Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA GERENTE DE DIREITO GERENTE DE FACTO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1- Por via da nomeação para o cargo, o gerente nomeado (gerente de direito) fica automaticamente investido nos poderes fundamentais/essenciais de administrar e representar a sociedade e, bem assim, numa panóplia de outros poderes que se lhe são conferidos por lei (nomeadamente, pelo CSC, CIRE, CP, etc.), pelo contrato de sociedade e pelos estatutos (deveres contratuais), tratando-se de poderes funcionalizados (poderes-deveres) que o gerente de direito não pode deixar de exercer e que terá de exercer para os fins específicos para os quais esses poderes lhe foram conferidos e de acordo com os critérios gerais fixados no art. 64º do CSC. 2- Sempre que um gerente de direito, uma vez nomeado para o cargo de gerência e cuja designação tenha sido registada, não exerça os poderes de gerência e de administração da sociedade e permite que outrem (o gerente de facto) os exerça em sua substituição, e se abstém de controlar a gerência de facto exercida pelo último, o gerente de direito, por opção própria, ou seja, intencional e conscientemente (dolosamente) viola frontalmente o dever de administrar a sociedade e, assim, coloca-se numa posição antijurídica (ilícita), como viola ilícita e dolosamente o dever de controlo, que o obriga ope legis a prestar atenção à evolução económico-financeira da sociedade e ao desempenho de quem gere (administradores e outros sujeitos), pelo que, os atos de gerência praticados pelo gerente de facto não podem deixar de serem imputados ao gerente de direito a título de ilicitude e dolo. 3- O objetivo do art. 186º, n.º 1 do CIRE não é o de desresponsabilizar o gerente de direito pelas condutas (ativas ou omissivas) de gestão e de representação do gerente de facto, mas o de estender essa responsabilidade aos gerentes de facto | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO Nos presentes autos de ação especial de insolvência, que correm termos contra S..., Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., ..., Guimarães, ..., por sentença proferida em 20/01/2020, transitada em julgado, esta foi declarada insolvente. Por despacho proferido em 18/05/2020, declarou-se aberto o incidente de qualificação da insolvência e determinou-se que o administrador da insolvência juntasse aos autos relatório sobre a qualificação da insolvência, nos termos do disposto no n.º 6, do art. 188º do CIRE. Junto esse relatório aos autos, nele o administrador da insolvência emitiu parecer no sentido de que a insolvência fosse qualificada como culposa, nos termos do art. 186º, n.ºs 1, 2, als. a), b), d), e), g) e h) e 3, al. b) do CIRE, devendo ser afetado por essa declaração AA, residente na Rua ..., ... ..., Guimarães, alegando que este foi “quem ao longo de todo o tempo de vivência da sociedade, a administrou, geriu, vendeu, contratou trabalhadores, comprou e vendeu matérias subsidiárias, equipamentos, trocou e vendeu equipamentos, girando em torno de si mesmo toda a atividade da insolvente, incluindo a que se relacionava com transações financeiras, nomeadamente, de movimento de letras de câmbio, as quais, nem sempre correspondiam a movimentos gerados e em proveito da própria insolvente, as denominadas letras de favor”. O Ministério Público emitiu parecer declarando acompanhar a factualidade de facto e de direito constante do parecer emitido pelo administrador da insolvência, devendo, contudo, ser afetada pela qualificação da insolvência como culposa da sociedade devedora, também a gerente de direito desta, BB. Notificada a sociedade devedora e citados AA e BB para deduzirem, querendo, oposição aos pareceres emanados pelo administrador da insolvência e do Ministério Público, bem como, quanto aos documentos que os instruem, apenas os identificados AA e BB deduziram oposição, onde se defenderam por exceção e impugnação. Invocaram a exceção da extemporaneidade do requerimento apresentado pelo administrador da insolvência em que requereu que a insolvência fosse qualificada como culposa, alegando que, na sentença declaratória da insolvência, não foi determinada a abertura do incidente de qualificação da insolvência, pelo que, o administrador da insolvência e/ou qualquer interessado apenas podiam requerer que a insolvência fosse qualificada como culposa no prazo de 45 dias a contar da data da prolação dessa sentença, prazo esse que se mostrava já ultrapassado quando o administrador da insolvência requereu que a insolvência fosse qualificada como culposa. Impugnaram parte da facticidade alegada nos pareceres emanados pelo administrador da insolvência e pelo Ministério Público, sustentando que a oponente BB desconhecia, por completo, tudo o que se relacionava com a atividade e gerência da sociedade devedora, não dispondo, aliás, de qualquer capacidade de gestão daquela, limitando-se a assinar alguns documentos sempre que tal lhe era exigido pelo oponente AA, que foi quem criou a empresa insolvente e sempre a geriu. Concluem pedindo que a insolvência da sociedade devedora fosse qualificada como fortuita. Por despacho de 15/03/2022, dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor do presente incidente de qualificação da insolvência em 30.000,01 euros, proferiu-se despacho saneador, em que se conheceu da exceção da extemporaneidade invocada pelos oponentes AA e BB, julgando-a improcedente, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação, e, finalmente, conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelo administrador da insolvência, Ministério Público e oponentes. Entretanto, designou-se data para a realização da audiência final, a qual se estendeu ao longo de duas sessões. Em 03/03/2023, a 1ª Instância proferiu sentença, em que qualificou a insolvência da sociedade devedora como culposa e os oponentes BB e AA afetados por essa qualificação, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Termos em que se decide julgar procedente, por provado, o incidente da qualificação e em consequência: - Qualifica-se como culposa a insolvência de S..., Unipessoal, Lda. - Consideram-se afetados pela qualificação culposa a sócia única e gerente de direito CC e o gerente de facto AA. - Declaram-se a gerente de direito CC e o gerente de facto AA, pelo período de quatro anos, inibidos para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa ou administração de património alheio. - Determina-se a perda de quaisquer créditos da gerente de direito CC e do gerente de facto AA sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente, condenando-os na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos. - Condenam-se os afetados pela qualificação, a gerente de direito CC e o gerente de facto AA, a indemnizar os credores no montante global dos créditos reclamados e reconhecidos pelo Sr(a). Administrador(a) de Insolvência e que ascende à quantia de € 2.708.253,20 e até à força dos respetivos patrimónios. Proceda ao registo da inibição na Conservatória do Registo Civil - artigo 189º, nº. 3, do C.I.R.E. Custas em partes iguais pela insolvente e pelos Requeridos CC e AA. Fixa-se o valor do incidente em €30.000,01. Registe e notifique”. Inconformada com o assim decidido, a oponente BB interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: 1. O requerimento inicial não contem alegação factual quanto ao exercício da gerência que é imputada à recorrente. 2. O Tribunal a quo, ao dar como provados os factos constantes dos pontos 19, 20, 30 e 31, em clara contradição com a decisão de afetação da recorrente pela insolvência culposa, fez uma errada interpretação do artigo 11.º do CIRE. 3. A prova produzida em audiência é apta a dar por provados tais factos, tal qual supra se procurou evidenciar com a indicação dos concretos meios de prova que impõem decisão inversa (nos termos do artigo 640.º do CPC), nomeadamente por apelo à prova testemunhal. 4. Assim o impõe o cotejo do depoimento do Sr. AA e do Sr. Administrador de Insolvência. Quando ainda assim se não entenda, 5. Os factos dados por provados não são aptos – porque insuficientes - a declarar o exercício da gerência pela recorrente, que nunca a exerceu! 6. Ao assim decidir, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e integração do conceito de “administrador de direito”, ínsito no artigo 186º, nº 1 do CIRE. Por último, sem prescindir, 7. Não se encontram reunidos os requisitos para que a recorrente seja afetada pela qualificação da insolvência como culposa. 8. Desde logo porque a decisão, a este respeito, não se mostra devidamente fundamentada e existir uma clara contradição em proferir tal condenação com os factos dados como provados, 9. Depois, porque não resulta dos factos provados o conhecimento pela recorrente da situação de insolvência, nem a situação assumia tamanha relevância que fosse obrigada a conhecê-la. 10. Por último, porque não se demonstrou a existência de nexo de causalidade entre o comportamento da recorrente e a criação ou agravamento da situação de insolvência. 11. Assim, por errada interpretação do artigo 186.º do CIRE, deve a douta sentença ser revogada. Termos em que, V. Exas., Venerandos Desembargadores, sempre com o mui Douto suprimento, acolhendo a motivação e conclusões que antecedem, revogando a decisão recorrida, substituindo-a por outra que não afete a recorrente, farão a costumada JUSTIÇA! O Ministério Público contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação, concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem: 1 – O recurso interposto pela afetada BB, deverá soçobrar, porquanto a mera gerência de direito, impõe que a mesma esteja especialmente obrigada a conhecer as obrigações a que estava vinculada como gerente de direito da insolvente, não a exime, bem pelo contrário, da responsabilidade dos factos que levaram à insolvência da requerida, e à sua responsabilização em contexto de incidente de qualificação da insolvência, na medida em que é aos respetivos gerentes ou administradores que a lei defere específicos deveres no âmbito da gestão de sociedades comerciais. 2– Pelo que, não obstante, os factos dados como provados referidos pela recorrente, não existe qualquer contradição entre estes e a decisão recorrida. 3 – Sendo a insolvência qualificada, no caso em concreto, também, nos termos das alíneas a) e h), do nº2, do artigo 186º, do CIRE, a insolvência é sempre considerada como culposa, sem necessidade da demonstração do nexo de causalidade a que se reporta o n.º 1 do mencionado preceito, por aquela norma não presumir apenas a existência de culpa, mas também a existência de causalidade entre a atuação do administrador do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência. 7- A douta sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, e nela se decidiu de acordo com a Lei e o Direito, não tendo sido violados quaisquer preceitos legais, não merecendo, por isso, qualquer censura. Deve, assim, o recurso de apelação interposto por DD, ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida, nos seus precisos termos. Mas V. Excias agora sempre farão a acostumada Justiça. * O recurso foi admitido pela 1ª Instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.* Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. No seguimento desta orientação, a apelante submete à apreciação do tribunal ad quem uma única questão, que se reconduz em saber se a sentença recorrida, ao declará-la afetada pela qualificação da insolvência da sociedade devedora (S..., Lda.) como culposa, padece de erro de direito, porquanto, a facticidade julgada provada na sentença, porque insuficiente, não permite essa afetação; o tribunal fez uma errada interpretação e integração do conceito de “administrador de direito”, ínsito no art. 186º, n.º 1 do CIRE; não resultar dos factos provados na sentença o conhecimento pela apelante da situação de insolvência da sociedade devedora, nem a situação por ela assumida nessa sociedade assumia tamanha relevância que fosse obrigada a conhecê-la; e não se encontrar demonstrada a existência de nexo de causalidade entre o comportamento da apelante e a criação ou o agravamento da situação de insolvência daquela sociedade. Note-se que do objeto do presente recurso de apelação não faz parte o vício da nulidade da sentença por falta de fundamentação, a que alude a al. b), do n.º 1, do art. 615º do CPC, apesar de, na conclusão 8º das alegações de recurso, a apelante alegar que: “(…) a decisão, a este respeito (ou seja, na parte em que a declarou afetada pela qualificação da insolvência da sociedade devedora como culposa) não se mostra devidamente fundamentada”. Com efeito, para além da apelante não imputar expressamente, nas alegações de recurso, o vício da nulidade à sentença recorrida por falta de fundamentação, previsto no art. 615º, n.º 1, al. b) do CC – dispositivo legal este a que nem sequer faz qualquer referência ao longo das suas alegações de recurso -, lidas essas alegações, verifica-se que o sentido interpretativo a dar a essa sua alegação é no sentido de que, em face da facticidade julgada provada na sentença, nomeadamente, nos pontos 19º, 20º, 30º e 31º, e os dipositivos legais aplicáveis, o tribunal a quo não a poderia declarar afetada pela qualificação da sociedade devedora como culposa, o que se reconduz na imputação pela mesma à sentença recorrida de erro de direito – o tribunal errou, ao declará-la afetada pela qualificação da insolvência da sociedade devedora como culposa, perante a facticidade julgada provada na sentença e o quadro legal aplicável ao objeto do presente litígio, nomeadamente, no art. 186º, n.º 1 do CIRE. Neste sentido aponta-se a alegação da apelante de que: “A prova produzida, que fundamentou os factos 19, 20, 30 e 31 dados como provados, não permite condenar a recorrente na sua afetação pessoal pela qualificação da insolvência culposa, bem pelo contrário. Nem permitia daí extrair a afetação pela recorrente da qualificação da insolvência, pois que efetivamente em nada contribuiu para a gerência da insolvente, desconhecendo por completo a sua atividade e tudo aquilo que a rodeava. Os referidos factos dados como provados deveriam, portanto, ter sido utilizados para fundamentar uma decisão diametralmente oposta (…). Desde logo, e como até resulta da factualidade dada como provada, nenhuma prova foi produzida que indicasse, sequer, que a recorrente contratou e escolheu trabalhadores e lhes deu ordens, contratou com fornecedores, concretizou cobranças, entregou ou mandou entregar documentação à contabilidade, definiu a quem e o que pagar” – cfr. motivação do recurso de fls. 189 do processo físico -, e ao concluir, nas conclusões 5ª e 6ª, que: “Os factos dados por provados não são aptos – porque insuficientes – a declarar o exercício da gerência pela recorrente, que nunca a exerceu! Ao assim decidir, o tribunal a quo fez uma errada interpretação e integração do conceito de “administrador de direito”, ínsito no artigo 186º, n.º 1 do CIRE”. Na verdade, conforme se extrai linearmente das passagens das alegações de recurso que se acabam de transcrever, apesar de alegar não ver “na fundamentação onde o tribunal a quo tenha ancorado factos ou considerações que revelem que a recorrente atuou dolosamente, ou com culpa grave, mesmo admitindo, no que não se concede, que pudesse ser gerente (de direito)” e, bem assim, que a sentença “não se encontra devidamente fundamentada”, a apelante não visa imputar à sentença recorrida o vício da nulidade por falta de fundamentação, vício esse que, reafirma-se, nem sequer invoca expressamente ao longo das alegações de recurso, onde nem sequer alude ao art. 615º do CPC, dispositivo esse em que se elenca, de modo taxativo, as causas determinativas de nulidade da sentença, mas toda a sua alegação é no sentido de que apenas pretende imputar à sentença recorrida erro de direito ao considerá-la afetada pela qualificação como culposa da insolvência da sociedade devedora. Acresce que, ainda que assim não fosse, como é, constitui entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação, na sentença, dos fundamentos de facto ou de direito nela explanados será geradora da nulidade da sentença por falta de fundamentação, e não apenas a mera deficiência daquela fundamentação, ou seja, a falta de fundamentação de facto e/ou de direito a que alude a al. b), do n.º 1, do art. 615º, motivo de nulidade da sentença, é a total omissão dos fundamentos de facto e/ou de direito em que assenta a decisão, e não uma especificação sumária, incompleta ou deficiente dessa matéria, a qual não afeta o valor legal da sentença[1]. Ora, lida a sentença sob sindicância, é indiscutível que esta não padece de uma total falta de motivação do julgamento de facto e de direito nela realizados, antes pelo contrário, a mesma encontra-se devidamente motivada/fundamentada quer de facto, quer de direito, pelo que sempre se impunha concluir pela improcedência do vício da nulidade da sentença por pretensa falta de fundamentação. Decorre do que se vem dizendo que, porque o intuito da apelante não é o de invocar a nulidade da sentença por falta de fundamentação, prevista na al. b), do n.º 1, do art. 615º do CPC, reconduzindo-se a alegação desta, na imputação ao nela decidido a erro de direito, não se conhecerá desse vício, dado que o mesmo não faz parte do objeto do presente recurso de apelação. Acresce que, do objeto do presente recurso de apelação também não faz parte o vício da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão nela proferida, a que alude a al. c), do n.º 1, do art. 615º do CPC, não obstante, na conclusão 2ª das alegações de recurso, a apelante sustentar que: “O Tribunal a quo, ao dar como provados os factos constantes dos pontos 19º, 20º, 30º e 31º, em clara contradição com a decisão de afetação da recorrente pela insolvência culposa” e de, na conclusão 8ª, sustentar que existe “uma clara contradição em proferir tal condenação com os factos dados como provados”. Mais uma vez, apesar dessa alegação, a apelante não imputa expressamente o vício da nulidade à sentença sob sindicância por contradição entre os fundamentos de facto e/ou de direito nelas aduzidos para sustentarem a decisão nela proferida e essa decisão, previsto no art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC, dispositivo esse a que, relembra-se, nem sequer alude ao longo das suas alegações de recurso. Acresce dizer que, mais uma vez, lidas as alegações de recurso apresentadas pela apelante, verifica-se que os fundamentos que a mesma aduz nesta sede se reconduzem a erros de julgamento, pelo que serão apreciados nessa sede, e não a qualquer causa determinativa de nulidade da sentença, nomeadamente, por alegada oposição entre os fundamentos e a decisão. Finalmente, dir-se-á que o vício da oposição entre os fundamentos e a decisão, determinativo da nulidade da sentença, nos termos da al. c), do n.º 1, do art. 615º, pressupõe uma construção viciosa da sentença, decorrente de existir uma contradição lógica interna entre a decisão de mérito nela proferida (na sua parte dispositiva) e os fundamentos de facto e/ou de direito que nela foram aportados pelo tribunal para fundamentar essa decisão, ou seja, o julgador seguiu, na sentença, uma determinada linha de raciocínio fáctico-jurídico argumentativo, que aponta logicamente para determinada conclusão, mas em vez de tirar essa conclusão, decide noutro sentido, oposto ou divergente. Trata-se, portanto, de um vício real no raciocínio do julgador, consistente em a fundamentação que aduziu apontar, logicamente, para uma decisão diferente daquela que se encontra expressa na parte dispositiva. Essa nulidade relaciona-se, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC e 205º, nº 1 da C.R.P., ao juiz de ter de fundamentar as suas decisões e, por outro, com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal - premissa maior - com os factos - premissa menor. Ou seja, “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário”, de modo que “constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada”[2]. Essa oposição não se confunde, porém, com o erro de julgamento na vertente de “error iuris”, isto é, com “o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir”[3]. O vício da nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão também não se confunde com o erro de julgamento da matéria de facto, uma vez que, embora atualmente o julgamento de facto se contenha na sentença, os erros de julgamento da matéria de facto encontram-se sujeitos a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição da decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, em regra, causa de nulidade da sentença (acórdão ou despacho), mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º do CPC. Ora, lida a sentença recorrida, verifica-se que os fundamentos de facto e de direito nela avocados pelo julgador para fundamentar a decisão nela proferida na sua parte dispositiva, em que qualificou a insolvência da sociedade devedora como culposa e declarou a apelante (enquanto gerente de direito dessa sociedade) e AA (enquanto seu gerente de facto) afetados por essa qualificação, estão em perfeita coerência lógica com essa decisão, de modo que perante esses fundamentos de facto (certos ou errados que nela foram avocados, o que já contende com erro de julgamento da matéria de facto) e de direito (certos ou errados, o que se prende com erro de direito) que nela o julgador avocou, a conclusão lógica a extrair, desse discurso fáctico-jurídico nela explanado, é a decisão proferida na sentença, que qualificou a insolvência como culposa e afetados por essa qualificação a apelante e AA. Destarte, ainda que a apelante, com a alegação acima enunciada, pretendesse efetivamente imputar à sentença recorrida o vício da nulidade previsto na al. c), do n.º 1, do art. 615º (o que, salvo melhor opinião, não é o caso), sempre se impunha julgar essa nulidade improcedente. Decorre do que se vem dizendo que, porque, com aquela sua alegação a apelante não pretende invocar a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos de facto e/ou de direito e a decisão nela proferido, a que alude a al. c), do n.º 1, do art. 615º, também não se conhece dessa causa determinativa da nulidade da sentença sob sindicância, dado que esta não faz parte do objeto do presente recurso. Por último, do objeto do presente recurso de apelação também não faz parte a impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância. Com efeito, apesar de, nas alegações de recurso, a apelante ser expressa no sentido de que impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, tanto assim que, na motivação de recurso, sob a epígrafe: “Impugnação da matéria de facto – Do erro na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto”, após transcrever a motivação do julgamento da matéria de facto exarado pela 1ª Instância na sentença sob sindicância, advoga que: “De tudo quanto antecede, não é de todo possível conceber aquilo que o tribunal a quo dá como provado (…). De facto, da leitura da sentença não resultam elementos que permitam extrair a mesma conclusão a que o tribunal a quo chegou (….). O tribunal a quo não foi capaz de analisar criticamente a factualidade que esteve na base da gerência de direito da recorrente (…). Salvo o devido respeito, é evidente que a sentença de que se recorre assenta numa errada e superficial apreciação da prova, sem a devida valoração crítica (…)”, e ainda que: “O tribunal a quo não faz qualquer análise crítica da prova produzida, nomeadamente, contrapondo o alegado pelo Exmo. Sr. Administrador Judicial e pelo Sr. AA, constatando-se ainda uma total ausência de prova capaz de fundamentar o alegado conhecimento da atividade da insolvente (e seu alegado estado de insolvência) pela recorrente, muito menos que a mesma tivesse conhecimento do seu imobilizado e a venda do mesmo”, requerendo, inclusivamente, que o tribunal ad quem proceda à audição de toda a prova gravada, e transcrevendo parte do depoimento prestado pelo administrador da insolvência em audiência final, verifica-se que a mesma também, ao longo dessas alegações, acaba por não impugnar o julgamento da matéria de facto, pelo que, este também não faz parte do objeto da presente apelação. Efetivamente, lidas as alegações de recurso, verifica-se que apesar dessa sua alegação, os únicos pontos da matéria de facto a que a apelante faz referência ao longo das alegações de recurso são os pontos 19º, 20º, 30º e 31º da facticidade julgada provada na sentença, em relação aos quais, no entanto, é expressa em afirmar que essa facticidade se encontra corretamente julgada – cfr. conclusões 2ª e 3ª das alegações de recurso, que constam do seguinte teor: “2- O tribunal a quo, ao dar como provado os factos constantes dos pontos 19º, 20º, 30º e 31º (…). 3- A prova produzida em audiência é apta a dar por provados tais factos”. Acresce que, reportando-se ao depoimento prestado pelo administrador da insolvência em audiência final, que, em parte, transcreve, pretende (aparentemente) a apelante que se julgue como provado que: “Desconhecia totalmente a atividade da insolvente, assinando apenas alguns documentos que o seu marido ordenava”; “Nunca exerceu qualquer função na insolvente, apenas esporadicamente ajudou na colagem de solas e quando exigido pelo seu marido”; “Era, e é doméstica e está completamente dependente do seu marido, daí ter acedido à exigência do mesmo em assinar alguns documentos e ficar gerente (de direito) da insolvente, o que apenas soube quando o Exmo. Senhor Administrador da Insolvência a confrontou” - cfr. fls. 190 verso do processo físico. Acontece que a facticidade em referência, com exceção da do último ponto (“Era, e é doméstica e está completamente dependente do seu marido, daí ter acedido à exigência do mesmo em assinar alguns documentos e ficar gerente (de direito) da insolvente, o que apenas soube quando o Exmo. Senhor Administrador da Insolvência a confrontou”), já se encontra julgada provada na sentença recorrida, mais concretamente, nos identificados pontos 19º, 20º, 30º e 31º da facticidade nela julgada provada, que no dizer da apelante, se encontram corretamente julgados. E quando àquele outro ponto, essa facticidade nunca poderia ter sido julgada como provada nem como não provada, porquanto, constituindo factos essenciais de matéria de exceção, a mesma não foi alegada pela apelante, nem pelo oponente AA, na oposição de fls. 26 a 31 do processo físico, sob pena de se incorrer em violação do disposto no art. 5º, n.º 1 do CPC. Daí que, conforme antedito, apesar de alegar impugnar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, a apelante não visa efetivamente impugnar, nem impugnou, esse julgamento de facto, mas antes imputar à decisão de mérito proferida na sentença erro de direito, única questão a que se reconduzem as suas alegações. Com efeito, para além de, conforme decorre do que se vem dizendo, a apelante não imputar nenhum erro ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância (os únicos pontos que, nessa sede, a apelante invoca são os pontos 19º, 20º, 30º e 31º da facticidade julgada provada na sentença, que, contudo, refere expressamente encontrarem-se corretamente julgados, e a facticidade que aparentemente pretende que seja aditada ao elenco dos factos provados na sentença, com exceção da acima identificada que, porque não alegada, não pode ser julgada provada nem como não provado, já consta do elenco dos factos provados na sentença), o que se acaba de concluir decorre da circunstância daquela, nas alegações de recurso, escrever: “De tudo quanto antecede, não é de todo possível conceber aquilo que o tribunal a quo dá como provado e logo de seguida considera como afetada pela qualificação culposa da insolvência a sócia e única gerente de direita ora recorrente. De facto, da leitura da sentença não resultam elementos que permitam extrair a mesma conclusão a que o tribunal a quo chegou, em concreto, que a ora recorrente possa de alguma forma ser afetada pela qualificação da insolvência como culposa. (…). A prova produzida, que fundamentou os factos 19, 20, 30 e 31 dados como provados, não permitia condenar a recorrente na sua afetação pessoal pela qualificação da insolvência culposa, bem pelo contrário. Os referidos factos dados como provados deveriam, portanto, ter sido utilizados para fundamentar uma decisão diametralmente oposta (…). Desde logo, e como até resulta da factualidade dada como provada, nenhuma prova foi produzida que indiciasse, sequer, que a recorrente contratou e escolheu trabalhadores e lhes deu ordens, contratou com fornecedores, concretizou cobranças, entregou ou mandou entregar documentação à contabilidade, definiu a quem e o que pagar”, o que tudo evidencia, salvo melhor opinião, que a mesma, confundindo erro de julgamento da matéria de facto com erro de julgamento da matéria de direito, amalgamando tudo como se fosse o mesmo erro, centrou todo o seu esforço impugnatório em sede de impugnação do julgamento de direito realizada na sentença, sustentando que, apesar de ser gerente de direito da sociedade devedora, ante a facticidade julgada provada nos identificados pontos 19º, 20º, 30º e 31º da sentença e a ausência de outra matéria que nela tivesse sido julgada provada, não podia ser declarada afetada pela qualificação da insolvência da sociedade devedora como culposa. Ou seja, dito por outras palavras, a apelante não pretende realmente impugnar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, mas cinge a sua alegação ao erro de direito que imputa à decisão de mérito proferida na sentença recorrida ao tê-la declarado afetada pela qualificação da insolvência da sociedade devedora como culposa. Deste modo é que consideramos que, do objeto do presente recurso de apelação, não faz parte a impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, pelo que não conheceremos do mesmo. No entanto, a entender-se que do objeto da presente apelação faz efetivamente parte a impugnação do julgamento da matéria de facto, sempre se impunha rejeitar imediatamente essa impugnação, nos termos do n.º 1, do art. 640º do CPC, por incumprimento pela apelante dos ónus impugnatórios primários previstos no n.º 1, e dos secundários previstos na al. a), do n.º 2, ambos do art. 640º do CPC, pelo que o resultado prático seria o mesmo – a inalterabilidade do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância. É que a apelante não indica quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que, por isso, impugna, conforme lhe é imposto pela al. a), do n.º 1 do art. 640º do CPC, na medida em que os únicos pontos que identifica ao longo das suas alegações de recurso são os pontos 19º, 20º, 30º e 31º da facticidade julgada provada na sentença, que a mesma, contudo, alega encontrarem-se corretamente julgados, e a facticidade que a mesma pretende aparentemente ver aditada ao elenco dos factos provados na sentença, ou já consta desse elenco, ou não pode ser julgada provada nem não provada, porque não alegada; e sem que se saiba a que erros de julgamento se refere quando expressa impugnar o julgamento da matéria de facto, e quais, consequentemente, são os pontos da matéria de facto do julgamento de facto realizado pela 1ª Instância que pretenderá impugnar, a apelante, além de não indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto que pretenderá impugnar (com o que incumpre o ónus impugnatório primário da al. a), do n.º 1, do art. 640º), indica, em bloco, os meios de prova em que funda o seu recurso em relação a toda a matéria de facto que eventualmente pretenderá impugnar (a qual, reafirma-se, se desconhece qual seja, porque não identificada pela apelante), com o que não cumpre com o ónus impugnatório primário previsto na al. b), do n.º 1, do mesmo art. 640º do CPC, e quanto à prova gravada, não indica o início e o termo dos excertos do depoimento prestado pelo administrador de insolvência de que se pretende prevalecer (único que avoca e transcreve), mas sim o início desse depoimento – “cfr. ata de 07/10/2022, pelas 10h00” - , o que consubstancia incumprimento do ónus impugnatório secundário previsto na al. a), do n.º 2, do art. 640º. Destarte, perante os fundamentos que se acabam de explanar, resulta do que se vem dizendo, que a impugnação do julgamento da matéria de facto não faz parte do objeto do presente recurso de apelante, pelo que, não se conhecerá do mesmo, sem prejuízo de, assim se não entender, se rejeitar essa impugnação, nos termos do art. 640º, n.º 1 do CPC, por incumprimento pela apelante dos ónus impugnatórios previstos nos n.ºs 1 e 2, al. a), do identificado art. 640º. * III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA 1ª Instância julgou provada, com relevo para a decisão da causa, a seguinte facticidade: 1. A insolvente é uma sociedade unipessoal por quotas, constituída em 2014.09.11, com o capital social de €5.000,00, tendo como sócia única e gerente única, BB, com sede na Rua ..., ..., ..., ... Guimarães, cujo objeto social era a fabricação de componentes para calçado, tal como resulta da certidão permanente junta aos autos a fls. 158 a 160 e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 2. A Insolvente apresentou-se a PER a 06/09/2019 (agora apenso B), e no âmbito do mesmo apresentou o seu Plano mediante requerimento aduzido aos mesmos datado de 08/10/2019 e como parte integrante do Plano apresentou o seu Inventário indicando “Relação de bens Verba 1 – Viaturas Verba 2 – Pesados e Reboques de mercadorias e Verba 3 – Material de escritório. 3. Decorridas as negociações, não tendo o Plano apresentado merecido a aprovação dos seus credores, o Sr.(a) Administrador(a) Judicial Provisório(a) nomeado emitiu o seu parecer no sentido de ser declarada a insolvência, e extraída certidão do mesmo foi remetida à distribuição como processo de insolvência, conforme resulta de fls. 92, 98 e 102, respetivamente, do apenso B, e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 4. Por despacho proferido a 13/01/2020 nos autos principais foi determinada a notificação da Devedora para, expressamente e no prazo máximo de dois dias, se pronunciar e/ou requerer o que tivesse por conveniente quanto à sua declaração de insolvência, advertindo-se a mesma que na eventualidade de nada dizer se presumiria a sua anuência a tal declaração, tal como resulta de fls. 31 dos autos principais e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 5. Mediante requerimento datado de 16/01/2020 aduzido aos autos principais, veio a Devedora invocar que após decisão dos Senhores Credores em não aprovar o plano deixou de ter condições para poder laborar, não tem já pessoal ao seu serviço, não goza de crédito dos fornecedores, muito menos, das instituições de crédito, encerrou a sua produção impulsionada pela ocorrência dos referidos fatores e conclui estar em manifesto estado de insolvência, tal como resulta de fls. 30 a 32 dos autos principais e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 6. Em consequência, por decisão proferida a 20/01/2020, já transitada em julgado, foi a devedora S..., Unipessoal, Lda. declarada insolvente, tal como resulta de fls. 33 a 35 dos autos principais e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 7. Em sede de relatório referiu o Sr.(a) Administrador(a) de Insolvência que não lhe foi presente qualquer registo contabilístico, e a sê-lo, (estava em crer), que não deveria merecer qualquer credibilidade, atento o incumprimento fiscal observado, o qual, por si só, é claramente revelador da inexistência de registos contabilísticos, uma vez que aqueles não existem sem estes, sabe-se, apenas, que eventuais registos remontarão ao ano de 2017, desatualizados, sem rigor nem critério, pelo que não devem ser considerados como existentes. 8. Em tal relatório concluiu o Sr.(a) Administrador(a) de Insolvência pela liquidação do ativo em virtude da apreensão de uma máquina, tal como resulta de fls. 64 a 84 dos autos principais e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo sido determinado o prosseguimento dos autos com vista à liquidação do referido ativo, tal como resulta de fls. 89 dos autos principais e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 9. A 04/08/2020, mediante requerimento junto aos autos principais, veio o Sr.(a) Administrador(a) de Insolvência informar que na data em que visualizou a única máquina apreendida solicitou comprovativos de propriedade da mesma sem que se tivesse obtido resultado, sendo que, à data da diligência processual, foi indicado pelo gerente de facto, Sr. AA, que a referida máquina era propriedade da insolvente “S..., Lda.”, o que não se confirma, conforme Fatura nº ...75 de 31.12.2017, emitida por “S..., Lda., à sociedade “R..., UNIPESSOAL, LDA.” – NIPC: ..., pelo valor de €55.000,00 + I.V.A., perfazendo o montante de € 67.550,00, tendo esta sociedade “R...”, sido declarada insolvente no âmbito do Processo registado sob o nº214/20.... – Juízo de Comércio ... – Juiz ..., tendo sido nomeado Administrador de Insolvência, o Exmo. Sr. Dr. EE, de quem o Sr.(a) Administrador(a) de Insolvência obteve a informação, pelo que requereu que fosse alterada a sua proposta para encerramento por insuficiência da massa insolvente, tal como resulta de fls. 90 a 92 dos autos principais e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 10. Ouvidos os credores e nada tendo sido oposto, por despacho proferido nos autos principais a 01/09/2020, foi declarado o encerramento do processo com fundamento na insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, tal como resulta de fls. 94 dos autos principais e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 11. A Insolvente viu a sua contabilidade ser apreendida pela Polícia Judiciária – Auto de Apreensão nº NUIPC: 1155/17...., cujo último exercício era referente a 2017. 12. Foi igualmente objeto de Inspeção Tributária – da Direção de Finanças do Porto, a que corresponde a Ordem de Serviço nº...41 e ...70, datado de 2020/07/13, cujo relatório/resultado/conclusões o Sr.(a) Administrador(a) de Insolvência considerou no mínimo alarmante, designadamente os valores apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira mediante correções à matéria coletável relativos a IRC e IVA sendo que quanto ao ano de 2016 o valor encontrado/em falta é superior a um milhão e setecentos mil euros, e quanto ao ano de 2017 tal valor é superior a um milhão e quatrocentos mil euros. 13. O relatório apresentado pela Administração Tributária apenas recolhe a informação de 3 anos (2015 a 2017), desconhecendo-se por completo tudo o que se passou até à presente data, dado não existir o mínimo de condições para se apurar a verdade uma vez que a contabilidade não existe. 14. Após a sua nomeação, procedeu o Sr.(a) Administrador(a) de Insolvência à diligência necessária (reunir e compilar informação com vista à elaboração do Relatório tendo sido confrontado, pelo ex-contabilista da insolvente, Sr. FF – NIF:... – Membro nº ...96 da Ordem dos Contabilistas Certificados, da inexistência de contabilidade, da falta de colaboração dos responsáveis da S..., da apreensão de toda a contabilidade existente à data da apreensão efetuada pela Polícia Judiciária, e, bem assim, do desconhecimento total, havia já largo tempo decorrido, sobre a última vez que lhe entregaram documentos para contabilidade, claramente em tempo anterior à referida apreensão, segundo informou presencialmente. 15. Face à inexistência de contabilidade e de bens sujeitos a registo, o Sr.(a) Administrador(a) de Insolvência confrontado com a impossibilidade de certificar o que quer que fosse, a não se tentar “descobrir” bens que, eventualmente, pudessem pertencer à insolvente, após várias tentativas telefónicas (em momento posterior), foi indicado por AA a existência de apenas uma máquina propriedade da insolvente “S...”, uma Máquina de injeção da marca ...” aparcada numa “instalação” propriedade do referido AA (marido da sócio-gerente), cuja identificação foi dada aos autos, vindo a saber-se, mais tarde, que tal máquina não só não pertencia à insolvente “S...”, como lhe haviam retirado o motor, peça mais importante e mais valiosa da referida máquina. 16. Recentemente, veio a saber-se através de Ilustre Sr.(a) Administrador(a) de Insolvência nomeado no processo de Insolvência da “R...”, que afinal, a máquina havia sido “vendida”, pela S..., pelo valor global de €55.000,00 (acrescido de I.V.A.), através da fatura nº ...17. 17. Aquando da diligência processual realizada pelo Sr.(a) Administrador(a) de Insolvência, esta máquina foi indicada como sendo propriedade da S..., quando tal máquina (a confirmar-se a autenticidade da transação), já não pertencia desde 31.12.2017, à ”S...”. 18. Em processo de insolvência anterior registado sob o nº. 278/18.... - a referida máquina integra o Auto de Apreensão de Bens. 19. AA é em primeira linha responsável pelo estado de insolvência a que chegou a S..., sendo que a sócia-gerente, BB, sua mulher, não decidia fosse o que fosse, limitando-se apenas, a assinar onde o marido, o Requerido AA, o exigia. 20. Por audição/entrevista da sócio-gerente, BB, aquando da diligência processual, o Sr.(a) Administrador(a) de Insolvência verificou que a sócia-gerente só o era de “direito”, limitando-se a seguir as ordens do marido, neste caso de AA, o “verdadeiro patrão/dono de tudo o que envolvia a S... e as “restantes empresas do grupo”. 21. A sociedade “S..., Lda.” não tem a contabilidade devidamente organizada e em dia, nem apresentou quaisquer registos contabilísticos dignos de credibilidade e apesar de exercer uma atividade industrial não lhe é conhecido nenhum tipo de equipamento. 22. A Insolvente reiterou, sistematicamente, o incumprimento fiscal de natureza declarativa e de pagamento, bem como perante o Instituto da Segurança Social, I.P. e não procedeu ao pagamento de salários aos trabalhadores, verificando-se o incumprimento generalizado de todas as responsabilidades (sociais e parassociais). 23. O Requerido AA, com morada conhecida na Rua ... – ... ... (Guimarães), foi quem efetivamente ao longo de todo o tempo de vivência da sociedade, a administrou, geriu, comprou, vendeu, contratou trabalhadores, comprou e vendeu matérias subsidiárias, equipamentos, trocou e vendeu equipamentos, girando em torno de si mesmo toda a atividade da insolvente, incluindo a que se relacionava com transações financeiras, nomeadamente de movimento de letras de câmbio, as quais, nem sempre correspondiam a movimentos gerados e em proveito da própria insolvente, as denominadas letras de favor. 24. Não obstante ainda constar no “Portal das Finanças” a identificação de FF – NIF: ... – Membro nº ...96 da Ordem dos Contabilistas certificados, a verdade é que o mesmo não exercia funções desde, pelo menos meados do ano de 2017, situação que se comprova pela visualização de uma peça contabilística “Balancete de Abertura do ano de 2017 (com valores reportados, exclusivamente, ao ano de 2016), não existindo, a partir daí, mais nenhum movimento de contabilidade registado ou do conhecimento deste Contabilista Certificado. 25. Pelas informações tomadas pelo Sr.(a) Administrador(a) de Insolvência, em diligência realizada com o Contabilista Certificado, para recolha de informação com vista à elaboração Relatório (artº 155º CIRE), foi isso que se verificou e com facilidade se constatou que ao referido Contabilista Certificado não havia sido entregue mais nenhuma informação/documentação por parte da insolvente, que permitisse a elaboração da contabilidade, com o mínimo de sustentabilidade e credibilidade e foi nessa diligência processual que tomou conhecimento da apreensão, pela Policia Judiciária, de elevado suporte documental da insolvente, cuja informação está devidamente plasmada no Relatório (artº 155º - CIRE). 26. O total de créditos reclamados e reconhecidos pelo Sr(a). Administrador(a) de Insolvência ascende ao montante global de € 2.713.387,23, tal como resulta da última lista corrigida aduzida ao apenso C e constante de fls. 21 a 33, e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 27. Os créditos reclamados, reconhecidos e devidos à Autoridade Tributária com natureza privilegiada assumem o montante de € 38.473,35 e o montante global de €77.270,09 enquanto créditos de natureza comum, estes últimos constituídos há mais de um ano à data do início do processo de insolvência, tal como resulta da lista junta no apenso C e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 28. Os créditos reclamados, reconhecidos e devidos à Segurança Social assumem o montante global de € 71.011,65 enquanto créditos de natureza comum, constituídos há mais de um ano à data do início do processo de insolvência, tal como resulta da lista junta ao apenso C. 29. Da certidão permanente referente à matrícula da sociedade insolvente, resulta que o último ano em que prestou/depositou contas foi quanto ao exercício de 2017, tal como resulta de fls. 158 a 160 deste apenso e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 30. A oponente BB desconhecia tudo o relacionado com atividade e gerência da insolvente, designadamente no que às relações comerciais, aos trabalhadores e às obrigações fiscais respeita. 31. Desde a sua constituição a Insolvente sempre foi, efetivamente, gerida pelo oponente AA, estando a atuação da oponente BB limitada à assinatura de alguns documentos, sempre que exigido pelo oponente AA. 32. AA nasceu a .../.../1969 e foi registado como filho de GG e de HH, tal como resulta do assento de nascimento junto aos autos a fls. 62-63 e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 33. Do mesmo assento consta o averbamento nº 2 datado de 30/11/2021 onde se refere que foi “Declarada a inibição para administrar património de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de cinco anos, nos termos de sentença transitada em 26 de outubro de 2021, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Comércio ..., Juiz ....”, tal como resulta do assento de nascimento junto aos autos a fls. 62-63 e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 34. A Requerida CC nasceu a .../.../1968 e foi registado como filha de II e JJ, tal como resulta do assento de nascimento junto aos autos a fls. 63 verso e 64 e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 35. AA e CC celebraram casamento católico sem convenção antenupcial no dia .../.../1990, tal como resulta do assento de casamento junto aos autos a fls. 161 e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 36. O oponente AA não figura, pelo menos formal ou registralmente, como titular de capital social das sociedades “H...– Unipessoal, Lda.”, “R..., Lda.” e “A..., Lda.”, tal como resulta de fls. 124 a 160 deste apenso e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. 37. No âmbito do processo que correu termos no Juízo de Comércio ... – Juiz ..., registado sob o nº. 278/18...., por sentença proferida a 12/05/2022 foi dado como provado que a gerência de facto da sociedade A..., Lda. era também exercida pelo ora Requerido AA, tendo o mesmo sido afetado pela qualificação como culposa da respetiva insolvência, tal como resulta de fls. 91 a 104 deste apenso e cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido. * Por sua vez, a 1ª Instância julgou não provada a facticidade que se segue:a. Que a Insolvente e a sua gerência hajam dissipado todo o seu equipamento nas diversas “empresas que constituíam o “ninho empresarial”, com fins e objetivos claramente antagónicos a uma boa, eficaz e correta gestão dos ativos da sociedade, designadamente para a H...- Unipessoal, Lda., R..., Lda. e A..., Lda.. b. O oponente AA nada tinha a ver com a administração e gerência das sociedades “H...– Unipessoal, Lda.”, “R..., Lda.” e “A..., Lda.”, nunca ocupou qualquer cargo de gerência, tão pouco exerceu qualquer função nas mesmas. * IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICAa- Da qualificação da insolvência da sociedade devedora como culposa. A apelante imputa erro de direito à sentença recorrida advogando que nela, “O tribunal a quo entendeu, além do mais, que a insolvente não cumpriu com o dever de apresentação à insolvência e que existe nexo causal entre este incumprimento e o agravamento da situação de insolvência e que, por isso, a insolvência deve qualificar-se como culposa, nos termos do art. 186º, n.ºs 1 e 3, al. a) do CIRE”, sustentando que, para que se possa concluir pela qualificação da insolvência, não basta que se encontrem preenchidos os requisitos legais da mencionada al. a), do n.º 3, ou seja, que se encontre verificado o incumprimento nela previsto, mas exige-se adicionalmente “a prova da relação ou nexo de causalidade entre essa conduta e a criação ou agravamento da situação de insolvência do devedor”. Ora, sustenta a apelante, “no caso presente, não se vê na fundamentação onde o tribunal a quo tenha ancorado factos ou considerações que revelem que a recorrente atuou dolosamente, ou com culpa grave, mesmo admitindo, no que não se concede, que pudesse ser gerente (de direito). Não vem dado por provado, por exemplo, se a recorrente tinha conhecimento de que a insolvente mantinha atividade quando foi requerida a sua insolvência, que a recorrente tinha conhecimento das dívidas ao Instituto da Segurança Social, I.P., à Autoridade Tributária e Aduaneira e a fornecedores, e mesmo que tivesse conhecimento das dificuldades económicas sentidas pela insolvente – que não tinha -, a existência de dificuldades económicas não é equivalente a situação de insolvência”. Assim, conclui a apelante que, “nestas condições, salvo melhor opinião, não é possível presumir o conhecimento da situação de insolvência pela recorrente, pois que a mesma era totalmente alheia à gerência (de facto e de direito) da mesma. E, ainda que assim se não se entendesse, sempre seria exigível, pelas razões apontadas, a prova da relação ou nexo de causalidade entre essa conduta e a criação ou o agravamento da situação de insolvência. Porém, não está demonstrado qualquer facto relativo à relação de causalidade entre aquela conduta e a criação, ou o agravamento do estado de insolvência. Nestas condições, qualquer daquelas condutas da recorrente, ainda que lhe devessem ser assacadas, mesmo de forma presuntiva, a título de culpa grave, sempre seriam inidóneas para qualificar a insolvência como culposa”. Compulsada a sentença sob sindicância, dir-se-á que a alegação da apelante que se acaba de transcrever assenta num manifesto equívoco, qual seja, o de pretender que, na sentença recorrida, o tribunal a quo qualificou a insolvência da sociedade devedora como culposa com fundamento na presunção de culpa grave prevista na al. a), do n.º 3, do art. 186º do CIRE, quando manifestamente assim não é, posto que, se é certo que nos pareceres emitidos pelo administrador da insolvência e pelo Ministério Público estes requeriam que a insolvência fosse qualificada como culposa com fundamento no disposto no art. 186º, n.ºs 1 e 2, al. a), b), d), e), g) e h) e 3, al. b), do CIRE, o tribunal, na sentença, apenas considerou estarem preenchidas as presunções inilidíveis (iuris et de iure) de insolvência culposa das als. a) e h), do n.º 2, do art. 186º. Neste sentido lê-se, cremos que de forma clarividente, na sentença sob sindicância (que, na parte que releva para demonstrar o enunciado equívoco em que se encontra incursa aa apelante, aqui se transcreve ipsis verbis): “No caso em apreço o Sr. Administrador de Insolvência propõe a qualificação como culposa da insolvência da devedora S..., Unipessoal, Lda., e pugna pela afetação dessa qualificação ao gerente de facto, o Requerido AA. Os fundamentos que invoca para o efeito são as als. a), b), d) e), g) e h) do nº. 2 do art. 186º do CIRE. Por seu turno o Ministério Público, aderindo ao invocado pelo Sr(a). Administrador(a) de Insolvência, conclui que deve ser também afetada a gerente de direito, a Requerida BB. Mais propõe que, a proceder a qualificação como culposa, os afetados por tal qualificação sejam condenados nos termos previsto no nº 2 do art. 189º do CIRE. (…). A este respeito, cumpre-nos dizer que, em face dos factos provados, se entende estar demonstrado os condicionalismos previstos nas als. a) e h) do nº 2 do art. 186º, factos que, como se verão, conduzirão à necessária (e manifesta) qualificação como culposa da insolvência dos autos e pela afetação do gerente de facto da devedora AA e da gerente de direito CC. Assim, e uma vez que se tratam de fundamentos para a qualificação da insolvência inilidíveis, no caso das alíneas a) e h) do nº 2 do art. 186º, forçoso é considerar a insolvência dos autos como culposa. Ou seja, está absolutamente estabelecido o nexo de causalidade adequada entre a atuação e omissões levadas a cabo pela devedora em causa e a situação de insolvência, o que, sem mais, permite concluir que esta deve ser qualificada como culposa, pois que os gerentes de facto e de direito não podiam ignorar a indicação dos bens em sede de Plano de revitalização que apresentaram aos credores e ao Tribunal três meses antes da declaração de insolvência e não tenha sido possível ao Sr.(a) Administrador(a) de Insolvência apreender qualquer bem, para além de uma máquina que lhe foi indicada pelo gerente de facto, o Requerido AA, como pertencente à Insolvente e que conduziu o Sr.(a) Administrador(a) de Insolvência à localização da mesma, quando a referida máquina já havia sido vendida cerca de dois anos antes. Para além do que vai dito é manifesta a inexistência de quaisquer registos contabilísticos a partir de 2017 após a apreensão levada a cabo pela PJ. A sócia e gerente única da Devedora e o seu marido, gerente de facto, não podiam desconhecer a inexistência de contas elaboradas a partir do exercício de 2017, assim como não podiam ignorar que inexistindo também não eram submetidas à devida fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira e depositadas na Conservatória do Registo competente, não mantendo a contabilidade organizada, com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora, pois nada se sabe da Devedora e da sua contabilidade após o exercício de 2017, nada existindo quanto a 2018 e 2019, apesar da iniciativa da própria Devedora de apresentação a PER a meio do ano de 2019. Segundo Pires Cardoso, em Compêndio de Noções de Direito Comercial, pág. 114, “a contabilidade, através da escrituração, revela ao comerciante a sua situação económica e financeira em determinado momento, os resultados - lucros e perdas de cada exercício. E assim como lhe releva os erros da sua atuação em certos aspetos do seu comércio, permitindo-lhe modificá-la, também lhe mostra os benefícios trazidos pela sua orientação em outros aspetos, animando-o a continuá-la. (...). Mas além disto, a escrituração mercantil é também uma garantia para quem contrata com os comerciantes, pois nela muitas vezes se fundam reclamações das pessoas que se sentem lesadas, e é nos seus lançamentos que vai buscar-se a prova para fazer valer em juízo ou fora dele, essas mesmas reclamações (…) Mais ainda: A escrituração é também obrigatória no interesse geral do público porque demonstra a maneira de negociar do comerciante, o seu procedimento honesto ou a sua má-fé nas transações, sobretudo nos casos de falência em que se tem que reconstituir a sua vida mercantil, para averiguar se houve negligência, fraude ou culpa.” No mesmo registo Menezes Cordeiro, em Manual de Direito Comercial, vol. I, pág. 297 e 298, escreve: “a escrituração terá começado por servir os interesses do próprio comerciante (…) Mas além disso, desde cedo se verificou que servia, também, os interesses dos credores e isso a um duplo título: - incentivando o comércio cuidadoso e ordenado, a escrituração conduz a práticas que põem os credores (mais) ao abrigo de falências e bancarrotas; - permitindo conhecer a precisa situação patrimonial e de negócios, a escrituração faculta informações e determina responsabilidades. A partir daí, reconheceu-se que a escrituração servia toda a comunidade, facultando ainda ao Estado atuar, com fins de polícia, de fiscalização ou de supervisão.” A contabilidade assume, assim, particular relevância para aferir se a atividade da sociedade respeitou as normas que protegem os terceiros que com ela contratam, permite controlar e evitar a concorrência desleal e assim proteger as outras empresas do mesmo setor, os próprios sócios da sociedade, não gerentes para que estes possam controlar a atividade da sociedade e os interesses gerais da comunidade, designadamente para possibilitar ao Estado arrecadar os impostos legalmente fixados. Tendo presente o atual Sistema de Normalização Contabilística (DL 158/2009 de 13 de julho), a contabilidade como sistema de informação que é deve obedecer aos pressupostos, características qualitativas e seus requisitos, bem como constrangimentos subjacentes à preparação da informação financeira. Através das normas de contabilidade revelam-se as demonstrações financeiras. O objetivo das demonstrações financeiras é proporcionar informação acerca da posição financeira, do desempenho e das alterações na posição financeira de uma entidade, de modo a que a mesma seja útil a um vasto leque de utentes na respetiva tomada de decisões económicas. Há aqui que trazer à colação os artigos 29º, 62º e 31º do Código Comercial. Os utentes das demonstrações financeiras são os investidores, empregados, mutuantes, fornecedores e outros credores comerciais, clientes e governo e seus departamentos, e até mesmo o público em geral. Apesar da relevância em abstrato da contabilidade para se verificar a previsão da 1ª parte da al. h) do n.º 2 art. 186º não é suficiente qualquer deficiência, tem que ser uma irregularidade com algum relevo, segundo as boas regras e práticas contabilísticas e com influência na perceção que tal contabilidade transmite sobre a situação patrimonial e financeira do contabilizado. O incumprimento de manter a contabilidade organizada deve considerar-se substancial quando as omissões a esse nível atinjam um patamar que corresponde à não realização do que, em termos contabilísticos, é essencial ou fundamental. O incumprimento em termos substanciais da obrigação de manter contabilidade organizada, corresponde à ausência de contabilidade, ou à violação das regras impostas pelo regime previsto no sistema de normalização contabilística, de tal forma que impeçam obter informação fiel e objetiva aos vários utentes da mesma - investidores, empregados, mutuantes, fornecedores e outros credores comerciais, clientes, governo e seus departamentos, público - sobre a situação financeira e patrimonial da entidade obrigada à sua realização. Ora, no caso em apreço a contabilidade da insolvente não existe no ano de 2018, nem de 2019. O Sr. Administrador(a) de Insolvência apenas refere ter tido acesso a um balancete ao qual não atribuiu qualquer credibilidade. É o próprio contabilista certificado a fazer alusão à inexistência de contabilidade após o exercício de 2017. De referir que da factualidade provada, não consta nenhuma circunstância que sequer atenue a gravidade da prática de irregularidade da contabilidade ou da omissão de manter contabilidade organizada. Face às irregularidades verificadas na contabilidade não é possível aferir da real situação financeira ou patrimonial da sociedade, pelo que temos por verificado o circunstancialismo previsto na al. h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE. A inexistência de uma contabilidade organizada não pode deixar de comprometer seriamente os interesses que a obrigação de manter contabilidade organizada visa acautelar, pois não permite de forma cabal demonstrar ou provar fiel e verdadeiramente a posição financeira da empresa e o resultado das suas operações, com utilidade para terceiros, mais a mais numa altura em que é a própria Devedora quem se expõe perante os seus Credores quando se apresenta a PER, sendo muito parcos os elementos que acompanharam o requerimento inicial como se retira dos autos apensos, não competindo agora, e nesta sede, fazer qualquer sindicância quanto à instrução daqueles autos em momento anterior à nomeação de Sr.(a) Administrador(a) Judicial Provisório(a). Os factos permitem, assim, concluir a prática de irregularidades na contabilidade, ou mais propriamente a inexistência de contabilidade quanto aos exercícios de 2018 e 2019 com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora. Tal situação ou conduta ocorreu nos três anos que antecederam o início do processo de insolvência (10/01/2020). Presume-se, por isso, culposa a Insolvência da S.... Ocorrendo a situação prevista no art. 186°/2/al h) do CIRE - incumprimento em termos substanciais de manter a contabilidade organizada e praticar irregularidades com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do Devedor - inexiste a necessidade de prova do nexo causal entre a culpa e a criação ou o agravamento do estado de insolvência. A insolvência dos autos deve, pois, sem necessidade de mais considerações, ser considerada culposa, com afetação direta da Sócia e Gerente única CC e do gerente de facto AA, responsáveis pela situação verificada (artigo 186º nº 2 als. a) e h) do CIRE)”- sublinhado e destacado nosso. E tendo a 1ª Instância, na sentença recorrida, apenas qualificado a insolvência da sociedade devedora como culposa com fundamento nas previsões das als. a) e h), do n.º 2, do art. 186º do CIRE, e não também nas demais alíneas deste n.º 2, nem na al. b), do n.º 3, cujos requisitos legais o administrador da insolvência e o Ministério, nos pareceres que emanaram, pretendiam estarem igualmente preenchidos, é indiscutível o equívoco da apelante quando pretende que o tribunal a quo considerou preenchida a previsão legal da al. a), do n.º 3, do art. 186º, previsão essa cujo preenchimento nem sequer vem defendido pelo administrador da insolvência e/ou pelo Ministério Público nos pareceres que emanaram. Por sua vez, quanto à qualificação da insolvência da sociedade devedora com fundamento nas previsões legais das als. a) e h), do n.º 2, do art. 186º do CIRE feita pela 1ª Instância na sentença sob sindicância, no recurso que interpôs, a apelante não assaca nenhum erro de direito à seleção feita pelo tribunal a quo dessas normas, à interpretação que este fez dessas normas e da subsunção que delas realizou aos factos que se quedaram como provados e não provados nos autos, pelo que se trata de questão que não faz parte do objeto do presente recurso de apelação, por não suscitada e não se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso do tribunal. Daí que esta Relação dela não possa conhecer, sob pena de incorrer em nulidade por excesso de pronúncia. Posto isto, a noção geral de insolvência culposa consta do n.º 1 do art. 186º, onde se lê que: “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”. De acordo com essa noção geral de insolvência culposa, para que uma determinada insolvência de uma pessoa singular ou coletiva possa ser qualificada como culposa, é necessário que se verifique o preenchimento dos seguintes pressupostos legais cumulativos: a) que nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, o devedor, ou os seus administradores, de direito ou de facto, tenham adotado uma ou várias condutas, ativas ou omissivas; b) que essa(s) conduta(s) tenha(m) sido por eles adotada(s) a título doloso ou com negligência grave; e c) que, em consequência direta e necessária dessa(s) conduta(s), tenha resultado a situação de insolvência em que se encontra o devedor ou o agravamento da situação de insolvência em que este já se encontrava antes dessa(s) conduta(s). Dito por outras palavras, para que esteja preenchida a noção base de insolvência culposa, esta “implica sempre uma atuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, determinados, estes, nos termos do art. 6º do CIRE, e essa atuação deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra”[4], ocorrendo, portanto, nexo causal entre a(s) conduta(s) e a criação ou o agravamento do estado de insolvência em que se encontra o devedor. Acontece que, conforme é bom de ver, a qualificação de uma insolvência como culposa, sobretudo, no que respeita à prova de facticidade demonstrativa dos requisitos do caráter doloso ou gravemente negligente da(s) conduta(s) do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, e da relação de causalidade entre essa(s) conduta(s) e a determinação da situação de insolvência em que se encontra o devedor, ou o agravamento do estado de insolvência em que este já se encontrava antes de tal(ais) conduta(s), revela-se, as mais das vezes extraordinariamente difícil de fazer. Não desconhecendo essas dificuldades e para dar efetividade prática aos objetivos que prossegue com a adoção do incidente de qualificação da insolvência, o legislador estabeleceu uma série de presunções, que nuns casos são presunções inilidíveis, e por isso, presunções iuris et de iure de insolvência culposa, em que, nos termos do art. 350º, n.º 1 do CC, alegados e provados os factos base da presunção, a lei presume inilidivelmente, sem possibilidade de prova em contrário, que a insolvência é culposa, e em que, noutros casos, são presunções ilidíveis, e por isso, iuris tantum de culpa grave, pelo que, alegados e provados os factos base da presunção, se presuma elidivelmente a existência de culpa grave do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, em relação a determinadas condutas, ativas ou omissivas (as previstas na alínea preenchida), adotadas nos três anos que antecederam o início do processo de insolvência (a quem cabe ilidir essa presunção), mas em que o tribunal (sem prejuízo dos poderes inquisitoriais que o art. 11º do CIRE lhe reconhece), quando tenha determinado a abertura oficiosa, na sentença declaratória da insolvência, do incidente de qualificação, e o administrador da insolvência ou os restantes interessados, quando tenham requerido a abertura do incidente em causa, não estão dispensados do ónus da alegação e da prova de facticidade integrativa da verificação do indispensável nexo causal entre essa(s) conduta(s) e o estado de insolvência em que se encontra o devedor, ou o agravamento desse estado de insolvência em que aquele já se encontrava mesmo antes de tal(ais) conduta(s). Neste sentido se têm pronunciado a doutrina e a jurisprudências maioritárias, para quem nas diversas alíneas do n.º 2, do art. 186º do CIRE estão descritas situações que, uma vez alegadas e provadas, caso o devedor seja uma pessoa coletiva (sem prejuízo da ressalva do seu n.º 4, que manda aplicar o disposto nos n.º 2 e 3, com as necessárias adaptações, à atuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade de situações), se presuma iuris et de iure, isto é, sem admissão de prova em contrário, que a situação de insolvência do devedor é culposa, ou seja, alegados e provados que sejam os factos base da presunção previstos em cada uma das alíneas desse n.º 2, presume-se inilidivelmente, quer a existência de culpa grave, quer o nexo de causalidade do comportamento do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, para a criação ou o agravamento da situação de insolvência em que o devedor se encontra, sem admissão de produção de prova em sentido contrário, conforme resulta da expressão contida nesse n.º 2 - “considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja pessoa singular (…)”[5]. Nessas situações, o juiz tem de qualificar sempre a insolvência como culposa, sem mais. Já a doutrina e a jurisprudência maioritárias entendem que as duas alíneas do n.º 3, do art. 186º, descrevem situações em relação a devedor pessoa coletiva (sem prejuízo da ressalva atrás já enunciada do n.º 4 quanto à insolvência de pessoa singular), as quais, uma vez alegadas e provadas (bastando a alegação e prova dos comportamentos previstos numa dessas duas alíneas do n.º 3), levam a que se presuma elidivelmente (admitindo, portanto, prova em contrário, pelo que se trata de presunção iuris tantum) de culpa grave, em resultado da atuação do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, mas não uma presunção de causalidade entre essa atuação e a criação ou o agravamento do estado de insolvência em que se encontra o devedor. Portanto, para que se possa concluir pela qualificação da insolvência como culposa à luz das presunções previstas nas duas alíneas do n.º 3 do art. 186º, para além da alegação e prova dos factos base da presunção contidos em cada uma dessas alíneas, terão ainda de ser alegados e provados factos demonstrativos em como a insolvência do devedor foi causada ou agravada em consequência dessa(s) apurada(s) conduta(s) presuntivamente gravemente negligente(s) do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, contida nessa(s) concreta(s) alínea(s) do n.º 3, ou seja, para além de se ter de fazer prova dos factos base da presunção de negligência grosseira, tem ainda de se alegar e provar facticidade que permita concluir pela verificação do indispensável nexo causal entre tal(ais) conduta(s) e a situação de insolvência ou o agravamento da situação de insolvência do devedor[6]. Acontece que, analisadas mais de perto e com mais rigor as diversas alíneas do n.º 2, do art. 186º do CIRE, cujos requisitos legais previstos em cada uma dessas alíneas, uma vez alegados e provados determinam, reafirma-se, que se tenha de qualificar sempre a insolvência como culposa, as mesmas podem ser agrupadas em três categorias fundamentais, a saber: 1) atos que afetam, no todo ou em parte considerável, o património do devedor (als. a) e c), do n.º 2, do art. 186ª); 2) atos que, prejudicando a situação patrimonial do devedor, em simultâneo trazem para o(s) administrador(es), de direito ou de facto, que os pratica benefício próprio ou para terceiro(s) (als. b), d), e), f) e g), do n.º 2, do art. 186º); e 3) incumprimento de certas obrigações legais (als. h) e i), do n.º 2, do art. 186º)[7]. A propósito deste último grupo de condutas, embora a doutrina e a jurisprudência maioritárias propendam que em todas as alíneas do n.º 2, do art. 186º estão consagradas situações de presunção iuris et de iure de insolvência culposa, parte da doutrina e da jurisprudência tem-se questionado acerca do alcance dessas alíneas h) e i) no sentido de se nelas a lei presume o nexo de causalidade entre a conduta legalmente tipificada, traduzida no incumprimento por parte do devedor ou pelos seus administradores, de direito ou de facto, das obrigações legais nelas previstas e a criação ou o agravamento da situação de insolvência do devedor, dado que, prima facie, não se descortina qualquer nexo causal entre tais incumprimentos e a criação ou o agravamento do estado de insolvência do devedor, concluindo que, nessas duas alíneas, o legislador não consagra presunções inilidíveis de insolvência culposa, mas antes autênticas ficções jurídicas inilidíveis de insolvência culposa. Assim, segundo Rui Estrela de Oliveira, enquanto as als. a) a g), do n. 2, do art. 186º do CIRE consagram causas inilidíveis “semi objetivas da insolvência culposa” e, portanto, presunções inilidíveis de insolvência culposa, nas alíneas h) e i), desse n.º 2, estamos “no domínio das causas puramente objetivas da insolvência culposa. Nestas duas alíneas, não está, em abstrato, pressuposto um nexo de causalidade entre o comportamento do visado e a produção de insolvência. O que aqui está em causa é um comportamento do visado que impediu e/ou impede que se determine o valor da sua contribuição e responsabilidade na produção e/ou agravamento da situação de insolvência. Sendo assim, mostra-se justificado que aquele que impediu a descoberta da verdade material não beneficie mais do que o responsável que não impediu tal descoberta. Ou seja, estamos aqui perante sanções quase diretas: deve ser sancionado quem impediu que se desenvolvesse uma normal discussão factual sobre os pressupostos da insolvência como culposa. Destarte, e para fazer funcionar as presunções, apenas deve ser alegada e provada a literal factualidade com virtualidade de preencher a hipótese normativa das alíneas, não sendo necessário invocar qualquer facto para preencher os pressupostos de insolvência culposa constantes da noção geral do n.º 1, designadamente, o nexo de causalidade entre tais comportamentos e a produção e/ou agravamento da situação de insolvência. Mas, por outro lado, também deve alertar-se para a circunstância de não ser qualquer factualidade que fará espoletar a decisão de insolvência culposa com fundamento nestas alíneas”. E debruçando-se especificamente sobre a alínea h), do n.º 2, expende que: “quando a lei utiliza a expressão em termos substanciais, quer dizer que a obrigação de manter a contabilidade organizada foi violada em termos tais que não é possível indicar, com segurança, a causa da insolvência e os seus responsáveis”[8]. Igualmente Catarina Serra, reconhecendo que a inobservância do dever de manter a contabilidade organizada, embora dificultando a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor, não fere, nem, em princípio, agrava a insolvência, faz assentar o juízo de reprovabilidade decorrente da al. h), do n.º 2, do art. 186º, que impõe que a insolvência tenha de ser sempre qualificada como culposa, na circunstância de “a não organização ou desorganização da contabilidade e a falsificação dos respetivos documentos faz supor que o sujeito tem algo a esconder, que ele terá praticado atos que contribuíram para a insolvência e quis/quer ocultá-los”[9]. Destarte, no que respeita às hipóteses previstas nas als. h) e i), do n.º 2, do art. 186º do CIRE, no seguimento do que se vem dizendo, consideramos que o legislador entendeu, sem admissão de prova em contrário, que ocorre insolvência culposa sempre que as hipóteses descritas em cada uma dessas duas alíneas se encontram preenchidas, não porque o incumprimento das obrigações legais nelas previstas tenham aptidão real ou presumida para criar e/ou agravar a situação de insolvência do devedor, mas sim porque se está perante um ilícito gravemente censurável que justifica submetê-lo ao regime da insolvência culposa, decorrente da omissão do dever do devedor, dos seus administradores, de direito ou de facto, de manterem uma contabilidade organizada, nos termos prescritos na lei, que retrate a verdadeira situação patrimonial e financeira do devedor, ou ao criarem uma contabilidade falsa, que não retrata em termos materiais e ontológicos a verdadeira situação patrimonial e financeira do devedor (contabilidade fictícia), ou ao manterem uma dupla contabilidade, ou seja, duas ou mais contabilidades sem que se saiba qual delas retrata a verdadeira situação patrimonial e financeira do devedor, ou praticando irregularidade contabilística relevante com igual resultado. Com efeito, qualquer das descritas condutas do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto (ausência tout court de contabilidade, contabilidade fictícia, ou dupla contabilidade ou o cometimento de irregularidade(s) contabilística(s), com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor), não permite apreender a verdadeira e real situação patrimonial e financeira do devedor, de modo a permitir perceber essa verdadeira e real situação patrimonial e financeira daquele, da evolução dessa situação e, assim, determinar quais as causas da insolvência, o sujeito ou sujeitos responsáveis pelo degradar da situação patrimonial e financeira do devedor, quais os atos por ele(s) praticados ou omitidos, da licitude ou ilicitude desses atos, do grau de culpa, nomeadamente, se está perante atos dolosos, negligentes ou antes gravemente negligentes, se esses atos criaram ou agravaram o estado de insolvência em que se encontra o devedor e do grau de responsabilidade de cada um desses sujeitos para esse estado de coisas e respetivas consequências jurídicas que devem ser impostas a cada um desses sujeitos. Daí que, nessas duas alíneas, na nossa perspetiva, a lei não estabeleça presunções inilidíveis de insolvência culposa, mas antes verdadeiras ficções inilidíveis de insolvência culposa[10] . Ora, tendo a 1ª Instância qualificado a insolvência da sociedade devedora com fundamento apenas nas als. a) e h), do n.º 2, do art. 186º do CIRE (e não, como sustenta o apelante, também com fundamento na al. a), do n.º 3, do mesmo art. 186º) e não colocando o apelante em crise estas concretas qualificações operadas na sentença recorrida, estabelecendo-se nestas, segundo uns, presunções inilidíveis de insolvência culposa e, segundo outros, verdadeiros ficções jurídicas inilidíveis de insolvência culposa, tal como decidido pela 1ª Instância, impõe-se impreterivelmente qualificar a insolvência da sociedade devedora como culposa, posto que o preenchimento de cada uma dessas alíneas faz presumir ou ficcionar juridicamente (ope legis), sem admissão de prova em contrário, quer a culpa grave dos incumprimentos nelas descritos dos administradores, de direito ou de facto, quer o nexo causal entre esses incumprimentos e o estado de insolvência da sociedade devedora ou o agravamento desse seu estado de insolvência. Apenas no n.º 3, do art. 186º se estabelece, reafirma-se, presunções elidíveis de culpa grave, pelo que o preenchimento dos requisitos previstos numa dessas duas alíneas apenas faz presumir (com admissão de prova em contrário) a culpa grave dos administradores, de direito ou de facto, da sociedade devedora na assunção desses comportamentos, mas não faz presumir o nexo causal entre esses incumprimentos e o estado de insolvência ou o agravamento do estado de insolvência da sociedade devedora, pelo que, para que se conclua pela qualificação da insolvência desta como culposa, é necessária a alegação e prova dos factos base das presunções previstas na al. a) ou na al. b), do n.º 3, do art. 186º e, adicionalmente, a alegação e prova que os incumprimentos nelas descritos criaram a situação de insolvência da sociedade devedora ou agravaram esse estado de insolvência em que esta já se encontrava. Ora, tendo o tribunal a quo apenas qualificado a insolvência da sociedade S..., Unipessoal, Lda., com base nas presunções (ou ficções jurídicas) inilidíveis de insolvência culposa previstas nas als. a) e h), do n.º 2, do art. 186º do CIRE, cujo preenchimento impõe que automaticamente (sem admissão de prova em contrário) se tenha de qualificar sempre a insolvência como culposa, sem necessidade de prova de outros requisitos adicionais (e não, conforme pretende a apelante, também, com fundamento na presunção elidível de culpa grave da al. a), do n.º 3 daquela art. 186º), improcede este fundamento de recurso. b- Da afetação da apelante pela qualificação da insolvência da sociedade devedora como culposa. Advoga a apelante que a sentença recorrida padece de erro de direito ao declará-la afetada pela qualificação da insolvência da sociedade devedora como culposa, sustentando que, a facticidade nela julgada provada, porque insuficiente, não permite essa afetação; o tribunal fez uma errada interpretação do conceito de “administrador de direito”, ínsito no art. 186º, n.º 1 do CIRE; não resultar dos factos provados que aquela tivesse conhecimento da insolvência da sociedade devedora, nem a situação por ela assumida nessa sociedade assumia tamanha relevância que lhe fosse exigível esse conhecimento; e não se encontrar demonstrado o nexo causal entre qualquer comportamento daquela e a criação ou agravamento do estado de insolvência da sociedade devedora, mas antecipe-se desde já, sem fundamento jurídico. Vejamos: Encontra-se plenamente provado nos autos através da certidão da matrícula da sociedade devedora que a apelante é sócia e gerente única dessa sociedade (ponto 1º da facticidade provada). Nos termos da al. a), do n.º 2, do art. 189º do CIRE, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, afetadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respetivo grau de culpa. Para efeitos do CIRE, nos casos em que o devedor não seja pessoa singular, como é o caso da sociedade devedora, que é uma sociedade comercial por quotas unipessoal, são considerados administradores aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da sociedade, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente (art. 6º, n.º 1, al. a) do CIRE). Conforme decorre desse dispositivo legal, mas também, entre outros, dos arts. 186º e 189º do CIRE, os administradores, que, nas sociedades por quotas, nomeadamente nas sociedades unipessoais por quotas, se designam por “gerentes”, podem ser de direito ou de facto. O “gerente” é a pessoa que gere ou administra os negócios jurídicos e o património de outrem. Sendo as pessoas coletivas, onde se inserem as sociedades comerciais, organizações constituídas por uma coletividade de pessoas ou por uma massa de bens, dirigidos à realização de interesses comuns ou coletivos, às quais a ordem jurídica atribui personalidade e capacidade jurídica[11], diversamente do que acontece quanto às pessoas singulares, aquelas não têm uma vontade individual própria, nem atuam na ordem jurídica por si e em sua representação, mas a vontade daquelas é necessariamente a vontade dos órgãos a quem a lei atribui competência para decidir as diversas matérias que digam respeito à pessoa coletiva e para a representar. São esses órgãos que terão, assim, de formar a vontade coletiva, própria da pessoa coletiva, e de atuar no tráfego jurídico em nome e em representação desta. Dito por outras palavras, as pessoas coletivas, pela sua natureza, necessitam de um processo que determine como se forma e manifesta a vontade que lhes é imputável e que corresponde à vontade coletiva e que depois especifique e determine quem em seu nome e em sua representação vai atuar no tráfego jurídico. Daí que a vontade da pessoa coletiva tem de corresponder necessariamente à vontade do órgão a quem a lei reconhece legitimidade para formar essa vontade coletiva sobre os vários assuntos que lhe digam respeito, e serão esses órgãos que terão de atuar no tráfego jurídico, em nome e em representação da sociedade, pelo que, a administração e a representação das pessoas coletivas são necessariamente orgânicas. Nas sociedades unipessoais por quotas, como é o caso da sociedade devedora S... Lda., o sócio único desta exerce as competências próprias das assembleias gerais, podendo, designadamente, nomear gerentes (art. 270º-E, n.º 1 do CSC), sendo a esse tipo de sociedades aplicáveis as normas que regulam as sociedades por quotas, salvo as que pressupõem a pluralidade de sócios (art. 270º-G do CSC). Nas sociedades unipessoais por quotas, a gerência é o órgão social a quem, nos termos do disposto no art. 252º do CSC, compete a administração e a representação da sociedade. Para o efeito, o art. 259º do mesmo Código, atribui à gerência a competência para praticar todos os atos que sejam necessários ou meramente convenientes para a realização do objeto social. Por isso, é à gerência das sociedades unipessoais por quotas que cumpre o dever fundamental de a administrar, conduzindo a atividade social, estando nesse poder compreendido, em geral, a prática de todos os atos que não estejam reservados à competência de outro órgão, e também é à gerência que cabe o poder de representar a sociedade[12], de modo que os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam a sociedade perante terceiros (art. 260º, n.º 1 do CSC), sem prejuízo dos sócios poderem limitar os poderes dos gerentes (art. 246º, n.º 1 do CSC). Apesar de ser à gerência que, por força da lei e salvo casos excecionais, compete os poderes essenciais (fundamentais) de administrar e representar a sociedade, criando, modificando e extinguindo relações jurídicas com os outros sujeitos de direito que atuam ao nível do tráfego jurídico e, bem assim, de ser ao sócio único que nas sociedades unipessoais por quotas compete nomear o gerente ou gerentes da sociedade, o(s) qual(ais), com a nomeação e como efeito automático desta, fica(m) automaticamente investido(s) nos poderes fundamentais de administrar e representar a sociedade e, bem assim, numa panóplia de outros poderes que lhe são atribuídos por lei, pelo contrato de sociedade ou pelos estatutos desta, nem sempre a pessoa (no caso de gerência singular) ou pessoas (no caso de gerência coletiva) que figuram formalmente como tendo sido nomeados gerentes da sociedade pelo sócio único, e que, por isso, aos olhos da lei, detêm o poder efetivo de controlar os seus destinos e de a representar, são as pessoas que, efetiva e materialmente, detêm o poder de controlar e administrar a sociedade. Com efeito, não é inusual que por detrás de quem figura como sendo formalmente o gerente (gerente de direito – o nomeado), exista outra pessoa ou pessoas ocultas que é (são) quem detém o poder material e efetivo de controlar e que, em termos materiais e ontológicos, efetivamente controla os destinos societários (o gerente de facto). Quando assim aconteça, ocorre um divórcio entre a pessoa ou pessoas que figuram, na ordem jurídica, em termos formais, como estando investidos no cargo de gerentes da sociedade, e a quem, consequentemente, a lei e o contrato de sociedade reconhece os necessários poderes para a administrar e representar, e a pessoa ou pessoas que efetiva, materialmente e em termos ontológicos, dispõem desses poderes, falando-se então de gerência de direito e gerência de facto, distinção essa a que a lei, para determinados efeitos, atende, como é o caso do n.º 1, do art. 186º do CIRE, ao estabelecer que, em caso de insolvência culposa de determinada sociedade, serão afetados por essa declaração tanto os seus gerentes de direito, como os seus gerentes de facto. Os administradores ou gerentes de direito são, assim, aqueles que foram formalmente investidos no cargo de administradores (no caso de sociedade anónima) ou de gerentes (no caso de sociedade por quotas ou de sociedades unipessoais por quotas). E são administradores ou gerentes de facto os que, sem título bastante, exercem, direta ou indiretamente e de modo autónomo (não subordinadamente), funções próprias de administrador/gerente de direito da sociedade, cabendo aqui os casos em que a designação da pessoa como administrador ou gerente é nula, os casos em que o título, originariamente válido, caducou ou foi extinto e, ainda, os casos em que não existe qualquer título, válido ou inválido, de nomeação[13]. Note-se que a administração e a representação da sociedade que é exercida pelos administradores ou gerentes de facto da sociedade, nos casos de nomeação de gerente de direito, exige necessariamente a conivência e o comportamento (simultaneamente ativo e passivo) por parte dos administradores ou gerentes de direito, na medida em que os últimos terão de assinar a documentação exigida por lei, necessária à administração e à representação da sociedade, e que é imposta pelos negócios que celebre, além de que terão de consentir que os gerentes de facto exerçam os poderes de gerência da sociedade, abstendo-se eles próprios de os exercerem. Daí que a essa atuação conjunta entre gerentes de direito e de facto presida necessariamente um acordo celebrado entre os mesmos, ainda que tácito, mediante o qual criam, ao nível do tráfego jurídico, uma divergência entre, por um lado, a realidade jurídica e, por outro, a realidade material ou ontológica, na medida em que, na aparência e em termos jurídicos e formais, a sociedade é administrada e representada pelos seus administradores ou gerentes de direito, que assinam os documentos necessários à administração e representação desta, quando essa administração e representação é em termos efetivos, materiais e ontológicos exercida por outra ou outras pessoas - o(s) gerente(s) de facto -, que são quem, efetivamente, decidem os destinos da sociedade, contactando e negociando materialmente com os fornecedores e clientes, com as instituições de crédito e com trabalhadores, etc., mas mantendo essa qualidade em que atuam (gerentes de facto), em regra, oculta perante esses seus interlocutores e, sempre, oculta aos olhos da lei, limitando-se o gerente de direito a cumprir ordens dos gerentes de facto, assinando a documentação que é imposta por lei e pelo contrato de sociedade e pelos negócios que celebram, necessários à administração e representação da sociedade, em função daquilo que lhes é determinado pelos gerentes de facto[14]. Conforme impressivamente se escreve no acórdão do TACN de 10/11/2016, Proc. 00313/11.6BEBRG, a identificada divergência entre a realidade jurídica (gerência de direito) e a realidade efetiva, material ou ontológica (gerência de facto), ocorre “na maior parte das vezes em que, de um lado, está o «gerente efetivo», regra geral o detentor do capital e do poder que lhe subjaz, que oculta essa qualidade (normalmente, por dificuldades de financiamento junto da banca devido a antecedentes de incumprimento ou por restrição do uso de cheques, etc.), do outro lado, está (quase sempre) um sujeito numa relação de dependência (filho, empregado, cônjuge) ou de favor que, por isso, aceita «assinar» ou «dar o nome»” (…). O gerente de direito “quando «assina» ou «dá o nome» não o faz no uso de qualquer critério de oportunidade ou prossecução do interesse estatutário que não domina, mas sim para satisfazer um interesse pessoal alheio ao qual está vinculado ou subordinado por razões «não estatutárias». Neste cenário, o gerente de direito pratica atos formais de gerência, porém, fá-lo na dependência do gerente efetivo que lhe determina a «oportunidade», o «que», o «como» e o «quando» fazer. A sua função «esgota-se» nas assinaturas”. Por mero efeito da nomeação para o cargo de gerente, conforme antedito, este fica automaticamente investido no dever fundamental de gerir e de representar a sociedade, para o que lhe são conferidas todas as competências para praticar todos os atos necessários ou convenientes para a realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios (art. 259º do CSC), mas também numa série de outros deveres que lhe são atribuídos por lei, pelo contrato de sociedade ou pelos estatutos desta. Note-se que esses deveres são poderes-deveres, ou seja, poderes funcionalizados, que são concedidos ao gerente de direito como efeito automático da sua nomeação para o cargo de gerência, mas que este tem de exercer com vista a serem alcançadas determinadas finalidades e segundo determinadas regras legal ou contratualmente estabelecidas. Os gerentes (de direito) não são, assim, livres de exercerem ou de deixarem de exercer os poderes de gerência que a lei, o contrato de sociedade e os estatutos lhes conferem, nem os podem exercer a seu bel prazer, mas antes terão de os assumir e cumprir e, bem assim, de os exercer segundo determinadas regras impostas legal e contratualmente. Na verdade, no exercício dos poderes-deveres ou funcionalizados que a lei, o contrato de sociedade e os estatutos lhes conferem, é dever fundamental dos gerentes administrarem e representarem a sociedade. No cumprimento desse dever fundamental, mas também dos deveres legais específicos e contratuais, nos termos do art. 64º, n.º 1 do CSC, os gerentes ou administradores devem observar: a) deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gerente criterioso e ordenado; e b) deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores. Por via da nomeação para o cargo de gerente, o gerente (de direito) fica, assim, imediatamente investido no cargo de gerente e, em consequência, automaticamente submetido ao dever fundamental de gerir e representar a sociedade, mas também a uma panóplia de outros deveres legais, contratuais e estatutários. Quanto aos deveres legais, nuns casos, estes encontram-se expressamente previstos na lei, nomeadamente, no CSC, mas também noutros diplomas legais, como é o caso do CIRE, do CP, no CPP, etc., tratando-se de “deveres legais específicos”; noutros casos esses deveres emanam de cláusulas gerais empregues no já enunciado art. 64º do CSC, tratando-se de “deveres legais gerais”; e noutros casos encontram-se consignados no contrato e nos estatutos da sociedade, tratando-se de “deveres contratuais”. Quanto aos deveres legais específicos previstos no CSC, impende sobre os gerentes, entre outros, o dever de não ultrapassar o objeto social (art. 6º, n.º 4), não distribuir aos sócios bens não distribuíveis ou, em regra, sem autorização dada, em princípio, por deliberação dos sócios (arts. 31, n.ºs 1, 2 e 4, 32º, 33º, n.ºs 1, 2 e 3), de prontamente convocar ou requerer a convocação da assembleia geral em caso de perda de metade do capital social, a fim de os sócios tomarem as medidas julgadas convenientes (art. 35º); etc.; no âmbito do CIRE, é dever dos gerentes requerer a declaração da insolvência da sociedade em determinadas circunstâncias (arts. 18º e 19º do CIRE); e, no âmbito criminal, os gerentes encontram-se submetidos aos deveres que decorrem dos arts. 203º, 204º, 205º e 2012º do CP[15]. Para além dos deveres legais específicos e gerais a que se encontram subordinados os gerentes, conforme antedito, também se encontram sujeitos a deveres legais contratuais, ou sejam, que se encontram fixados no contrato de sociedade e nos respetivos estatutos. Em suma, para além dos gerentes se encontrarem sujeitos aos deveres fundamentais (essenciais) de terem de administrar e representar a sociedade, aqueles, em consequência da sua nomeação para o cargo de gerência, ficam automaticamente investidos numa panóplia de outros deveres que lhes são impostos pela lei, pelo contrato de sociedade e pelos estatutos, os quais têm de exercer nos termos estabelecidos no art. 64º do CSC. Sempre que os gerentes deixem de exercer os poderes-deveres de gerência que lhe são impostos por lei, pelo contrato de sociedade e/ou pelos estatutos e em que ficam automaticamente investidos por via da sua nomeação para o cargo de gerência, ou sempre que exerçam esses poderes funcionalizados erroneamente, nomeadamente, desviando-os dos fins a que se destinam e para os quais lhes foram concedidos, essas suas condutas ativas ou omissas são suscetíveis de constituir justa causa de destituição das funções de gerência e de os fazer incorrer em responsabilidade civil perante a sociedade (art. 72º do CSC), os credores sociais (art. 78º), os sócios e terceiros (art. 79º) e de os constituir, inclusivamente, em responsabilidade criminal. Revertendo ao caso dos autos, a apelante é a única gerente da sociedade devedora nomeada, pelo que é a ela que, nos termos da lei, do contrato de sociedade e dos estatutos, incumbe os poderes fundamentais de administrar e representar a sociedade devedora. Para além desses deveres essenciais e fundamentais de ter de gerir e representar a sociedade devedora, aquela também ficou automaticamente investida, por mera decorrência de ter sido nomeada para o cargo de gerência daquela sociedade, de uma série de outros poderes e deveres que lhe são impostos por lei, nomeadamente, no CSC, CIRE, CP, CPP, etc., pelo contrato de sociedade e pelos estatutos da sociedade devedora. A apelante não é livre de exercer esses poderes de gerência ou de os exercer como bem entender, mas tem de os exercer para os fins para que os mesmos lhe foram concedidos, segundo o grau de exigência de um gestor criterioso e ordenado (art. 64º, n.º 1, al. a) do CSC), de boa fé, prosseguindo, em primeira linha, os interesses da sociedade, subsidiariamente, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e, finalmente, ponderando nos interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, como trabalhadores, clientes e credores (art. 64º, n.º 1, al. b), do CSC). Ora, verificando-se que quem geria e representava a sociedade devedora, não era a apelante, mas sim o marido (gerente de facto da sociedade), limitando-se aquela a seguir ordens que o último lhe dava e a assinar os documentos que o mesmo lhe exigia que assinasse e desconhecendo tudo o que se relacionava com a atividade da gerência da sociedade (cfr. pontos 19º, 20º, 30º e 31º da facticidade apurada), forçoso é concluir, por um lado, que o marido da apelante era o gerente de facto da sociedade devedora e, por outro, que este apenas exerceu essas funções de gerência de facto em virtude da apelante, gerente de direito da sociedade, ter deixado de cumprir com essas funções de gerência em que se encontrava legal e contratualmente investida e às quais não podia renunciar ou deixar de exercer, e consentiu consciente e intencionalmente (dolosamente) que o seu marido as exercesse em sua substituição, abstendo-se elas próprias de exercer, como era sua obrigação legal fazer, o que tudo fez em violação frontal dos seus deveres legais, contratuais e estatutários, em fraude à lei e prosseguindo fins necessariamente extra sociais, ou seja, ilicitamente, pelo que a conduta do seu marido (gerente de facto) não lhe pode deixar de ser imputada a título de ilicitude e de dolo. Com efeito, “um administrador, devidamente nomeado e cuja designação foi registada, que não exerce qualquer ato de gerência é um gerente que viola o fundamental dever de cuidar, de administrar, previsto no art. 64º do CSC. Não é um gerente isento de responsabilidade, é um gerente que já se colocou em situação de ilicitude. Um administrador de direito que não exerce, de facto, está, por opção, ou seja, com dolo, a não cumprir o dever de cuidar, ao menos na modalidade do dever de controlo”[16], que “o obriga a prestar atenção à evolução económico-financeira da sociedade e ao desempenho de quem gere (administradores e outros sujeitos, designadamente trabalhadores de direção)”[17]. Por isso, é que se compreende que quando os gerentes de facto adotem, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência da sociedade devedora, condutas, ativas ou omissivas, dolosas ou gravemente negligentes e, em consequência de tais condutas criem ou agravem o estado de insolvência daquela (n.º1, do art. 186º do CIRE), ou sempre que adotem, nos três anos anteriores ao inicio do processo de insolvência, uma das condutas típicas previstas numa das diversas alíneas do n.º 2, desse art. 186º, que levam a que se presuma ou ficcione jurídica e inilidivelmente que a insolvência da sociedade devedora é culposa, ou sempre que adotem, naquele período, uma das condutas típicas elencadas numa das duas alíneas do n.º 3, desse mesmo preceito, que leva a que se presuma elidivelmente a culpa grave da assunção dessa(s) conduta(s) e quando adicionalmente se prove que essas condutas criaram ou agravaram o estado de insolvência da sociedade devedora, pelo que a insolvência desta tem de ser qualificada como culposa, tais condutas, nos termos do disposto no n.º 1, do art. 186º, têm de ser imputadas quer ao gerente de facto (por ser o sujeito que materialmente as adotou), quer ao gerente de direito (por ser o sujeito que, nos termos da lei e do contrato de sociedade, competia gerir e representar a sociedade e que, em fraude à lei, ao contrato social e aos estatutos, portanto, dolosamente e com grave lesão dos seus poderes-deveres funcionais – ilicitamente – se absteve de gerir e administrar a sociedade e consentiu não só que outrem – o gerente de facto – a gerisse e representasse, em sua substituição, e com essa sua gerência de facto levasse à criação ou ao agravamento do estado de insolvência da sociedade devedora, como omitiu, ilícita e dolosamente o dever de controlar a atividade de gerência exercida pelo gerente de facto). Na verdade, o art. 186º, n.º 1, ao reportar-se tanto aos administradores de direito como de facto, não teve por propósito desresponsabilizar os administradores ou gerentes de direito da sociedade insolvente pelos atos ilícitos, dolosos ou gravemente negligentes praticados pelos administradores de facto nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência que criaram ou agravaram o estado de insolvência da sociedade, mas antes o de estender essa responsabilidade também aos administradores de facto, ou seja, àqueles que praticaram atos de administração/gerência sem que se encontrassem legalmente nomeados para o exercício desse cargo[18], e sem que, por isso, dispusessem de qualquer legitimidade nem competência para os praticar e, por via dessa sua atuação ilícita, dolosa ou gravemente negligente levaram à criação ou ao agravamento do estado de insolvência da sociedade devedora, até porque solução diversa seria uma aberração jurídica. Na verdade, reafirma-se, os gerentes de facto da sociedade devedora exercem, em termos materiais e efetivos, atos de gerência da sociedade apenas porque quem se encontra, legal e estatutariamente, legitimado a praticar esses atos (o gerente de direito), desviando-se dos seus deveres legais e contratuais, prosseguindo interesses extra sociais, ilícita e dolosamente se absteve de praticar esses atos de gerência, que lhe incumbia exercer por imposição legal e contratual, e consentiu, por opção sua, que os mesmos fossem praticados por outrem (os gerentes de facto), e foi exclusivamente por via dessa conduta antijurídica por que optou e, portanto, ilícita e dolosa, que os gerentes de facto vieram, nos três anos que antecederam o início do processo de insolvência da sociedade, a adotar condutas, dolosas ou gravemente negligentes, as quais, como consequência direta e necessária, criaram o estado de insolvência em que se encontra a sociedade ou, pelo menos, agravaram esse seu estado de insolvência e, bem assim, se abstiveram de exercer o poder-dever de controlar a conduta do gerente de facto. Daí que os gerentes de direito, a par dos gerentes de facto, não possam deixar de ser afetados pela qualificação da insolvência da sociedade como culposa. Ao que se acaba de dizer, não obsta o facto de a apelante se ter mantido à margem da gerência da sociedade e de desconhecer tudo o que se relacionava com a gerência desta, nem sequer o facto de, ao que alega, ser doméstica, completamente dependente do marido e de não ter competência, nem conhecimento para gerir a sociedade. Na verdade, se a apelante se manteve à margem da gerência da sociedade devedora e se desconhecia tudo o quanto se relacionava com a gerência desta, limitando-se a cumprir ordens do marido e a assinar os documentos que este lhe ordenava que assinasse (gerente de facto), sib imputet, já que não desconhecia, nem podia desconhecer que, tendo sido nomeada para o cargo de gerente da sociedade, ficou automaticamente investida no dever fundamental de gerir e representar a sociedade, além de uma panóplia de outros poderes-deveres que, enquanto única gerente da sociedade, lhe competia exclusivamente exercer, tendo em vista a prossecução dos interesses para que estes lhe foram conferidos – em primeira linha, os interesses da sociedade - e impedindo que outrem (o gerente de facto), assumisse essas funções em sua substituição, em fraude à lei (já que nenhuma legitimidade tinha para os praticar e que ainda assim, praticou ilícita e dolosamente) e abstendo-se ela própria, por opção, de controlar os atos de gerência que este último praticou em sua substituição, assinando necessariamente a documentação necessária à administração e à representação da sociedade. E se a apelante não tinha competência nem habilitações para exercer as funções de gerência para que foi nomeada, naturalmente que não as devia ter assumido, tanto mais que sendo pessoa adulta é de presumir ter plena consciência das suas competências e capacidades. Ora, verificando-se que, no caso dos autos, se encontram preenchidas as presunções ou ficções jurídicas inilidíveis de insolvência culposa das als. a) e h), do n.º 2 do art. 186º do CIRE (o que não foi colocado em crise pela apelante no âmbito da presente apelação), em que, conforme cremos termos acima demonstrado à saciedade, se impõe sempre qualificar a insolvência como culposa, em que, consequentemente, se presume ou ficciona jurídica e inilidivelmente quer a culpa grave das condutas de facto e de direito descritas nessas alíneas, quer o nexo causal entre essas condutas e a criação ou o agravamento do estado de insolvência da sociedade devedora (e em que, consequentemente, diversamente do entendimento sufragado pela apelante, não há que se fazer prova do nexo causal entre essas condutas e esse estado da sociedade devedora, exigência essa que, reafirma-se, apenas é imposta em relação às presunções de culpa elidíveis previstas nas duas alíneas do n.º 3, do art. 186º, que não estão em discussão nestes autos), resulta do que se vem dizendo que, ao declarar a apelante (gerente de direito da sociedade devedora) afetada pela qualificação da insolvência como culposa da sociedade devedora, a sentença recorrida não incorreu em nenhum dos erros de direito que a apelante lhe imputa. Destarte, em suma, na improcedência de todos os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, impõe-se concluir pela improcedência da presente apelação e confirmar a sentença recorrida. * Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).1- Por via da nomeação para o cargo, o gerente nomeado (gerente de direito) fica automaticamente investido nos poderes fundamentais/essenciais de administrar e representar a sociedade e, bem assim, numa panóplia de outros poderes que se lhe são conferidos por lei (nomeadamente, pelo CSC, CIRE, CP, etc.), pelo contrato de sociedade e pelos estatutos (deveres contratuais), tratando-se de poderes funcionalizados (poderes-deveres) que o gerente de direito não pode deixar de exercer e que terá de exercer para os fins específicos para os quais esses poderes lhe foram conferidos e de acordo com os critérios gerais fixados no art. 64º do CSC. 2- Sempre que um gerente de direito, uma vez nomeado para o cargo de gerência e cuja designação tenha sido registada, não exerça os poderes de gerência e de administração da sociedade e permite que outrem (o gerente de facto) os exerça em sua substituição, e se abstém de controlar a gerência de facto exercida pelo último, o gerente de direito, por opção própria, ou seja, intencional e conscientemente (dolosamente) viola frontalmente o dever de administrar a sociedade e, assim, coloca-se numa posição antijurídica (ilícita), como viola ilícita e dolosamente o dever de controlo, que o obriga ope legis a prestar atenção à evolução económico-financeira da sociedade e ao desempenho de quem gere (administradores e outros sujeitos), pelo que, os atos de gerência praticados pelo gerente de facto não podem deixar de serem imputados ao gerente de direito a título de ilicitude e dolo. 3- O objetivo do art. 186º, n.º 1 do CIRE não é o de desresponsabilizar o gerente de direito pelas condutas (ativas ou omissivas) de gestão e de representação do gerente de facto, mas o de estender essa responsabilidade aos gerentes de facto. * V- Decisão:Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência: - confirmam a sentença recorrida. * Custas da apelação pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).* Notifique.* Guimarães, 07 de junho de 2023 Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores: José Alberto Moreira Dias – Relator Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade – 1ª Adjunta Pedro Maurício – 2º Adjunto.-- [1] Ac. STJ. 05/05/2005, Proc. 05B839; de 12/05/2005, Proc. 05B840; 10/07/2008, Proc. 08A2179, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a citar sem menção em contrário. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 199; Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 141; José Lebre de Freitas, “Código de Processos Civil Anotado”, vol. 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704; e “A Ação declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª edição, Coimbra Editora, setembro de 2013, pág. 332. [2] Acs. do STJ, de 13.02.1997, BMJ, nº 464, pág. 524; de 22.06.1999, CJ, 1999, tomo II, pág. 160; RG, de 14.05.2015, Processo nº 414/13.6TBVVD.G1; e RC, de 11.01.1994, BMJ nº 433, pág. 633, onde se expende que: “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição”. [3] José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 670; Ac. STJ. de 20/01/2004, Proc. 03S1697. [4] Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª ed., Quid Juris, pág. 680. [5] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 680; Menezes Leitão, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 11º ed., Almedina, pág. 237; Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, 2014, 4ª ed., Almedina, pág. 449, em que se lê: “a insolvência é sempre classificada como culposa quando os administradores, de facto ou de direito, do devedor, que não seja uma pessoa singular, pratiquem os factos descritos nas alíneas a) a i) do n.º 2 do artigo. A mera prática destes atos constitui presunção inilidível da qualificação da insolvência como culposa. A noção geral de insolvência culposa estatuída no n.º 1 aplica-se a todos os devedores (pessoa singulares ou coletivas). Contudo, os n.ºs 2 e 3 apenas se aplicam a pessoas coletivas, com exceção da ressalva feita no n.º 4”. [6] Menezes Leitão, ob. cit., pág. 237;Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, Almedina, 2016, 4ª ed., pág. 450; Ac. RG., de 12/07/2011, Proc. 503/10.9TBPTL-H.G1; RP., de 15/03/2007, Proc. 0730992; de 22/05/2007, Proc. 0722442; RC., de 14/06/2022, Proc. 4114/19.5T8LRA-C.C1; de 14/11/2006, Proc. 1002/04.3TBTNV-C.G1; de 07/02/2012, Proc. 2273/10.1TBLLRA-B.C1, lendo-se neste último que: “As presunções constantes do n.º 3 distinguir-se-iam das anteriores, não só porque permitiriam o seu afastamento mediante prova em contrário, mas também porque com o seu funcionamento apenas resultaria demonstrado um dos pressupostos do n.º 1, a culpa grave”. [7] Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª ed., págs. 152 a 153. [8] Rui Estrela de Oliveira, “Uma Brevíssima Incursão pelos Incidente de Qualificação da Insolvência”, in “Julgar”, n.º 11, maio-agosto de 2010, pág. 241 e 242. [9] Catarina Serra, in “Cadernos de Direito Privado”, n.º 21, janeiro/março de 2008, em anotação ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/01/2008, sob o título “Decoctor ergo fraudator? – a insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções)”. A mesma autora, in “Lições de Direito da Insolvência”, ob. cit., a pág. 301, escreve que: “Se as als. a) a g) do n.º 2 do art. 186º correspondem indiscutivelmente a presunções (absolutas) de insolvência culposa (ou da culpa na insolvência), as als. h) e i) do n.º 2 do art. 186º mais parecem ser ficções legais – dado que a factualidade descrita não é de molde a fazer presumir com segurança o nexo de causalidade entre o facto e a insolvência, que é, a par da culpa (dolo ou culpa grave), o requisito fundamental da insolvência culposa, segundo a cláusula geral do n.º 1 do art. 186º”. [10] Acs. RC. de 20/09/2016, Proc. 612/14.5TBVIS-B.C1 [11] Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 267. [12] Menezes Cordeiro, “Código das Sociedades por Quotas Anotado”, 4ª ed., Almedina, pág. 910. [13] Coutinho de Abreu, “Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades”, Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, Caderno n.º 5, Almedina, 2007, pág. 99. [14] Ac. RG. de 25/06/2019, Proc. 2174/17.2T9VNF.G1, onde se lê que: “A gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores”, em que a gerência de facto assume-se como “órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros”. [15] J. M. Coutinho de Abreu e Maria Elisabete Ramos, “Responsabilidade de Membros da Administração para com a Sociedade”, in “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 898 e 899. [16] Ac. RL. de 23/03/2021, Proc. n.º 1396/11.4TYLSB-B.L1-1 [17] Coutinho de Abreu, in “Deveres de Cuidado e de Lealdade dos Administradores e Interesse Social, Reformas do CSC”, IDE 5, Colóquios n.º 3, Almedina, 2007, págs. 20 e 21. [18] Acs. R.G., de 16/03/2023, Proc. 6160/19.0T8VNF-A.G1; de 19/01/2023, Proc. 2710/19.0T8GMR-B.G1 (estes dois relatados pelo aqui relator); de 21/05/2020, Proc. 1048/19.7T8GMR-A.G1; de 05/03/2020, Proc. 301/18.1T8VNF-C.G1; R.P., de 06/09/2021, Proc. 908/12.0TYVNG-A.P1; de 10/12/2019, Proc. 124/10.6TYVNG-A.P1; de 26/11/2019, Proc. 2141/14.8TBTS-B.P1; RC., de 14/04/2015, Proc. 1830/10.0TBIFG.Q-C1. |