Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1980/14.4TBGMR-E.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL
AGREGADO FAMILIAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – Em presença de exoneração do passivo restante, será definido o quantitativo de rendimento disponível para cessão ao fiduciário.
2 – Deste, excluir-se-á o montante razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.
3 – Este conceito integra-se por referência às concretas circunstâncias apuradas relativas ao rendimento e despesas do requerente, tendo como mínimo a satisfação de necessidades básicas, sendo adequado o recurso a escalas de equivalência que permitam ter em conta as diferenças nas necessidades de cada membro do agregado familiar.
4 – Sendo o agregado familiar composto também por filhos menores, não é adequado impor que o valor suplementar, atribuído por sua causa, e excluído da cessão, termine com a respetiva maioridade e com a prossecução com sucesso, por estes, dos estudos.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

M…, insolvente, notificada do despacho inicial de exoneração de passivo restante, não se conformando com o respetivo teor, vem do mesmo interpor recurso de apelação.
Pede a alteração do despacho recorrido no sentido de declarar isento de cessão o rendimento mensal da insolvente que não ultrapasse os EUR 800,00 e que se declare encerrado o processo.
Formulou as seguintes conclusões:
PRIMEIRA: Por via do presente recurso, a recorrente pretende ver abordadas as seguintes questões que, salvo melhor opinião, foram mal decididas no despacho recorrido:
a) O montante do valor excluído da cessão considerado como o mínimo indispensável ao sustento digno do agregado familiar da recorrente;
b) A imposição de termo do valor suplementar excluído da cessão, com a maioridade do filho da recorrente, exceto se este prosseguir, com sucesso, os seus estudos.
c) A falta de encerramento do processo.
SEGUNDA: Não fixando a lei o limite mínimo que assegura o sustento digno, deve o mesmo ser fixado pelo juiz através de uma “ponderação casuística da situação em causa”, sendo certo que ao devedor, durante o período de cessão, serão exigidos sacrifícios pois deve ceder todo o rendimento que não seja necessário para esse sustento minimamente digno.
TERCEIRA: Acontece que, o M. Juiz “a quo” não fez uma análise casualística às necessidades do agregado familiar da devedora e limitou-se, sem qualquer justificação ou ponderação, a excluir da cessão o rendimento da recorrente que excede o salário mínimo nacional, a que acresce um valor de EUR. 150,00 (cento e cinquenta euros) pelo facto de ter filho menor. Da leitura do douto despacho recorrido, nomeadamente da factologia apurada, não se entende porque é que foram estes - e não outros - os valores foram considerados como imprescindíveis ao sustento minimamente digno da recorrente e do seu agregado familiar.
QUARTA: Se o Tribunal recorrido tivesse ponderado o núcleo das despesas mais básicas da recorrente e do seu agregado familiar, concluiria que, para a respetiva sobrevivência, com um mínimo de dignidade, deve ser excluído da cessão ao fiduciário, um valor nunca inferior a EUR. 800,00 (oitocentos euros), por mês.
QUINTA: Sem prescindir, mesmo não fazendo uma análise casuística à situação da recorrente, socorrendo-nos apenas do critério do salário mínimo nacional, a jurisprudência vem pugnando, de forma praticamente uniforme, como necessário para o digno sustento de um agregado familiar como o da recorrente, com um adulto e um menor, um valor mensal nunca inferior a um salário mínimo e meio, na atualidade, EUR 757,50 (setecentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos) – cfr., por exemplo, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.02.2012, Proc. n.º 1613/11.0TBMTJ-D.L1-2, in www.dgsi.pt.
SEXTA: Não pode o M. Juiz “a quo” considerar que para o sustento digno do filho da recorrente será necessária a quantia mensal de EUR. 300,00 (trezentos euros) e, depois, excluir da cessão apenas metade deste valor por entender que o pai e/ou o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores deverá contribuir com a restante metade. Com efeito, a preocupação do Juiz ao fixar o montante excluído da cessão deve ser o de encontrar o valor que permita um sustento digno do devedor e do seu agregado familiar. Ora, como parece óbvio, este valor nada tem que ver com os rendimentos, muito menos, com rendimentos presumidos ou eventuais. Se esses rendimentos de facto existirem e se, com eles, se exceder o valor excluído da cessão, terá a requerente que os entregar ao fiduciário.
SÉTIMA: A decisão recorrida viola a lei ao excluir da cessão parte do rendimento disponível da recorrente apenas enquanto o filho for menor, exceto se o mesmo prosseguir, com sucesso, os seus estudos e durante o período em que tal aconteça. Na verdade, não será por atingir a maioridade que o filho da requerente deixará de fazer parte do agregado familiar, se continuar a viver em economia comum com a mãe.
OITAVA: Atento o disposto na al. e), do n.º 1, do art.º 237.º do CIRE, o M. Juiz “a quo” deveria ter decretado o encerramento do processo para que se iniciasse o período de cessão.
NONA: A decisão recorrida violou ou não fez a melhor interpretação do disposto nos art.ºs 230.º, n.º 1, al. e) e 239.º, n.º 3, al. b), ponto i), ambos do CIRE.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Eis, para cabal compreensão, um breve resumo dos autos.
M…, juntamente com o pedido de declaração da sua própria insolvência, requereu a concessão da exoneração do passivo.
A Administradora da Insolvência, no relatório, pronunciou-se favoravelmente à concessão do benefício em causa à Requerente.
Dos únicos credores presentes na assembleia de apreciação do relatório, a Fazenda Nacional e a C…, só este se manifestou contra a pretensão da devedora, com fundamento no disposto no art.° 238.°, n." 1, al. d) do CIRE.
Decidiu-se:
a) Admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela devedora M….
b) Determinar que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível que a devedora venha a auferir, a qualquer título, se considera cedido ao fiduciário a seguir nomeado;
c) Excluir do rendimento disponível da devedora o equivalente ao salário mínimo nacional vigente em cada ano, acrescido do valor de € 150,00 até ao momento em que o seu filho menor atinja a maioridade, sendo que, a partir deste momento, o valor de € 150,00 só será considerado se o mesmo prosseguir, com sucesso, os seus estudos e durante o período em que tal aconteça.
d) Nomear para exercer as funções de fiduciário a Dr." Maria Joana Machado Prata, com os sinais dos autos.
e) Advertir a devedora de que, durante o período de cessão de cinco anos, fica obrigada a:
a. não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b. exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo e a procura diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c. entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto da cessão;
d. informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e. não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar vantagem especial para algum desses credores.
f) Declarar que a exoneração do passivo restante será concedida desde que sejam observadas pela devedora as condições previstas no art.° 239.° do CIRE, durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência.

Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, descortinamos as seguintes questões a decidir:
1ª - Se o Tribunal recorrido tivesse ponderado o núcleo das despesas mais básicas da recorrente e do seu agregado familiar, concluiria que, para a respetiva sobrevivência, com um mínimo de dignidade, deve ser excluído da cessão ao fiduciário, um valor nunca inferior a EUR. 800,00 (oitocentos euros), por mês?
2ª - A decisão recorrida viola a lei ao excluir da cessão parte do rendimento disponível da recorrente apenas enquanto o filho for menor, exceto se o mesmo prosseguir, com sucesso, os seus estudos e durante o período em que tal aconteça?
3ª - Atento o disposto na al. e), do n.º 1, do art.º 237.º do CIRE, o M. Juiz “a quo” deveria ter decretado o encerramento do processo para que se iniciasse o período de cessão?

FUNDAMENTOS DE FACTO:
1.- A devedora M… é divorciada e tem um filho menor, atualmente com 16 anos de idade, a seu cargo.
2.- O pai não paga prestação de alimentos.
3.- Até fevereiro de 2009, trabalhou como técnica oficial de contas, auferindo um salário mensal de € 900,00, vendo, naquela data, extinto o seu posto de trabalho.
4.- Manteve-se desempregada até junho de 2012, data em que abriu um estabelecimento de pronto a vestir.
5.- Verificando que se tratava de estabelecimento não rentável, em julho de 2013 decidiu encerrá-lo, cessando a atividade.
6.- Ficou, então, novamente desempregada, situação que se manteve até ao passado mês de julho.
7.- Nesta data, começou a trabalhar na empresa C…, S.A., onde exerce funções de costureira, auferindo o salário de € 488,00.
8.- Em 17 de outubro de 2000 a devedora e o seu então marido contraíram dois créditos junto da C…, ambos relacionados com a aquisição de uma habitação.
9.- Divorciou-se em 2001, sendo que, depois desse facto, entrou num ciclo de dificuldades financeiras, uma vez que, com o seu salário, tinha de acorrer a todas as necessidades do agregado familiar composto por si e pelo seu filho.
10.- Tal situação agravou-se drasticamente depois do seu despedimento, na data referida em 3.
11.- Para satisfazer as necessidades do seu agregado familiar recorreu a um empréstimo junto da C…, cujo capital, contudo, cedo se esgotou, ficando a suportar a prestação mensal de € 200,00, a acrescer às prestações do crédito à habitação que totalizavam € 319,29.
12.- Recorreu, ainda, ao crédito proporcionado por um cartão de crédito.
13.- A devedora cumpriu as prestações do crédito a habitação junto da C… até dezembro de 2013 e as prestações do crédito adicional até junho de 2014.
14.- Apresentou-se à insolvência por ter verificado não ter capacidade para cumprir as obrigações financeiras assumidas.
15.- Não tem antecedentes criminais.

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Enunciámos como 1ª questão a decidir neste recurso a que se prende com o valor necessário à sobrevivência, com um mínimo de dignidade, da Recrte., valor que a mesma defende não dever ser inferior a 800,00€ por mês.
Alega a Recrte. que o M. Juiz “a quo”, ao invés de apurar o montante necessário e imprescindível ao sustento minimamente digno da devedora e do seu agregado familiar, optou, sem qualquer análise casuística, por excluir do rendimento sujeito à cessão o equivalente ao salário mínimo nacional e acrescentar a este valor a importância de 150,00€ até que o filho menor atinja a maioridade (exceto se este, com sucesso, continuar a estudar). Ora, resulta dos factos provados que a recorrente é divorciada, vive com o filho menor e que o pai deste não paga a prestação de alimentos. No que respeita à alimentação, tendo em conta as regras da experiência comum, podemos afirmar com segurança que, mesmo confecionando as refeições em casa, com os produtos mais baratos, é impossível fazer as quatro refeições normais diárias – pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar, por menos de EUR. 6,00 (seis euros) por pessoa, por dia. Assim, em alimentação o agregado familiar da devedora terá um gasto mensal nunca inferior a EUR. 360,00 (EUR 6,00 x 2 pessoas x 30 dias). Em água, eletricidade e gás será impossível de gastar menos de EUR. 100,00, por mês. A recorrente ainda não paga renda de casa porque ainda vive no imóvel apreendido nestes autos. No entanto, é certo que após a respetiva venda a requerente pagará uma renda que, por muito modesta que seja a habitação, nunca será inferior a EUR. 200,00. Em transportes para o emprego, a requerente nunca gastará menos de EUR. 60,00. Depois existem despesas relacionadas com higiene, com vestuário e calçado, com a saúde e com a escola do filho que sendo de difícil quantificação por incertas, não será difícil atingir um valor médio mensal de EUR. 80,00. Assim, este agregado familiar necessitará, para sobreviver com um mínimo de dignidade, um valor que nunca poderá ser inferior a EUR. 800,00 (oitocentos euros), por mês.
Ponderou-se na decisão sob recurso: “Numa análise estritamente focalizada na pessoa da Requerente afigura-se-nos, por isso, que um rendimento equivalente ao salário mínimo nacional é aquele que se mostra necessário para assegurar o sustento minimamente digno da mesma.
No caso dos autos há, contudo, que considerar que a Requerente tem um filho a seu cargo com 16 anos de idade. Esse facto, como é da experiência da vida, constitui uma fonte de despesas acrescidas e das quais a Requerente não se pode alhear. Trata-se, por isso, de um fator que tem de ser levado em linha de conta pelo tribunal em termos de incremento do valor que deve ser excluído do rendimento disponível da Requerente.
Note-se, contudo, que a satisfação das necessidades do filho da Requerente não recai exclusivamente sobre a própria mas também sobre o pai. Por outro lado, o facto de, como resulta dos factos provados, este não pagar qualquer pensão de alimentos não a priva de os obter de outra forma, nomeadamente, por intermédio do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores.
Nestes termos, afigura-se-nos que, ao valor equivalente ao salário mínimo nacional, como sendo aquele que se mostra o valor que assegura o rendimento minimamente digno da Requerente, deve acrescer um valor suplementar pelo facto de ter um filho menor a seu cargo, mas apenas reportado à sua parte no dever de assegurar alimentos ao filho, a qual se fixa aqui em € 150,00.”
Vejamos!
Se o devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
Por via deste mecanismo, o devedor fica definitivamente liberado quanto ao passivo que acumulou e que não obtenha satisfação no processo ou nos cinco anos subsequentes ao seu encerramento.
Importa, assim, que, subsequentemente à decisão de exoneração, se defina o quantitativo de rendimento disponível, que será aquele que permitirá dar alguma satisfação aos credores.
Na verdade, e como decorre do que se dispõe no Artº 239º/2 do CIRE, durante o período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir considera-se cedido ao fiduciário que tratará de pagar, na medida do possível, os créditos pendentes. No nº 3 do Artº 239º do CIRE dispõe-se que integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham, a qualquer título, ao devedor, com exclusão dos créditos cedidos a terceiro e do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, o exercício da sua atividade profissional, outras despesas que devam ponderar-se.
É estribando-se nesta disposição legal que surge o recurso.
Decorre dali, por um lado, a necessidade de afetar o rendimento à satisfação dos credores e, por outro, a manutenção de um mínimo digno de vida do devedor e da sua família.
Na verdade, daquele nº 3, alínea i), resulta que não se pode privar o devedor do mínimo necessário ao seu sustento, e também não se lhe pode, em princípio, disponibilizar mais do que o valor equivalente a três vezes o salário mínimo nacional.
Não diz a lei o que deva entender-se como minimamente digno do sustento do devedor e do seu agregado familiar, estando nós aqui em presença de um conceito indeterminado.
Podemos dizer, como a jurisprudência maioritária, que o salário mínimo nacional é o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade, conclusão que a própria lei processual civil parece acolher ao determinar a impenhorabilidade do valor que lhe corresponda (Artº 738º/5 do CPC). Ou, como se disse no Ac. desta Relação datado de 15/05/2014, proferido no âmbito do Procº nº 1020/13.0TBBRG-C.G1, em que a ora Relatora foi adjunta, que “é igualmente admissível atender ao IAS (indexante de apoios sociais definido pela Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro, que veio substituir a Retribuição Mínima Mensal Garantida enquanto referencial determinante da fixação, cálculo e atualização das contribuições, das pensões e outras prestações sociais) atualmente no valor de €419,22.”
Contudo, no âmbito do instituto que nos ocupa, não podemos deixar de ter presente, como acima deixámos antever, que urge conciliar o ressarcimento dos credores com a garantia do mínimo necessário ao sustento do devedor, o que parece afastar a ideia de que o salário mínimo nacional possa ser o indicador do que é razoavelmente necessário a assegurar a dignidade.
O que não poderemos deixar de equacionar são as concretas circunstâncias invocadas – o rendimento auferido e as despesas. E, em presença destas, podemos vir a concluir que o valor equivalente ao do salário mínimo nacional é o adequado.
Assim, podendo o salário mínimo nacional ser um elemento a que devamos recorrer para fixar o que é necessário para garantir ao devedor um sustento com o mínimo de dignidade, tendemos a concluir como no Acórdão da Relação de Coimbra datado de 25/03/2014 (Procº 3248/13.4TBVIS, publicado no sítio www.dgsi.pt), que o "que é razoavelmente necessário terá de ser avaliado em função da situação concreta do devedor e não interessa o que o devedor gasta mensalmente. O que releva é aquilo que é razoável gastar para prover ao seu sustento com o mínimo de dignidade, já que apenas isso lhe pode e deve ser garantido, dada a situação de insolvência em que se encontra". Ou seja, o devedor não pode almejar, após insolvência, ter um padrão de vida equivalente àquele de que já dispôs. Neste processo há que dar satisfação aos direitos dos credores por via do património do devedor, pelo que “apenas pode e deve ceder perante a necessidade de satisfação das necessidades básicas do devedor, não sendo legítimo pretender que os credores devam sofrer o prejuízo inerente à impossibilidade de satisfação dos créditos" (idem).
É pois, em presença do concreto rendimento mensal e das concretas despesas apuradas, no pressuposto de satisfação de necessidades básicas, que se há-de fazer a ponderação determinante da exclusão que nos ocupa, a fim de encontrar o necessário equilíbrio entre o ressarcimento dos credores e a garantia do mínimo necessário ao sustento digno do devedor e do seu agregado familiar.
No caso dos autos o único rendimento da Recrte. advém do salário mensal no montante de 488,00€, que aufere como costureira.
Tem um filho com 16 anos de idade a seu cargo, sem que o pai pague prestação de alimentos.
Não constam do acervo fático quaisquer despesas, pelo que nos é lícito presumir que o agregado familiar da Recrte., composto por 2 pessoas, carece do estritamente necessário para se alimentar e vestir, bem como do necessário a prover a despesas com água, eletricidade e gás. Segundo a própria alegação, a Recrte. não paga renda de casa. Nada mais nos é lícito presumir.
Na sentença considerou-se que o valor equivalente ao do salário mínimo vigente em cada ano é o adequado ao sustento da Recrte., valor que em presença dos dados disponíveis também se nos afigura acertado.
Acrescentou-se a este valor o de 150,00€, tendo em atenção a existência do filho e a sua integração no respetivo agregado familiar.
Sendo verdade que, com o ali se mencionou, “a satisfação das necessidade do filho da Requerente não recai exclusivamente sobre a própria mas também sobre o pai”, já não se pode concluir que aquela não está privada de obter os alimentos “de outra forma, nomeadamente, por intermédio do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores”. Como se sabe, a obtenção de alimentos apenas é viável se houver quem esteja em condições de os prestar – o que não decorre da matéria fática – ou, no caso de o Fundo referido vir a ser chamado, mediante o preenchimento de determinados pressupostos.
Donde, não se nos afigura que possamos presumir que outrem acuda ao agregado familiar para compor o montante que seja razoavelmente devido.
Importa, pois, que determinemos se o valor fixado, não obstante não sufragarmos a argumentação, se revela adequado.
Uma coisa é certa: tanto a Recrte., quanto qualquer elemento do seu agregado familiar, terá, necessariamente, em presença do seu infortúnio, que adaptar a sua vida à nova condição.
Por outro lado, os diversos membros do agregado familiar não têm, necessariamente, idênticas necessidades.
Daí que alguma jurisprudência acolha o recurso a escalas de equivalência que permitam ter em conta as diferenças nas necessidades de cada membro do agregado familiar, designadamente a denominada escala de Oxford criada em 1982, para determinação da capitação dos rendimentos de um agregado familiar, segundo a qual o índice 1 é atribuído ao 1.º adulto do agregado familiar e o índice 0,7 aos restantes adultos do agregado familiar, enquanto às crianças se atribui sempre o índice 0,5 (Ac. da RC de 12/03/2013, procº 1245/12.5TBLRA-F, publicado em www.dgsi.pt). A definição de uma capitação entre as definidas pela OCDE, em função da composição dos elementos do agregado familiar foi também acolhida pelo DL 70/2010 de 16/06, diploma que estabeleceu os critérios para concessão de apoios sociais.
Segundo este método, considerando que o sustento minimamente digno da Recrte. é assegurado com o montante mensal de 505,00€ (valor atual do salário mínimo nacional, decorrente do DL 144/2014 de 30/09), e considerando que é de 0,5 o peso do menor no aumento das necessidades do agregado familiar, deverá o rendimento mínimo disponível encontrado para a Requerente ser aumentado de ½, atingindo-se, deste modo, um montante de 757,50€.
Modificar-se-á, pois, em consonância, e visto a metodologia nos parecer adequada, a decisão recorrida.

A 2ª questão a decidir prende-se com a imposição de um termo para o valor suplementar excluído da cessão, com a maioridade do filho da recorrente, exceto se este prosseguir, com sucesso, os seus estudos.
Alega a Recrte. que a decisão recorrida viola a lei ao excluir da cessão parte do rendimento disponível da recorrente apenas enquanto o filho for menor, exceto se o mesmo prosseguir, com sucesso, os seus estudos e durante o período em que tal aconteça, porquanto não será por atingir a maioridade que o filho da requerente deixará de fazer parte do agregado familiar, se continuar a viver em economia comum com a mãe.
Ponderou-se na sentença recorrida que o valor do acréscimo ao do salário mínimo tem por base “a obrigação da Requerente de assegurar os alimentos devidos ao seu filho. Este, contudo, tem já 16 anos de idade, pelo que, considerando que do que se trata aqui é de fixar um valor irredutível para um período de 5 anos, importa determinar que os referidos € 150,00 se cinjam ao período que vai até à maioridade do filho da requerente, a menos que este prossiga com sucesso os seus estudos, caso em que se prolongará até ao fim destes.”
Concordamos com a Recrte. quando a mesma afirma que esta posição não tem o mínimo de correspondência na letra da lei.
Na verdade, o que esta claramente impõe é que seja excluído do rendimento sujeito à cessão o que seja razoavelmente necessário para assegurar um sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar e não do devedor e dos seus filhos menores.
O conceito de agregado familiar não vem definido nem, no CIRE, nem nalgum outro diploma aplicável, sendo um conceito que assume distintos contornos consoante a matéria em causa. Por exemplo, para efeitos fiscais, o CIRS contempla um determinado conceito de agregado familiar (Artº 13º/3), onde cabem os dependentes a cargo dos sujeitos fiscais. Para efeito de apoios sociais, o DL 70/2010 de 16/04, contém um distinto conceito de agregado familiar – o agregado doméstico privado (Artº 4º). De comum, parece existir um elemento – o de vida em de economia comum.
Parece, assim, que, um filho, ainda que maior, integrará sempre o conceito de agregado familiar desde que viva em economia comum com os pais e recaia sobre estes a obrigação de o alimentar.
Sucede que, o Tribunal recorrido não parece partilhar desse entendimento.
Não é legítimo inferir, como parece fazer a decisão recorrida, que a mãe fique desobrigada de prover ao sustento do filho se este perfizer dezoito anos e não estiver a estudar, com sucesso, ou se não conseguir um emprego. Tanto mais que o circunstancialismo atual, num contexto de evidente crise económica, nem sequer é propício à prossecução dos estudos ou à entrada no mercado de trabalho.
Sufragamos o entendimento da Recrte. quando alega que se o seu filho conseguir um emprego ao atingir a maioridade, tal terá, necessariamente, reflexos no valor a excluir da cessão. Em tal situação, não será indiferente que o mesmo continue a residir com a mãe e contribua para o pagamento das despesas ou saia de casa e, por isso, não contribua para o pagamento de qualquer despesa.
Daí que, tal como proposto, se revele mais acertado fixar, face às circunstâncias atuais, o valor que deve ser excluído da cessão por ser indispensável ao sustento minimamente digno do agregado familiar da recorrente. E tão só, porquanto, tal como consta do decisório, é obrigação da Recrte., durante o período da cessão, informar o tribunal sobre os seus rendimentos.
Modificar-se-á, pois, a decisão em sintonia com este entendimento.

A 3ª questão que importa solucionar é se o Tribunal a quo deveria ter decretado o encerramento do processo para que se iniciasse o período de cessão.
Atento o disposto na al. e), do n.º 1, do art.º 230.º do CIRE, prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento, quando este ainda não haja sido declarado no despacho inicial de exoneração do passivo restante. Pretende a Recrte. que emerge daqui a obrigação de, no despacho liminar de exoneração do passivo, declarar encerrado o processo, o que não se mostra efetuado.
Alega, citando Luís Menezes Leitão que da concatenação dos artigos 237.º, als. b) e d), 239.º e 244.º do CIRE, resulta que este despacho inicial tem em vista fixar as condições que devem ser observadas pelo devedor para ser proferido, no termo do prazo da cessão, o despacho definitivo sobre a exoneração ou não do passivo. Prossegue, alegando que o legislador pretendeu especificamente que com o despacho inicial de exoneração do passivo fosse decretado o encerramento, dando início ao período de cessão mesmo que ainda existam ativos não liquidados, o que não prejudica o encerramento, tendendo a que a liquidação ocorrerá dentro daquele período.
Compaginados os autos, não se vê que esta questão tenha sido suscitada na 1ª instância. Daí que não tenha sido objeto de decisão. E também não se invocou alguma omissão de pronúncia.
Trata-se, assim, de questão nova, não abordada na decisão recorrida, colocada apenas em sede de recurso.
Como é sabido, os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais (Artº 627º/1 do CPC).
Dito de outra forma, os recursos “são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre” (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 147).
Assim, “a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões que já tenham sido submetidas ao tribunal de categoria inferior” (António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil Novo Regime, Almedina, 25).
Desta regra, excecionam-se apenas as questões de conhecimento oficioso, o que não é, manifestamente, o caso.
Termos em que não se conhece da questão em apreciação.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, modificar a decisão recorrida no segmento c) do respetivo decisório, decidindo-se:
Excluir do rendimento disponível da devedora o equivalente ao salário mínimo nacional vigente em cada ano, acrescido de metade.
Custas pela Massa.
Notifique.
Guimarães, 08/01/2015
Manuela Fialho
Filipe Caroço
António Santos