Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ELISABETE COELHO DE MOURA ALVES | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO - ARTIGO 643º DO CPC ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXCEÇÃO DE ILEGITIMIDADE RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/04/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO DESATENDIDA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | 1. O regime específico de uma acção especial de maior acompanhado, segue, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (cfr. artigo 891º do CPC). 2. Esta acção especial apresenta, no essencial, três fases, a da apresentação dos articulados, produção de prova e decisão (cfr. artigos 892º a 900º do C.P.C.), o que não significa que sendo manifestas as excepções invocadas e não necessitando de prova a produzir o juiz não possa conhecer das mesmas findo os articulados, até por uma questão de economia processual. 3. A decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final (após produção de prova) a decisão da matéria que lhe cumpra conhecer, designadamente das excepções invocadas, não é passível de recurso (cfr. n. 4 do artigo 595º do CPC). | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA 3ª SESSÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - RELATÓRIO Inconformado com o despacho proferido nos autos de acompanhamento de Maior datado de 11.10.2023, sob a ref.ª ...44, que não admitiu o recurso por aquele interposto em 8.04.2023 do despacho proferido em 15.03.2023 – ref.ª .... ...95-, veio o requerido, AA, apresentar reclamação ao abrigo do disposto no artigo 643º do CPC (reclamação de 26.10.2023). O despacho recorrido, proferido em 15.03.2023, tem o seguinte teor: «A questão da legitimidade dos Requerentes será decidida após a produção de prova que o tribunal ordenar.» A não admissão do recurso interposto pelo requerido assentou, segundo o despacho proferido, nos seguintes fundamentos: - tratar-se de um despacho de adequação formal, nos termos do artigo 547º do CPC; - estarmos perante um processo que segue o disposto nos processos de jurisdição voluntária, designadamente no que respeita aos poderes do juiz; - não ser admissível recurso dos despachos de adequação formal, nos termos do artigo 630º, n.2 do CPC; - o conhecimento da excepção de ilegitimidade pressupor a produção de prova. Na reclamação que apresentou nos termos do disposto pelo artigo 643º do CPC, o reclamante limita-se a invocar, em termos de mérito, os fundamentos de procedência da excepção arguida nos autos, sustentando a necessidade da sua apreciação. Pugna pela procedência da reclamação e, consequentemente, pela admissão do recurso. * Por decisão sumária foi desatendida a reclamação apresentada, mantendo-se o despacho reclamado de não admitir o recurso interposto.O Reclamante veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no art. 652º, nº3 do CPC, ex vi do art. 643º, nº4, requerendo que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, não tendo aduzido qualquer alegação. II. APRECIAÇÃO: As incidências fáctico-processuais a considerar são as descritas no relatório. No intróito do despacho reclamado (de 11.10.2023) escreveu-se o seguinte a propósito da tramitação dos autos: «Antes de mais, para uma melhor compreensão do devir processual ocorrido nos presentes autos de ação especial de maior acompanhado, importa considerar o seguinte. Em 22.03.2022 foi instaurada a presente ação especial de maior acompanhado pelos aqui requerentes BB e CC, contra o aqui requerido AA, seu pai. Na sua petição inicial alegam, além de factos relacionados com a vida societária de sociedades, as quais integram os intervenientes, bem como outorga de documentos nessa sede – o que sempre se dirá não será objeto de discussão nos presentes autos, por não serem estes os próprios – e alegam factos suscetíveis de integrar uma situação de incapacidade do requerido em gerir a sua pessoa e bens e consequente necessidade de aplicação de medidas de acompanhamento. Nessa conformidade, requerem, além do mais, o decretamento do acompanhamento do requerido AA, indicando para o exercício do cargo do requerente BB, a constituição de conselho de família, com a nomeação de DD e o segundo Requerente CC, o suprimento do consentimento do requerido e um conjunto de medida provisórias urgentes. Com vista ao tribunal pronunciar-se sobre as medidas provisórias urgentes requeridas, solicitou o Tribunal os esclarecimentos médicos junto do Dr. EE, do Hospital ... – cfr. ref.: ...20, de 23.02.2022. Junta aos autos tal informação em 05.04.2022 – cfr. ref.: ...49 – o tribunal pronunciou-se sobre as medidas provisórias e urgentes requeridas, indeferindo as mesmas – cfr. despacho de 07.04.2022 sob a ref.: ...01- despacho do qual não foi interposto recurso. Citado o requerido AA em 06.05.2022, o mesmo apresentou contestação em 17.05.2022, onde além, de responder às matérias alegadas pelos requerentes relativa às sociedades – que como acima se disse não é nem pode ser objeto do presente processo especial - a partir do artigo 118.º daquela, impugna a matéria relativa à sua situação de incapacidade alegada, juntando, além do mais, dois relatórios médicos – cfr. ref.: ...18. De seguida, por despacho de 03.06.2022 foi determinada a realização de exame pericial ao requerido AA – cfr. ref.: ...14 – despacho que não foi objeto de recurso. O referido exame pericial foi marcado e realizado no dia 26.07.2022 – cfr. ref.: ...77. Por requerimento de 08.07.2022, o requerido AA juntou aos autos escritura pública denominada “Mandato”, outorgada pelo requerido, AA a favor da sua mulher DD, em 31.03.2022, pela qual nomeia a sua mulher para o caso de uma eventual necessidade de acompanhamento, nos termos e para os feitos do artigo 156.º, do Código Civil – cfr. ...32 – documento impugnado quanto aos seus efeitos pelos requerentes. Em 02.01.2023, por requerimento sob a ref.: ...41, veio o requerido AA, em síntese, requerer, além do mais a limitação à publicidade do processo, a admissão da coligação da sua mulher, seja declarada a ilegitimidade dos requerentes iniciais. Pronunciou-se o tribunal por despacho de 05.01.2023, sob a ref.: ...89, no sentido de quanto a publicidade nada a haver determinar, mais determinando que se insistisse pela junção do relatório pericial. O relatório pericial foi junto aos autos em 23.01.2023 – cfr. ref. ...82. Por requerimento de 07.02.2023 – cfr. ref.: ...89 – vieram os requerentes requerer uma segunda perícia colegial indicando como perito Sr. Dr. FF e indicando os respetivos quesitos. Pronunciando-se sobre o aludido relatório pericial, veio o requerido, por requerimento sob a ref.: ...49, em 18.02.2023, invocar a ilegitimidade dos requerentes para os presentes autos e concluir pela desnecessidade e inutilidade da realização da segunda perícia. A segunda perícia colegial veio a ser admitida por despacho proferido em 15.03.2023, sob a ref.: ...95, cujo objeto definido foi a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira: determinar a afeção de que sofre o beneficiário, as suas consequências, a data provável do seu início e os meios de apoio e de tratamento aconselháveis, a realizar pelo INML ..., relegando a questão da ilegitimidade dos requerentes para a sentença. Notificado para o feito veio o requerido manifestar-se pelo indeferimento da mesma, indicando subsidiariamente, como perito o Dr. GG. Em 13.04.2023, por requerimento sob a ref.: ...37, veio invocar obstáculo à nomeação do perito indicado pelo requerido. Do despacho proferido em 15.03.2023, foi pelo requerido em 08.04.20223, interposto recurso da parte que decidiu relegar a questão da legitimidade para a decisão a proferir após produção de prova, tendo os requerentes oferecidos as suas contra-alegações em 27.04.2023, sob a ref.: ...80. Por despacho proferido em 07.07.2023, declarou-se o Juízo Local Cível do Porto, - Juiz ..., incompetente em razão do território, tendo sido o processo remetido para o presente Juízo de competência Genérica de .... Por despacho proferido em 10.08.2023 foi solicitada informação ao INML ... acerca da realização da segunda pericial colegial ordenada por despacho de 15.03.2023 – cfr. ref.:...11 – tendo o mesmo informado que se encontrava agendado a realização do dito exame pericial para o dia 14.11.2023, motivo pelo qual o tribunal determinou a notificação do requerido para nele comparecer – cfr. ref. ...41. *** Discorrido o devir processual até ao presente momento, constatamos que no âmbito dos presentes autos foi apenas realizada uma perícia médico legal, tendo sido admitida uma segunda pericia colegial, a qual se encontra marcada para 14.11.2023.Mais constatamos, que se encontra por decidir a questão suscitada quanto à coligação, ao recurso interposto em 08.04.2023 e o invocado obstáculo quanto ao perito indicado pelo requerido AA. *** (…)*** Da (in) admissibilidade do recursoI. Do despacho proferido em 15.03.2023, sob a referência ...95, foi pelo requerido AA em 08.04.20223, interposto recurso da parte que decidiu “A questão da legitimidade dos Requerentes será decidida após a produção de prova que o tribunal ordenar.” Os requerentes ofereceram as suas contra-alegações em 27.04.2023, sob a ref.: ...80. II. Apreciando. Desde já, atendendo à violação invocada pelo recorrente do artigo 154.º, n.º 1, do Código Processo Civil do aludido despacho, diremos de forma breve, que inexiste qualquer vicio de fundamentação, porquanto o tribunal entendeu só estar em condições para proferir decisão sobre a questão da legitimidade suscitada após a produção de prova a ter lugar em momento posterior, sendo esse precisamente o motivo/fundamento para relegar tal decisão, inexistindo, assim, qualquer nulidade por falta de fundamentação. Ademais, o despacho objeto do presente recurso é, no nosso entendimento, um despacho de adequação formal, nos termos do artigo 547.º, do Código Processo Civil. A adequação formal permite quer a construção em bloco, de uma tramitação alternativa, quer a adaptação de segmentos parcelares e pontuais da tramitação global – veja-se neste sentido, G.P.S. in Código Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina 2020, pág. 621. Ademais, os presentes autos apesar de inseridos nos processos especiais seguem, com as devidas adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita, designadamente aos poderes do juiz – cfr. artigo 891.º e 986.º, ambos do Código Processo Civil. Dispõe o artigo 630.º, n,º 2, do Código Processo Civil, “Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1, do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos do artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.”. No caso dos presentes autos, o tribunal entendeu que a questão da legitimidade deveria ser decidida a final após a produção de prova, precisamente por aquela carecer da prova que se irá produzir no âmbito desta ação, pelo que, não se vislumbra que tal despacho contenda com qualquer dos princípios acima descritos. Nesta conformidade, sendo o recurso tempestivo e as partes legitimas, não é, todavia, o legalmente recorrível o despacho em apreço. III. Pelo exposto, por legalmente inadmissível, não admito o recurso interposto em 08.04.2023 pelo requerido AA. Notifique.» (…) * Apreciemos, então:* Como claramente se evidencia dos elementos juntos à reclamação e, designadamente, do despacho proferido em 11.10.2023 (acabado de transcrever), no qual é feita uma resenha dos autos, o despacho recorrido foi-o no âmbito de uma acção especial de maior acompanhado instaurada pelos recorridos BB e CC, contra seu pai, AA, aqui reclamante. Como atrás salientámos, o despacho recorrido objectiva-se no relegar para momento posterior, após produção de prova, o conhecimento da excepção de legitimidade activa arguida pelo requerido AA. O tribunal recorrido entendeu que tal despacho não era susceptível de recurso e, em nosso entender, bem. Pese embora os reclamantes não tenham aduzido, em concreto, qualquer fundamento que sustente a reclamação efectuada e que infirme os argumentos aduzidos no despacho reclamado, sempre diremos, que, de facto, outra não podia ser a decisão do tribunal recorrido. Importa salientar que nesta apreciação não está em causa o mérito da questão da legitimidade suscitada pelo requerido na acção, mas tão só os pressupostos processuais quanto à admissão do interposto recurso. Posto isto, há que ter em conta que, como já referido, nos situamos no âmbito de uma acção especial de maior acompanhado[1], cujo regime específico segue, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (cfr. artigo 891º do CPC)[2]. Esta acção especial apresenta, no essencial, três fases, a da apresentação dos articulados, produção de prova e decisão (cfr. artigos 892º a 900º do C.P.C.), o que não significa que sendo manifestas as excepções invocadas e não necessitando de prova a produzir o juiz não possa conhecer das mesmas findo os articulados, até por uma questão de economia processual. Sucede que, mesmo nos casos em que existe uma fase processual destinada especificamente ao saneamento dos autos e à elaboração de despacho saneador (cfr. artigo 595º do C.P.C.) – como sucede no processo comum de declaração- no âmbito do qual e para além do mais, cumpre conhecer das excepções invocadas, n.1 al.a) do artigo 595º do CPC), a decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final (após produção de prova) a decisão da matéria que lhe cumpra conhecer, designadamente das excepções invocadas, não é passível de recurso (cfr. n. 4 do artigo 595º do CPC). Trata-se, assim, de uma aferição que se mostra na disponibilidade do juiz e que não é sindicável por via de recurso. Ora, os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; e, em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum (cfr. artigo 549º n.1 do CPC). Ou seja, resulta claramente da lei que o despacho recorrido nos vertentes autos, que considerou ser necessária prova a produzir e relegou para final o conhecimento da excepção de ilegitimidade invocada, não é passível de recurso. Sem prejuízo e como salientado no despacho reclamado, acresce a natureza do processo em apreço e as regras que lhe são aplicáveis, bem como o disposto pelos artigos 547º e 630º do CPC. Destarte e para além do já referido no despacho reclamado, resulta evidenciado, em face do que vem de se expor, que não é legalmente admissível recurso do despacho proferido que relegou para momento posterior o conhecimento da excepção de legitimidade invocada, pelo que a reclamação apresentada não pode ter sucesso. Em sede conclusiva, por não ser admissível, é de manter o despacho reclamado que não admitiu o recurso, indeferindo-se, por isso, a Reclamação.* III - DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, em desatender a reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo-se a decisão de não admitir o recurso interposto. Custas pelo Reclamante. Guimarães, 4 de Abril, de 2024 Elisabete Coelho de Moura Alves Jorge dos Santos Paula Ribas (Texto assinado digitalmente) [1] A Lei nº49/2018, de 14/08, criou o regime jurídico do maior acompanhado, eliminou os institutos da interdição e da inabilitação, e procedeu à alteração de vários diplomas legais, entre os quais, o Código Civil e o Código de Processo Civil (cfr. o respectivo art. 1º) [2] De acordo com o disposto pelo artigo 986.º do CPC, nos processos de jurisdição voluntária o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias, sendo que nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna. |