Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
25/18.0GTVCT.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
OMISSÃO DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS
NULIDADE SANÁVEL
ARTºS 340º
DO CP E 120º
Nº 1
AL. D) E 121º
DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) O indeferimento de requerimento, efectuado no decurso da audiência de discussão e julgamento, de produção de novos meios probatórios, à luz do disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal, quando se entender que assim se omitem diligências essenciais à descoberta da verdade, constitui a nulidade sanável, prevista no artigo 120º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal, que deverá ser previamente reclamada antes que o acto onde foi praticada esteja terminado, nos termos prescritos no artigo 120º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal, o que no caso ocorreria até ao termo da audiência de discussão e julgamento.
II) Só depois de suscitada a nulidade perante o tribunal a quo poderá a mesma servir de fundamento de recurso, não sendo suscitada no decurso da audiência de julgamento deve considerar-se sanada tal como dispõe o art. 121º do CPP.
Decisão Texto Integral:
Desembargadora Relatora: Cândida Martinho
Desembargador Adjunto: António Teixeira.

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1.

No processo comum com o nº25/18.0GTVCT-G1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Criminal de Ponte de Lima, no decurso da audiência de julgamento, mais concretamente na sessão que teve lugar no dia 26/11/2019, foram indeferidos pela Mma Juiz, ao abrigo do disposto no artigo 340º,nº4, alíneas a) e b), do C.P.P., dois requerimentos apresentados pela defesa do arguido, estando em causa, num deles, a junção aos autos de três documentos e, noutro, a solicitação de uma informação à GNR de Ponte de Lima, diligências probatórias estas que a Mma Juiz considerou serem irrelevantes e supérfluas para a apreciação do mérito da causa.

2.
Entretanto, em 18/12/2019, foi proferida sentença final que condenou o arguido/recorrente A. R. como autor de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, nº 1, alínea b) do C.P., na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 9,00 (nove euros), perfazendo um total de € 630,00 (seiscentos e trinta euros) e ainda, nos termos do artigo 69º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, na proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 (três) meses.

3.
Não se conformando, o arguido recorreu das três decisões, tendo os recursos relativos aos despachos proferidos na audiência de julgamento sido admitidos a subir nos próprios autos e a serem instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão final.

3.1
O recorrente concluiu na motivação desses recursos do seguinte modo:

“1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido em 26/11/2019, na parte em que indeferiu a junção aos autos de 3 (três) documentos.
2. Os Senhores Guardas não conseguiram justificar de forma plausível o facto de o auto de notícia de fls. 4 ter sido elaborado 6 (seis) dias depois da ocorrência de factos, sendocertoquetaldelonganãoconstituiseguramentearegra,antesconstituindouma excepção que importava, como importa, esclarecer.
3. Foi no seguimento da falta de justificação plausível, por parte dos Senhores Guardas, que o Arguido e ora Recorrente requereu, a junção aos autos de 3 (três) documentos, que compreendiam 2(duas)notificações no âmbitodeprocessosdecontraordenação, bem como o anúncio com data, local e hora de um funeral.
4. O acesso a notificações em processos de contraordenação era relevante porque os factos relatados nas mesmas são inequivocamente conexos com o objecto dos presentesautos(vindoatéreferidosnaprópriaacusaçãopública–factosocorridosem08/05/2018, pelas 14h30); mas também porque poderiam conceder ao Tribunal mais elementos para aferir, atento o seu teor, se os autos de notícia que despoletaram os referidos processos de contraordenação eram anteriores, contemporâneos ou posteriores ao auto de notícia de fls. 4 dos presentes autos.
5. O anúncio com data e hora de um funeral era relevante, atentos os fundamentos de defesa invocados pelo Arguido – recorde-se que este referiu ser proprietário de uma agência funerária, afirmando ainda que tinha um funeral marcado para o mesmo dia, pelas 18h30, justificando desse modo a pressa em abandonar o local, aquando da abordagem das 17h00.
6. Só como início da audiênciadejulgamento e, maisconcretamente,com o depoimento das testemunhas R. C. (GNR) e R. P. (GNR) foi possível constatar a inexistência de justificação válida ou plausível para o atraso na elaboração do auto de notícia de fls. 4, o que, atento o disposto no art. 165.º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal, tornava admissível a junção de tais documentos nessa fase.
7. Por outro lado, no caso dos autos, como referido, o auto de notícia foi elaborado 6 (seis) dias após a suposta ocorrência dos factos.
8. Um tal facto, aliado às “divergências” entre o Arguido e os Senhores Guardas, que culminaram com o abandonar do local por parte daquele, poderia indiciar uma possível imputação de factos falsos ao Arguido no auto de notícia, decorrente mais de uma manobra de revanchismo do que propriamente do relato da verdade dos factos.
9. É por essa razão que se tornava necessário obter a junção aos autos do expediente dos processos de contraordenação, jáque, caso este tivesse sido elaborado no próprio dia ou, pelo menos, antes do auto de fls. 4 dos autos, tal poderia indiciar que os factos relatados neste último não seriam verdadeiros. É que, convém recordar, estando em causa a suposta prática de um crime, o mais normal seria que a elaboração do auto de notícia fosse feita em primeiro lugar (atenta a sua maior relevância), e não o contrário.
10. Ao indeferir as diligências probatórias requeridas pelo Arguido, o Tribunal recorrido boicotoutodaessapossibilidadedeproduçãodeprova,inquestionavelmenterelevante para a apreciação do mérito dos autos.
11. Assim, ao decidir como decidiu, a douta decisão recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 165.º, n.º 1 e 340.º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal, o que impõe que, na procedência do presente recurso, a mesma seja revogada e substituída por Douto Acórdão que defira as diligências probatórias requeridas pelo Recorrente.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da douta decisão recorrida e prolação, em sua substituição, de Douto Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, com o que se fará Justiça!”
*
“1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido em 26/11/2019, na parte em que indeferiu o requerimento do Recorrente no sentido de se oficiar à GNR de Ponte de Lima, a fim de informar nos presentes autos qual a data da elaboração dos autos de contra ordenação nº 928359965 e nº 928359980, de juntar todo o expediente que os suporta, bem como de juntar aos autos o horário de serviço dos dias 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 de Maio de 2018.
2. O Arguido prestou declarações em julgado, em que questionou a veracidade dos factos relatados no auto de notícia.
3. Os Senhores Guardas não conseguiram justificar de forma plausível o facto de o auto de notícia de fls. 4 ter sido elaborado 6 (seis) dias após a data da suposta ocorrência dos factos - sendo certo que, olhando às regras da experiência comum, a elaboração de um auto de notícia 6 (seis) dias depois da ocorrência de factos não constitui seguramente a regra, antes constituindo uma excepção que importava, como importa, esclarecer.
4. Uma das hipóteses afiançadas pelos Senhores Guardas (como mera hipótese, realce-se) foi a possibilidade de, entre os dias 08/05/2018 (data da suposta ocorrência dos factos) e 14/04/2018 (data de elaboração do auto de fls. 4) se poder ter dado o caso de os mesmos não prestarem serviço simultaneamente.
5. Foi no seguimento da falta de justificação plausível pelos Senhores Guardas e da hipótese por eles colocada (o facto de se poder ter dado ocaso de não terem prestado serviço em simultâneo nos dias seguintes) que o Arguido e ora Recorrente requereu que se oficiasse à GNR de Ponte de Lima, a fim de informar nos presentes autos qual a data da elaboração dos autos de contra ordenação nº 928359965 e nº 928359980, bem como de juntar todo o expediente que os suporta e, ainda, o horário de serviço dos dias 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 de Maio de 2018
6. No que diz respeito ao expediente relacionado com os processos de contraordenação, estas eram relevantes porque os factos relatados nas mesmas (supostamente ocorridos em 08/05/2018, pelas 14h30, e envolvendo também o aqui Arguido) são inequivocamente conexos com o objecto dos presentes autos (vindo até referidos na própria acusação pública); eram também relevantes porque poderiam conceder ao Tribunal mais elementos para procurar aferir se os autos de notícia que despoletaram os referidos processos de contraordenação eram anteriores, contemporâneos ou posteriores ao auto de notícia de fls. 4 dos presentes autos.
7. A informação quanto ao horário dos Arguidos entre os dias 8 e 14 de Maio de 2018 permitiria credibilizar, ou não, o seu depoimento e, com isso, conferir ao Tribunal mais elementos para concluir pela veracidade, ou não, dos factos relatados no auto de notícia de fls. 4.
8. O Tribunal indeferiu tais diligências por entender que as mesmas não eram relevantes para a apreciação do mérito da causa.
9. No caso dos autos, como referido, o auto de notícia foi elaborado 6 (seis) dias após a suposta ocorrência dos factos, sendo certo que tal facto, aliado às “divergências” entre oArguidoeosSenhoresGuardas,queculminaramcomoabandonardolocalporparte daquele, poderia indiciar uma possível imputação de factos falsos ao Arguido no auto de notícia, decorrente mais de uma manobra de revanchismo do que propriamente do relatado da verdade dos factos.
10. Foi, de resto, esse o principal e praticamente único fundamento de defesa invocado pelo Arguido e era essa razão que justificava a necessidade de junção aos autos do expediente dos processos de contraordenação, já que, caso este tivesse sido elaborado no próprio dia ou, pelo menos, antes do auto de fls. 4 dos autos, tal poderia indiciar que os factos relatados neste último não seriam verdadeiros.
11. Por outro lado, o expediente relacionado com o horário dos Senhores Guardas permitira credibilizar, ou não o seu depoimento, pois iria confirmar ou infirmar a justificação por eles colocada, como hipótese, para a elaboração tardia do auto de notícia.
12. Ao indeferir as diligências probatórias requeridas pelo Arguido, o Tribunal recorrido boicotoutodaessapossibilidadedeproduçãodeprova,inquestionavelmenterelevante para a apreciação do mérito dos autos ou, pelo menos, para um cabal esclarecimento de todo o procedimento que sucedeu os episódios de 08/05/2018, pelas 14h30 e 17h00, e para formação de convicção quanto à validade, ou não, dos factos relatados nos autos de notícia.
13. Tal conclusão é reforçada pelo facto de o auto de notícia não ter força probatória plena ou valor de documento autêntico – facto que obrigava o Tribunal recorrido a ser mais prudente na valoração desse documento enquanto meio de prova e, bem assim, a realizar todas as diligências probatórias que permitissem dissipar quaisquer dúvidas quanto à veracidade dos factos aí relatados.
14. Assim, ao decidir como decidiu, a douta decisão recorrida violou, além de outras, a disposição do art. 340.º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal, o que impõe que, na procedência do presente recurso, a mesma seja revogada e substituída por Douto Acórdão que defira as diligências probatórias requeridas pelo Recorrente.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da douta decisão recorrida e prolação, em sua substituição, de Douto Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, com o que se fará Justiça!”.

3.2
Por seu turno, na motivação do recurso relativo à decisão final, concluiu nos seguintes termos: (transcrição):

«1. Vem o presente recurso interposto douta sentença proferida nos autos, que condenou o Arguido em pena de multa, pela prática de crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. b) do Cód. Penal, fixou sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor e fixou custas a cargo do Arguido.
2. OArguidodiscordadojulgamentodadecisãodamatériadedireitoedamatéria de facto, sendo certo que a tomada de posição quanto a esta última pressupõe a reapreciação de prova gravada.
3. O Arguido discorda do julgamento do ponto 2 dos factos provados, na parte em que foi dada como provada a locução “uma vez que se tratava da mesma pessoa”, pois entende que, nessa parte, o mesmo deveria ter sido dado como não provado. Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são os seguintes: depoimento do Arguido, prestado na sessão de 26/11/2019, no excerto de minutos 03:40 a 05:00, depoimento da testemunha R. P., prestado na sessão de 26/11/2019, no excerto de minutos 12:00 a 17:30 e depoimento da testemunha R. C., prestado na sessão de 26/11/2019, no excerto de minutos 05:50 a 08:00.
4. Face à prova produzida, se o Tribunal recorrido poderia dar como provado o ponto 1 dos factos provados, não poderia ter dado como provado, no ponto 2 dos factos provados, que a pessoa que conduziaoSApelas17h00 (o Arguido) era a mesma pessoa que o conduzia pelas 14h30 – o Arguido.
5. Daí que se imponha julgar procedente o presente recurso, com a consequente alteração do ponto 2 dos factos provados, que deverá ser expurgado da locução “uma vez que se tratava da mesma pessoa”, passando a ter a seguinte redacção: “Pelas 17h00, o arguido encontrava-se a fazer uma manobra de inversão de marcha no Largo …,Ponte da Barca, pelo que o militar da Guarda Nacional Republicana Guarda R. P. de imediato abordou o condutor”.
6. O Recorrente discorda do julgamento dos pontos 4 a 10 dos factos provados, pois entende que os mesmos deveriam ter sido dados como não provados.
7. Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diferente são os seguintes: auto de notícia de fls. 4, documento de fls. 5, depoimento do Arguido, prestado na sessão de 26/11/2019, no excerto de minutos 05:30 a 10:30, depoimento da testemunha C. M., prestado na sessão de 26/11/2019, no excerto de minutos 02:30 a 08:00.
8. O auto de notícia não tem valor probatório adicional nem constitui documento autêntico (por a tal obstar o princípio da presunção da inocência).
9. No seu depoimento, o Arguido, admitindo é certo uma troca de palavras com o Agente Autuante e, ainda, o facto de ter abandonado o local sem a autorização deste, por ter de fazer um funeral, negou categoricamente que lhe tenha sido apresentado o “teste do balão” e, por inerência, que se tenha recusado a ser submetido ao mesmo.
10. Esse depoimento foi corroborado pelo depoimento da testemunha C. M., no excerto acima referido, que, de forma perfeitamente serena, espontânea e com conhecimento directo dos factos, afirmou categoricamente que o Senhor Agente que os abordou não falou no teste do balão, não exibiu esse aparelho e muito menos alertou para a possibilidade de prática de crime de desobediência.
11. A elaboração de auto de notícia por crime 6 (seis) dias após a alegada ocorrência dos factos nele relatados impõe maiores reservas na sua valoração como meio de prova.
12. Face ao contexto acima referido e ao conjunto da prova produzida, terá forçosamente de se concluir que, no limite, ficou um estado de dúvida quanto àquilo que verdadeiramente se passou, a impor que a matéria de facto constante dos pontos 4 a 10 dos factos não provados fosse dada como não provada.
13. Daí que se imponha a procedência do presente recurso, com a consequente alteração dos pontos 4a10dos factos provados, que deverão ser dados como não provados.
14. Face à procedência do recurso da decisão da matéria de facto, terá forçosamente de se concluir que o Arguido não praticou o crime de que vem acusado.
15. Não tendo praticado tal crime, a douta sentença recorrida, na parte em que o condenou pela prática do mesmo, lhe aplicou a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor e fixou custas a seu cargo, é ilegal, por contender, além de outras, com as disposições dos arts. 69.º, n.º 1, al. c) e 348.º, n.º 1, al. b) do Cód. Penal e 152.º, n.º 3 do Cód. Estrada.
16. Daí que se imponha a procedência do presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença recorrida e prolação, em sua substituição, de Douto Acórdão que julgue improcedente a acusação, absolva o Arguido dos factos de que vem acusado.
17. Sem prejuízo, por mera cautela e para o caso de assim se não entender (oque não se aceita), sempre se dirá o seguinte:
18. Faceàscircunstânciasacimadescritaseàmatériadefactoapurada,amedida da pena revela-se excessiva, mostrando-se muito mais compatível com o texto e espírito da lei a fixação de pena de multa no mínimo legal – 10 dias.
19. Nesta parte, a douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições do art. 71.º, n.º 1 e 2 do Cód. Penal, o que impõe a procedência do recurso, com a consequente revogação daquela decisão e sua substituição por Douto Acórdão que fixe a pena a aplicar ao Arguido no mínimo legal.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da douta sentença recorrida e prolação, em sua substituição, de Douto Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, com o que se fará Justiça! »

4.
O Ministério Público, na primeira instância, respondeu aos recursos, concluindo pela sua improcedência:
4.1
No que tange aos recursos interlocutórios, defendeu o seguinte:
“1. Alega, em suma, o Recorrente que os seus direitos de defesa ficaram coartados com a decisão de indeferimento do requerimento a que supra se aludiu e que, em seu entender, era imprescindível para a descoberta da verdade material.
2. Não podemos concordar com tal entendimento.
3. A junção aos autos dos documentos em causa pretendia-se ao abrigo do artigo 340.° do Código de Processo Penal.
4. Dispõe o artigo 340.° do Código de Processo Penal que:
5. “4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade -e boa decisão da causa.” (sublinhado nosso)
6. Ora, o auto de notícia, que o recorrente alerta ter sido lavrado seis dias depois dos factos, já constava nos autos (como é óbvio) desde o seu início, pelo que, se a sua defesa assentava nessa circunstancia, deveria ter sido invocada, assim como requeridos os meios de prova ora em crise, na contestação.
7. Ademais, os militares da GNR explicaram, de forma cabal (e que não deixou dúvidas ao tribunal), que o facto de o arguido não ter fornecido a sua documentação pessoal contribuiu para a elaboração do auto notícia em data posterior à da prática do ilícito criminal, e que a maior simplicidade dos formulários dos autos de contraordenação permitiu a sua elaboração em primeiro lugar.
8. Não se vislumbra interesse ou relevância na realização dos requeridos meios de prova, na medida em que os próprios militares não negaram que a elaboração do auto de noticia pode ter ocorrido, efetivamente, em data ulterior à dos autos de contraordenação.
9. Tal facto não permite, porém, extrapolar para a tese da cabala, como pretende o recorrente.
10. Por outro lado, não se compreende a razão de ciência (não podendo ser, claramente, a experiência comum, já que tal matéria não faz parte do normal quotidiano do homem médio) subjacente à afirmação de que a elaboração de um auto de noticia no prazo de seis dias é uma exceção, sendo certo que, decorre do n.° 3 do artigo 243.° de Código de Processo Penal um prazo (máximo, é certo) de 10 dias para a remessa do auto de notícia ao Ministério Público.
11. Ademais, se fosse intenção dos militares o mero exercício de vingança, também não se compreende por que não poderiam ter lavrado o auto de notícia no próprio dia dos factos.
Dito de outro modo, não se compreende em por que é que a dilação da elaboração do auto de notícia era decisiva para a efetivação do ato de vingança.
12. Assim, além da realização dos meios de prova requeridos dever ser indeferido ao abrigo da alínea a) do n.° 4 do artigo 340.° do C.P.P., também de nenhuma relevância revestiam para a descoberta da verdade material, porquanto, questionado o arguido sobre se existia algum motivo válido para os senhores militares autuantes se quererem vingar da sua pessoa, nenhum invocou, adiantado, ainda, que os mesmos são frequentadores assíduos do estabelecimento comercial pertencente ao seu irmão.
13. Por fim, importa recordar o entendimento plasmado no douto aresto do tribunal da relação de lisboa de 31.10.2017, processo 638714.9SGLSB.L1-5 (disponível em www.dgsi.pt, para consulta), onde se deixou assente (à semelhança do acórdão da Relação de Évora, de 20.12.2012, processo n.° 721 /07.7PBEVR.E1, que “o auto de notícia vate como documento autêntico quando levantado por autoridade judiciária, órgão de polida criminal 011 outra entidade policial que presenciou o crime, fazendo prova dos factos materiais nele constantes (artigos 363 nº 2 do C. C. e 169 °do CPP).
14. Tem força probatória o auto elaborado por um agente de autoridade que presenciou a infracção e a descreveu no auto, podendo esse auto fundamentar a sentença.
15. Sem prejuízo da regra geral da liberdade de convicção, não deve ser descartada, por valer como prova muito relevante e válida e a ponderar pelo julgador, em julgamento por crime de condução sob o efeito de alcoolemia, faltando ou silenciando-se o arguido e não havendo outras testemunhas para além do agente autuante, as declarações em que este confirme o conteúdo e elaboração do respectivo auto, mas que, pelo decurso do tempo não seja já capaz de precisar a situação de facto naquele descrita ou mesmo que dela se recorde vagamente.”
16. A junção aos autos de três documentos, requerida pelo recorrente, ao abrigo do artigo 340.° do Código de Processo Penal, nenhuma valia ou relevância comporta para a descoberta da verdade material, em particular, no que toca ao documento comprovativo da realização do funeral.
17. Primeiro, porque o motivo em si (ter que assegurar a realização de um funeral, que só se iniciaria às 18h – quando os factos se passaram às 16h- sendo certo que já havia funcionários no local da cerimónia) não é causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, e segundo, porque tal prova sempre poderia ter sido efetuada (como foi) através dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo arguido.
18. Sendo certo que o arguido, por ter acesso aos documentos em momento anterior à contestação, deveria ter requerido a junção aos autos de tais documentos, com a apresentação da referida peça processual; motivo pelo qual sempre deveria ter sido de indeferimento a decisão, nos termos do artigo 340°, n.° 4, al. a), do Código de Processo Penal.
19. Não se vislumbra a necessidade de efetuar qualquer censura ou reparo à douta decisão recorrida, uma vez que a mesma contém uma correta interpretação dos factos e adequada aplicação de direito.
20. Nessa conformidade, entende o Ministério Público dever negar-se provimento ao recurso interposto, mantendo-se integralmente a douta decisão recorrida.
Termos em que julgando o presente recurso totalmente improcedente, farão V. Ex.ªs a habitual JUSTIÇA.”

4.2 Já quanto ao recurso da decisão final, concluiu do seguinte modo:

“1. A douta sentença recorrida é insuscetível de qualquer juízo de censura, encontrando-se devidamente fundamentada, afigurando-se, ainda, adequada e proporcional a pena aplicada.
2. A Meritíssima Juíza a quo fez uma correta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito, tendo sido observados todos os normativos legais aplicáveis à situação em apreço.
3. Com efeito, e não obstante a sentença recorrida se mostrar exemplarmente fundamentada, persiste o recorrente na tese da “cabala”, como forma de se eximir às suas responsabilidades, sendo certo que a postura adotada ao longo das sessões de audiência, discussão e julgamento, só reforçou o teor do auto de notícia e dos depoimentos das testemunhas militares da GNR.
4. Na verdade, carece totalmente de sentido a ênfase que o arguido insiste em atribuir à elaboração (em seu entender) “tardia” do auto de notícia, com único intuito de colocar em causa a própria veracidade do auto de notícia; pois se a sua elaboração se resumia um ato de pura vingança, então, maior motivo havia para lavrarem, de imediato, o auto de notícia (até mesmo em detrimento do auto de contraordenação, atenta a sua “menor gravidade”) ou, procederem à detenção do arguido.
5. Visto por outro prisma, a elaboração “tardia” do auto de notícia antes poderá ser interpretada como indício do desapego em relação à situação.
6. Ainda que não se desse como provado o ponto 2 na parte em que refere “que se tratava da mesma pessoa”, sempre o arguido continuaria a incorrer na prática do ilícito criminal por que foi condenado, na medida em que a sobredita afumação é meramente circunstancial e acessória.
7. De toda a forma, sempre se impõe recordar que, contrariamente, ao alegado pelo recorrente, a testemunha R. P. afirmou conhecer perfeitamente o arguido e a sua família (E.), (cfr. ata de audiência de discussão e julgamento de 26.11.2019, ao minuto 04:15 e 14:37 e ss.), assim como o conseguiu ver e reconhecer perfeitamente, aquando da prática da contraordenação (como, aliás, é reafirmado a instâncias do tribunal, nos minutos imediatamente seguintes).
8. Por outro lado, a recusa da proposta de suspensão não constitui um passaporte para a absolvição, pois se fosse “indício” da “não prática” de um crime e inocência do arguido, então o número de arguidos a recusar a sua aplicação (para assim beneficiar de tal entendimento) cresceria exponencialmente.
9. Ademais, as provas em que se estriba o recorrente, para que se decidisse diversamente, resumem-se às declarações do próprio arguido e dos seus funcionários que denotaram total parcialmente e comprometimento em relação àquele.
10. A decisão recorrida não merece, pois, qualquer reparo, não surgindo como uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Termos em que julgando o presente recurso totalmente improcedente, farão V. Ex.as a habitual JUSTIÇA”.

5.
Por despacho proferido em 7/2/2020 foram os recursos interpostos pelo arguido admitidos para este tribunal, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo do processo.

6.
Neste tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de todos os recursos serem julgados improcedentes.

7.
Cumprido o disposto no art. 417º,nº2, do C.P.P., o arguido respondeu a esse parecer reafirmando o já adiantado no recurso.
8.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por os recursos deverem ser ai julgados, de harmonia com o preceituado no art. 419º,nº3,al.c), do diploma citado.


II. Fundamentação

A) Delimitação do Objeto do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º,nº1, do Código de Processo Penal (diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º- naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).
O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.

No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente/arguido, as questões a decidir são as seguintes:

Nos recursos interlocutórios:

- Apurar se os despachos proferidos no decurso da audiência de julgamento ao indeferirem as diligências probatórias requeridas violam o disposto nos arts. 340º e 165º, ambos do C.P.P..

No recurso da decisão final:

- Apreciar se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e se a pena de multa aplicada se mostra excessiva.

B) Apreciação dos recursos interlocutórios.

De acordo com o recorrente, o tribunal recorrido ao indeferir, no decurso da audiência de julgamento, as diligências probatórias por si requeridas, boicotou a possibilidade de produção de prova inquestionavelmente relevante para a apreciação do mérito dos autos, violando o disposto nos artigos 165º,nº1 e 340º,nº1, ambos do C.P.P..

Vejamos.
De acordo com o artigo 165º,nº1, do Código de Processo Penal “ O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência de julgamento”
Já o artigo 340º, n.º 1, do mesmo diploma legal, preceitua que “O Tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.
Ainda que em processo penal vigore o princípio da investigação ou da verdade material conferido por este último preceito legal e também pelo artigo 323º,al.a), de acordo com o qual recai sobre o tribunal de julgamento o ónus de investigar, oficiosamente, independentemente das contribuições das partes, o facto submetido a julgamento, a verdade é que tal princípio tem os seus limites na lei, estando condicionado pelo princípio da necessidade, de acordo com o qual só são admissíveis os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para a descoberta da verdade (art.340º,nº1), pelo princípio da legalidade, segundo o qual são admissíveis os meios probatórios não proibidos por lei (arts.340º,nº3 e 125º) e pelo princípio da adequação, por força do qual não são admissíveis os meios de prova notoriamente irrelevantes, inadequados ou dilatórios (art.340º,nº4, als.a) e c) e obtenção da prova (art.340,nº4,al.b)).

E daí que, nos termos dos nºs 3 e 4 do citado artigo 340º, os requerimentos de prova sejam indeferidos:

- quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis ou;
- se for notório que:
- as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa;
- as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
- o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa;
- o requerimento tem finalidade meramente dilatória.

No caso vertente, como se constata da audição dos dois despachos proferidos na sessão da audiência de julgamento de 26/11/2019, o tribunal a quo indeferiu as respectivas diligências probatórias requeridas pelo arguido, ao abrigo do disposto no nº4 do citado artigo 340º, porquanto as considerou irrelevantes e supérfluas para a discussão da causa.
No que em especial se refere à requerida junção dos três documentos, se é certo que considerou que os mesmos já podiam ter sido juntos com a contestação, tal não foi o que determinou o seu indeferimento, mas antes o facto de os ter considerado supérfluos e irrelevantes para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
Insurge-se o recorrente, porquanto, no seu entendimento, reputa tais diligências inquestionavelmente relevantes, pelo que ao terem sido indeferidas o tribunal violou o disposto no art. 340, nº1, do C.P.P..
Porém, compulsada a respectiva ata da audiência de julgamento, não vislumbramos da mesma que o recorrente tenha arguido a respectiva nulidade processual decorrente da omissão por parte do tribunal – a quem cabe o juízo sobre a essencialidade ou indispensabilidade das diligências probatórias – das diligências por si requeridas, nulidade essa prevista na segunda parte da alínea d), do nº2, do art. 120 do C.P.P..
Tal nulidade verifica-se quando se omite a prática de actos processuais probatórios que a lei classifica como “indispensáveis” ou “necessários” no artigo 340º e “essenciais” na al. d) do art. 120º, nº2, ambos do CPP, nas fases de julgamento e de recurso.

Com efeito, dispõe o artigo 120º do Código de Processo penal, que:

1 - Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte.
2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
(…)
d) (…) a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas:
a)Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado.

Na senda de jurisprudência maioritária, pugnamos do entendimento de que o indeferimento de requerimento, efectuado no decurso da audiência de discussão e julgamento, de produção de novos meios probatórios, à luz do disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal, quando se entender que assim se omitem diligências essenciais à descoberta da verdade, constitui a nulidade sanável, prevista no artigo 120º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal, que deverá ser previamente reclamada antes que o acto onde foi praticada esteja terminado, nos termos prescritos no artigo 120º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal, o que no caso ocorreria até ao termo da audiência de discussão e julgamento.
E assim sendo, só depois de suscitada a nulidade perante o tribunal a quo poderá a mesma servir de fundamento de recurso, não sendo suscitada no decurso da audiência de julgamento deve considerar-se sanada tal como dispõe o art. 121º do CPP.
No sentido de que não tendo sido arguida a nulidade no acto, não poderá ser sindicável por via de recurso direto, acompanhamos, entre outros, a jurisprudência do Ac. da Relação de Guimarães de 27/4/2009, proferido no âmbito do processo 12/03.2TAFAF.G1. em que foi relator o Exmo Juiz desembargador Dr. Cruz Bucho, in www.dgsi.pt/jtrg e ainda do Ac. do TRP de 12/2/2014, proferido no processo 93/08.2GASJP.P1, in www.dgsi.pt/jrp..
Aqui chegados, não tendo o recorrente, após a prolação dos dois mencionados despachos, em momento algum, arguido a mencionada nulidade, arguição que sempre teria de ocorrer até ao termo da audiência de discussão julgamento, terá a mesma de ter-se como sanada, tal como dispõe o artigo 121º do C.P.P.
O procedimento que se impunha ao arguido, em face dos despachos de indeferimento, estes, na sua perspectiva, violadores do disposto no art. 340,nº1 do C.P.P., era arguir a sua nulidade perante o tribunal recorrido e interpor recurso dos respectivos despachos que não reconhecessem a sua existência.
Mas não foi este o caminho que seguiu o recorrente.
Em face do exposto, improcedem pois os recursos interpostos dos dois mencionados despachos interlocutórios.

C) Apreciação do recurso da decisão final.

1.
Com vista à apreciação deste recurso, importa ter presente o seguinte teor da sentença recorrida:

«A - Factos provados

A matéria de facto provada em audiência de julgamento é a seguinte:

1. No dia 8 de Maio de 2018, pelas 14h30, na E.N. 101 – km 60,300, na localidade de … foi efectuado sinal de paragem ao veículo com a matrícula SA por este ter pisado e transposto uma linha longitudinal contínua (Marca M1) ao efectuar uma manobra de ultrapassagem a outro veículo;
2. Pelas 17h00, o arguido encontrava-se a fazer uma manobra de inversão de marcha no Largo ..., Ponte da Barca, pelo que o militar da Guarda Nacional Republicana Guarda R. P. de imediato abordou o condutor, uma vez que se tratava da mesma pessoa;
3. O militar da GNR, devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, solicitou-lhes os documentos, tendo- se identificado verbalmente como A. R.;
4. De seguida, os militares da GNR informaram o arguido que teria de se submeter a exame para pesquisa de álcool no ar expirado, sob pena de não o fazendo incorrer na prática do crime de desobediência;
5. Tendo o arguido dito que “não faço teste nenhum, tenho mais que fazer do que vos estar a aturar”;
6. De seguida, o arguido entrou para o interior da viatura, iniciou a marcha e mais uma vez lhe foi dito que se não efectuasse o teste de despistagem de alcoolemia o fazia incorrer num crime de desobediência;
7. Foi então reiteradamente informado e advertido pelos militares que se persistisse na recusa a efectuar o teste de despistagem de alcoolemia, teste qualitativo, incorreria na prática de um crime de desobediência, tendo o arguido mantido a recusa a sujeição a tal exame, que acabou por não realizar;
8. O arguido respondeu que “já vos disse que não faço teste nenhum, saia mas é da frente que ainda cometo uma desgraça e passo-lhe por cima” e colocou-se em marcha;
9. O arguido sabia que a ordem para se submeter a exame para pesquisa de álcool no ar expirado, que lhe fora pessoalmente comunicada, provinha de autoridade com competência para a proferir e que devia obediência à mesma, sob pena de cometer uma infracção penal;
10. Agiu de modo livre voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;

Mais se provou que:

11. O arguido é reformado e aufere uma pensão de reforma no valor de € 998,00;
12. Vive com a esposa em casa própria;
13. A esposa trabalha e aufere o salário mínimo nacional;
14. O arguido circula habitualmente com um veículo de marca Mercedes registado em nome de uma empresa da qual é sócio;
15. O arguido é proprietário de vários imóveis melhor descritos nas certidões do registo predial juntas a fls. 71 a 101;
16. É sócio-gerente da empresa X & Filhos, Lda., possuindo uma quota de € 19.951,92;
17. É gerente da empresa Agência Funerária …, Lda.;
18. É sócio-gerente da empresa Y, Lda., possuindo uma quota de € 15.000,00;
19. A empresa descrita em 16), no ano 2018, teve um volume de negócios no valor de € 270.072,00 e um lucro tributável no valor de € 23.593,64;
20. A empresa descrita em 17), no ano 2018, teve um volume de negócios no valor de € 1.052.963,48 e um lucro tributável no valor de € 6.729,81;
21. A empresa descrita em 19), no ano 2018, teve um volume de negócios no valor de € 128.211,70 e um lucro tributável no valor de € 2.806,99;
22. No ano de 2018, o arguido e a esposa declararam à Autoridade Tributária o montante anual de € 20.096,00, a título de rendimentos provenientes de trabalho dependente e pensões e € 370,00 a título de rendimentos prediais;
23. O arguido não tem encargos com prestações creditícias;
24. Tem como habilitações literárias o quarto ano de escolaridade;
25. O arguido é visto pelos seus amigos como uma pessoa muito trabalhadora, séria, de confiança, amigo da família, que participa nas associações da vila onde reside (Santa Casa da Misericórdia e Associação Desportiva);
26. O arguido é respeitado pelos seus amigos;
27. Não tem antecedentes criminais.

B - Factos não provados:

Da produção da prova e discussão da causa, resulta não provado o seguinte facto com interesse para a decisão da causa:
a) Que o arguido seja uma pessoa respeitadora.

C – Motivação da decisão de facto:

A convicção do Tribunal é sempre formada, para além dos dados objectivos obtidos através dos documentos ou outras provas produzidas de carácter técnico/científico, também por declarações e depoimentos em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, das suas lacunas, contradições, imparcialidades, coincidências, coerências e quaisquer mais inverosimilhanças que transpareçam em audiência de julgamento. Dito de outra forma, o Tribunal estriba-se na análise de forma livre, crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, de acordo com o preceituado no art. 127º do Código de Processo Penal.
Contudo, livre apreciação da prova não significa uma apreciação arbitrária porquanto tem como pressupostos valorativos, o respeito pelos critérios de experiência comum e da lógica do homem médio.
De outra perspectiva, o Tribunal formou a sua convicção sobre o objecto dos presentes autos com base nos vários meios de prova produzidos e analisados em audiência de julgamento, designadamente:

a) nas declarações do arguido e nos depoimentos das testemunhas;
b) nos documentos juntos aos autos a fls. 70 a 157, auto de notícia de fls. 4 e no certificado do registo criminal do arguido junto a fls. 69.
Consistindo a motivação dos factos da sentença na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal – artigo 374º, nº 2 do CPP – mostra-se necessário, para além de enunciar os meios de prova, explicitar o processo de formação da convicção do julgador.
O arguido prestou declarações negando a prática de parte dos factos.
Referiu não ter conduzido a carrinha Mercedes na parte da manhã do dia dos factos, tem uma empresa com trinta e sete empregados e muitas pessoas pegam nessa carrinha; “podia ser qualquer pessoa, menos o seu filho que estaria em Fátima” e “não sabe se eles têm provas de que era o arguido quem ía a conduzir” (querendo referir-se às autoridades policiais).
Cabe referir que estranhamos este tipo de discurso, ou esta defesa por parte do arguido. Pois resulta das regras da experiência comum que quem se considera injustamente acusado, negue peremptoriamente a prática dos factos e justifique, como por exemplo “não fui eu quem conduziu nesse dia a essa hora, porque em tal data estava em determinado local”. Assim, não é normal que se tente criar a dúvida desta forma, “não fui eu”, “podia ser qualquer um, mas atenção, o meu filho não, pois esse não quero incriminar”, “será que têm provas”?
Posteriormente, no decurso das declarações do arguido, denotamos que esta é sua permanente postura. Tentou transmitir a ideia de que tudo o que está descrito na acusação pública e no auto de notícia, é falso, porque os militares da GNR que o fiscalizaram montaram uma “cabala” contra si. Sucede que, directamente questionado acerca dos possíveis motivos que estes teriam para esse efeito, não soube dar qualquer explicação lógica ou racional, para a final, lançar as suspeitas de que os militares estariam alcoolizados em serviço, porque “até costumam ir para casa de um irmão seu na hora do serviço, consumir bebidas alcoólicas”!
Tudo isto para dizer que as declarações do arguido foram totalmente desprovidas de sentido, não tendo merecido credibilidade e tendo sido contrariadas pela demais prova produzida.
Em tribunal depuseram as testemunhas R. P. e R. C., militares da GNR que fiscalizaram o arguido.
As testemunhas prestaram depoimentos claros, honestos e lograram merecer credibilidade por parte do tribunal, não se denotando qualquer incongruência, nem tendo existindo qualquer prova que abalasse os seus depoimentos. Explicaram a sua razão de ciência, toda a factualidade ocorrida no dia constante da acusação pública, tal como a mesma se encontra relatada no auto de notícia junto aos autos.
O Ilustre Mandatário do arguido veio colocar em causa a veracidade do auto de notícia devido ao facto de o mesmo ter sido redigido e assinado alguns dias após os factos (ao contrário dos autos de contraordenação que as testemunhas lavraram de imediato), sendo que a testemunha R. C. explicou de forma cabal tal motivo: como o arguido não se fazia acompanhar de documento de identificação à data dos factos, foi necessário efectuar pesquisas nas bases de dados para aferir da sua correcta identificação e bem assim do veículo no qual o mesmo se fazia transportar, por um lado, e por outro razões de serviço e turnos das testemunhas. Adiantaram, ainda, que os autos de contraordenação se tratam de formulários de rápido preenchimento, ao contrário do auto de notícia que implica toda a descrição dos factos.
As testemunhas não tiveram dúvidas na identificação do arguido e relataram a postura do mesmo durante a acção de fiscalização, designadamente impedindo o funcionário que o acompanhava, de o identificar.
Advertiram o arguido, por diversas vezes, que incorreria na prática de um crime de desobediência caso não efectuasse o teste de alcoolémia, tendo este recusado e saído do local sem terminar a operação de fiscalização (algo, que a muito custo, o arguido confirmou, referindo, porém, que estaria com pressa para a realização de um funeral).
C. M., funcionário do arguido que se encontrava presente à data dos factos e que assistiu aos mesmos, corroborou a versão do arguido.
Denotou-se parcialidade e uma relação de muita familiaridade com o arguido, a quem chama de “Tio A. R.”. Confirmou que os militares da GNR queriam identificar o arguido através da testemunha e que o arguido não deixou.
Todavia, negou que estes militares tenham pedido ao arguido para efectuar o teste de álcool por análise do ar expirado, o que não acreditamos. Embora, compreendamos o constrangimento da testemunha, uma vez que o arguido é o seu patrão, tendo portanto, um ascendente ao nível laboral e ainda, ao nível afectivo, conforme demos conta.
D. B., funcionário do arguido, prestou depoimento, mas nada soube acerca dos factos em causa nos autos, tendo apenas descrito os procedimentos que o arguido costuma efectuar nos funerais, bem como o horário do funeral que o arguido realizou no dia dos factos (o que nada releva para os presentes autos, porque o facto de o arguido se encontrar com pressa para realizar um funeral nunca poderia ser considerado uma causa de exclusão da culpa ou da ilicitude dos factos praticados).
Por últimos, foram inquiridas as testemunhas F. R. e J. C., amigos do arguido, que depuseram de forma clara e credível acerca das características de personalidade do arguido, tendo contribuído para a prova de tais factos.
Assim sendo, para dar como provados os factos que constam da acusação pública, considerámos a conjugação das declarações do arguido com os depoimentos das testemunhas R. P., R. C., C. M. e com o auto de notícia junto aos autos.
Relativamente às condições pessoais do arguido, considerámos a conjugação das suas declarações com os documentos juntos autos (certidões do registo predial, consulta à base de dados da Segurança Social, certidões do registo comercial e declarações fiscais das empresas e do arguido e esposa). Cabe realçar que mesmo quanto às suas condições pessoas, inicialmente o arguido omitiu alguns factos, reportando ao tribunal um valor de reforma inferior, e omitindo vários imóveis dos quais é proprietário.
E considerámos o CRC do arguido junto aos autos, para aferir da ausência de antecedentes criminais.
Cabe referir que o facto não provado assim resultou da prova de factos contrários, ou seja, uma pessoa respeitadora respeita as autoridades policiais. Por outro lado, em julgamento, aquando das alegações orais da Digna Magistrada do Ministério Público, o arguido também não demonstrou uma postura respeitadora, tendo-se insurgido contra as mesmas e interrompido os trabalhos.

D - Enquadramento jurídico-penal:

Atentos os factos provados, importa agora subsumi-los ao direito.
Vem o arguido acusado da prática, em autoria material, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348º, n.º 1, alínea a) e 69º, nº 1, c) do Código Penal, por referência ao art. 152º, nº 1, a) e nº 3 do Código da Estrada.
Dispõe o art. 348º, n.º 1, do Código Penal que comete o crime de desobediência “Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente” sendo “punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação”.

Sendo assim, temos como elementos constitutivos do tipo legal de desobediência:

a) a existência de ordem ou mandado legítimo;
b) regularmente comunicado ao agente;
c) emanado de autoridade competente;
d) falta à sua obediência; e
e) intenção de desobedecer (vejam-se, entre outros, o Acórdão da Relação de Coimbra de 27.04.1994, in Colectânea de Jurisprudência, ano XIX, Tomo II, pág. 54; Acórdão da Relação de Coimbra de 6.03.1991, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVI, Tomo II, pág. 107; Acórdão da Relação de Coimbra de 28.03.1984, in Colectânea de Jurisprudência, ano IX, Tomo II, pág. 70; Acórdão da Relação de Lisboa de 7.12.1983, in Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, Tomo V, pág. 85).
Para que se considere preenchido este tipo legal de crime, aos elementos objectivos descritos há-de acrescer o dolo do agente (elemento subjectivo), nos termos dos artigos 13º e 14º do Código Penal.
Considerando este dispositivo, desobedecer é não cumprir, não respeitar a ordem ou mandado legítimo que tenham sido regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente.

Dispõe o art. 152º do Código da Estrada que “1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:
a) Os condutores; (…)
3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.”.
Sem necessidade de grandes considerações, os factos provados permitem concluir que o arguido desobedeceu, voluntária e livremente, à ordem que lhe foi comunicada regularmente, por autoridade com competência para tal, uma vez que se encontrava a conduzir e após ter parado a viatura e ter sido fiscalizado pelo militar da GNR, regularmente advertido da prática do crime de desobediência, recusou-se a realizar o teste de alcoolemia.
E agiu nestes termos voluntariamente, bem sabendo que a tal estava obrigado e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Pelo que, reunidos estão os factos necessários para concluir que o arguido praticou o crime de desobediência, sendo certo que não se provaram quaisquer causas de exclusão da culpa ou da ilicitude.
Assim sendo, forçosamente teremos de concluir pela condenação do arguido pela prática do crime de que vem acusado.

IV. Da escolha e medida da pena:

Estabelecida a responsabilidade criminal do arguido, com o respectivo enquadramento jurídico-penal da sua conduta delituosa, cumpre, ora, dar resposta punitiva adequada, com a determinação da natureza e medida da sanção a aplicar.
O crime de desobediência é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias (cfr. artigo 348º, n.º 1 do Código Penal).
A finalidade das penas é, não só a protecção dos bens jurídicos, como a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal).
Se, como no crime dos autos, forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada as finalidades de protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, n.º 1 e 70º do já referido diploma legal.
Assim, as exigências de prevenção geral que se fazem sentir na sociedade, são acentuadas, na medida em que se assiste cada vez mais ao desrespeito das decisões e ordens legitimamente emanadas e dirigidas pela autoridade competente aos cidadãos, os quais optam por a elas não obedecer, privilegiando, sem justificação, os interesses pessoais de cada um. Impõe-se, assim, especial atenção dos tribunais para a preservação do respeito pelas ordens legitimamente endereçadas, tendo em conta a enorme frequência com que são cometidos crimes desta natureza e a necessidade de desincentivar eficazmente a sua comissão.
Na situação em análise, considerando, por um lado, a natureza do crime em causa e as exigências de prevenção geral – que são elevadas - e por outro, as diminutas exigências de prevenção especial, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais e encontra-se inserido na sociedade, entendemos que, ainda assim, uma pena de multa satisfará as exigências de tutela dos bens jurídicos atingidos e de prevenção especial.

No que concerne à determinação da medida da pena dentro dos limites da lei (no crime dos autos entre 10 e 120 dias de multa – cfr. artigo 348º, n.º 1 e 47º, n.º 1, ambos do Código Penal), há que ter presente, nos termos do disposto no artigo 71º do Código Penal, o seguinte:

– o grau de ilicitude do facto, que se nos afigura mediano;
– o dolo do arguido, que é directo, na sua modalidade de intensidade mais intensa;
_ a postura de total desresponsabilização da sua conduta;
- as condições pessoais e económicas do arguido conforme resultaram provadas;
- o facto de se encontrar profissional e familiarmente inserido na sociedade, o que milita a seu favor;
- a forma como é visto pelos seus amigos;
- a ausência de antecedentes criminais.

Tudo visto e ponderado, afigura-se adequado fixar em setenta dias de multa a pena a aplicar ao arguido.
Atendendo à situação económica do arguido, conforme resulta da matéria provada (cfr. artigo 47º, n.º 2 do Código Penal), ou seja, tem uma reforma mensal de € 998,00, não tem especiais encargos, vive com a esposa, que trabalha, em casa própria, é proprietário de vários imóveis, é sócio e gerente de três sociedades comerciais, todas elas com significativo volume de negócios e com lucro tributável, afigura-se adequado fixar em € 9,00 (nove euros) a taxa diária da multa aplicada ao arguido.
*
Da pena acessória

Preceitua o artigo 69º, nº 1, alínea c) do Código Penal que “1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.”.
Considerando a matéria de facto provada nos autos, designadamente a falta de colaboração do arguido com as autoridades policiais e sopesando as circunstâncias referentes ao agente supra enunciadas, afigura-se-nos adequado condenar o arguido na proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três meses.

2.
Apreciação das questões supra enunciadas:

a) Erro de julgamento

O erro de julgamento, ínsito no art.412,nº3, do C.P.P., ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Pressupõe o mesmo que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.
Com a invocação do erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, apreciação que não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos mencionados nº3 e 4 do art.412.
Com efeito, nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente (neste sentido, acórdãos do STJ de 17/2/2005, 16/6/2005, publicados em www.dgsi.pt, Ac. do Tribunal Constitucional nº59/2006, de 18/1/2006, proferido no processo nº199/2005, publicado no D.R.IISérie, nº74, de 13/4/2006 e Paulo Saragoça da Mata, in “A livre apreciação da prova e o dever de fundamentação da sentença”, em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, pág.253).
E na medida em que o recurso em que se se impugne amplamente sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando (violação das normas de direito substantivo) ou in procedendo (violação das normas de direito processual), que se impõe, ao recorrente, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos do art.412º.
Exige-se pois ao recorrente a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado.
Mais se exige a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que se traduz na anotação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, a que acresce a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considere mal julgado.
No fundo o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão de que se recorre, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.
Segundo o recorrente, o tribunal a quo apreciou erradamente a prova, porquanto não deveria ter feito constar do ponto 2 da factualidade provada a expressão “que se tratava da mesma pessoa”, bem como, ter dado como provados os factos vertidos nos pontos 4 a 10 dessa mesma factualidade.
Começando pelo primeiro erro de julgamento apontado pelo recorrente, vejamos então se assiste razão ao recorrente.
Consta do ponto 2 que “Pelas 17h00, o arguido encontrava-se a fazer uma manobra de inversão de marcha no Largo ..., Ponte da Barca, pelo que o militar da Guarda Nacional Republicana Guarda R. P. de imediato abordou o condutor, uma vez que se tratava da mesma pessoa”.

Segundo o recorrente, o tribunal não podia ter feito constar da factualidade provada o mencionado segmento, porquanto, os meios de prova impunham decisão diversa.
Tais meios de prova são, segundo o recorrente, as suas próprias declarações, na medida em que negou perentoriamente ter conduzido o veículo da marca Mercedes, matrícula SA, no circunstancialismo descrito no ponto 1 da factualidade, bem como os depoimentos das testemunhas R. P. e R. C., militares da G.N.R., porquanto apenas a primeira testemunha conhecia de vista o arguido (teria falado com ele uma vez há alguns anos), sendo que a segunda afirmou que não conhecia o arguido.
De acordo ainda com o recorrente, tais depoimentos testemunhais, analisados à luz das regras da experiência comum, levariam a concluir que o militar R. C. não podia ter identificado o arguido porque não o conhecia, o militar R. P. não podia ter identificado o arguido porque só viu a viatura num ângulo diagonal traseiro, o que impedia de identificar o condutor da mesma, pelo que a identificação do condutor relativamente ao primeiro episódio apenas veio a ser feita a posteriori no “incidente” das 17h00, tendo os militares deduzido, ao verem o arguido a conduzir a viatura àquela hora, que era ele que a tinha conduzido às 14.30 – confrontando-o com esse facto.
Ora, o julgamento da matéria de facto em primeira instância obedece a determinados princípios estabelecidos na lei, entre os quais avulta o da imediação na recolha da prova, o qual assegura uma relação direta de contacto pessoal entre o julgador e a prova sujeita à apreciação.
E, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, importa ter presente que entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no citado artigo 127º, segundo o qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Tal assume especial relevância na audiência de julgamento. É pois na audiência de julgamento que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
O princípio da imediação pressupõe uma relação de contacto directo, pessoal entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
É o juiz do julgamento que por força do contacto directo, vivo, visível com quem presta as suas declarações/depoimentos, recolhe, apreende os pormenores, questiona e, por isso, está numa situação privilegiada para intuir todos os pormenores.
E ponderando, nessa posição privilegiada, todo o material probatório, estará em condições de optar entre depoimentos divergentes em pormenores ou até contraditórios por aquele que de acordo com a sua convicção lhe surge como o mais acertado à luz da sua convicção, explicando, naturalmente, o porquê dessa opção e o processo lógico-formal que lhe serviu de suporte.
O respeito pelos princípios da oralidade e imediação na produção de prova, passará pois por o tribunal de recurso manter a decisão do juiz “a quo” sempre que estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum.
Volvendo-nos no caso em apreço e compulsada a motivação de facto aduzida na sentença recorrida, resulta da mesma que o Tribunal a quo, na sua posição privilegiada da imediação, optou por descredibilizar as declarações prestadas pelo arguido, antes tendo assentado a sua convicção nos depoimentos das mencionadas testemunhas, depoimentos que tendo sido claros, honestos e não denotando qualquer incongruência, nem tendo sido produzida qualquer outra prova que os abalasse, lograram merecer a credibilidade por parte do tribunal.
Não concorda o recorrente com a credibilidade atribuída às declarações dos militares da GNR, mas a verdade é que a opção feita pelo tribunal a quo, ainda que diferente da pugnada pelo recorrente, é admissível à luz das regras da experiência comum e da normalidade.
Concorde-se ou não com a conclusão a que chegou o tribunal a quo, a verdade é que a decisão recorrida explicita de forma clara e fundamentada as razões pelas quais descredibilizou as declarações prestadas pelo arguido e valorou as declarações prestadas pelos militares da GNR, em detrimento daquelas.
E tendo este tribunal procedido à audição integral das declarações prestadas pelo arguido e dos mencionados depoimentos testemunhais, nenhum reparo merece o raciocínio seguido pela Mma Juiz a quo, quando optou por fazer constar do ponto 2 da factualidade provada o mencionado segmento que o recorrente ora impugna.
Ainda que o arguido tenha negado ter conduzido o veículo em apreço no circunstancialismo descrito no ponto 1 e a sua defesa tenha tentado convencer, sem contudo o conseguir, que os referidos militares não podiam ter reconhecido o condutor do veículo aquando desse episódio, a verdade é que resulta da audição dos referidos depoimentos que tais testemunhas, após relatarem o circunstancialismo em que decorreu a ação de fiscalização que levaram a efeito na E.N 101, no sentido Ponte da Barca-Vila Verde, o contexto em que foi dada a ordem de paragem pelo militar R. C. ao condutor do veículo em apreço, na sequência de uma manobra de ultrapassagem com transposição de linha longitudinal contínua, foram claras, objectivas e perentórias em afirmar perante o tribunal que tal condutor tratava-se do arguido.
A testemunha R. C., pese embora tivesse declarado não conhecer o arguido antes do dia em apreço, referiu que quando o vieram a abordar pelas 17 horas, abordagem que veio a dar origem ao episódio em causa nos presentes autos, não teve qualquer dúvida tratar-se da mesma pessoa do primeiro episódio a quem dera a ordem de paragem.
Deu ainda a saber que embora tenha tentado o seguimento da viatura, foi-lhe dito pelo seu colega R. P. que não valia a pena, pois conhecia o condutor e o seu local de trabalho, razão pela qual o vieram a abordar mais tarde.
Já no tange à testemunha R. P., ao contrário do alegado pela defesa do arguido na sua motivação, resulta da audição integral do seu depoimento que a mesma afirmou de forma perentória conhecer bem (há já alguns anos) o arguido e a sua família (E.), por ser natural de Ponte da Barca.
A instâncias da defesa do arguido e perante a insistência de que encontrando-se, no momento, a autuar o condutor de uma viatura ligeira de mercadorias não teria visibilidade para se aperceber do condutor da viatura que efectuara a ultrapassagem, tal testemunha explicou de forma objectiva e clara porque razão se apercebeu da manobra de ultrapassagem, da ordem de paragem dada pelo colega e reconheceu o condutor da viatura.
Aqui chegados, não tendo a apreciação dos meios probatórios, nos quais o tribunal fundou a sua convicção no sentido apontado, sido incorrecta, desadequada, fundada em juízos ilógicos ou arbitrários, mantém-se inalterada a redação do ponto 2 da factualidade provada.

Passemos agora ao invocado erro de julgamento quanto aos pontos 4 a 10 da factualidade provada.
Tais pontos prendem-se com os factos constitutivos do crime de desobediência que nestes autos vem imputado ao arguido.
Segundo o recorrente, os meios probatórios que impõem decisão diversa são o auto de notícia de fls. 4, o documento de fls. 5, as declarações do arguido e o depoimento da testemunha C. M..
Adiantando a nossa conclusão, cremos, com franqueza, que tais meios probatórios não impõem, de modo algum, decisão diversa daquela a que o tribunal chegou.
Com efeito, como resulta da motivação do recurso e das respectivas conclusões, o recorrente limita-se a fazer uma leitura/análise, que é sua, dos meios probatórios que trás à liça, para, a partir dos mesmos, substituir a sua própria convicção à do tribunal.
O recorrente não concorda, não se revê na decisão do tribunal e pretende impor a sua própria convicção que retirou dos meios probatórios, persistindo, como referiu o Ministério Público em primeira instância, na tese da “cabala”.
Mas, a verdade é que o tribunal a quo explicita de forma clara e fundamentada as razões pelas quais não deu credibilidade às declarações do arguido e da testemunha C. M., desde logo, na parte em que negaram ter o arguido sido abordado para se submeter ao teste de pesquisa álcool, antes tendo assentado a sua convicção, no sentido apontado nos pontos 4 a 10 da factualidade aprovada, no teor do auto de notícia, corroborado pelos depoimentos testemunhais dos já identificados militares da GNR, mostrando-se a opção feita pelo tribunal admissível à luz das regras da experiência comum, o qual pode contar com os benefícios da imediação e da oralidade na produção da prova.

A tal propósito consta da sentença recorrida, para além do mais, que:

“Tentou transmitir a ideia de que tudo o que está descrito na acusação pública e no auto de notícia, é falso, porque os militares da GNR que o fiscalizaram montaram uma “cabala” contra si. Sucede que, directamente questionado acerca dos possíveis motivos que estes teriam para esse efeito, não soube dar qualquer explicação lógica ou racional, para a final, lançar as suspeitas de que os militares estariam alcoolizados em serviço, porque “até costumam ir para casa de um irmão seu na hora do serviço, consumir bebidas alcoólicas”!
Tudo isto para dizer que as declarações do arguido foram totalmente desprovidas de sentido, não tendo merecido credibilidade e tendo sido contrariadas pela demais prova produzida.
Em tribunal depuseram as testemunhas R. P. e R. C., militares da GNR que fiscalizaram o arguido.
As testemunhas prestaram depoimentos claros, honestos e lograram merecer credibilidade por parte do tribunal, não se denotando qualquer incongruência, nem tendo existindo qualquer prova que abalasse os seus depoimentos. Explicaram a sua razão de ciência, toda a factualidade ocorrida no dia constante da acusação pública, tal como a mesma se encontra relatada no auto de notícia junto aos autos.
O Ilustre Mandatário do arguido veio colocar em causa a veracidade do auto de notícia devido ao facto de o mesmo ter sido redigido e assinado alguns dias após os factos (ao contrário dos autos de contraordenação que as testemunhas lavraram de imediato), sendo que a testemunha R. C. explicou de forma cabal tal motivo: como o arguido não se fazia acompanhar de documento de identificação à data dos factos, foi necessário efectuar pesquisas nas bases de dados para aferir da sua correcta identificação e bem assim do veículo no qual o mesmo se fazia transportar, por um lado, e por outro razões de serviço e turnos das testemunhas. Adiantaram, ainda, que os autos de contraordenação se tratam de formulários de rápido preenchimento, ao contrário do auto de notícia que implica toda a descrição dos factos.
As testemunhas não tiveram dúvidas na identificação do arguido e relataram a postura do mesmo durante a acção de fiscalização, designadamente impedindo o funcionário que o acompanhava, de o identificar.
Advertiram o arguido, por diversas vezes, que incorreria na prática de um crime de desobediência caso não efectuasse o teste de alcoolémia, tendo este recusado e saído do local sem terminar a operação de fiscalização (algo, que a muito custo, o arguido confirmou, referindo, porém, que estaria com pressa para a realização de um funeral).
C. M., funcionário do arguido que se encontrava presente à data dos factos e que assistiu aos mesmos, corroborou a versão do arguido.
Denotou-se parcialidade e uma relação de muita familiaridade com o arguido, a quem chama de “Tio A. R.”. Confirmou que os militares da GNR queriam identificar o arguido através da testemunha e que o arguido não deixou.
Todavia, negou que estes militares tenham pedido ao arguido para efectuar o teste de álcool por análise do ar expirado, o que não acreditamos. Embora, compreendamos o constrangimento da testemunha, uma vez que o arguido é o seu patrão, tendo portanto, um ascendente ao nível laboral e ainda, ao nível afectivo, conforme demos conta.
D. B., funcionário do arguido, prestou depoimento, mas nada soube acerca dos factos em causa nos autos, tendo apenas descrito os procedimentos que o arguido costuma efectuar nos funerais, bem como o horário do funeral que o arguido realizou no dia dos factos (o que nada releva para os presentes autos, porque o facto de o arguido se encontrar com pressa para realizar um funeral nunca poderia ser considerado uma causa de exclusão da culpa ou da ilicitude dos factos praticados).”
Ora, daqui se extrai que o tribunal a quo explicou de forma clara, racional, percetível a qualquer destinatário o seu processo lógico para concluir no sentido em que veio a concluir.
E tendo este tribunal procedido à audição das declarações do arguido na sua integralidade, como já referimos supra, bem como dos militares da GNR e, ainda, da testemunha C. M., não podemos deixar de concluir que a motivação aduzida pela Mma Juiz traduz com rigor tudo quanto se desenrolou em audiência.
O recorrente parece esquecer que a convicção que vale é a do tribunal, fazendo tábua rasa da clara fundamentação da matéria de facto que quer ver modificada.
Ainda que a testemunha C. M. tenha corroborado o declarado pelo arguido, a verdade é que tal depoimento testemunhal, ao contrário do pretendido pela da defesa do arguido, não foi merecedor, e bem, da credibilidade do tribunal na parte em que tentou também convencer que os militares da GNR nunca falaram em teste de pesquisa de álcool.
Não vemos também em que medida o argumento atinente à elaboração “tardia” do auto de notícia seja susceptível, à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida, para inquinar a veracidade do auto de notícia ou a credibilidade atribuída aos depoimentos dos militares da GNR.
Com efeito, como bem referiu o Ministério Público na primeira instância, a ser verdade, como pretende a defesa do arguido, que a elaboração do auto traduziu-se num ato de vingança, mais se impunha então que o tivessem lavrado de imediato ou até que tivessem procedido à detenção do arguido, o que não tendo ocorrido levará até a que, por outro prisma, a alegada elaboração “tardia” possa até ser interpretada como indício de desapego em relação à situação.
E o mesmo se passa com a invocada recusa à suspensão provisória do processo, a qual também ao contrário do pretendido pela defesa do arguido não poderá também ser vista à luz das mencionadas regras da experiência como indício da inocência do arguido.
Alega o arguido que a recusa em aceitar tal suspensão “ é mais um indício de que algo não estava bem no relato factual que deu origem aos presentes autos, já que, a ser verdadeiro o ai relatado, ninguém no seu perfeito juízo conceberia a possibilidade de não aceitar a suspensão provisória proposta pelo Ministério Público”.
Mais um argumento sem qualquer sentido à luz das mencionadas regras para com base no mesmo atacar o processo de formação da convicção do tribunal.
Aliás, em situações como estas, em que está em causa a pena acessória da proibição de conduzir, o que acontece na maior parte das situações é que os arguidos porque necessitam da carta de condução vão protelando a entrega até ao último momento, ou seja até ao trânsito em julgado da decisão final, chegando muitas vezes até a recorrer das decisões condenatórias com vista a tal protelamento.
No caso vertente, como resulta do requerimento junto aos autos a fls. 23, assinado pelo recorrente e pelo seu Exmo Advogado, extrai-se que foi essa a razão da não aceitação da proposta, tendo o arguido mostrado disponibilidade para outras injunções.
Não vemos pois em que medida é que a postura processual do arguido perante a proposta de suspensão provisório do processo seria suscetível de beliscar sequer o processo de formação da convicção do tribunal no sentido apontado.
Ora, inexistindo as mínimas razões para pôr em causa a convicção alcançada pelo tribunal a quo nos termos expostos, não se impondo qualquer censura no processo lógico e racional subjacente à formação dessa convicção e sendo certo também que em face da prova produzida o tribunal não ficou em qualquer estado de dúvida quanto ao que se passou, improcede o invocado erro de julgamento também no que respeita aos pontos 4 a 10 da factualidade provada.
Ainda a respeito do estado de dúvida, cumpre salientar que a dúvida relevante não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que este não logrou ultrapassar.
Porém, como resulta da sentença recorrida, particularmente na parte atinente à motivação da decisão de facto, dela não resulta que Mma Juiz tenha ficado na dúvida quanto a qualquer dos factos que considerou na sentença, razão pela qual ao dar como provados os pontos 4 a 10 não violou o princípio in dúbio pro reo.
Por tudo o exposto, mantém-se inalterada a matéria de facto.

b) Excessividade da pena de multa.

Por fim, vem o recorrente alegar que a medida da pena fixada pelo tribunal a quo é excessiva, mostrando-se mais compatível com o texto e espírito da lei a sua fixação no mínimo legal – 10 dias.
E, sem nada de concreto alegar, conclui pela violação do disposto no art.71º,nº1 e 2 do Código Penal, pedindo a fixação da pena de multa no seu mínimo legal.
Ora, não há dúvidas de que é suscetível de revista a correção do procedimento ou das operações de determinação da medida da pena, o desconhecimento pelo tribunal ou da errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de fatores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Estando a questão do limite da culpa plenamente sujeita a revista, assim como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, já não o está a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, exceto quando tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada - Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, pág. 196.
Assim, o tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato de pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada - Cf. Acórdão do TRE de 22-04-2014, disponível em http//www.dgsi.pt. .
No caso vertente, a pena de multa aplicada pelo tribunal a quo assegura adequada e suficientemente as finalidades da punição, não excedendo o limite estabelecido pela medida da culpa, pelo que não se apresenta desproporcionada, expressando uma correta e adequada valoração e ponderação das circunstâncias a que alude o citado artigo 71º.
Resulta da sentença recorrida que a Mma Juiz a quo seguiu corretamente o procedimento e as operações de determinação da pena concreta e observou os princípios gerais que lhe devem presidir.
Aliás, o recorrente, neste particular, nenhuma incorrecção conseguiu imputar à sentença recorrida.
Por tudo o exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, é de manter a concreta pena de multa aplicada.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento aos recursos (interlocutórios e da decisão final), interposto pelo recorrente/arguido, confirmando-se os despachos e sentença recorridos.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a quatro unidades de conta (arts. 513º,nº1 do C.P.P. e 8º,nº9, do Regulamento das custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).

(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)
Guimarães, 8 de junho de 2020