freático, e que lhe indicou o preço por metro linear entre €22,50 e €30,00/m, dependendo do diâmetro do tubo. Que em julho de 2019, depois de ter contactado o responsável da Autora que lhe assegurou que os preços indicados se mantinham, o segundo Réu aceitou executar a obra e que uns dias depois e sem aviso prévio, a Autora deslocou para o local da obra maquinaria e trabalhadores, sendo que no local só se encontrava o primeiro Réu a quem foi pedido que assinasse uma folha em branco e que alegadamente era para aceder ao terreno e solicitar a licença para abertura do furo, documento que aquele assinou. Alegam ainda que cerca de uma semana depois da abertura do furo, o segundo Réu foi contactado para proceder ao pagamento do valor de €5.460,00, que recusou pagar por não estar de acordo com o preço ajustado e que nesse seguimento, o segundo Réu foi verificar e testar o furo, tendo constatado que não tinha água suficiente, porque só tirava 200 litros de água/hora, e tinha uma profundidade de 90 metros quando a Autora reclama uma profundidade de 110 metros. Mais, constatou que o veio da água se encontrava a 3 metros do local onde foi executado o furo e que para garantir o caudal de água necessário a uma profundidade não superior a 70 metros, o preço do furo era de € 2.230,00 (s/IVA). Mais, alegam que o segundo Réu não assinou qualquer documento. Sustentam os Réus que a Autora litiga com má-fé, alegando factos contrários à verdade e deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não ignora. A Autora respondeu pugnando pela legitimidade de ambos os Réus. No mais impugna os factos alegados, alegando em suma que os preços foram transmitidos ao primeiro Réu e constam expressamente mencionados no contrato por ele assinado e cujo conteúdo lhe foi lido e explicado antes da assinatura. Mais, impugna e reputa de falso que tivesse garantido a existência de água à profundidade máxima de 60 metros, não existindo qualquer método fidedigno e científico que permita saber a que profundidade existe água, sendo que o local onde foi executado o furo foi escolhido pelo primeiro Réu. Finalmente, alega que a obrigação assumida pela Autora é de meios e não de resultados, pelo que o perfeito cumprimento do contrato não está dependente da existência de água e do seu caudal. Invoca, ainda, a caducidade do direito dos Réus relativo às desconformidades entre o alegado como tendo sido contratado e o executado, sendo que a obra foi aceite sem qualquer reserva. Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência: - Condena-se o Réu N. R., a pagar à Autora a quantia de € 8.843,28 (oito mil oitocentos e quarenta e três euros e vinte e oito cêntimos). - Absolve-se o Réu M. R. do pedido. Custas da ação pela Autora e pelo Réu N. R., na proporção do decaimento (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC). Registe e notifique”. Inconformado, apelou da sentença o Réu N. R., concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1- Vem o presente recurso da douta sentença prolatada, com data de 24 de maio de 2022, que julgou a ação parcialmente procedente, condenando o recorrente a pagar à Autora a quantia de 8.843,28 €uros. 2- Salvo o sempre devido respeito, não traduz tal decisão um correto e assertório enquadramento dos factos, nem uma correta valoração da prova documental e da testemunhal produzida, tão pouco um criterioso e assertivo concatenar de tal prova com as regras da experiência e da lógica e as máximas da normalidade, e nem um acertado enquadramento técnico-jurídico das questões submetidas à apreciação jurisdicional. 3- A decisão em pronúncia procede, no entendimento do recorrente, de erro de julgamento da matéria de facto, e de desacertada aplicação da lei e do direito, encontrando-se a decisão em parcial contradição com a fundamentação de facto. 4- Por meio deste recurso procede-se, também, à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, concretamente no que tange à resposta (de provado) dada à matéria que consta das alíneas l) e m) dos “Factos provados”, à resposta (de não provada) dada à factualidade inserta nas alíneas a), f) e g) dos “Factos não provados”, e à não consideração, como provado, de que a água do furo feito pela Autora se mostra insuficiente para as necessidades e os fins que determinaram a contratação da sua execução por parte do segundo Réu. 5- Em ordem a decidir a matéria de facto e a sorte da ação o Tribunal de Primeira Instância julgou pelo seguro, agarrando-se, e ancorando-se, nos documentos, enquanto, prima facie, conferidores de uma maior segurança na prova e em ordem à decisão, o que, no concreto caso em análise, e face ao circunstanciado conspecto da assinatura do contrato, não deveria ter sido o caminho seguido. 6- Quanto à (em sede da contestação suscitada) questão da ilegitimidade do primeiro Ré, ora Apelante, pede-se, desde logo, a melhor atenção para a matéria de facto alegada pela Autora e dada como não provada sob as alíneas b) e c) dos “Factos não provados”, donde resulta que a Autora não provou que 4 ou 5 dias antes do início dos trabalhos o seu representante se tenha deslocado ao terreno e que ali tenha acordado, com o dito primeiro Réu, as condições do contrato. 7- Deve atentar-se, em segunda linha, na matéria fáctica dada como assente nas alíneas b), c), d), f), g), p), q), r), e t), dos “Factos Provados”. Efetivamente, 8- Resulta dos aludidos factos provados que, com a única exceção da assinatura dos documentos, todas as negociações tendentes à celebração do contrato de empreitada com a Autora, incluindo a iniciativa dos contactos para o efeito, o ajuste do preço, a solicitação da execução do furo, a apresentação dos valores a pagar no final dos trabalhos, a manifestação do desacordo com tais valores, a não entrega do relatório referente ao furo, e as diligências tendentes a apurar o caudal da água e o consequente cumprimento ou incumprimento do contrato se centram, invariavelmente, na pessoa do segundo Réu. Aliás, 9- A fls. 9, último parágrafo, da douta sentença em recurso a M.ma Juíza do Tribunal “a quo” não deixou de sublinhar, ancorando-se nas declarações da testemunha L. A., funcionário da Autora, que “… as condições do contrato foram previamente negociadas com o Réu M. R..” 10- O segundo Réu é, de resto, conforme alegado pela Autora, o proprietário do terreno onde o furo foi feito. 11- Ora, entenda-se que o primeiro Réu/Apelante tenha assinado o contrato em branco, ou parcialmente por preencher, ou entenda-se que o fez já preenchido, no todo ou em parte, certo é que o fez (a solicitação do colaborador da Autora, e porque no local se encontrava somente ele) quando não era ele o dono da obra, o interessado, ou a parte contratante. Diga-se que, 12- Não poderia o dito contrato encontrar-se já preenchido, no momento em que ao primeiro Réu foi apresentado para assinatura, atendendo a que parte do que nele consta como clausulado, escrito à mão (veja-se, por exemplo, o clausulado em “3.º”, no que concerne aos “diâmetros da perfuração”, o diâmetro da “coluna definitiva nas zonas de terreno alterado”, e o diâmetro da “coluna definitiva nas zonas de admissão da água”) apenas seria decidido, ou determinado, após a abertura do furo. De resto, 13- Não poderia o primeiro Réu, em consciência, ter assinado um contrato, de que fosse efetiva parte (a não ser confiando em que o que aí constava exarado correspondia fielmente ao que havia sido ajustado entre o seu pai e a Autora), quando certo é que o mesmo contém clausulado que se mostra perfeitamente abusivo (conforme melhor explanado foi nas antecedentes alegações). 12- Defende-se existir uma contradição entre a matéria fáctica neste particular dada como provada e a decisão condenatória do primeiro Réu/Apelante, porquanto não se poderia dar como provado que todas os contactos tendentes à celebração do contrato, as negociações dos seus termos ou cláusulas, a solicitação da execução do furo, o pedido de pagamento feito após tal execução, tiveram como partes intervenientes a Autora e o segundo Réu, e, a final, condenar-se o primeiro Réu no pagamento. 13- A dita contradição, entre os fundamentos e a decisão proferida, gera, no entender do recorrente, a nulidade da sentença prevista no artigo 615º, nº 1, alínea c), do C. P. Civil. SEM PRESCINDIR, 14- Entende-se ter havido erro de julgamento, na apreciação, avaliação, e valoração dos meios de prova e na decisão da matéria de facto dada como provada e como não provada, nos pontos seguidamente enunciados, que se consideram incorretamente julgados: 14.1- Alínea l) dos “Factos Provados”, entendendo-se que tal matéria deveria ter merecido a resposta de “não provado”, o que se defende tendo presente o declarado, na audiência final, não só pelo primeiro Réu/recorrente mas também pela testemunha L. A., que declarou que os termos do contrato haviam sido estabelecidos, de forma verbal, entre o senhor P. (representante da Autora) e o senhor M. R. (segundo Réu), que foi tal testemunha que manuscreveu no contrato de empreitada e no caderno de encargos, admitindo que o contrato trazia partes em branco, e que não leu tal contrato ao Réu N. R.. 14.2- Alínea m) dos “Factos provados” e alínea g) dos “Factos não provados”, prendendo-se a discordância do recorrente quanto ao dado como assente e ao não provado com a profundidade do furo, entendendo-se que deveria ter sido considerada, antes, uma profundidade não superior aos 90 metros (no máximo 100 metros), o que se defende levando em linha de conta o constante no “Auto de Receção e Conformidade dos Trabalhos“ (onde expressamente se refere que são “100“, e não 110, os “metros perfurados“), bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas S. J. e J. F.. 14.3- Alínea a) dos “Factos não provados”, defendendo-se que a matéria fáctica desta concreta alínea deveria ter merecido a resposta de “provado”, designadamente tendo como suporte as declarações prestadas, em audiência, pela testemunha (presencial dos factos) M. F.. 14.4- Alínea f) dos “Factos não provados”, entendendo-se que a matéria fáctica desta concreta alínea deveria ter merecido a resposta de “provado”, por reporte, designadamente, ao declarado pelas testemunhas A. E., S. J., e J. F.; 14.5- Defendendo-se, outrossim, que dos factos dados como provadas deveria constar um ponto (ou alínea) com a seguinte matéria fáctica: “A água do furo feito pela Autora mostra-se insuficiente para as necessidades e os fins que determinaram a contratação da execução de tal furo por parte do segundo Réu, e que passavam pela rega do jardim circundante à casa onde vive o filho, para lavagem das máquinas e veículos no estaleiro existente no terreno e para as lides ou gastos domésticos”, o que se suporta com base nas declarações adrede prestadas pelas testemunhas A. E., M. M., S. J., J. F. e M. F.. 15- Dos depoimentos das testemunhas M. M. e M. F. (conforme sublinhado é na sentença) mais resulta que foi o Administrador da Autora, M. P., quem, no terreno, procedeu à marcação do concreto local onde iria ser feito o furo, razão pela qual a nenhum dos Réus poderá ser imputada a responsabilidade pela escolha de um local onde não foi encontrada água, ou onde esta se veio a revelar de caudal muito reduzido e insuficiente. Acresce que, 16- Como assinalado vem a fls. 18, parágrafo segundo, da sentença em pronúncia, o contrato em apreço estabelece, na sua cláusula primeira, que a empreitada consiste na execução de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação definitiva caso as condições hidrogeológicas o aconselhem, do que resulta que somente se for viável a captação de água é que se deverá proceder aos trabalhos necessários à sua efetiva captação. 17- Também o Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de julho, em tal sentença coligido (a fls. 18), e, designadamente, o seu artigo 41º, nº 1, aponta no sentido de que a captação de águas subterrâneas compreende, na primeira das suas fases, “a pesquisa… efetuada com a finalidade de determinar a existência, em quantidade e qualidade, de águas subterrâneas”. 18- Importa, pois, concluir que o contrato apenas se poderia considerar perfeito, e ter a obrigação que sobre a Autora (enquanto empreiteira) impendia como cumprida, acaso a sondagem de pesquisa por esta executada tivesse encontrado água em qualidade e quantidade suficientes, em ordem a poder transformar-se essa sondagem em captação definitiva, o que, face ao reduzidíssimo caudal de água encontrado, nunca deveria ter ocorrido. Por outro lado, 19- Resultou assente na alínea p) dos “Factos provados” que a Autora não fez a entrega de um relatório do furo que executou, com a menção da capacidade do furo, o caudal, a medida do tubo necessário para extrair água e a potência do motor”. 20- Como assinalado vem na douta sentença em recurso, concretamente no último parágrafo de fls. 12 e 1º parágrafo de fls. 13, “A única obrigação que a Autora não cumpriu foi a elaboração no final da obra do relatório do furo. Analisando a tabela de preços, tudo indica que o relatório de furo fazia parte do contrato, uma vez que não consta que esse fosse facultativo…“. 21- Mais adiante, no último parágrafo de fls. 18 e 1º parágrafo de fls. 19 da dita sentença, referindo-se ao nº 3 do artigo 41º do citado Decreto-Lei nº 226-A/2007, o Tribunal “a quo” nota que tal preceito legal estabelece “… a exigência de apresentação de um relatório, no prazo de 60 dias, a contar da conclusão dos trabalhos de execução do poço ou furo, a ser elaborado pelo empreiteiro, com o enquadramento hidrogeológico, informação relativa aos trabalhos realizados, materiais e equipamentos aplicados na captação, assim como a definição das suas condições de exploração, proteção e manutenção”. 22- A fls. 20, parágrafo quinto, da mesma sentença, o Tribunal “a quo” nota, ainda, que “…a elaboração do relatório no final da conclusão dos trabalhos é uma exigência legal”; e que “… no contrato de empreitada celebrado resulta que a Autora se obrigou a elaborar o referido relatório final…”; 23- A argumentação expendida pelo Tribunal de Primeira Instância, quando entende que a Autora não cobrou qualquer custo por tal relatório, em função do que não colhe a exceção do não cumprimento, mostra-se, porém, infeliz, traduzindo uma fundamentação equívoca, deficiente e contraditória. 24- Repare-se que o dono da obra não tem qualquer controlo ou domínio sobre aquilo que a Autora faturou ou deixou de faturar (nunca lhe tendo pedido que à faturação do relatório não procedesse). 25- O Tribunal “a quo” também carece de legitimidade (sob pena, até, de violação do princípio do dispositivo) para se pronunciar sobre a eventual caducidade do direito de denúncia e ação por defeitos, até porque em momento algum veio a Autora, enquanto empreiteira, (sequer) alegar que tal denúncia não foi feita no prazo legalmente estabelecido (para além de que a existência de defeitos pode, sem dependência de prazo, ser aduzida por via de exceção, designadamente a do não cumprimento do contrato, como é o caso). 26- Mercê da alteração da matéria de facto, para a formulação que se propugna por via deste recurso, bem como da consideração do alegado quanto à falta de emissão e entrega do relatório do furo, impõe-se concluir pela verificação de razões motivantes e justificativas da procedência da arguida exceção de não cumprimento do contrato, em função do que deve o Réu ser absolvido do pedido. 27- Não pode deixar de concluir-se que, acaso assim não viesse a ser entendido, o Réu se verá na contingência de ter de pagar um valor (exorbitante) por um furo que de nada lhe serve, primeiramente porque a água que dele se consegue extrair é objetiva e notoriamente insuficiente para a satisfação das necessidades que determinaram a contratualização da sua execução, e, em segundo lugar, porque um tal furo, sem o dito relatório, não é passível de ser licenciado e registado, permanecendo, pois, ad aeternum, em situação de ilegalidade. 28- Condenar o Apelante no circunstancialismo que acaba de se expor fere, choca, e ofende, gravemente, o sentimento de Justiça dominante na comunidade. POR FIM, E AINDA SEM PRESCINDIR, 29- Mesmo que o primeiro Réu/Apelante não viesse a ser julgado como parte ilegítima, e mesmo que pela modificação da matéria de facto e verificação da exceção do não cumprimento do contrato se não viesse a concluir (no que não se pode conceder), entende-se que os metros de furo a pagar não poderiam ultrapassar os 90,00, e, de outra banda, o valor a pagar pelo furo teria de ter como base de cálculo os preços enunciados no cartão de apresentação junto com a contestação como documento nº 1 e que reproduzidos foram sob a alínea c) dos “Factos provados”. 30- Relembrando-se, neste particular, que as negociações dos termos do contrato (incluindo, como é óbvio, os preços) foram estabelecidas, de forma verbal (e não por via do contrato escrito) com o segundo Réu, M. R. (e não com o primeiro Réu, N. R.); 31- Nenhuma prova resultando dos autos, nem constando dos “Factos provados”, que aponte para um ajuste de outra ordem de preços/valores. 32- Não o entendendo conforme explanado nestas alegações, a douta sentença objeto deste recurso violou, além do mais, o disposto nos artigos 406º, nº 1, 428º, 1.208º e 1.209º, nº 2, do Código Civil, e os artigos 5º, nº 1, e 615º, nº 1, alínea c), do C. P. Civil.” Pugna o Réu pela integral procedência do recurso, e pela revogação da sentença recorrida, e sua substituição por outra que julgue verificada a exceção da ilegitimidade do Recorrente, absolvendo-o da instância, ou, caso assim não seja entendido, que julgue verificada a exceção do não cumprimento do contrato, absolvendo-o do pedido, julgando, em qualquer dos casos, a ação totalmente improcedente. A Autora veio apresentar contra-alegações ao recurso do Réu pugnando pela integral improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC). As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes: 1 – Saber se a sentença é nula por alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC; 2 – Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto; 3 – Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos. *** III. FUNDAMENTAÇÃO3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância (transcrição): a) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras, a prestação de serviços de pesquisa de água subterrâneas e sua captação. b) Em data não concretamente apurada entre os anos de 2017/2018, o segundo Réu contactou telefonicamente a Autora, através do seu representante legal, M. P., transmitindo-lhe a sua intenção de contratar a execução de um furo num prédio onde reside o filho, o segundo Réu N. R., sito na Estrada …, freguesia de …, concelho de Caminha. c) No seguimento do aludido contacto, o representante legal da Autora deslocou-se ao prédio em questão, tendo informado o Réu M. R. dos preços por metro de perfuração (tubo 180 mm - € 22,50; 190mm - € 25,00 e 225 mm - € 30,00), os quais anotou no verso de um cartão de apresentação (cartão de visita) que entregou ao segundo Réu. d) Em julho de 2019, o segundo Réu contactou, novamente, a Autora, na pessoa do seu representante legal, M. P., solicitando a execução do furo. e) No dia 29 de julho, a Autora deslocou para o terreno os seus trabalhadores, as suas máquinas e equipamentos para dar início à execução do furo. f) No local somente se encontrava o Réu N. R., a quem foi apresentado o contrato de empreitada acompanhado de um caderno de encargos e preços por metro, tendo-lhe sido solicitado que os assinasse. g) O Réu N. R. assinou os documentos apresentados. h) Consta do referido contrato (cláusula 3ª) que “O dono da obra obriga-se a pagar a totalidade dos metros perfurados, independentemente de se conseguir revestir a perfuração na sua totalidade.” i) Mais, consta da referida cláusula 3ª as seguintes condições: - “Diâmetros da perfuração serão de 10/ ½ e 7 respetivamente; - A coluna definitiva nas zonas de terreno alterado será em PVC rígido de encaixe com diâmetro de 225 mm. - A coluna definitiva nas zonas de admissão de água (tubos ralos), no maciço rochoso será em PVC (encaixe ou georroscado) com diâmetro de 140 mm. - A obrigação assumida pelo empreiteiro é de meios e não de resultados; - O método de perfuração a utilizar será o de roto-percusão por ar comprimido (martelo de fundo de furo). - O material a utilizar no maciço filtrante para estabilizar os materiais finos eventualmente encontrados, de forma a evitar o seu arrastamento durante a exploração da captação; Será areão cilicioso 3,8 mm. j) Consta, ainda, da cláusula 9ª o seguinte: “Os preços praticados pela empresa são os da tabela de Preço por Metro em anexo; Aos preços acordados acresce o IVA à taxa legal em vigor; Os pagamentos deverão ser efetuados a pronto e na sequência da execução dos trabalhos, exceto se outras condições vierem a ser definidas nas condições especiais. k) Mais, consta na cláusula 10ª que “O incumprimento do acordo de pagamento superior a 15 dias e até 60 dias implica uma cláusula penal correspondente a um acréscimo de 12% do valor da faturação e o incumprimento de valor superior a 60 dias, implica o acréscimo de 18% da faturação.” l) O conteúdo do contrato foi explicado ao primeiro Réu. m) Os trabalhos iniciaram-se nesse mesmo dia e foram dados como concluídos no dia 31/07/2019, tendo o furo atingido os 110 m de profundidade, a 7 polegadas com tubo de revestimento de 140mm x 1.0 Mpa, e 27 m de perfuração a 10/1/2 com tubo de isolamento de 225 mm x 1.0 Mpa, e colocação de areão silicioso e impermeabilização betuminosa. n) No final dos trabalhos, o furo registava um caudal de 200l/h. o) No final da execução dos trabalhos o primeiro Réu assinou o auto de receção e conformidade dos trabalhos. p) A Autora não entregou ao segundo Réu um relatório com a menção da capacidade do furo, com o caudal, com a medida do tubo necessário para extrair água e com a potência do motor. q) Uns dias depois do final dos trabalhos, o colaborador da Autora L. A. contactou o segundo Réu e ambos encontraram-se no prédio onde foi executado o furo tendo aquele informado do valor final do trabalho, valor com o qual o segundo Réu não concordou. r) Por forma a verificar se o terreno tinha ou não água, o segundo Réu levou uma outra pessoa ao terreno que efetuou uma sondagem com o uso de uma vara de vime, e que o informou que o veio da água necessário não estava onde havia sido aberto o furo, mas antes à distância de 3 metros desse preciso local. s) A Autora emitiu a fatura referente aos trabalhos executados, com o nº FA 2019/149, com data de emissão e vencimento de 06/08/2019, no montante total de € 7.496,85. t) A referida fatura foi enviada através de carta registada com AR para o primeiro Réu, que recusou a respetiva entrega. u) Por cartas datadas de 10/09/2019, a Autora interpelou ambos os Réus para procederem ao pagamento da fatura referida. v) Por carta registada datada de 17 de Setembro de 2019, o mandatário dos Réus respondeu à carta de interpelação, tendo denunciado que “foi garantida, pelo representante da “X…” e, após sondagem no local, a existência de água a uma profundidade inferior aos 100 metros, tendo-se constatado pelas verificações agora feitas no local, que a profundidade atingida foi de 90 metros, mas intentando a “X, S.A., cobrar, de acordo com o que ao nosso representado foi transmitido por um funcionário ou colaborador da sociedade, uma profundidade de 110 metros. Mais: foi garantida ao senhor M. R., pelo dito representante, que o do furo a abrir resultaria um caudal, com água de qualidade, nunca inferior a 6.000 litros/água, verificando-se agora que a água resultante do furo feito é insignificante ou residual (e tal porquanto, segundo o nosso representado foi agora informado, que o furo aberto o foi a cerca de 3 metros do concreto ponto onde passa a veia ou curso de água com o qual o furo deveria entroncar. (…)” *** Factos considerados não provados em Primeira Instância:a) Quando o representante da Autora se deslocou ao terreno na altura referida em dos factos provados, percorreu-o e garantiu ao segundo Réu que naquele prédio havia água em qualquer sítio. b) Em julho de 2019, 4 ou 5 dias antes dia 29, o representante da Autora, deslocou-se ao terreno e ali encontrou-se com o primeiro Réu, com quem acordou as condições do contrato. c) Mais, acordaram que o início dos trabalhos ocorreria no dia 29 de julho para início dos trabalhos. d) No dia em que foram iniciados os trabalhos, um dos colaboradores da Autora solicitou ao primeiro Réu que assinasse uma folha em branco, afirmando-lhe que era necessário para aceder ao terreno e solicitar a licença para abertura do furo. e) Tal documento foi assinado pelo primeiro Réu de boa-fé e na base da confiança, sem o ler e sem lhe ter sido lido. f) O caudal normal ou habitual num furo da natureza do que foi acordado regista, no mínimo 1.000 l/hora, e a correr continuamente. g) A profundidade do furo aberto não ultrapassa os 90 metros; h) O tubo externo tem 220 mm com a profundidade de 24 metros e a bomba utilizada para extrair água não vai além dos 90 metros. i) A Autora agiu com o intuito de enganar o segundo Réu, tendo optado por fazer um furo num local onde a profundidade para captar água era maior, visando cobrar-lhe custos acrescidos, aproveitando a ignorância do 2º Réu, assim como a sua ausência no terreno aquando da abertura do furo, e, por essa razão, impossibilitado de fiscalizar o andamento dos trabalhos de perfuração. j) Com o objetivo de otimizar ao máximo a maquinaria, os equipamentos e a mão-de-obra que fez deslocar para o terreno. *** 3.2. Da nulidade da sentença O artigo 615º do CPC prevê de forma taxativa as causas de nulidade da sentença. Assim, dispõe o n.º 1 deste preceito que: “1- É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”. As causas de nulidade taxativamente enumeradas no artigo 615º não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. De facto, as decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respetiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respetiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º. Não deve por isso confundir-se o erro de julgamento e muito menos o inconformismo quanto ao teor da decisão com os vícios que determinam as nulidades em causa. Segundo sustenta o Recorrente está em causa a nulidade prevista na alínea c) do referido preceito. Vejamos então se lhe assiste razão analisando a decisão recorrida e a argumentação do Recorrente. A nulidade prevista na alínea c) pressupõe que os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Esta nulidade está relacionada com a obrigação imposta pelos artigos 154º e 607º, n.ºs 3 e 4, ambos do CPC, do juiz fundamentar as suas decisões e com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão final seja a consequência ou conclusão lógica da aplicação da norma legal aos factos. Por outras palavras, “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário”. Logo, “constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada” (Acórdão da Relação de Guimarães, de 14/05/2015, Processo n.º 414/13.6TBVVD.G, disponível em www.dgsi.pt). Como se escreve no sumário do Acórdão da Relação de Évora de 03/11/2016 (Relator Desembargador Tomé Ramião, também disponível em www.dgsi.pt) “(…) 2. A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. 3. A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2.ª parte do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil”. O Recorrente considera verificar-se a invocada nulidade por existir contradição entre a matéria de facto dada como provada e a condenação do Recorrente, por entender que não pode dar-se como provado que os contactos tendentes à celebração do contrato, as negociações dos seus termos ou cláusulas, a solicitação da execução do furo, o pedido de pagamento feito após tal execução, tiveram como partes intervenientes a Autora e o segundo Réu, e a final, condenar-se o primeiro Réu no pagamento. E, analisada a decisão recorrida não vemos que a mesma padeça de ambiguidade ou obscuridade, que a torne ininteligível, e nem que os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Na verdade, se atentarmos na matéria de facto provada o que resulta é que entre os anos de 2017/2018 o segundo Réu contatou a Autora com intenção de contratar a execução de um furo num prédio onde residia o seu filho, aqui Recorrente, e a Autora informou-o dos preços, que em julho de 2019 contactou novamente a Autora para execução do furo, mas quando a Autora se deslocou para dar inicio à execução do muro quem se encontrava presente no local era o Recorrente, que assinou o contrato de empreitada, na qualidade de contraente, e caderno de encargos que lhe foram apresentados, que foi quem assinou também o auto de receção e conformidade dos trabalhos junto a fls. 12 dos autos. Não entendemos, por isso, que exista qualquer erro ou vício lógico ou silogístico entre os fundamentos e a decisão; o julgador entendeu que os factos apurados se subsumiam nas normas invocadas tidas por pertinentes e, lógica e consequentemente, concluiu em conformidade com o por ele tido por mais adequado, entendendo que o aqui Recorrente é que celebrou o contrato de empreitada com a Autora pois foi quem assumiu a qualidade de dono da obra e assinou o respetivo contrato. Questão diferente é a de saber se tal conclusão é a mais curial e consentânea com os factos e as normas legais, e a melhor interpretação que de tais factos e normas deve ser feita. Isto é, o cerne da questão não se prende com a nulidade da sentença, mas sim, com a legalidade e mérito do decidido. Assim, analisada a sentença proferida em 1ª Instância não se verifica a invocada nulidade, improcedendo desde já e nesta parte o recurso. *** 3.3. Da modificabilidade da decisão de facto O recurso interposto pelo Réu N. R. visa a reapreciação da decisão de facto. Decorre do n.º 1 do artigo 662º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do CPC, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto. In casu, mostram-se cumpridos pelo Recorrente os ónus impostos pelo artigo 640º n.º 1 do CPC. De facto, manifesta o Recorrente a sua discordância quanto à valoração da prova e à convicção formada pelo tribunal a quo, relativamente aos pontos l) e m) dos factos provados e aos pontos a), f) e g) dos factos não provados, indicando os meios probatórios que em seu entender impunham decisão diversa e contrapondo a sua própria convicção. Mas, e diga-se desde já, a prova há-de ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica. Conforme decorre do disposto no artigo 607º n.º 5 do CPC a prova é apreciada livremente; prevê este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º). Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384) “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas”. A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Atualizada, p. 435 a 436). Está por isso em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta. É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que se impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Obra Cit. p. 655). O “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325). É, por isso, o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, que está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto; neste sentido salienta Ana Luísa Geraldes (Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, página 609) que “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”. Na verdade, a questão que se coloca relativamente à prova, quer na 1.ª Instância quer na Relação, é sempre a da valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação, pois que, em ambos os casos, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios. Na motivação da sentença recorrida (que aqui transcrevemos) o tribunal a quo pronunciou-se da seguinte forma: “Na consideração da factualidade provada e não provada, o tribunal estribou a sua convicção no acervo documental junto aos autos, fundamentalmente no teor do original do contrato de empreitada, caderno de encargos, e tabela de preços anexa, no auto de receção e conformidade dos trabalhos, em versão original, e na fatura junta pela Autora, em conjugação com os depoimentos prestados em sede de audiência final pelas testemunhas L. A., I. S., A. E., M. M., S. J., J. F., M. F., e nas declarações de parte e depoimentos de parte do Legal Representante da Autora e dos Réus, e ainda no teor do relatório pericial às assinaturas apostas no contrato de empreitada, caderno de encargos e auto de receção e conformidade dos trabalhos, tudo analisado à luz das regras da experiência comum e normalidade social. No que respeita à formação e conclusão do contrato, o tribunal assentou a sua convicção fundamentalmente no teor do contrato reduzido a escrito, e que foi objeto de perícia à assinatura – quer do contrato propriamente dito, quer do caderno de encargos que dele faz parte e que, afinal, traduz, as cláusulas do contrato – perícia essa que concluiu como muito provável que as assinaturas que constam do contrato de empreitada, do caderno de encargos e do auto de receção e conformidade dos trabalhos são da autoria do Réu N. R.. De realçar que a perícia realizada assenta nos conhecimentos técnico-científicos dos peritos que a realizaram, e de que o Juiz se encontra naturalmente subtraído, sendo certo que se considera que é seguro afirmar que as assinaturas sujeitas a exame são da autoria do Réu N. R.. De realçar, que a tese da defesa de impugnar essas assinaturas, cai por terra, tanto mais que o Réu N. R., confrontado com elas, admitiu, em declarações de parte, a autoria das mesmas. Não obstante, numa atitude de se eximir da sua responsabilidade sempre foi dizendo que não leu o teor dos documentos e que o colaborador da Autora que os apresentou não leu nem lhe deu qualquer explicação sobre o seu teor. Ora, mandam as regras de prudência, cuidado e atenção que nenhum cidadão deverá assinar um documento sem o ler previamente e pedir esclarecimentos sobre o seu teor se não se julgar devidamente esclarecido. De salientar que o contrato em apreço nos autos está redigido em letra bem visível, e não em letras minúsculas, sendo que os títulos (bem sugestivos) estão escritos em letras garrafais, bem visíveis (letra maiúscula e a bold), insuscetíveis de serem confundidas com um simples pedido de autorização para aceder ao terreno. O Réu declarou que assinou o contrato na base da confiança, mas questiona-se que confiança lhe pode gerar a pessoa que a ele se apresentou que nunca havia conhecido antes? Nem sequer ficou demonstrado que o Réu seja uma pessoa especialmente vulnerável ou ingénua suscetível de cair num engodo, como descrito na oposição, até porque dedica-se a uma atividade industrial juntamente com o pai, habituado a estabelecer relações comerciais, pelo que não é minimamente credível que não estivesse familiarizado com o tipo de contrato em apreço nos autos, com os seus termos e condições, e que fosse assinar sem ao menos ler o que estava a assinar, não podendo desconhecer ou ignorar que ao apor a sua assinatura no contrato estar-se-ia a vincular às obrigações dele decorrentes. Não colhem também as suas declarações quanto ao facto do contrato se encontrar parcialmente em branco, no que concerne aos dizeres manuscritos, até porque a comparação dos dizeres manuscritos e da assinatura do Réu neles aposta, sugere que foram efetuadas com a mesma esferográfica, o que nos remete para a contemporaneidade do preenchimento e aposição das assinaturas. Acresce que o seu depoimento é frontalmente contrariado pela testemunha L. A. que apresentou o contrato ao Réu N. R. e que atestou que explicou todo o conteúdo do contrato e que o Réu o leu previamente sem que lhe pedisse qualquer esclarecimento. Mais, confirmou que completou o preenchimento do contrato no local segundo as instruções que lhe foram fornecidas pelo Administrador da Autora. No mais, esclareceu que as condições do contrato foram previamente negociadas com o Réu M. R.. Ambos os Réus declararam que não lhe foi fornecida cópia do contrato nem dos demais documentos, o que se infere, igualmente, dos depoimentos da testemunha L. A. e do legal representante da Autora. No que respeita, ainda, às negociações dos termos do contrato a testemunha L. A. confirmou que as mesmas ocorreram com o Réu M. R.. Relevaram, ainda, os depoimentos das testemunhas M. M. e M. F. que presenciaram um encontro havido entre o Réu M. R. e o Administrador da Autora no terreno, para marcar o furo, atribuindo a referida marcação ao representante da Autora, e presenciaram a entrega por parte deste ao Réu de um cartão onde foram anotados os preços, sendo certo que a testemunha M. F. remonta tal encontro ao final de 2018, confirmando, nessa parte a versão do Réu M. R. relativamente à ocorrência do dito encontro, e que este situou em Setembro/Outubro de 2018. Os Réus juntaram aos autos cópia do referido cartão, onde consta que o preço, por metro, do tubo de boca de 225mm era, à data, de € 30,00/m. Tais elementos vêm confirmar que o preço era em função da profundidade do furo e em função da largura do tubo, sendo de realçar que entre esse momento e a execução efetiva do furo decorreram 9/10 meses, sendo plausível que nesse período os preços unitários se tenham alterado. A demonstrar que os preços são voláteis e sujeitos a alterações constantes, temos o próprio orçamento junto pelos Réus (doc. nº 2 junto com a contestação), onde consta que o orçamento tem apenas uma validade de 30 dias, e é uma mera previsão, estando previsto expressamente a necessidade de perfuração de mais metros e revestimento para garantir o mínimo de água. No que concerne, às condições que foram negociadas previamente, a testemunha M. M., que assistiu ao dito encontro, revela contradições que, em nosso entender, põe a causa a exatidão do seu depoimento. Com efeito, é de salientar que a dita testemunha nem sequer se terá apercebido quem marcou o local onde iria ser executado, mas afirmou que o representante da Autora garantiu água a partir dos 60 metros. A testemunha estaria a trabalhar no prédio no estaleiro dos Réus, ao que se julga ocupado nas tarefas de que se encontrava incumbido, pelo que não é credível que nem sequer se tivesse apercebido de quem procedeu à marcação do local onde iria ser executado o furo e tenha ouvido a ser garantida a existência de água a 60 metros de profundidade. Porém, ainda que se desse essa garantia como um dado adquirido, daqui não se infere que tenha sido acordado que a profundidade do furo era de 60 metros. A testemunha M. F. que terá igualmente assistido ao referido encontro, foi perentório ao afirmar que o preço dependeria dos metros de perfuração, o que quer dizer que a profundidade do furo era aleatória, dependendo da profundidade onde fosse encontrada água. No entanto, atendendo ao hiato temporal que mediou entre esse encontro e a decisão de avançar com o furo, sem que tenham ocorrido quaisquer outras conversações, demonstra que essa negociação terminou antes de ser concluída e não deu lugar a qualquer contrato. O que aconteceu é que 9/10 meses mais tarde foi retomada essa intenção de executar o furo, tendo sido estabelecidos novos contactos entre as partes. Ora, nenhuma testemunha revelou ter qualquer conhecimento sobre o retomar das negociações. Quanto a elas apenas temos os depoimentos do legal representante da Autora e o Réu M. R.. O representante legal da Autora confirmou que foi novamente contactado pelo Réu M. F. em 2019, mas se por um lado não confirmou ter estado no local em 2018, por outro lado, afirma que se deslocou ao terreno na sequência desse contacto, onde foi recebido pelo Réu N. R., tendo sido com este que negociou as condições do contrato. Mais, referiu que o Sr. N. R. é que escolheu o furo de 225 mm, com perfuração a 7 polegadas, a quem explicou que os preços tinham, entretanto, alterado. Acontece que, este encontro com o Sr. N. R. e ajuste de condições é negado quer pelo Réu N. R., quer pelo Réu M. R.. Por outro lado, ninguém confirmou a versão do Réu M. R. de que lhe foi garantido pelo representante da Autora que os preços se mantinham aqueles que tinham sido indicados em 2018. Assim, conclui-se que a Autora não logrou provar que celebrou qualquer contrato com o Réu M. R., não existindo qualquer elemento probatório que corrobore, a negociação do contrato em apreço nos autos com o referido Réu, designadamente prova testemunhal. Resta-nos o contrato escrito, que apenas vincula o Réu N. R. que foi quem o assinou, e que o fez na qualidade de dono da obra, como expressamente consta da clausula 2ª do contrato, sob a epígrafe “fiscalização”. O Réu pretendeu convencer que era completamente alheio ao contrato em apreço nos autos, porém, a sua postura de alheamento não convenceu o tribunal, pois resultou da prova produzida que o furo e a água que viesse a ser nele captada destinava-se não só para as atividades do estaleiro que ambos os Réus detêm no referido terreno, mas também para consumo da casa de habitação onde reside o Réu N. R. e rega do logradouro ajardinado que a circunda. Assim, é evidente que era do interesse do Réu a execução do furo, cuja obra acompanhou, até porque o seu pai reside habitualmente em Melgaço e por essa razão não podia acompanhar a obra. Diríamos mais, o Réu N. R. não só acompanhou a execução de todos os trabalhos, como fiscalizou-os, e, por essa razão, também assinou o auto de receção da obra e conformidade dos trabalhos. Com efeito, relembre-se que a perícia à assinatura também analisou a assinatura constante do referido auto, atribuída ao Réu, tenho concluído ser muito provável que a referida assinatura foi manuscrita pelo seu punho. Isso mesmo foi confirmado pela testemunha I. S., trabalhador da Autora, que interveio na execução de todos os trabalhos, uma vez que era o manobrador das máquinas que executaram o furo. A referida testemunha corroborou, ainda, todo o teor do referido auto, designadamente quanto aos metros perfurados (110m), diâmetro dos tubos colocados e metros respetivos, colocação de areão e isolamento betuminoso, bem como o caudal medido de 200/h. Esta testemunha esclareceu, ainda, que mediu o caudal na presença do Réu N. R. o qual não apresentou qualquer reclamação nem reserva em assinar o auto de receção. Mais, acrescentou que quando atingiram a profundidade de 110 m, o Réu N. R. mandou parar os trabalhos. Acrescentou, ainda, que encontraram água aos 82 m de profundidade, mas tiveram que perfurar mais, porque a bomba de extração de água tem de ficar abaixo do veio e acima do fundo, antes do areão e do isolamento betuminoso. É inquestionável que a Autora executou um furo de sondagem e captação de água em conformidade com o teor do contrato no que respeita ao diâmetro das tubagens (225 mm na zona de encaixe e 140 mm em toda a profundidade), sendo que a tabela de preços foi apresentada ao Réu N. R., no momento em que lhe foi apresentado o contrato, tabela de preços que ele igualmente assinou. A única obrigação que a Autora não cumpriu foi a elaboração no final da obra do relatório do furo. Analisando a tabela de preços, tudo indica que o relatório de furo fazia parte do contrato, uma vez que não consta que esse fosse facultativo, ao contrário da colocação de areão silicioso e da impermeabilização bentonitica, que eram trabalhos a mais, conforme resulta do art.º 6º do contrato, sendo que nos trabalhos a mais não se faz qualquer menção à elaboração do relatório do furo. Quanto à necessidade da existência do relatório depuseram as testemunhas A. E. e J. F., que esclareceram que no final da execução da obra, a empresa emite um relatório que tem de ser entregue na APA para registar o furo. A testemunha A. E., S. J. e J. F. não presenciaram nem as negociações, nem a contratação nem a execução do furo. A testemunha A. E. limitou-se a referir, com base na sua experiência, que o local onde se situa o terreno é um local de água em abundância. No mais esclareceu, também com base na sua experiência pessoal, que não havendo água ou sendo a água insuficiente, o normal é que a empresa faça outro furo noutro local. Por seu turno, a testemunha S. J. confirmou que o Réu M. R. o chamou ao local, para testarem a água, tendo confirmado que a água que o furo dava era insuficiente para as necessidades, ou seja, para consumo na habitação do Réu N. R. e rega do jardim e do terreno e utilização nas atividades do estaleiro. Esclareceu, ainda, que tentou mediar o conflito entre a Autora e os Réus, uma vez que tinha uma boa relação com o representante legal da Autora, tendo proposto que fizesse ou novo furo, solução que este recusou. Por sua vez, a testemunha J. F. é vedor, ou seja, faz marcações para a execução de furos de captação de água, com base na sua experiência e saber adquirido durante anos, tendo afirmado que foi ao terreno depois do furo executado e constatou que aquele estava mal marcado, tendo constatado que perto existiam três pontos onde há água em abundância. Ambas as últimas testemunhas confirmaram que constataram no teste que fizeram no local que só era possível extrair 200 l, mas depois de uma hora de espera só deu 120 l de água. De realçar que, no caso concreto, a Autora não apresentou qualquer orçamento formal para a execução do furo que se propunha realizar, mas apenas informou do preço por metro de profundidade, que é o habitual neste tipo de contrato. Veja-se que o orçamento que os Réus juntaram com a sua contestação e que se destinava a comprovar que o valor final da obra apresentado pela Autora está inflacionado constitui uma mera estimativa. Conforme resulta do seu teor trata-se de uma previsão para 70 metros de profundidade, salvaguardando a necessidade de perfurar mais metros, situação que implicará o pagamento extra dos metros a mais que sejam perfurados.” Analisando a motivação exposta pelo tribunal a quo verificamos que, na análise da prova produzida em audiência, equacionou a prova testemunhal produzida, bem como a prova documental e as declarações prestadas pelo legal representante da Autora e pelos Réus. E fê-lo de forma crítica e fundamentada, esclarecendo através de raciocínio lógico a forma como formou a sua convicção, especificando os fundamentos decisivos para a formação da mesma e justificando os motivos da sua decisão, esclarecendo de forma fundamentada os motivos da opção tomada. Vejamos então se assiste razão ao Recorrente, analisando a sua argumentação. Quanto ao ponto l) dos factos provados: “l) O conteúdo do contrato foi explicado ao primeiro Réu”. Sustenta o Recorrente que tal matéria de facto deve ser dada como não provada e invoca as declarações da testemunha L. A., funcionário da Autora, e o facto de no momento da apresentação dos documentos apenas esta e o Recorrente se encontrarem presentes. Entende o Recorrente que, por isso, difícil seria de convencer o tribunal de que tais documentos foram assinados pelo Réu sem os ler nem lhe terem sido lidos; transcreve, no entanto, uma pequena parte do depoimento daquela testemunha. Importa começar por referir que a “dificuldade em convencer” o tribunal resulta desde logo da própria postura do Recorrente ao longo do processo, a qual retira credibilidade às suas declarações. Vejamos. Tendo a Autora junto aos autos o contrato de empreitada, o caderno de encargos e o auto de receção o Recorrente na contestação referiu ter assinado apenas uma única folha em branco e estar convicto que não é nenhuma das assinaturas que constam dos documentos, assinaturas e rubricas que alegou terem sido falsificadas e que motivou a realização de exame pericial em cujo relatório se conclui “como muito provável” que sejam da sua autoria. Já na audiência, após conhecimento do referido resultado da perícia, e quando confrontado com as assinaturas, admitiu a autoria das mesmas, mas referindo que apenas assinou dois documentos, não rubricou, não leu o seu teor e que o colaborador da Autora que os apresentou não leu nem lhe deu qualquer explicação sobre o seu teor. Negou ainda a assinatura constante do auto de receção (documento de fls. 63), afirmando que quando saíram da obra não lhe disseram nada. Tais declarações são contrariadas pelas da testemunha I. S., funcionário da Autora manobrador das máquinas que realizou o furo e que preencheu o auto de receção no fim da obra, confirmando com o Recorrente os metros de perfuração, e esclarecendo que o documento se destina a ser entregue nos escritórios da Autora para procederem à faturação. Tais declarações são mais conformes às regras de experiência e normalidade, mas também com o relatório da perícia que considerou como muito provável a assinatura ser da autoria do recorrente em todos os documentos, designadamente no auto de receção. Ouvido o depoimento do funcionário da Autora, L. A., as suas declarações são também opostas às do Recorrente, afirmando que foi ele quem escreveu as partes manuscritas, que o Réu assinou e rubricou todas as páginas, que lhe deu os documentos dizendo para os ler e que se tivesse qualquer dúvida o esclareceria, que o Réu leu e questionou algumas coisas, designadamente a parte respeitante a ser uma obrigação de meios e não de resultados. Ora, como bem é salientado pelo tribunal a quo “mandam as regras de prudência, cuidado e atenção que nenhum cidadão deverá assinar um documento sem o ler previamente e pedir esclarecimentos sobre o seu teor se não se julgar devidamente esclarecido. De salientar que o contrato em apreço nos autos está redigido em letra bem visível, e não em letras minúsculas, sendo que os títulos (bem sugestivos) estão escritos em letras garrafais, bem visíveis (letra maiúscula e a bold), insuscetíveis de serem confundidas com um simples pedido de autorização para aceder ao terreno. O Réu declarou que assinou o contrato na base da confiança, mas questiona-se que confiança lhe pode gerar a pessoa que a ele se apresentou que nunca havia conhecido antes? Nem sequer ficou demonstrado que o Réu seja uma pessoa especialmente vulnerável ou ingénua suscetível de cair num engodo, como descrito na oposição, até porque dedica-se a uma atividade industrial juntamente com o pai, habituado a estabelecer relações comerciais, pelo que não é minimamente credível que não estivesse familiarizado com o tipo de contrato em apreço nos autos, com os seus termos e condições, e que fosse assinar sem ao menos ler o que estava a assinar, não podendo desconhecer ou ignorar que ao apor a sua assinatura no contrato estar-se-ia a vincular às obrigações dele decorrentes.” De facto, se atentarmos se atentarmos nos documentos em causa salta de imediato à evidencia os títulos dos mesmos: “CONTRATO DE EMPREITADA”, “CADERNO DE ENCARGOS” e “Preço por metro”, sendo certo que imediatamente antes da sua assinatura no documento “CADERNO DE ENCARGOS”, consta expressamente a menção “O dono da obra”. Daqui resulta, em face da prova produzida nos autos, documental, pericial e testemunhal, a falta de sustentação e credibilidade que é possível atribuir às declarações do Recorrente. E, atentando nas declarações da testemunha L. A., temos de concluir que o conteúdo do contrato lhe foi explicado pois que esta lhe disse para ler os documentos e que se tivesse qualquer dúvida o esclareceria, tendo o Réu questionado algumas coisas, que lhe explicitou. Inexiste, por isso, fundamento para alterar o ponto l) dos factos provados. * Quanto ao ponto m) dos factos provados e g) dos factos não provados“m) Os trabalhos iniciaram-se nesse mesmo dia e foram dados como concluídos no dia 31/07/2019, tendo o furo atingido os 110 m de profundidade, a 7 polegadas com tubo de revestimento de 140mm x 1.0 Mpa, e 27 m de perfuração a 10/1/2 com tubo de isolamento de 225 mm x 1.0 Mpa, e colocação de areão silicioso e impermeabilização betuminosa”. g) A profundidade do furo aberto não ultrapassa os 90 metros”. A não concordância do Recorrente prende-se com a profundidade do furo. Sustenta que deve ser considerada uma profundidade não superior aos 90 metros (no máximo 100 metros), considerando o constante no “Auto de Receção e Conformidade dos Trabalhos” onde expressamente se refere que são “100“, e não 110, os “metros perfurados”, bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas S. J. e J. F.. Vejamos. Julgamos que apenas por manifesto equivoco pode o Recorrente afirmar que no “Auto de Receção e Conformidade dos Trabalhos” se refere expressamente que são 100, e não 110, os metros perfurados. De facto, é patente que do referido documento (cujo original se encontra a fls. 63) consta expressamente “Metros Perfurados 110”, bem como, 110 metros de tudo de revestimento de 140 mm. Acresce que das declarações da já referida testemunha que executou o furo, o funcionário da Autora I. S., resulta que preencheu o referido auto de receção no fim da obra e o deu a assinar ao Réu, tendo este confirmado consigo os metros, vendo os ferros que retirou, sendo que cada ferro tem 3 metros; esclareceu que vão furando e colocando os ferros e que retirou 36 ferros do furo perfazendo 108 metros a que acresce a medida do martelo que tem dois metros. É certo que as testemunhas S. J. e J. F. referem que metida a bomba não desce mais de 88 ou 98 metros; porém, e sem qualquer outra comprovação, tais declarações são contrariadas pela demais prova produzida nos autos, em particular as declarações da testemunha I. S. que são corroboradas pelo teor do documento “Auto de Receção e Conformidade dos Trabalhos”, que afirma ter sido assinado pelo Recorrente, e cuja assinatura objeto a perícia concluiu ser muito provável ser da autoria deste. Inexiste, por isso, fundamento para alterar a redação dos pontos m) dos factos provados e g) dos factos não provados. * Quanto à alínea a) dos factos não provados“a) Quando o representante da Autora se deslocou ao terreno na altura referida em dos factos provados, percorreu-o e garantiu ao segundo Réu que naquele prédio havia água em qualquer sítio”. Sustenta o Recorrente que esta matéria fática deve ser julgada provada com base nas declarações da testemunha M. F. que se encontrava presente no terreno acompanhando o segundo Réu aquando da deslocação ao local do legal representante da Autora e que assistiu à marcação do furo. É certo que esta testemunha, amigo há muitos anos do Réu M. R., afirmou que se encontrava com este no terreno quando o legal representante da Autora lá se deslocou e “marcou onde era o furo” tendo lá colocado “um pedaço de cimento” acinzentado. Ainda assim, não referiu que o legal representante da Autora disse que “naquele prédio havia água em qualquer sitio”, mas que “ali tinha água quanta queria”. De todo o modo as declarações desta testemunha não são de molde a alterar a decisão do tribunal a quo; não só porque são contrárias ao que consta do contrato de empreitada assinado pelo Recorrente, onde consta que a posição de perfuração no terreno será indicada pelo dono da obra e é da sua responsabilidade, não tendo a empresa responsabilidade na escolha do local na perfuração, mas também por elas próprias não serem de molde a convencer o tribunal uma vez que, quando questionada a testemunha para esclarecer de que forma é que o representante da Autora marcara o furo, acabou por não o dizer, referindo apenas que andava por ali e os ouvia a conversar, não intervindo na conversa, tendo visto a agarrar numa pedra e a marcar. Deve, pois, manter-se o ponto a) dos factos provados. * Quanto ao ponto f) dos factos não provados“f) O caudal normal ou habitual num furo da natureza do que foi acordado regista, no mínimo 1.000 l/hora, e a correr continuamente”. Entende o Recorrente que também esta matéria de facto deve ser julgada provada. Invoca para esse efeito as declarações das testemunhas A. E., S. J. e J. F.. Vejamos. A testemunha A. E. é promotor imobiliário pelo que o seu conhecimento sobre estes furos decorre tão só de já ter contratado vários; se efetivamente falou em mil litros por hora a 40 ou 50 metros de profundidade, a verdade é que relatou também ter um furo em Afife que tem muita pouca água a 120 metros de profundidade. Quanto à testemunha S. J., empresário, fabrica estufas, estruturas metálicas e sistemas de rega; o seu conhecimento decorre também dos furos que fez. Se referiu ter 1.100 litros no furo do filho, e não estar contente, afirmou que um caudal razoável anda nos três mil a quatro mil litros e que a irmã tem um furo que dá dez mil litros por hora, pois em seu entender as pessoas optam por fazer furo para ter um bom caudal continuo. A testemunha J. F., que afirmou ser vedor, isto é marcar o lugar onde existe água para executar os furos, falou num caudal mínimo continuo por hora de dois mil ou dois mil e quinhentos litros e que há furos que dão muito mais, cinco mil ou sete mil. Importa, por isso, referir que não só a razão de ciência destas testemunhas não é de molde a poder concluir-se no sentido pretendido pelo Recorrente, como das declarações das mesmas o que se conclui é apenas que o caudal de litros por hora é muito variável de furo para furo, o que não permite afirmar que o caudal normal ou habitual num furo da natureza do que foi acordado regista, no mínimo 1.000 l/hora, a correr continuamente. Deve, pois, manter-se o ponto f) dos factos provados. * Pretende ainda o Recorrente o aditamento aos factos provados da seguinte matéria de facto: “A água do furo feito pela Autora mostra-se insuficiente para as necessidades e os fins que determinaram a contratação da execução de tal furo por parte do segundo Réu, e que passavam pela rega do jardim circundante à casa onde vive o filho, para lavagem das máquinas e veículos no estaleiro existente no terreno e para as lides ou gastos domésticos”.Invoca o Recorrente as declarações prestadas pelas testemunhas A. E., M. M., S. J., J. F. e M. F.. Da conjugação das declarações prestadas por estas testemunhas é possível concluir que o objetivo da execução do furo passava pela rega do jardim circundante à casa onde vive o Recorrente, para lavagem das máquinas e veículos no estaleiro existente no terreno e para as lides ou gastos domésticos; da mesma forma que são unanimes em afirmar que a água do furo executado pela Autora é pouca e insuficiente para tais finalidades. Analisada a contestação verificamos que os Réus alegaram que o 2º Réu constatou que o furo não tinha água suficiente e que a água dele brota de nada lhe serve. Por outro lado, não resulta dos autos a contratação da execução do furo por parte do 2º Réu, mas a celebração do contrato de empreitada com o 1º Réu, aqui Recorrente. De todo o modo, não resultando demonstrado que o 1º Réu acordou com a Autora, e esta lhe garantiu, um caudal mínimo de água e nem água suficiente para as referidas finalidades (pelo contrário do contrato de empreitada consta que a obrigação assumida é de meios e não de resultados) mostra-se irrelevante para a decisão a proferir proceder ao aditamento de qualquer novo ponto à matéria de facto. De todo o exposto decorre não resultar fundamento para alterar a decisão recorrida quanto à matéria dada como provada e não provada, e nem proceder a qualquer aditamento, pelo que, por nenhuma censura merecer a decisão a esse respeito proferida, mantém-se inalterada a matéria de facto fixada pela 1ª instância. *** 3.3. Reapreciação da decisão de mérito da acçãoMantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado pelo Tribunal a quo, importa agora apreciar se deve manter-se a decisão jurídica da causa, começando por analisar os demais fundamentos constantes da apelação do Réu N. R.. Entende o Réu que deve ser julgada verificada a exceção de ilegitimidade do recorrente, absolvendo-o da instância, ou, caso assim não seja entendido, que se julgue verificada a exceção de não cumprimento, absolvendo o Recorrente do pedido, e, em qualquer dos casos, julgando-se improcedente a presente ação. Vejamos se lhe assiste razão. * 3.3.1. Da exceção de ilegitimidadeSustenta o Recorrente, pugnando pela sua absolvição da instância, que deve ser julgada procedente a exceção de ilegitimidade. O artigo 30º do Código de Processo Civil indica-nos o conceito de legitimidade, dispondo no que toca à legitimidade passiva que “o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer” (n.º 1, segunda parte) e que o interesse em contradizer se exprime pelo prejuízo que advenha da procedência da ação (n.º 2 segunda parte). O n.º 3 consigna ainda que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor. A legitimidade consiste numa posição concreta da parte perante uma causa concreta, sendo “uma qualidade posicional da parte face à ação, ao litígio que aí se discute” (v. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 69), sendo a ilegitimidade singular insanável. Como é consabido \ (v. Antunes Varela/ Miguel Bezerra/ Sampaio e Nora, ob. cit. p. 106, 128 a 130). In casu, a Autora peticiona demanda os Réus N. R. e M. R., peticionando, a final, a condenação destes no pagamento da quantia total de €8.930,90, acrescida de juros de mora a contar da data da instauração da ação até efetivo e integral pagamento, referente à execução de um furo de água, alegando ter contratado com o Réu N. R. a execução do furo de captação de água, a quem foram devidamente explicadas as condições do contrato, tendo este Réu assinado o auto de receção e conformidade dos trabalhos e tendo a Autora emitido a fatura, que remeteu para o primeiro Réu, que não procedeu ao seu pagamento. Assim, tal como a ação foi configurada pela Autora, o Réu N. R. tem efetivamente legitimidade processual para ser demandado na ação, decorrendo a sua legitimidade do facto da Autora alegar ter sido com ele que foram acordadas as condições do contrato, de ter assinado o contrato de empreitada, acompanhado a execução da obra e assinado o auto de receção e conformidade dos trabalhos. Tal como a Autora configurou a presente ação o Réu N. R. tem interesse direto em contradizer, considerando o prejuízo que para ele pode advir da procedência da ação. É certo que o Réu N. R. negou ter entabulado negociações com a Autora e ter com esta outorgado qualquer contrato, invocando até a falsificação das assinaturas e/ou rubricas apostas nos documentos juntos pela Autora. Contudo, tais factos, que se encontravam controvertidos, não determinam a ilegitimidade do Réu pois que o seu apuramento respeita já ao mérito da causa, a decidir em função dos factos dados como provados. Ou seja, não demonstrando a Autora a versão dos factos por si narrados e não resultando provada a celebração do contrato com o Réu N. R., tal determinaria não a ilegitimidade deste, com a consequente absolvição da instância, mas a sua absolvição do pedido. E quanto à celebração do contrato, em face dos factos apurados, o que resulta é que foi o Réu N. R. quem assumiu a qualidade de dono da obra e nessa qualidade assinou o contrato de empreitada. É manifesta, por isso, a improcedência da exceção de ilegitimidade, improcedendo nesta parte o recurso. * 3.3.2. Da exceção de não cumprimentoOs Réus vieram invocar a exceção de não cumprimento com fundamento no cumprimento defeituoso da obrigação a que a Autora se vinculou, alegando que o respetivo representante legal garantiu a existência de água a uma profundidade máxima de 60 metros, que o caudal de água é insuficiente e que o veio de água necessário estava à distância de 3 metros do local onde foi efetuado o furo. Mais alegaram que a profundidade do tubo não ultrapassa os 90 metros e a Autora está a cobrar 110 metros de profundidade finalmente e que a Autora não entregou o relatório final. Entendeu o tribunal a quo que os Réus não só não demonstraram a existência dos alegados defeitos como não lhes era legitimo invocar a exceção de não cumprimento uma vez que não exerceram previamente os direitos conferidos nos artigos 1221º, 1222º e 1223º do Código Civil. Sustenta o Recorrente que deve ser julgada procedente a exceção de não cumprimento, alegando ainda que no presente recurso que a Autora, enquanto empreiteira, não alegou que a denuncia não foi feita no prazo legalmente estabelecido, pelo que o tribunal se deve abster de conhecer da caducidade sob pena de violação do principio do dispositivo. Contudo, e mais uma vez, só por manifesto lapso se pode compreender a alegação do Recorrente, uma vez que a Autora, na resposta à exceção de não cumprimento invocada pelos Réus, veio expressamente invocar a caducidade do direito à denuncia. Vejamos então se deve proceder a exceção de não cumprimento conforme pretende o Recorrente. E começamos por referir que a exceção do não cumprimento do contrato não nega a qualquer das partes o direito ao cumprimento da obrigação, nem o dever de a outra cumprir a prestação. O que decorre da mesma é a possibilidade de recusar a prestação por uma das partes enquanto a outra não efetuar a prestação que lhe cabe, ou seja, tem somente um efeito dilatório: a possibilidade de realização da prestação em momento ulterior, quando seja recebida a contraprestação. É que através da exceção de não cumprimento o excipiens não está a recusar a satisfação da prestação a que se encontra adstrito, nem a negar o direito do autor ao seu cumprimento, mas a apenas pretende realizar a sua prestação no momento em que receba simultaneamente a prestação a que tem direito, da outra parte. Como bem se afirma na sentença recorrida, a exceção de não cumprimento “não é causa extintiva do crédito da Autora, visando apenas paralisar temporariamente a pretensão da contraparte. Com efeito, sendo procedente a exceção de não cumprimento, aquele que a invoca não ficará livre da obrigação que lhe é exigida, beneficiando apenas da suspensão dessa obrigação, enquanto o excipiens não cumprir as suas obrigações com a contraparte. A exceção de não cumprimento do contrato tem por função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contraente, consistindo numa recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem alega, sem que acarrete a extinção do direito de crédito de que é titular o outro contraente”. Estabelece o artigo 428º n.º 1 do Código Civil que se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. A exceptio non adimpleti contractus é, por isso, própria dos contratos bilaterais e para a sua aplicação é necessário que as obrigações contratualmente previstas sejam correspetivas, correlativas ou interdependentes, isto é, que uma seja sinalagma da outra. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Tomo I, p. 405) “a exceptio non adimpli contractus a que se refere este artigo pode ter lugar nos contratos com prestações correspetivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante de outra. É o que se verifica nos contratos tradicionalmente chamados bilaterais ou sinalagmáticos. É necessário ainda que não estejam fixados prazos diferentes para as prestações, pois, neste caso, como deve ser cumprida uma delas antes da outra, a exceptio não teria razão de ser”. Acrescentam, por outro lado estes autores (p. 406), que “a exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assente o esquema do contrato bilateral (…) E vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227º e 762º nº 2”. Visa, assim, a exceção do não cumprimento do contrato assegurar o equilíbrio entre as prestações no âmbito dos contratos sinalagmáticos. A este propósito refere-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/09/2016 (Processo n.º 6514/12.2TCLRS.L1.S1, Relator Garcia Calejo, disponível em www.dgsi.pt), que a exceção de não cumprimento do contrato pode “ser utilizada quando a outra parte cumpre a obrigação, mas defeituosamente (exceptio non rite adimpleti contractus), desde que os defeitos de que a prestação padeça prejudiquem a integral satisfação do interesse do credor. Não sendo de admitir o recurso à mesma se os defeitos da prestação, atendendo ao interesse do credor, tiverem escassa importância (art. 802.º, nº 2 do CC, por analogia). Sendo a ideia da proporcionalidade – a exceção será oponível ao cumprimento defeituoso que não necessita de ser tão grave que justifique o direito à resolução do contrato, já não o sendo se aquele tiver reduzida importância - que dará resposta mais adequada e coerente com o princípio da boa fé, que deve presidir a toda a temática do cumprimento das obrigações. Devendo tal meio de defesa ser proporcionado à gravidade da inexecução. Estando na base de todos os contratos sinalagmáticos os princípios do equilíbrio e da equivalência que não podem ser frustrados com um abuso do direito de não cumprir. Sabido ser o equilíbrio sinalagmático o elemento caracterizador essencial da relação contratual aqui em causa a suspensão da prestação só deve considerar-se legítima “na quantidade necessária para restabelecer o equilíbrio das prestações ainda por cumprir, as quais ficariam novamente sujeitas às regras do cumprimento simultâneo”. Ou seja, em caso de cumprimento defeituoso da prestação e desde que a prestação efetuada prejudique a integral satisfação do interesse do credor, será possível a este opor a exceptio. Porém, face à ideia da proporcionalidade e ao princípio da boa fé a exceção não será oponível em caso de cumprimento defeituoso de reduzida importância. Analisemos então o caso dos autos. No caso concreto, os Réus não lograram demonstrar que o representante legal da Autora garantiu a existência de água a uma profundidade máxima de 60 metros e nem um caudal de água suficiente ou que o veio de água necessário estava à distância de 3 metros do local onde foi efetuado o furo. De facto, o que consta do contrato assinado pelo Recorrente é que a obrigação assumida pelo empreiteiro é de maios e não de resultados e que a posição de perfuração no terreno era a indicada pelo dono da obra sendo esta da sua inteira responsabilidade, não tendo a Autora responsabilidade quanto à escolha do local de perfuração. Assim, não resulta da matéria de facto a garantia de existência de água a uma concreta profundidade e nem um concreto caudal (designadamente suficiente para as finalidades pretendidas); por outro lado, os Réus alegaram que o veio de água necessário estava à distância de 3 metros do local onde foi efetuado o furo no pressuposto que a Autora os enganou, e não que a Autora executou o furo em local distinto do que lhe fora indicado, sendo certo que, como já referimos, do contrato assinado pelo Recorrente consta expressamente que a posição de perfuração no terreno era a indicada pelo dono da obra sendo esta da sua inteira responsabilidade. E também não lograram também os Réus demonstrar que a profundidade do tubo não ultrapassa os 90 metros e a Autora está a cobrar 110 metros de profundidade; pelo contrário, o que se encontra provado (ponto m) é que o furo atingiu os 110 m de profundidade. Não podemos ainda deixar de referir que o Recorrente no final da execução dos trabalhos assinou o auto de receção e conformidade dos trabalhos. Assim, não tendo resultado provada a factualidade alegada pelos Réus, não pode proceder, por essa via, a exceção de não cumprimento, uma vez que não ficou demonstrada a invocada desconformidade nos trabalhos executados pela Autora. Por fim, e relativamente ao relatório final resulta efetivamente provado que a Autora não entregou esse relatório final, com a menção da capacidade do furo, o caudal, a medida do tubo necessária para extrair água e com a potencia do motor. A este propósito considerou o tribunal a quo que “a elaboração do relatório no final da conclusão dos trabalhos é uma exigência legal (art.º 41º, nº 3 do decreto-lei nº 226ºA/2007, de 31/05). Por outro lado, no contrato de empreitada celebrado resulta que a Autora se obrigou a elaborar o referido relatório final, o qual até consta previsto no documento anexo intitulado de “Preço por metro”. Porém, consta do referido contrato que a elaboração do referido relatório tinha um custo de € 50,00. Acontece que, conforme resulta da fatura em apreço nos autos, a Autora não cobrou qualquer custo pelo relatório, pelo que também por essa razão não colhe a exceção de não cumprimento”. De facto, consta do documento “Preço por metro quadrado” (fls. 62 dos autos) que o relatório de furo tem um custo de €50,00; não tendo a Autora elaborado ainda tal relatório, também não o faturou e nem se encontra a peticionar o seu custo na presente ação. Por outro lado, também não resulta demonstrado que os Réus, designadamente o aqui Recorrente, tivessem interpelado a Autora para proceder à elaboração e entrega do relatório; da comunicação que enviaram à Ilustre Mandatária da Autora em setembro de 2019, e que juntaram aos autos, o que afirmam é que o Recorrente nada tem a ver com o assunto e o Réu M. R. se sente enganado e que nada irá pagar. Não colhe, por isso, a argumentação do Recorrente de que nunca pediu à Autora que não procedesse à faturação do relatório. Da posição assumida pelos Réus o que parece resultar é o seu total desinteresse pelo furo, pois afirmam de nada servir ao 2º Réu (artigo 37º da contestação), que informou a Autora nada pretender pagar, sendo certo que o Recorrente veio afirmar nada ter a ver com o furo executado (o que na verdade não resultou demonstrado), podendo a Autora efetivamente questionar o seu interesse na elaboração do relatório, o qual tem um custo acrescido de €50,00. Por isso, não estando em causa o pagamento do relatório e não tendo os Réus interpelado a Autora para a sua elaboração, antes mostrando total desinteresse pelo furo e nada pretendendo pagar, também entendemos que não pode o Recorrente opor a exceção de não cumprimento para não proceder ao pagamento dos trabalhos já executados pela Autora e por esta faturados. Não merece, por isso, censura, a decisão proferida pelo tribunal a quo, improcedendo integralmente o recurso. As custas deste recurso são da responsabilidade do Recorrente (artigo 527º do Código de Processo Civil). *** SUMÁRIO (artigo 663º nº. 7 do Código do Processo Civil): I - A legitimidade constitui um pressuposto processual positivo, cuja existência é essencial para que o juiz possa pronunciar-se sobre a procedência ou improcedência da ação, para que possa proferir decisão de mérito, não se confundindo com os requisitos que interessam ao mérito da causa. II - O que interessa saber através do pressuposto da legitimidade é qual a posição que devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo para que o juiz possa e deva pronunciar-se sobre o mérito. III - A exceção do não cumprimento do contrato não nega a qualquer das partes o direito ao cumprimento da obrigação, nem o dever de a outra cumprir a prestação. IV - O que decorre da mesma é a possibilidade de recusar a prestação por uma das partes enquanto a outra não efetuar a prestação que lhe cabe, ou seja, tem somente um efeito dilatório: a possibilidade de realização da prestação em momento ulterior, quando seja recebida a contraprestação. *** IV. DecisãoPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida. As custas são da responsabilidade do Recorrente. Guimarães, 27 de outubro de 2022 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária Raquel Baptista Tavares (Relatora) Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta) Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto) |