Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | GONÇALO OLIVEIRA MAGALHÃES | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR FUMUS BONI JÚRIS SEPA DIRECT DEBIT CORE SCHEME RULEBOOK SUSPENSÃO DO REEMBOLSO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | (i) Os prestadores de serviços de pagamento (PSPs) que operam no espaço da Área Única de Pagamentos em Euros (SEPA) estão vinculados, no que tange aos débitos diretos, ao SEPA Direct Debit Core Scheme Rulebook do European Payments Council (EPC), ao qual têm necessariamente de aderir. (ii) Tal Rulebook reveste a natureza jurídica de um contrato multilateral, estabelecendo que o risco de perda decorrente de um débito não autorizado incide sobre o PSP do Beneficiário, refletindo a sua posição na cadeia de validação e cobrança, e não sobre o PSP do Ordenante. (iii) Adicionalmente, a decisão do PSP do Ordenante de reembolsar o seu cliente em face de uma operação não autorizada é final e oponível a todos os participantes no esquema, consagrando a primazia da proteção do Ordenante no âmbito da legislação europeia de serviços de pagamento. (iv) Neste enquadramento normativo e contratual, a pretensão do PSP do Beneficiário de se eximir ao risco de perda que lhe é contratualmente atribuído à custa do PSP do Ordenante é manifestamente desprovida de fundamento jurídico, configurando uma tentativa de inversão das regras acordadas. (v) Consequentemente, é manifestamente improcedente, por não haver fumus boni iuris, o procedimento cautelar que o PSP do Beneficiário intente com o objetivo de proibir o PSP do Ordenante de exercer o seu direito de lhe solicitar o reembolso dos montantes que adiantou para repor a conta do seu cliente no estado em que estaria na ausência da referida operação, ainda que no requerimento inicial seja alegado que na origem esteve uma atuação fraudulenta mancomunada entre o Beneficiário e o Ordenante. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | I. 1). Banco 1..., CRL, propôs o presente procedimento cautelar comum contra Banco 2... de ... et d’..., e Banco 3..., ambas sociedades comerciais de direito francês, pedindo que, com dispensa de contraditório prévio, sejam decretadas as seguintes providências, destinadas a “assegurar, por antecipação, a efetividade e o efeito útil da (…) sentença a proferir na ação principal” a instaurar: a) Proibir-se a 1.ª Requerida (Banco 2... de ... et d’...) de “acionar o direito ao reembolso sobre a Requerente dos débitos diretos que esta, em cumprimento de ordens de cobrança recebidas do seu cliente EMP01..., Lda. e do seu gerente, AA, cobrou, através do sistema de débito direto, ao seu cliente Ass. BB, em 21.08.2024 e 23.08.2024, mas suportadas em autorizações de débito direto por ele não emitidas, do valor total de 60 000,00€ (sessenta mil euros)”; (sic) b) Proibir-se a 2.ª Requerida (Banco 3...) de “acionar o direito ao reembolso sobre a Requerente dos débitos diretos que esta, em cumprimento de ordens de cobrança recebidas do seu cliente EMP01..., Lda. e do seu gerente, AA, cobrou, através do sistema de débito direto, ao seu cliente CC, em 23.08.2024, 27.08.2024, 28.04.2024, 29.08.2024 e 30.08.2024, mas suportadas em autorizações de débito direto por ele não emitidas, do valor total de 259 921,73€ (duzentos e cinquenta e nove mil, novecentos e vinte e um euros e setenta e três cêntimos).” (sic); c). “Declarar-se que a proibição dos atos referidos nas alíneas a) e b) do pedido se mantém desde a data do decretamento da providência cautelar e até ao trânsito em julgado da douta decisão a proferir na ação principal, de que esta é preliminar.” (sic) Alegou, em síntese, que a Requerente, no exercício da sua atividade, formalizou contratos-quadro de sistema de Débitos Diretos SEPA (Core e B2B) com a sociedade EMP01..., Lda., pessoa coletiva unipessoal sob gerência do seu único sócio, AA. Estes instrumentos contratuais visavam facultar à EMP01..., Lda., a cobrança de créditos junto de terceiros, designadamente em território francês e alemão, mediante o sistema de débito direto nas contas bancárias dos alegados Devedores. Nos termos dos mandatos conferidos, incumbia à Requerente proceder à cobrança dos aludidos débitos, com base em Instruções de Débito Direto (IDD) válidas, cuja autenticidade e subjacente Autorização de Débito Direto (ADD) eram da responsabilidade exclusiva da EMP01..., Lda. Os termos contratuais, decorrentes do SEPA Direct Debit Core Scheme Rulebook, do European Payments Council, previam expressamente o direito de reembolso do Devedor em caso de débito não autorizado ou incorretamente executado e o subsequente direito de regresso da Requerente sobre o seu cliente. No período compreendido entre 18 de julho e 17 de outubro de 2024, a Requerente, no cumprimento dos mandatos, executou ordens de cobrança no valor global de € 894 617,42. A partir de 5 de setembro de 2024, porém, verificou-se uma série continuada de pedidos de reembolso por débitos alegadamente não autorizados, o que levou a Requerente a efetuar reembolsos, no montante de € 574 695,69, até 22 de setembro de 2024. Não obstante a denúncia dos contratos-quadro em 10 de setembro de 2024, com efeitos a partir de 18 de setembro de 2024, e a suspensão do acesso online à conta do cliente, os pedidos de reembolso persistiram, totalizando mais € 211 578,41. A investigação subsequente da Requerente permitiu confirmar a ausência de qualquer relação contratual ou autorização de débito direto por parte dos alegados Devedores BB e CC, clientes das Requeridas Banco 2... de ... et d’... e Banco 3..., respetivamente, e evidenciou a natureza espúria das ADDs apresentadas. Com efeito, as ordens de cobrança derivaram de um esquema fraudulento preconcebido, urdido pelo AA em conluio ou cumplicidade com os titulares das contas bancárias debitadas. As ADDs eram falsificadas ou adulteradas, visando criar uma aparência de legitimidade para débitos sem causa real. Os montantes assim creditados na conta da EMP01..., Lda., eram, de forma sistemática e quase imediata, desviados para despesas de cariz pessoal do gerente, levantamentos em numerário ou transferências para outras contas de que o mesmo ou a sua sociedade eram beneficiários, impedindo a posterior recuperação. A inexistência de qualquer relação comercial subjacente entre a EMP01..., Lda., e os alegados Devedores corrobora a finalidade exclusiva de enriquecimento ilegítimo. A conduta dos intervenientes, conscientes da obrigatoriedade da Requerente em proceder a reembolsos de débitos não autorizados e da previsível ausência de provisão na conta do cliente, visava precisamente colocar a Requerente na impossibilidade de reaver os montantes pagos. Atualmente, o prejuízo patrimonial patenteia-se no descoberto da conta da EMP01..., Lda., que ascende a mais de € 360 000,00, e no valor de € 319 921,73 em débitos diretos não autorizados ainda pendentes de reembolso, relativos a Devedores cujas contas estão domiciliadas nos bancos Requeridos. A precária situação financeira da EMP01..., Lda., cujo capital social é de apenas € 1 000,00, a ausência de atividade e de bens conhecidos, inviabiliza a recuperação integral dos créditos da Requerente. Em face da grave lesão dos interesses patrimoniais da Requerente e do fundado receio de dano grave e dificilmente reparável, consubstanciado na iminência de ser compelida a reembolsar os valores pendentes – o que agravaria o seu prejuízo em pelo menos € 319 921,73 –, a Requerente vê-se forçada a recorrer à providência cautelar, ao abrigo do art. 362/1, do CPC. Esta medida visa assegurar a efetividade e o efeito útil da futura sentença na ação declarativa principal, a ser intentada contra os intervenientes no esquema fraudulento, bem como do processo-crime a ser instaurado por burla qualificada e falsificação de documentos. A suspensão do direito de os bancos Requeridos exigirem o reembolso dos débitos diretos ainda não satisfeitos é imperiosa e cautelarmente justificada, permitindo que as fundadas suspeitas de fraude sejam cabalmente elucidadas em sede de cognição plena, sem que a Requerente seja compelida a suportar um encargo que decorre de uma conduta ardilosa e ilícita, e que lhe seria, à partida, irrecuperável. Apresentou documentos e arrolou testemunhas. *** 2). Apresentado a despacho liminar, o requerimento inicial foi liminarmente indeferido, por despacho de 14 de novembro de 2014, com fundamento na manifesta improcedência do pedido, ut art. 590/1 do CPC, para o que se considerou, em síntese, que a Requerente não tem o direito de proibir os bancos dos Devedores (as Requeridas) de acionarem o reembolso dos débitos diretos, mesmo face à fraude alegada, atentas as regras do sistema SEPA Direct Debit Core Scheme Rulebook (EPC Rulebook), a que ela a própria está contratualmente vinculada, das quais resulta que o risco da perda em caso de débitos não autorizados recai sobre o PSP do Beneficiário (a Requerente), que não o pode transferir para o PSP do Ordenante (os bancos Requeridos). *** 3). Inconformada, a Requerente (daqui em diante, Recorrente) interpôs o presente recurso, através de requerimento composto por alegações e conclusões, sendo estas do seguinte teor (transcrição):“I. A divergência da Recorrente com o decidido radica no facto de se ter considerado que os factos praticados pelo Ordenante e pelo Beneficiário do débito direto não autorizado, ainda que ilícitos ou criminosos, não têm virtualidade para paralisar o direito do banco do Ordenante ao reembolso do montante que comprovadamente lhe tenha pagado, por conta do débito não autorizado. II. A Recorrente, por via desta providência, não quer retirar direitos às Requeridas (ou eximir-se ao risco de perda que lhe foi atribuído no processo de pagamento). III. O que a Recorrente quer é paralisar preventivamente o acionamento de um direito que tem na sua génese o exercício (prévio) de outro direito, motivado, não por razões contratuais, mas subjetivas, manifestamente fraudulentas ou, pelo menos, abusivas e, como tal, inexistente. IV. No âmbito das relações entre PSP no âmbito do sistema SEPA, o banco do Beneficiário responsabiliza-se perante o banco do Ordenante, como garante, pela devolução do débito não autorizado, já reembolsado ao Ordenante, quando a conta do Beneficiário do débito não disponha de provisão para o efeito seja qual for a razão (for whatever reason). V. Tal como ocorre com a autonomia da garantia autónoma on first demand, também o dever de reembolso do banco do Beneficiário ao banco do Ordenante em caso de débitos não autorizados não é, nem pode ser, absoluto. VI. O dever de reembolso não se sobrepõe ao direito de crédito que lhe corresponde quando o Beneficiário do mesmo o exercita de má-fé ou em abuso de direito, em violação ou desrespeito aos princípios basilares da ordem jurídica. VII. A Recorrente alegou nos itens 45 a 82 do requerimento inicial a existência de um esquema fraudulento, que envolve o seu cliente (Beneficiário do débito) e os clientes do PSP do Ordenante do débito (alegados Devedores). VIII. Sob a aparência de uma vulgar transação comercial, e com suporte em documentos fabricados, congeminaram um plano que levou a Recorrente a proceder a débitos em conta, não suportados em ADD válidas ou genuínas, e a ter de proceder à sua devolução à sua custa, por inexistência/insuficiência de saldo em conta do cliente. IX. O dever de reembolso só existe quando o PSP do Ordenante já procedeu ao reembolso do débito não autorizado, pressupondo o mesmo o exercício prévio do correspondente direito pelo cliente do PSP do Ordenante. X. Se esse direito do cliente do PSP do Ordenante não existe ou se é exercido ilicitamente, com fraude à lei, a recusa de cumprimento do dever de reembolso pelo PSP do Beneficiário, aqui Recorrente, considerando a interdependência entre os direitos e deveres correspondentes, não pode deixar de se considerar legítima. XI. A isso não obsta o facto de a Recorrente não imputar às Requeridas a prática de qualquer ato ilícito. XII. A atuação das Requeridas é de mero garante do reembolso ao seu cliente de um débito que este não autorizou, pelo que a sua intervenção no “Esquema” ocorre independentemente da ilicitude e culpa manifestada na sua conduta. XIII. A prova da fraude manifesta ou abuso evidente do Beneficiário da garantia pode ser efetuada pelos meios legalmente admissíveis, sujeita à livre apreciação do juiz. XIV. No caso, face ao indeferimento liminar, não foi permitido à Recorrente produzir essa prova por si requerida no requerimento inicial. XV. Os factos alegados no requerimento inicial fundamentam e sustentam o direito da Recorrente ao peticionado cautelarmente contra as Requeridas. XVI. A providência é adequada a assegurar a efetividade desse direito e evitar o risco de lesão que se encontra demonstrado. XVII. A douta sentença, ao decidir como decidiu, violou, por errada ou má interpretação, o disposto nos artigos 2º, 362º, n.ºs 1 e 2, 411º e 413º do CPC e 334º, 342º, 392º e 762º, n.º 2, do CC.” Pediu que, na procedência do recurso, seja revogado o despacho recorrido e determinado “o prosseguimento dos autos para produção da prova, documental e testemunhal, requerida pela Recorrente, seguindo-se os ulteriores termos da lei.” *** 3). O recurso foi admitido como apelação, com subida nos autos e efeito devolutivo, o que não foi alterado por este Tribunal ad quem.*** 4). Concomitantemente, foi indeferido o pedido de dispensa do contraditório prévio e, na sequência, as Requeridas (daqui em diante, Recorridas) foram citadas para os termos do recurso, não tendo apresentado resposta.*** 5). Nesta Relação, realizou-se a conferência, previamente à qual foram colhidos os vistos das Exmas. Sras. Juízas Desembargadoras Adjuntas.*** II.As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas (art. 608/2, parte final, ex vi do art. 663/2, parte final, do CPC). Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação. Ressalvam-se, em qualquer caso, as questões do conhecimento oficioso, que devem ser apreciadas, ainda que sobre as mesmas não tenha recaído anterior pronúncia ou não tenham sido suscitadas pelo recorrente ou pelo recorrido, quando o processo contenha os elementos necessários para esse efeito e desde que tenha sido previamente observado o contraditório, para que sejam evitadas decisões-surpresa (art. 3.º/3 do CPC). Tendo isto presente, as conclusões do recurso podem ser condensadas na seguinte questão: saber se o despacho recorrido, ao considerar que a obrigação de reembolso do banco do Beneficiário (Recorrente) ao banco do Ordenante (Recorridas), em caso de débitos não autorizados, é absoluto, não admitindo que, como sucede com a garantia autónoma on first demand, possam ser excecionadas as situações de má-fé, abuso do direito ou fraude manifesta/evidente por parte do credor, e ao indeferir liminarmente o requerimento inicial, por manifesta não verificação do fumus boni iuris, incorreu em erro de interpretação do disposto nos arts. 2.º, 362/1 e 2, 411 e 413 do CPC e nos arts. 334, 342, 392 e 762/2 do Código Civil. Na resposta a esta questão haverá que considerar o que ficou descrito no Ponto 1). do Relatório que constitui a Parte I. deste Acórdão. *** III.1).1. Como vimos, o Tribunal a quo entendeu que, existindo um débito direto não autorizado, as Recorridas Banco 2... de ... et d’... e Banco 3..., enquanto Prestadores de Serviços de Pagamento (PSP) dos Ordenantes (BB e CC, respetivamente), têm um direito incondicional a ser reembolsadas pela Recorrente, enquanto Prestadora do Serviço de Pagamento da beneficiária EMP01..., Lda., do que restituíram aos seus clientes. Em conformidade, concluiu que os factos alegados afastam, sempre e em qualquer caso, a possibilidade de a Recorrente se opor ao reembolso, pelo que falha o pressuposto geral da tutela cautelar do fumus boni iuris. A Recorrente, sem questionar a regra geral de que, perante um débito genuinamente não autorizado, o reembolso é devido, entende, porém, que ela apenas se aplica quando o Ordenante seja uma vítima inocente e o Beneficiário o único responsável pelo pagamento não autorizado. Havendo uma situação de fraude em que teve participação o Ordenante, aquela regra é afastada, pelo que o PSP do Ordenante não tem direito ao reembolso, o que pode ser excecionado pelo PSP do Beneficiário. Quid inde? *** 1).2. Como é próprio do procedimento cautelar comum, o decretamento da(s) providência(s) pretendida(s) pela Recorrente tem como pressupostos: (i) a aparência de existência de um direito; (ii) um fundado receio de que outrem cause uma lesão nesse direito durante a natural demora na resolução definitiva do litígio (periculum in mora); (iii) a gravidade dessa lesão; iv) A natureza dificilmente reparável dessa mesma lesão; (iv) a concreta adequação da providência cautelar para assegurar a efetividade do direito em causa; (v) o prejuízo resultante para o requerido da providência cautelar em causa não exceder consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar (art. 368/1 e 2 do CPC).Dizendo de outra forma, a função instrumental da tutela cautelar implica necessariamente a limitação das medidas decretadas às situações de carência de tutela jurisdicional de um direito ou de uma posição juridicamente protegida. Pressupõe-se, assim, para o decretamento de uma providência, a existência, sumariamente analisada, de um direito subjetivo na esfera jurídica do requerente no momento em que a pretensão é deduzida, tudo levando a crer que a ação definitiva destinada à sua tutela será procedente. A referida análise sumária, consequência da natureza urgente do procedimento, significa que basta um juízo de verosimilhança, a dita summaria cognitio, que não se compadece com as exigências probatórias próprias do processo principal. Não basta esse fumus boni iuris; o decretamento da providência pressupõe, também, o fundado receio de que a demora na ação principal cause uma lesão grave e dificilmente reparável ao direito de que o requerente é titular. Aqui exige-se a formação de um juízo de certeza semelhante, pelo menos, ao pressuposto por qualquer demonstração probatória feita em juízo. Por outro lado, não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da contraparte; exige-se que esteja em causa uma lesão grave e dificilmente reparável. A análise deste requisito deve ser especialmente cuidadosa quanto estejam em causa direitos de natureza patrimonial. Nestas devem ser ponderadas as condições económicas de requerente e requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados (cf. António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2020, pp. 84-85). O perigo dessa lesão ocorrer deve ser aferido objetivamente, com apoio em factos que permitam afirmar a seriedade e atualidade da ameaça, e não à luz de estados subjetivos, dúvidas ou conjeturas do requerente, o que é imposto pelo adjetivo fundado. *** 1).3. À luz do que antecede, percebe-se a importância de saber se da alegação da Recorrente resulta que a mesma é titular de um direito ou de uma posição juridicamente protegida que, valendo no confronto com as Recorridas, lhe permita recusar, em termos definitivos, as pretensões creditícias que, segundo antevê, estas lhe irão dirigir. O decretamento das providências cautelares que são pedidas no presente procedimento apenas será viável se assim suceder. Dizendo de outro modo, se não resultar da alegação da Recorrente a existência de semelhante direito, ter-se-á de concluir pela manifesta improcedência do pedido – decretamento das providências cautelares – formulado no presente procedimento, assim ficando justificado o indeferimento liminar do requerimento inicial, o que se compreende como forma de evitar atividade processual inútil. Nesta hipótese, não será cogitável qualquer infração ao disposto nos arts. 411 a 413 do CPC, cuja aplicação se situa a montante da questão colocada.Isto evidencia-nos as fragilidades da tese da Recorrente: por um lado, segundo a própria afirma, as providências pretendidas visam assegurar a efetividade e o efeito útil da decisão a proferir numa ação que pretende intentar contra a beneficiária EMP01..., Lda., e os Ordenantes BB e CC, para ser ressarcida dos danos que sofreu em resultado do esquema fraudulento que, segundo alega, foi gizado por estes com vista à obtenção de um enriquecimento ilegítimo à custa do seu património (há aqui uma evidente dissociação na instrumentalidade da providência); por outro, centrando a questão na relação entre a Recorrente e as Recorridas, o que se vislumbra poder existir na esfera jurídica daquela é um fundamento para se opor, mediante a formulação de um raciocínio do tipo “Sim, mas”, característico da defesa por exceção perentória, a uma pretensão creditícia destas. Sem prejuízo, considerando que, bem vistas as coisas, a Recorrente mais não pretende que evitar o agravamento do dano decorrente da alegada fraude levada a cabo pelo gerente da Beneficiária e pelos Ordenantes das operações, mantendo o foco no fundamento do indeferimento liminar, vejamos se lhe assiste o direito de o fazer à custa das Recorridas, como parece sustentar. Isto passa por determinar a extensão, no sistema de pagamentos transfronteiriços através de débito direto, da responsabilidade do PSP do Beneficiário em caso de fraude que envolva o Ordenante. Antes de prosseguirmos deixamos claro que utilizaremos os conceitos que o caso convoca com o sentido que lhes é dado no art. 2.º do Regulamento (CE) n.º 924/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de setembro de 2009 relativo aos pagamentos transfronteiriços na Comunidade, em termos que, grosso modo, são coincidentes, com os do art. 2.º do Regulamento (EU) n.º 260/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de março de 2012 que estabelece requisitos técnicos e de negócio para as transferências. Assim, deve entender-se por: “Pagamentos transfronteiriços, as operações de pagamento processadas eletronicamente e iniciadas por um Ordenante, por um Beneficiário ou por intermédio deste último, caso os prestadores de serviços de pagamento do Ordenante e do Beneficiário estejam situados em Estados-Membros distintos”; “Ordenante, uma pessoa singular ou coletiva titular de uma conta de pagamento que autoriza uma ordem de pagamento a partir dessa conta, ou, na falta de conta de pagamento, a pessoa singular ou coletiva que emite uma ordem de pagamento”; “Beneficiário, a pessoa singular ou coletiva que é a destinatária prevista dos fundos objeto de uma operação de pagamento”; “Prestador de serviços de pagamento, qualquer das categorias de pessoas coletivas referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Diretiva 2007/64/CE e as pessoas singulares ou coletivas referidas no artigo 26.º dessa diretiva, com exceção das instituições enumeradas no artigo 2.º da Diretiva 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho de 2006, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e ao seu exercício, que beneficiem da renúncia de um Estado-Membro exercida ao abrigo do n.º 3 do artigo 2.º da Diretiva 2007/64/CE”; “Utilizador de serviços de pagamento, a pessoa singular ou coletiva que utiliza um serviço de pagamento na qualidade de Ordenante ou de Beneficiário ou em ambas as qualidades”; “Operação de pagamento, o ato, iniciado pelo Ordenante ou pelo Beneficiário ou por intermédio deste último, de depositar, transferir ou levantar fundos, independentemente de quaisquer obrigações subjacentes entre o Ordenante e o Beneficiário”; “Ordem de pagamento, a instrução dada por um Ordenante ou um Beneficiário de um pagamento ao seu prestador de serviços de pagamento, requerendo a execução de uma operação de pagamento”; “Débito direto, um serviço de pagamento que consiste em debitar a conta de pagamento de um Ordenante, sendo a operação de pagamento iniciada pelo Beneficiário com base no consentimento dado pelo Ordenante ao Beneficiário, ao prestador de serviços de pagamento do Beneficiário ou ao prestador de serviços de pagamento do próprio Ordenante”; “Instrumento de débito direto, um conjunto de regras, práticas e normas comuns acordadas entre prestadores de serviços de pagamento para a execução de operações de débito direto”. Acrescenta-se aqui que as recentes alterações propostas pela Comissão Europeia na Proposta de Regulamento relativo aos Serviços de Pagamento no Mercado Interno (PRSP), de 28 de junho de 2023[1], trazem importantes nuances à definição de "débito direto". A principal reside na passagem de "consentimento" para "mandato" como base para a iniciação da operação de pagamento pelo beneficiário. Com efeito, o art. 3.º/27 da PRSP reformula essa base para "um mandato conferido pelo ordenante ao beneficiário, ao prestador de serviços de pagamento do beneficiário ou ao prestador de serviços de pagamento do próprio ordenante." A PRSP, seguindo o art. 2.º/21 do Regulamento (UE) n.º 260/2012, esclarece que o "mandato" é a "expressão da autorização dada pelo ordenante ao beneficiário e (direta ou indiretamente, por intermédio do beneficiário) ao prestador do serviço de pagamento do ordenante para permitir ao beneficiário iniciar uma operação de pagamento destinada a debitar a conta de pagamento do ordenante especificada e para permitir ao prestador do serviço de pagamento do ordenante executar essas instruções." É importante notar, como sublinha Francisco Rodrigues Rocha (“Débitos diretos: breves notas”, Estudos de direito bancário I, A. Menezes Cordeiro et al. (coords.), Coimbra: Almedina, 2018, p. 397, e “Débitos diretos. Aspetos de regime de proteção do consumidor”, Estudos de direito do consumo, II, Rui Mascarenhas Ataíde et al. (coord.) Coimbra: Almedina, 2023, pp. 778, 782), que este mandato deve ser entendido como uma autorização ou consentimento, e não como um contrato de mandato em sentido jurídico estrito. Isso ocorre porque o mandato para um débito direto não gera uma obrigação para o credor (beneficiário) de praticar atos jurídicos, mas sim a permissão para iniciar uma ordem de pagamento sobre a conta de outrem. *** 1).5. Isto dito, como se frisa no bem elaborado despacho recorrido, o caso colocado à nossa apreciação convoca um complexo de relações jurídicas: (1) as relações jurídicas estabelecidas entre os Ordenantes (clientes estrangeiros do cliente da requerente) e o Beneficiário (cliente da Recorrente); (2) as relações jurídicas constituídas entre os Ordenantes e os prestadores de serviços de pagamentos dos Ordenantes (bancos dos clientes do cliente da requerente, as Recorridas); (3) a relação jurídica estabelecida entre o Beneficiário (cliente da Recorrente) e o prestador de serviço de pagamento do Beneficiário (a Recorrente); e (4) a relação jurídica estabelecida entre os prestadores de serviços de pagamentos dos Ordenantes (Recorridas) e o prestador de serviços de pagamentos do Beneficiário (Recorrente).Como também ali se nota, esta constelação de relações adota a configuração de um quadrado (ou four corner model), caracterizando-se pela inexistência de relações cruzadas, ou seja, pela ausência de qualquer vínculo direto entre o Ordenante e o prestador de serviços de pagamento do Beneficiário, ou entre o Beneficiário e o prestador de serviços de pagamento do Ordenante. Em síntese, o Ordenante autoriza, mediante uma autorização de débito em conta (ADC), o Beneficiário a cobrar os montantes que o banco deste – o PSP do Beneficiário – apresentar ao banco daquele – o PSP do Ordenante. Esquematicamente, conforme o manual “C2PSP – Prestação de Serviços a Clientes Registo Normalizado (XML) SEPA”, Versão: 06.00, p. 18[2], divulgado pelo Banco de Portugal: Assim, têm aplicação, ademais dos Regulamentos citados (Regulamento (CE) n.º 924/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, e Regulamento (UE) n.º 260/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2012), as leis nacionais que, em cumprimento do dever de transposição da Diretiva (UE) n.º 2015/2366, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno (segunda Diretiva de Serviços de Pagamento ou DSP2), o Estado Português e o Estado Francês adotaram. Mais concretamente, a lei portuguesa aplica-se no que tange à relação jurídica estabelecida entre o Beneficiário (cliente da Recorrente) e o seu PSP (a Recorrente) e a lei francesa (Code Monétaire et Financier, na redação da Ordonnance n.° 2017-... du 9 août 2017[3]) aplica-se no que tange às relações jurídicas constituídas entre os Ordenantes e os seus PSPs (as Recorridas). A explicação é simples: num caso e no outro não estamos perante relações jurídicas plurilocalizadas. Tanto o Beneficiário como o seu PSP têm as suas sedes em Portugal e é aqui que as obrigações respetivas devem ser cumpridas; tanto os Ordenantes como os respetivos PSPs têm a sua sede em França, sendo aí que as respetivas obrigações devem ser cumpridas. Já no que tange às relações entre o PSP do Beneficiário e os PSPs do Ordenante, com sedes em diferentes Estados-Membros da União Europeia, estando em causa obrigações de natureza contratual, haverá que atentar no que resulta do Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de junho de 2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I). Neste enquadramento, não tendo as partes elegido uma lei aplicável para os seus contratos subjacentes ou para a resolução de litígios no âmbito da sua participação no SEPA (o Rulebook, a que adiante faremos referência, não contém qualquer cláusula de escolha de lei para litígios entre PSPs), a resposta tem de ser encontrada no art. 4.º do Regulamento Roma I que, com interesse, dispõe, no seu n.º 1, que “[n]a falta de escolha nos termos do artigo 3.º e sem prejuízo dos artigos 5.º a 8.º, a lei aplicável aos contratos é determinada do seguinte modo: (…) b) O contrato de prestação de serviços é regulado pela lei do país em que o prestador de serviços tem a sua residência habitual.” O n.º 2 do preceito acrescenta que “[c]aso os contratos não sejam abrangidos pelo n.º 1, ou se partes dos contratos forem abrangidas por mais do que uma das alíneas a) a h) do n.º 1, esses contratos são regulados pela lei do país em que o contraente que deve efetuar a prestação característica do contrato tem a sua residência habitual.” Este regime leva-nos a entender que, neste âmbito subjetivo, é aplicável a lei portuguesa. Com efeito, no contexto de uma operação de pagamento como um débito direto SEPA, a relação entre o PSP do Ordenante e o PSP do Beneficiário não é a de uma prestação de serviço direta e tradicional do primeiro para o segundo. Em vez disso, eles atuam como cooperantes num sistema multilateral em que cada um deles presta serviços ao seu próprio cliente, mas em coordenação com o outro para que a operação de pagamento se concretize. Assim, o PSP do Ordenante presta o serviço de manutenção da conta de pagamento e de execução das ordens de pagamento (incluindo débitos diretos) para o seu cliente, o Ordenante. Ele é responsável por verificar o mandato de débito, autorizar o débito e, em caso de não autorização, reembolsar o seu cliente. O PSP do Beneficiário presta o serviço de manutenção da conta de pagamento e de recebimento dos fundos para o seu cliente, o Beneficiário. Ele é responsável por assegurar que o mandato de débito recebido do Beneficiário é válido antes de apresentar a cobrança ao PSP do Ordenante. A relação entre o PSP do Ordenante e o PSP do Beneficiário não é de um prestador de serviços no sentido de um fornecer um serviço a outro. Em vez disso, é uma relação de colaboração necessária dentro do esquema de pagamento SEPA. Ambos são participantes no mesmo esquema e estão vinculados pelas mesmas regras multilaterais (o SEPA Rulebook). Por esta razão, a situação não é enquadrável na alínea a) do n.º 1 do art. 4.º do Regulamento Roma I, o que implica a aplicação do n.º 2 do preceito, à luz do qual importa considerar que o PSP do Beneficiário é a entidade que iniciou a cadeia de cobrança (ao apresentar o débito) e que tem a relação direta com o Beneficiário que recebeu os fundos. É a sua atuação que desencadeia a operação e é ele quem tem a responsabilidade primária de conhecer e validar a autorização por parte do seu cliente (o Beneficiário). Quando o PSP do Ordenante exige o reembolso, ele está a invocar uma obrigação de contrapartida que deriva da falha da operação iniciada pelo lado do Beneficiário. Deste modo, a prestação característica que está na base da potencial obrigação de reembolso é a gestão da cobrança pelo lado do Beneficiário e a assunção do risco inerente à validade dessa cobrança, o que recai sobre o PSP do Beneficiário. As referidas relações jurídicas são ainda regidas pelos contratos celebrados inter partes e, bem assim, pelo já referido SEPA Direct Debit Core Scheme Rulebook[4], do European Payments Council (EPC), organização internacional sem fins lucrativos que apoia e promove a integração e desenvolvimento de pagamentos europeus, especialmente a Área Única de Pagamentos em Euros (SEPA). Este apresenta-se como um contrato multilateral ao qual os PSPs têm de aderir para poderem participar no sistema Single Euro Payments Area (SEPA) Direct Debit Core Scheme. Ao aderirem, os PSPs não estão apenas a concordar com um conjunto de melhores práticas ou recomendações. Eles estão a celebrar um acordo juridicamente vinculativo com o EPC e, especialmente, com todos os outros PSPs participantes no esquema. Estamos perante um instrumento de autorregulação do setor bancário e financeiro que constitui um instrumento crucial de soft law destinado a complementar a hard law e, assim, garantir a eficiência e segurança dos mercados. Esta natureza contratual, justamente salientada no despacho recorrido, é explicitamente afirmada no próprio Rulebook quando estabelece os direitos e obrigações de todas as instituições que o assinam (Participantes). Os PSPs tornam-se Participantes ao assinar um acordo de adesão (Adherence Agreement), que os vincula aos termos do Rulebook. Daí resultam obrigações recíprocas de cada PSP, não só para com o EPC (a entidade gestora do esquema), mas também para com todos os outros PSPs que fazem parte do esquema, as quais devem ser observadas na execução das operações de pagamento SEPA, designadamente no que concerne aos procedimentos operacionais, os prazos, os formatos de mensagem e as regras de handling de R-transactions (rejeições, devoluções, reembolsos) *** 1).6. Pois bem, como também se nota no despacho recorrido, com a supracitada Diretiva DSP2, a UE procurou proporcionar a base jurídica para o desenvolvimento contínuo de uma maior integração do mercado interno de pagamentos eletrónicos na União Europeia, através do estabelecimento de (i) um regime de licenciamento para as instituições de pagamento, incluindo as que prestam serviços de informações sobre contas e serviços de iniciação de pagamentos (banca aberta), (ii) um conjunto de regras em matéria de transparência das condições e requisitos de informação aplicáveis aos serviços de pagamento, incluindo os encargos, (iii) um conjunto de regras em matéria de direitos e obrigações dos utilizadores e dos prestadores de serviços, e (iv) requisitos de segurança rigorosos aplicáveis aos pagamentos eletrónicos e à proteção dos dados financeiros dos consumidores, a fim de garantir a autenticação segura e reduzir o risco de fraude.Assim, no Considerando 5 da Diretiva, pode ler-se que “a evolução continuada de um mercado interno integrado de pagamentos eletrónicos seguros é fundamental para apoiar o crescimento da economia da União e para garantir que os consumidores, os comerciantes e as empresas podem usufruir da escolha e da transparência dos serviços de pagamento a fim de tirarem pleno partido do mercado interno”. No Considerando 71, estabelece-se que “no caso de uma operação de pagamento não autorizada, o prestador de serviços de pagamento deverá reembolsar imediatamente ao Ordenante o montante dessa operação”. O Considerando 73 preconiza que “a fim de garantir um elevado nível de proteção dos consumidores, os Ordenantes deverão ter sempre o direito de dirigir o seu pedido de reembolso ao prestador de serviços de pagamento que gere a sua conta, mesmo em caso de intervenção de um prestador de serviços de iniciação de pagamentos na operação de pagamento”. Finalmente, o Considerando 76 elucida que “a fim de assegurar um amplo apoio do público à SEPA e um elevado nível de proteção dos consumidores no âmbito da SEPA, o sistema pan-europeu de débito direto vigente prevê um direito de reembolso incondicional dos pagamentos autorizados. Refletindo esta realidade, a presente diretiva visa estabelecer o direito incondicional a reembolso, como requisito geral para todas as operações de débito direto expressas em euros na União. (…) Em todo o caso, o Ordenante deverá estar sempre protegido pela regra geral do reembolso em caso de operações de pagamento não autorizadas ou incorretamente executadas”. Dos arts. 73 a 76 da Diretiva retira-se uma distinção, no seio da Single Euro Payments Area (SEPA), entre o regime dos débitos diretos SEPA Core e o regime dos débitos diretos SEPA B2B (Business-to-Business). No primeiro, vocacionado para particulares e empresas em contextos de consumo (v.g., contas de serviços públicos, assinaturas e débitos de consumo), a autorização assinada pelo Ordenante (ADC) é armazenada, permitindo a realização de transações futuras. O direito de reembolso, abrangendo transações autorizadas e não autorizadas, protege especialmente o Ordenante enquanto particular e consumidor final. No segundo, destinado e restrito a transações entre empresas, a autorização assinada pelo Ordenante (ADC) deve ser verificada e, em cada momento, adicionalmente validada pelo prestador de serviços de pagamento. O direito de reembolso, neste regime, limita-se às situações de transação não autorizada, erro técnico ou fraude, e a validação adicional consubstancia uma camada extra de segurança, visando prevenir débitos não autorizados, dado que o débito autorizado não confere ao Ordenante direito a reembolso. Com este regime pretendeu-se facilitar o processo de reclamação do Ordenante que, caso contrário, teria de atuar perante o Beneficiário e o respetivo prestador do serviço de pagamento, o que importaria maior demora e encargos acrescidos, sobretudo quando estes estivessem sediados em diferentes Estado-Membro. Como igualmente se salienta no despacho recorrido, esta conceção – de reembolso incondicional e imediato do Ordenante –, plasmada nos considerandos da referida Diretiva, mereceu consagração explícita no citado DL n.º 91/2018, de 12 de novembro (que transpôs aquela para a ordem jurídica interna), nomeadamente, nos arts. 114, 117 e 118, os quais regulam os trâmites e o circunstancialismo temporal da sua concretização. Neste âmbito, cumpre realçar que o reembolso do Ordenante, ainda que com condicionalismos diversos, está previsto e regulado quer para transações autorizadas, quer para transações não autorizadas. Quanto a estas últimas, conforme preceitua o n.º 1 do art. 114 do referido diploma, “o prestador de serviços de pagamento do Ordenante deve reembolsar imediatamente o Ordenante do montante da operação de pagamento não autorizada após ter tido conhecimento da operação ou após esta lhe ter sido comunicada e, em todo o caso, o mais tardar até ao final do primeiro dia útil seguinte àquele conhecimento ou comunicação”. E, no caso de débitos diretos, por força do n.º 3 do art. 118 e do n.º 6 do art. 117, o prestador de serviços de pagamento do Ordenante não pode recusar o pedido de reembolso efetuado pelo Ordenante, nos termos que são permitidos nos casos de outras transações (cf. art. 118/2). A esta consideração, a que aderimos sem reservas, acrescentamos que o Code Monétaire et Financier, na redação da Ordonnance n° 2017-... du 9 août 2017, que vimos ser aplicável, no caso vertente, nas relações entre os Ordenantes e os respetivos PSPs, as aqui Recorridas, previu um regime semelhante, o que não é de estranhar atento escopo comum dos dois legisladores nacionais (a transposição para os respetivos direitos internos da DSP2). Mais concretamente, este diploma confere, nos seus arts. L. 133-18 e L. 133-24, uma ampla proteção ao utilizador de serviços de pagamento (o Ordenante, neste caso) Assim, do art. L. 133-18[5] resulta, em geral, que se um utilizador de serviços de pagamento negar ter autorizado uma operação de pagamento já executada, ou alegar que a operação não foi corretamente executada, nas condições previstas no art. L. 133-24, cabe ao seu Prestador de Serviços de Pagamento (PSP) provar que a operação foi autenticada, devidamente registada e contabilizada, e que não foi afetada por uma deficiência técnica ou outra falha. Se o PSP não conseguir provar que o utilizador autenticou a operação, ou se não conseguir provar que a operação foi devidamente registada e não foi afetada por uma deficiência técnica, o PSP deve reembolsar o valor da operação não autorizada imediatamente após ter conhecimento ou ser notificado, e em qualquer caso, o mais tardar no final do primeiro dia útil seguinte. Além do valor da operação, deve restituir as datas de valor e compensar o utilizador por quaisquer outros danos financeiros diretos resultantes da operação não autorizada. Para os débitos diretos, a proteção é ainda mais forte: em caso de débito direto não autorizado, o cliente tem direito a um reembolso incondicional (conhecido como no questions asked refund) se solicitar o reembolso no prazo de 13 meses a contar da data do débito. Do art. L. 133-19 CMF[6] resulta que o PSP não será responsável (ou a sua responsabilidade será limitada) se conseguir provar que o prejuízo resultou de fraude ou de negligência grave por parte do utilizador de serviços de pagamento. No entanto, a prova da autenticação da operação não é suficiente, por si só, para provar a fraude ou a negligência grave do utilizador. O PSP tem que apresentar provas adicionais que demonstrem que o utilizador agiu com intenção de defraudar ou com uma negligência que seja considerada grave. Na ausência de elementos interpretativos europeus, estes conceitos, devem ser preenchidos de acordo com os critérios do direito nacional, em matéria de cumprimento de obrigações e responsabilidade civil. A própria Diretiva o reconhece quando dispõe, no Considerando 72, que “[o]s elementos de prova e o grau da alegada negligência deverão ser avaliados nos termos do direito nacional.” A propósito, cf. Francisco Mendes Correia, “Responsabilidade e Risco nas operações de pagamentos não autorizadas”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2023, n.º 2, pp. 417-466. Atente-se que o art. 73 da DSP 2 apenas diz que o prestador do serviço poderá não reembolsar “se o prestador de serviços de pagamento do Ordenante tiver motivos razoáveis para suspeitar de fraude”, não esclarecendo se está em causa uma fraude cometida pelo cliente e não por um terceiro. A interpretação no sentido de que está em causa a fraude cometida pelo utilizador do serviço é a única que é compatível com o que vem dito no considerando 71 da mesma directiva, onde se refere expressamente a “forte suspeita de uma operação não autorizada resultante da conduta fraudulenta do utilizador do serviço de pagamento”. O legislador europeu disse menos do que o que queria dizer, o que foi compreendido pelo legislador nacional francês – e, diga-se, também pelo português que, no art. 113/2 se refere à “atuação fraudulenta do Ordenante.” A não ser assim, o dever de reembolso dos pagamentos não autorizados nunca existiria, uma vez que, na maioria dos casos, estará em causa um comportamento fraudulento de algum terceiro, como assinala Maria Raquel Guimarães, “The debit and credit card framework contract and its influence on European legislative initiatives”, InDret Comparado,Revista para el Análisis del Derecho, n.º 2, 2012. Este esquema permite distinguir entre reembolso (Refund) com ADC válida e reembolso (Refund) sem ADC válida. O primeiro corresponde ao pedido de reembolso de fundos pelo Devedor (por qualquer razão) de uma cobrança após a liquidação e sempre dentro das 8 semanas subsequentes à data do débito. No scheme Core, o Devedor tem o direito de requerer o reembolso de uma cobrança quando não concorda com o pagamento, dentro dos prazos estabelecidos. Este reembolso não liberta o Devedor da responsabilidade de resolver cobranças em disputa com o respetivo Credor, nem o pagamento do reembolso deve prejudicar o resultado dessa disputa. Note-se que uma cobrança alvo de disputa deverá ser objeto de acordo direto entre Devedor e Credor. Esta transação aplica-se apenas ao scheme Core, já que não existe direito de reembolso no scheme B2B no caso de ADC válida. O segundo – reembolso (Refund) sem ADC válida – corresponde ao pedido de reembolso de fundos pelo Devedor de uma cobrança após a liquidação e dentro dos 13 meses subsequentes à data do débito invocando a inexistência de uma ADC válida. Esta transação aplica-se a ambos os schemes Core e B2B. No scheme B2B, porém, embora exista o direito a este tipo de reembolso, o seu tratamento deverá ser efetuado fora dos mecanismos do scheme. Esta regra dos 13 meses, importada da Diretiva, foi aplicada nos casos apreciados pelo TJUE no Processo C-295/18, Mediterranean Shipping Company (Portugal), 11 de Abril de 2019, ECLI:EU:C:2019:320, §§ 11, 20, 21, 23, ainda que à luz da DSP 1, estando em causa débitos directos não autorizados, e no Processo C-337/2048-51, CRCAM, 2 de Setembro de 2021, ECLI:EU:C:2021:671, §§ 46-51. Na jurisprudência portuguesa, vide o caso apreciado em RL 30.05.2023 (5693/22.5T8LSB.L1-7), Alexandra Castro Rocha, que considerou tempestiva a comunicação de operações não autorizadas no momento em que o utilizador delas se apercebeu, realizadas até 11 meses antes, mediante cartão de débito, apesar de evidenciadas nos extratos que lhe foram sendo enviados. *** 1).7. Do exposto resulta que, perante a solicitação do reembolso de um débito direto com fundamento na não autorização desta operação, o PSP do Ordenante tem de decidir se satisfaz a pretensão do seu cliente ou se a nega. Esta segunda opção apenas lhe é permitida se, de acordo como os elementos que tiver ao seu dispor, conseguir demonstrar a existência de má-fé.Sendo feito o reembolso, o PSP do Ordenante comunica ao PSP do Beneficiário para que este cobre da conta do seu cliente o montante indevidamente recebido. Sobre o que segue no âmbito da relação entre o PSP do Ordenante e o PSP do Beneficiário, nos casos em que, por insuficiência de saldo tal cobrança não é possível, a lei aplicável – que vimos ser, no caso, a lei portuguesa – nada diz, o que se compreende: é matéria não tratada pelo Diretiva adrede transposta e deixada para o campo da (auto-)regulação bancária. Isto mesmo foi salientado no despacho recorrido, no qual se prosseguiu dizendo, em termos com os quais concordamos, que apesar da omissão de norma expressa, os citados diplomas legais fornecem-nos elementos que permitem concluir que a intervenção do PSP do Beneficiário no procedimento de pagamento é mais decisiva e determinante. Com efeito, é este que verifica, num primeiro momento, a validade da ADC, em procedimento rigoroso previsto no art. 5.º/1 a 3 do Regulamento (UE) n.º 260/2012. Assim, conjugando a posição do PSP do Beneficiário no início do processo de pagamento com os princípios gerais que presidiram à instituição da SEPA, avultando aqui os princípios da proteção do Ordenante e da segurança, celeridade e fluidez do sistema integrado de pagamentos eletrónicos, com vista a promover a atividade económica e a rapidez das transações, diremos que a solução lógica e teleologicamente adequada reside em fazer o PSP do Beneficiário suportar o risco de perda do valor debitado/creditado, o que faz todo o sentido: a proximidade do PSP do Beneficiário com o Beneficiário final (que recebeu os fundos) e a sua capacidade de gerir o mandato e a conta do Beneficiário, tornam-no o melhor colocado para gerir o risco. Este juízo não é, porém, necessário, posto que a solução que dele resultaria é aquela a que as partes, Recorrente e Recorridas, se vincularam ao aderirem ao SEPA Direct Debit Core Scheme Rulebook, do European Payments Council (EPC). Neste, o procedimento dos reembolsos em caso de débitos diretos não autorizados surge detalhadamente previsto nas regras PT-04.12 a PT-04.27 (Cf. Regulamento e Anexo VI – Instruções para o Procedimento de Reembolso de Transações Não Autorizadas), em termos que não suscitam dúvidas: em caso de transação, o PSP do Beneficiário suporta o risco da perda quando não consegue reaver o dinheiro reposto ao Ordenante através da conta do seu cliente. Assim, diz a PT-04.12 (em tradução livre) que “[o] PSP do Credor deve debitar as Cobranças rejeitadas e devolvidas ao Credor apenas se a conta do Credor já tiver sido creditada. Se, por qualquer motivo, a conta do Credor não puder ser debitada, a Rejeição/Devolução não paga torna-se um risco de crédito para o PSP do Credor, a ser recuperado junto do Credor, ou o PSP do Credor deve assumir a perda, uma vez que o PSP do Credor não está autorizado a debitar o PSP do Devedor pela Rejeição/Devolução não paga.[7]” Acrescenta a PT 04.18[8] que “[s]e, por qualquer motivo, a conta do Credor não puder ser debitada, o Reembolso não pago torna-se um risco de crédito para o PSP do Credor, a ser recuperado junto do Credor, ou o PSP do Credor deve assumir a perda, uma vez que o PSP do Credor não está autorizado a debitar o PSP do Devedor pelo Reembolso não pago." Perante isto, não suscita qualquer dúvida a conclusão do despacho recorrido no sentido de que se o PSP do Beneficiário não pode repercutir a perda no património do PSP do Ordenante, então não lhe é lícito recusar o pedido de reembolso que este lhe dirija do montante com que em momento prévio reintegrou a situação patrimonial do seu cliente. *** 1).8. Contra a linearidade deste raciocínio, a Recorrente contrapõe que, no caso, não é descrita uma situação de débito não autorizado, mas uma outra pautada pela má-fé dos Ordenantes no momento em que formularam os pedidos de reembolso às Recorridas.Afigura-se-nos que parte de um equívoco. A má-fé do Ordenante é, como vimos, a causa com base na qual pode ser rejeitado, pelo respetivo PSP, o pedido de reembolso. Tal só pode suceder se existirem provas de que aquele agiu com a intenção de lesar o banco, obtendo uma vantagem patrimonial que sabe ser infundada à sua custa, como sucederá se a operação realizada não for mais que um simulacro de pagamento destinado a suportar o pedido indevido de reembolso. A propósito, cf. Francisco Mendes Correia, loc. cit., p. 442. Na inexistência dessas provas, não resta ao PSP do Ordenante outra alternativa que não seja a de fazer o reembolso, sob pena de estar a incumprir as suas obrigações e a incorrer em responsabilidade civil perante o seu cliente e, bem assim, em sanções por parte do órgão regulador do sistema bancário. A decisão que nesse momento tome é definitiva, seja ela no sentido de conceder o reembolso ao seu cliente (Ordenante), solicitando, de seguida, o reembolso ao PSP do Beneficiário, seja no de não conceder o reembolso ao seu cliente. É o que resulta do PT-04.24, onde se pode ler, em tradução livre, que “[a] decisão do PSP do Devedor é final para todos os participantes no Esquema.”[9] Esta regra visa evitar um ping-pong de responsabilidades e assegurar a celeridade e confiança no sistema de pagamentos. É uma regra de estabilidade do sistema que beneficia todos os participantes, mesmo que num caso específico o risco recaia sobre um deles. Tendo isto presente, apresentam-se como absolutamente corretas as conclusões do despacho recorrido no sentido de que a factualidade alegada pela Recorrente no requerimento inicial não possui a virtualidade de paralisar o direito do PSP do Ordenante ao reembolso. É a Recorrente, em face da sua posição de PSP do Beneficiário, quem deve, de acordo com as regras contratuais citadas, suportar o risco da perda dos montantes em causa, porquanto participante num sistema que privilegia a proteção do Ordenante e cujo concreto processo de pagamento por débitos diretos teve início em ADC’s aceites, num primeiro momento, como válidas por si própria. A pretensão da requerente traduz-se, pois, como se afirma no despacho recorrido, numa inversão das regras contratualmente aceites: visa proibir as requeridas de exercer um seu direito, obrigando-as a assumir um risco de perda que não lhes foi atribuído e, concomitantemente, eximir-se ao risco de perda que lhe foi atribuído no processo de pagamento. É claro que isto deixa um espaço em aberto para as situações em que o PSP do Ordenante aceite o pedido de reembolso, não obstante existirem e estarem ao seu dispor meios de prova da má-fé do seu cliente. Estar-se-á então perante uma violação do dever de cuidado que os participantes devem observar e, bem assim, de deveres acessórios de conduta arrimados na boa-fé, o que poderá ser fonte da obrigação de indemnizar e mesmo obstar à aplicação da cláusula contratual de repartição do risco. Simplesmente, a Recorrente, no requerimento inicial, não imputou semelhante conduta às Recorridas. Deu mesmo a entender que estas agiram corretamente face aos elementos que tinham ao seu dispor, pelo que a colocação desta questão não tem, no caso concreto, qualquer razão de ser. *** 1).9. Perante o que antecede, sendo o regime legal e contratual a que as partes estão vinculadas suficientemente esclarecedor, não existe qualquer fundamento para fazer, como pretende a Recorrente nas suas alegações, uma analogia entre o direito do PSP do Ordenante perante o PSP do Beneficiário, em resultado do reembolso de um débito direto não autorizado, que é refratário da especificidade do regime dos serviços de pagamento, e o direito do Credor que beneficia de uma garantia autónoma, como a que resulta do denominado crédito documentário irrevogável.Como sabemos, a garantia autónoma é caracterizada pela sua autonomia relativamente à dívida que garantem, o que quer dizer que o garante não pode fazer valer-se de quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato garantido. Essa autonomia é tendencialmente total, apenas se admitindo restrições pontuais nas situações de fraude manifesta ou de violação dos princípios gerais do direito, tidos por inderrogáveis, da boa-fé ou da proibição do abuso do direito. A título de exemplo, em STJ 24.05.2011 (2773/04.2TJVNF.P1.S1), Gregório Silva Jesus, defende-se expressamente que “a garantia que subjaz ao princípio da independência do crédito documentário não pode, com efeito, amparar situações fraudulentas: o crédito documentário, mormente o irrevogável, chamado a garantir o tráfego jurídico, não pode converter-se em instrumento idóneo para o lucro injustificado de uma parte, em prejuízo de quem, atuando de boa-fé, acedeu a ordenar a abertura do crédito.” Na doutrina, Rafael Marinón Durá (El Crédito Documentario Irrevogavel, Configuración Juridica y Funcionamento, Valencia: Tirant lo Blanch, 2001, p. 577), entende que a separação do negócio subjacente e o crédito documentário deve ceder perante os postulados elementares de justiça, ou seja, o banco pode recusar efetuar o pagamento quando a reclamação do Beneficiário for desleal contrária à boa-fé ou se leva a cabo com manifesto abuso de direito. Se virmos bem, estes princípios não divergem, em termos materiais, dos que justificam a recusa do pedido de reembolso feito pelo Ordenante ao seu PSP com fundamento na não autorização do débito. Nesse caso, como de fraude do Credor no crédito documentário irrevogável, o prejuízo repercute-se na esfera jurídica do defraudador, o que, dizendo de uma forma prosaica, é conforme aos princípios de justiça. Já assim não sucede quando seja o PSP do Ordenante, que aceitou e satisfez o pedido de reembolso, a reclamar, subsequentemente, o refund ao PSP do Beneficiário. Se assim fosse, estar-se-ia a fazer repercutir o prejuízo na esfera jurídica de quem – o PSP do Ordenante – é completamente alheio ao esquema fraudulento. Seria, bem vistas as coisas, o mesmo que permitir que, numa garantia autónoma, o Devedor (garantido) se recusasse, sem mais, a cumprir perante o garante com fundamento na fraude cometida pelo Beneficiário da garantia. O prejuízo recairia então sobre o garante, sujeito totalmente alheio à relação jurídica entre o devedor (garantido) e o credor (beneficiário da garantia) e às fraudes provocadas por este para lesar aquele. Deste modo, a invocação, no confronto entre a Recorrida e as Recorridas, das normas dos arts. 334 e 762/2 do Código Civil apresenta-se como absolutamente equívoca. Não estando alegados factos de que resulte que a Recorrente é titular do direito ou de uma posição jurídica que tenha as Recorridas como sujeitos passivos e que careça de tutelar cautelar, improcedem in totum as conclusões do recurso, com a consequente confirmação do despacho recorrido, o qual se apresenta conforme às normas processuais (arts. 2.º e 362 do CPC) indicadas pela Recorrente. *** 2). Vencida, a Recorrente deve suportar as custas: art. 527/1 e 2 do CPC.*** IV.Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em (i) julgar o presente recurso improcedente e (ii) confirmar a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Notifique. * Guimarães, 10 de julho de 2025, Os Juízes Desembargadores, Gonçalo Oliveira Magalhães Maria João Marques Pinto de Matos Rosália Cunha [1] eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52023PC0368 [2] Manual de Comunicação C2PSP (versão 6.00)_vf.pdf [3] Ordonnance n° 2017-... du 9 août 2017 portant transposition de la directive 2015/2366 du Parlement européen et du Conseil du 25 novembre 2015 concernant les services de paiement dans le marché intérieur - Légifrance [4] Rulebook and implementation guidelines to implement the SDD Core scheme | European Payments Council [5] No original: “En cas d'opération de paiement non autorisée signalée par l'utilisateur dans les conditions prévues à l'article L. 133-24, le prestataire de services de paiement du payeur rembourse au payeur le montant de l'opération non autorisée immédiatement après avoir pris connaissance de l'opération ou après en avoir été informé, et en tout état de cause au plus tard à la fin du premier jour ouvrable suivant, sauf s'il a de bonnes raisons de soupçonner une fraude de l'utilisateur du service de paiement et s'il communique ces raisons par écrit à la Banque de France. Le cas échéant, le prestataire de services de paiement du payeur rétablit le compte débité dans l'état où il se serait trouvé si l'opération de paiement non autorisée n'avait pas eu lieu. Lorsque l'opération de paiement non autorisée est initiée par l'intermédiaire d'un prestataire de services de paiement fournissant un service d'initiation de paiement, le prestataire de services de paiement gestionnaire du compte rembourse immédiatement, et en tout état de cause au plus tard à la fin du premier jour ouvrable suivant, au payeur le montant de l'opération non autorisée et, le cas échéant, rétablit le compte débité dans l'état où il se serait trouvé si l'opération de paiement non autorisée n'avait pas eu lieu. La date de valeur à laquelle le compte de paiement du payeur est crédité n'est pas postérieure à la date à laquelle il avait été débité. Si le prestataire de services de paiement qui a fourni le service d'initiation de paiement est responsable de l'opération de paiement non autorisée, il indemnise immédiatement le prestataire de services de paiement gestionnaire du compte, à sa demande, pour les pertes subies ou les sommes payées en raison du remboursement du payeur, y compris le montant de l'opération de paiement non autorisée. Le payeur et son prestataire de services de paiement peuvent décider contractuellement d'une indemnité complémentaire.” [6] No original: “I. – En cas d'opération de paiement non autorisée consécutive à la perte ou au vol de l'instrument de paiement, le payeur supporte, avant l'information prévue à l'article L. 133-17, les pertes liées à l'utilisation de cet instrument, dans la limite d'un plafond de 50 €. Toutefois, la responsabilité du payeur n'est pas engagée en cas: – d'opération de paiement non autorisée effectuée sans utilisation des données de sécurité personnalisées; – de perte ou de vol d'un instrument de paiement ne pouvant être détecté par le payeur avant le paiement; – de perte due à des actes ou à une carence d'un salarié, d'un agent ou d'une succursale d'un prestataire de services de paiement ou d'une entité vers laquelle ses activités ont été externalisées. II. – La responsabilité du payeur n'est pas engagée si l'opération de paiement non autorisée a été effectuée en détournant, à l'insu du payeur, l'instrument de paiement ou les données qui lui sont liées. Elle n'est pas engagée non plus en cas de contrefaçon de l'instrument de paiement si, au moment de l'opération de paiement non autorisée, le payeur était en possession de son instrument. III. – Sauf agissement frauduleux de sa part, le payeur ne supporte aucune conséquence financière si le prestataire de services de paiement ne fournit pas de moyens appropriés permettant l'information aux fins de blocage de l'instrument de paiement prévue à l'article L. 133-17. IV. – Le payeur supporte toutes les pertes occasionnées par des opérations de paiement non autorisées si ces pertes résultent d'un agissement frauduleux de sa part ou s'il n'a pas satisfait intentionnellement ou par négligence grave aux obligations mentionnées aux articles L. 133-16 et L. 133-17. V. – Sauf agissement frauduleux de sa part, le payeur ne supporte aucune conséquence financière si l'opération de paiement non autorisée a été effectuée sans que le prestataire de services de paiement du payeur n'exige une authentification forte du payeur prévue à l'article L. 133-44. VI. – Lorsque le bénéficiaire ou son prestataire de services de paiement n'accepte pas une authentification forte du payeur prévue à l'article L. 133-44, il rembourse le préjudice financier causé au prestataire de services de paiement du payeur.” [7] No original: “The Creditor PSP must debit the rejected and returned Collections to the Creditor only if the Creditor’s account has already been credited. If the account of the Creditor for whatever reason could not be debited, the unpaid Reject/Return becomes a credit risk for the Creditor PSP to be recovered from the Creditor, or the Creditor PSP must take the loss, as the Creditor PSP is not allowed to debit the Debtor PSP for the unpaid Reject/Return.” [8] No original: “(…) If the account of the Creditor for whatever reason could not be debited, the unpaid Refund becomes a credit risk for the Creditor PSP to be recovered from the Creditor, or the Creditor PSP must take the loss, as the Creditor PSP is not allowed to debit the Debtor PSP for the unpaid Refund.” [9] No original: “(…) The decision of the Debtor PSP is final for all participants in the Scheme.” |