Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | MARGARIDA SOUSA | ||
| Descritores: | SANEADOR-SENTENÇA FACTUALIDADE CONTROVERTIDA FACTUALIDADE RELEVANTE OPORTUNIDADE DO CONHECIMENTO DE MÉRITO NEXO DE CAUSALIDADE INVESTIMENTO FINANCEIRO AQUISIÇÃO DE OBRIGAÇÕES DESVALORIZAÇÃO DEVER DE INFORMAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/12/2020 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I- Sendo interposto recurso do saneador-sentença, “o processo só deve prosseguir no tribunal a quo quando o tribunal da Relação, depois de afirmar (à luz dos factos alegados) que o direito aplicável ao caso não é o definido pelo tribunal recorrido, conclui que permanece controvertida a factualidade alegada idónea para constituir a base da decisão que aplica o direito adequado”; II- Quando, face ao alegado pelo próprio autor para efeito de obtenção de uma indemnização, a desvalorização das obrigações respeitantes a um banco que entrou em situação de rutura ocorreu em momento prévio a qualquer das descritas condutas do réu, impossível se torna afirmar que a ocorrência do “sinistro” foi provocada pelas condutas do último, revelando-se estas, no quadro alegado, mesmo naturalisticamente falando, totalmente alheias ao ocorrido; III- Nessas circunstâncias, independentemente da prova que viesse a produzir-se relativamente ao demais alegado, sempre seria totalmente inviável, por total falha do pressuposto relativo ao nexo de causalidade, a responsabilização do réu por via de qualquer eventual incumprimento do dever de informação (necessariamente ulterior à redução da esfera patrimonial do autor), o que torna irrelevante o apuramento de quaisquer outros factos eventualmente controvertidos; IV- Por outro lado, ao registar nos extratos mensais (enviados ao cliente) a existência em depósito dos aludidos títulos com o valor correspondente ao investimento nominal efetuado, o banco réu, custodiante das obrigações, está a cumprir o dever acessório de envio de extratos periódicos e demais informação relevante relativa ao património financeiro que tem à sua guarda – dever a que está obrigado todo o custodiante –, sendo, por isso, inviável, a partir de tal comportamento, que nada tem de particular relativamente ao comportamento de qualquer outro custodiante de valores mobiliários, deduzir-se como provável, “segundo os usos da vida”, a existência, da parte do mesmo, de uma vontade de emitir uma declaração no sentido de pretender vincular-se perante o cliente à restituição do montante correspondente ao valor nominal daqueles títulos constante dos extratos, o que exclui a possibilidade de exigir tal restituição; V- Num tal quadro, é de concluir que, face ao direito aplicável, se torna irrelevante o apuramento de quaisquer factos ainda controvertidos, devendo conhecer-se do pedido – dele absolvendo o réu – no saneador, sem inutilmente se avançar para a fase de julgamento. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: B. V., representado pelos pais, F. F. e P. V. instaurou ação de condenação contra o Banco X, S.A. pedindo a condenação do Réu: - ao pagamento do valor de € 6.323,17 (seis mil trezentos e vinte e três euros e dezassete cêntimos) acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor. Bem como, e sem prescindir, ao pagamento de €1716,85 (mil setecentos e dezasseis euros e oitenta e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais, que correspondem designadamente à soma de: - Despesas com Abertura de Crédito Pessoal no valor de €358,40 (trezentos e cinquenta e oito euros e quarenta cêntimos= - Juros e Imposto de Selo de Juros relativos ao crédito contraído, contabilizados para os próximos 12 (doze) meses, no valor total de € 531,2 + 21,24. Sem esquecer que todas as despesas desta natureza que advenham da protelação do litígio para além dos meses ora previstos, devem ser liquidadas em sede de execução de sentença; - Compensação do pagamento de honorários da Advogada no valor de €500,00 (quinhentos euros); e - Compensação do pagamento de taxa de justiça no valor de €306,00 (trezentos e seis euros); Sem prescindir, deverá ainda o Réu ser condenado ao pagamento de uma indemnização no valor de €1.000,00 (mil euros) pelos danos morais causados ao Autor. Alega, para o efeito, e em síntese, a sucessão de factos seguinte: Em 21 de maio de 2012, adquiriu seis obrigações, da espécie Y 12/19 SUB, com o código ISIN ........., no valor de € 1.000,00 (mil euros) cada uma, através da conta título/DO: .........77. Desde então, foram-lhe comunicadas todas as operações de pagamento de cupões relativamente aos juros creditados; isto mesmo após a aquisição do Banco Y por parte do Banco Réu; operações essas expressas nos extratos bancários que foi recebendo no seu domicílio e que são atestado inequívoco da existência daquele montante. Em setembro de 2019, por ocasião da sua ida para o estrangeiro, quis levantar aquela quantia, o que lhe foi recusado pelo facto de se tratar de obrigações relativas ao Banco Y que o Banco Réu não assumia. Como, de facto, não assumiu, pese embora as interpelações que lhe dirigiu para o efeito e das diligências que moveu junto do Banco de Portugal, e mau grado continuar a enviar-lhe os extratos referentes à existência daquele montante. Ora, uma vez que nunca foi informado da desresponsabilização por parte do Réu sobre as ações por si tituladas e, sobretudo, porque esta sempre atuou como se aqueles valores continuassem à sua disposição, assumindo, em todos os extratos, um saldo positivo, onde se contabilizava sempre o valor investido em carteira de títulos, a ré tornou-se, automática e indubitavelmente, responsável, não só por essas informações prestadas, como pela própria titularidade do instrumento financeiro em si, o que o torna seu credor, e não do Y, a cuja insolvência não foi chamado. Acrescenta que, o Banco Réu, ao re-designar a conta que anteriormente titulava no Y como Conta Poupança ...., inculcou a sua convicção de que as ações tituladas se transmitiriam e que o Banco X seria o novo devedor, de acordo com as condições mencionadas, sendo certo que, em momento algum, prestou consentimento para as alegadas alterações aquando da transferência de uma instituição bancária para outra. Por isso, não pode agora o Banco Réu, eximindo-se, de má-fé, das responsabilidades advenientes do contrato de depósito bancário celebrado entre ambos, recusar o pagamento da quantia que lhe pertence, pelo que, deve ser condenado ao seu pagamento, acrescido do montante relativo aos outros prejuízos e aos danos não patrimoniais provocados pela sua recusa, ilícita, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade. Contestou o Banco Réu, X, S.A., sustentando, em síntese, que a deliberação adotada pelo Banco de Portugal, em reunião extraordinária do Conselho de Administração, de 19 de dezembro de 2015, deu início ao processo de aplicação ao Y de uma medida de resolução na modalidade de alienação total ou parcial da respetiva atividade, face à sua insolvência, efetiva ou iminente, decorrente, entre outros, da falta de liquidez para assegurar as operações do dia seguinte, e face à impossibilidade de, atempadamente, concretizar a sua alienação. Nessa senda, na reunião extraordinária do Conselho de Administração, do dia 20 de dezembro de 2015, foi deliberado transferir para a W, S.A. [actual K, S.A.], os direitos e obrigações correspondentes a ativos do Y – Banco Y, S.A., constantes do Anexo 2 àquela deliberação, e alienar ao Banco X, S.A., os direitos e obrigações, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, do Y – Banco Y, S.A., constantes do Anexo 3 à mesma deliberação, permanecendo o remanescente no próprio Y. Sustenta, por isso, que lhe foram apenas transmitidos todos os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Y, registados na contabilidade, conforme ficou clarificado pela deliberação do mesmo Conselho de Administração, de 4 de janeiro de 2017. De acordo com a subalínea (i) da alínea (b) do ponto 1 do Anexo 3 da medida de resolução não transitaram para o Banco X, S.A. quaisquer obrigações ou responsabilidades emergentes de instrumentos de dívida subordinada, desde logo as identificadas no Anexo A, na qual se incluem expressamente as obrigações Y 2012-2019 sub- OPT com o Código ISIN ......, detidas pelo Autor. Conclui, face ao exposto, que, com a deliberação do Banco de Portugal, não lhe foi transmitida qualquer responsabilidade relativa às referidas obrigações subordinadas, nem quanto à obrigação de reembolso, nem sequer quanto à sua emissão, colocação, oferta ou venda, conforme expressamente resulta da subalínea (iv), da alínea (b), do ponto 1 do Anexo 3 da medida de resolução, sendo apenas a entidade custodiante dos referidos produtos financeiros, ou seja, a entidade onde se encontram, obrigatoriamente registados, mas não aquela que responde pela sua emissão e comercialização. E, conclui, novamente, que não pode ser responsabilizada pelo reembolso da quantia em questão, a qual não se encontrava depositada na conta do Autor, enquanto depósito bancário, e que não está protegida pelo Fundo de Garantia de Depósitos, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 166.º do RGICSF. A final, sustenta a sua ilegitimidade substantiva para a demanda por não ser o sujeito passivo do direito invocado pelo Autor. O Autor respondeu, repetindo, em síntese, a argumentação da petição inicial, na parte em que refere que, ao ter considerado os valores em causa, como ativos, nos extratos que lhe foram enviados, assumiu, deliberadamente, a relação de cliente relativamente a contas bancárias que apenas envolviam obrigações subordinadas. *** Findos os articulados, a juíza a quo fez constar que ante a configuração da causa, conforme delineada pelas partes, não se discutindo matéria de excepção dilatória, mas antes, matéria de excepção peremptória (i)legitimidade material ou substantiva), ante a natureza desta e os documentos juntos, afigura-se que os autos estão instruídos com os elementos necessários à prolação de decisão, pelo que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 591.º, n.º. 1, al d) e 595.º, n.º 1, al. b), aplicáveis ex vi artigo 597.º, todos do CPC, de seguida, proferiu saneador-sentença em que absolveu a Ré do pedido.Inconformado com a referida decisão, interpôs o Autor recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: i.O Recorrente, em 21 de Maio de2012, adquiriu 6 (seis) obrigações Y 12/19 SUB, no valor de €1.000,00 (mil euros) cada uma, e sempre recebeu informações sobre todas as operações de pagamento de cupões relativamente aos juros acumulados, ii.O que sucedeu inclusivamente após a transferência do Banco Y, S.A. para a esfera jurídica da Recorrida, tendo o Recorrente recebido comunicações até ao momento donde resultam os valores de que é credor. iii.Aquando a sua partida para Barcelona, por ocasião de uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional, o pai do Recorrente dirigiu-se a uma agência da Recorrida para proceder ao levantamento dos valores que detinha, os quais foram recusados pela entidade bancária, o que motivou a presente ação. iv.Em primeira instância, foi proferido despacho saneador/sentença que absolveu a Recorrida da instância, por alegada falta de legitimidade passiva. v.A sentença recorrida não considerou as comunicações periodicamente enviadas pela Recorrida ao Recorrente, nem a forma como esta se assumiu contratualmente perante o Recorrente durante toda a vigência da relação entre ambos, que em rigor perdura até à presente data. vi.Sendo que em momento algum informou o Recorrente de que apenas seria uma entidade depositante, sempre tendo agido como se se tivesse sub-rogado na posição do Banco Y, S.A. vii.A Recorrida procedeu à abertura de uma conta Poupança ....”, a prazo por 1 (um) ano, com o capital de €26,00 (vinte e seis euros), sem o consentimento do Recorrente. viii.Que desconhecia as opções deliberadamente tomadas pela Recorrida relativamente à forma de gestão do seu dinheiro. ix.Assim, salvo melhor entendimento, a atuação da Recorrida consubanco Xancia manifesta má-fé contratual numa relação que existe e não pode ser ignorada, porquanto todas as ações que leva a cabo e comunicações que emite, a vinculam automaticamente, estabelecendo direitos e deveres indiscutíveis. x.Estas ações criaram uma legitima e fundada expectativa na esfera jurídica do Recorrente, no sentido de que os valores em causa existiam e existem, porque foram transferidos para a esfera jurídica da Recorrida, podendo, assim, ser levantados ou colocados à disposição a qualquer momento, o que se pretende. xi.Neste sentido, impõe-se considerar a relação pré-existente entre as partes, que indubitavelmente existe, bem como a sua especial natureza, resultando evidente a relação material controvertida entre o Recorrente e a Requerida, que não poderá ser ignorada. xii.De facto, a relação entre as parte extravasa a relação de crédito meramente formal, e terá sempre de ser considerada para efeitos de legitimidade para ser demandada numa ação em que a causa de pedir não se cinge à titularidade do crédito mas sim à violação de deveres a que a Recorrida está contratualmente vinculada. xiii.Sendo que a violação desses deveres, como sejam os deveres de informação, veracidade, clareza e transparência, é idónea a comprometer diretamente a relação de clientela em causa, xiv.Que fundamenta a causa de pedir levada a juízo pelo Recorrente. xv.Pelo exposto, o tribunal a quo não se pode descartar da obrigação de julgar este litígio por entender que existe uma resolução administrativa do Banco de Portugal que desobriga formalmente a Recorrida de alguns instrumentos financeiros respeitantes ao Banco Y, S.A.. xvi.Até porque os deveres a que a Recorrida está vinculada estendem-se a toda a relação com o Recorrente, independentemente das resoluções e transferências entre instituições bancárias que possam ocorrer. xvii.Sem esquecer a posição de superioridade que a Recorrida ocupa na relação com o Recorrente, em que este último é inquestionavelmente uma parte mais fraca, merecendo por tal um especial grau de proteção. xviii.Neste sentido, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que “estamos num território em que as declarações negociais não podem ser desviadas do sentido da ordem jurídica na sua globalidade. Isto é, apesar da legislação específica a que estão sujeitas as operações e os sujeitos bancários, as instituições financeiras e de crédito estão vinculadas às regras de direito positivo relativas à boa-fé e à lealdade e transparência contratuais sediadas no Código Civil”. (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2018, proferido no âmbito do processo nº 1581/16.8T8LRA.C2.S1, relator Bernardo Domingos). xix.E ainda que “no domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável […] Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações pelos seus próprios meios” (v. Acórdão supra mencionado). xx.Assim, deverá a Recorrida ser considerada parte legítima na presente ação. xxi.Acresce que a sentença em crise padece também de nulidade por omissão de pronúncia relativamente ao pedido do Recorrente quanto aos ativos tidos no Banco X. xxii.Isto porque, na sentença recorrida pode ler-se “de acordo com o extrato de 30 de setembro de 2012, relativo à conta de depósito nº 38433877, o autor titulava, além da carteira de obrigações em discussão, os montantes de €165,76, em depósitos à ordem e de €508,26 em depósitos a prazo. Estas contas depósito, tratando-se de um ativo do Y, transferiram-se para o BANCO X, conforme dá conta o extrato consolidado do período compreendido entre 1 e 30 de outubro de 2016. Por isso, assiste razão ao autor quando diz que passou a ser cliente do BANCO X”, xxiii.E a decisão final, que haveria de, pelo menos condenar a Recorrida entrega destes valores que o Tribunal considera como devidos pela Recorrida, decide pela improcedência total da ação com fundamento na ilegitimidade passiva. xxiv.Ora, ao considerar que há uma relação de crédito entre o Recorrido e Recorrente relativamente à quantia de €165,76 em depósitos à ordem e €508,26 em depósitos a prazo, o pedido devia ter sido, pelo menos, julgado parcialmente procedente nesta parte, atenta a própria fundamentação da decisão. xxv.Contudo, a decisão final carece de pronúncia relativamente a estes valores, xxvi.E limitou-se a julgar improcedente a ação no seu todo com fundamento na falta de legitimidade da Recorrida relativamente a parte do pedido. xxvii.Ora, independentemente de se considerar que a Recorrida é parte ilegítima no que respeita aos valores relativos à carteira de títulos, xxviii.Tal fundamento não se estende aos restantes valores peticionados, dos quais a Recorrida nem sequer alega ser uma mera entidade custodiante, xxix.Com a qual o Recorrente mantém inquestionavelmente uma relação de crédito. xxx.Pelo que não carece de legitimidade para ser demandada. xxxi.Por se tratar de uma situação distinta não se poderia aproveitar a fundamentação da decisão pela ilegitimidade respeitante à relação inerente à carteira de títulos, pelo que se verifica também a omissão do dever de pronúncia do julgador relativamente a este pedido formulado. xxxii.Pelos mesmos motivos, e por se verificar uma manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão proferida pelo Tribunal a quo, deverá a referida sentença ser considerada nula nos termos do disposto no artigo 615º, nº1, alínea c) do Código de Processo Civil. xxxiii.Em suma, entende-se que a douta sentença recorrida viola as normas constantes nos artigos 660º, nº2, 615º, nº1 alínea c) do Código de Processo Civil. xxxiv.Pelo exposto deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida no que toca à absolvição da instância da Ré, ora Recorrida, xxxv.E, em consequência, ser a Recorrida condenada no pedido. O Réu apresentou contra-alegações, nas quais formula as seguintes conclusões: I. Vem o Recorrido, mui respeitosamente, manifestar a sua inteira discordância relativamente às considerações e conclusões constantes das alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente/Autor B. V., as quais visam a revogação e substituição da sentença proferida nos autos que julgou totalmente improcedente, por não provada, a acção, e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido. II. De facto, ao contrário do referido pelo A./Recorrente, bem esteve o Tribunal a quo a julgar improcedente a acção. III. Em causa está apurar se o passivo a que os autos se reportam se mostra transferido para o BANCO X, S.A. por força da medida de resolução aplicada pelo BANCO DE PORTUGAL ao Y-BANCO Y, S.A. ou não e, neste último cenário, se lhe pode ser imputada alguma outra responsabilidade. IV. Com efeito, na acção declarativa sob forma de processo comum, o Autor peticiona a condenação do Réu no reembolso, ao mesmo, do valor que terá investido, junto do Y em obrigações, bem como no pagamento dos respectivos juros, e ressarcimento por danos patrimoniais e não patrimoniais. V. Alega, para tanto e em síntese, que, em maio de 2012, adquiriu 6 (seis) obrigações da espécie Y 12/19 SUB, com o código ISIN ......, no valor de € 1.000,00 cada uma, logo no valor total de € 6.000,00., que passaram a estar reflectidas na carteira de títulos n.º 38433877. VI. Mais alega, o A., que, no inicio do mês de setembro de 2019, tentou proceder ao levantamento do referido valor que tinha investido e que sempre se encontrou reflectido nos extractos bancários que vinha recebendo, mas foi então informado que os referidos valores não podiam ser entregue, nem colocados à disposição, pelo facto de se tratarem de obrigações relativas ao Y e que não tinham transitado para o BANCO X, S.A. VII. Concluindo que, ao assumir, em todos os extractos enviados ao A. que este possuía um saldo positivo, onde se contabilizava sempre o valor investido em carteira de títulos (entretanto renumerada para o n.º 0008.01629315016), o R. se tornou responsável, não só pela informação prestada, mas também pela própria titularidade e obrigação de reembolso do valor relativo ao instrumento financeiro. VIII. Por fim, na tese do A., com a deliberação do Banco de Portugal, datada de 19 de Dezembro de 2015, que transferiu a actividade bancária do “Y – BANCO Y, S.A.” para o BANCO X, S.A., aqui Recorrido, e na sequência da qual a conta à ordem que possuíam aberta em seu nome foi transferida para este Réu, também se teria transferido a concreta responsabilidade imputada. IX. Ora, é verdade que, através das Deliberações do Banco de Portugal de 19 e 20 de Dezembro de 2015 (ambas disponíveis em www.bportugal.pt), o Y – BANCO Y, S.A. foi submetido à medida de resolução prevista na alínea a) do n.º 1 artigo 145.º E do “RGICSF”, e, por via das mesmas, o BANCO X, S.A. adquiriu uma parte determinada e determinável de activos e passivos dessa instituição bancária. X. No entanto, na sentença recorrida, entendeu-se, e bem, que o alegado crédito invocado nos presentes autos corresponde a uma situação que cabe nas hipóteses de exclusão de transferência previstas no Anexo 3 da Deliberação do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015, com a redacção da deliberação “clarificadora” de 04 de Janeiro de 2017. XI.Entendeu a sentença recorrida que foram transferidos para o BANCO X os direitos e obrigações, que constituem os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, do Y – Banco Y, S.A., descritos no seu anexo 3, com excepção de quaisquer obrigações ou responsabilidades emergentes de instrumentos de dívida subordinada, incluindo, entre outras, as que se encontram identificadas no anexo A (vide, ponto 1, als. a) e b), subal. i) do anexo 3). XII. Ora, no dito anexo A constam, na categoria de dívida subordinada não elegível XIII. Mais, continua a sentença em riste que o facto de se mencionar a carteira de títulos no extracto do autor resulta da obrigação legal de transparência, relativamente a um passivo, que existe, registado nas operações do Y, mas tal não constitui o R., que não adquiriu esse passivo, em devedor do A. XIV. Por conseguinte, a ré também não é responsável pelo ressarcimento de quaisquer prejuízos causados ao autor com a recusa de pagamento, por ser legítima, uma vez que não é o sujeito passivo do direito de crédito do autor. XV. Ora, invoca o A./Recorrente, como móbil para ter apresentado o presente recurso, desde logo que o Tribunal a quo considerou o R. parte ilegítima, mas a ilegitimidade processual passiva é uma excepção dilatória que é de conhecimento oficioso e acarreta a absolvição da instância e, in casu, quanto às obrigações, o Sr. Juiz considerou o R. parte ilegítima substantivamente e, como tal, absolveu-o do pedido. XVI. Assim, como bem resulta da sentença recorrida, o Mmo. Juiz a quo decidiu as questões que o A. submeteu à apreciação do Tribunal, tendo considerado o Banco R. parte legitima para acção (pressuposto processual), mas, a final, parte ilegítima no pedido (ilegitimidade substantiva) no que diz respeito ao pedido de restituição do valor das obrigações e seus juros, julgando também improcedente o pedido relativamente aos demais danos peticionados. XVII. Mais, vem o Recorrente alegar, em 35., que “a Recorrida ocupa, na relação material controvertida, uma posição superior, de força, que lhe confere, consequentemente, uma maior responsabilidade e um leque mais abrangente de deveres que vinculam toda a sua actuação”, mas tal é, para além de descabida, uma alegação nova que não pode ser apreciada por este Venerando Tribunal de recurso. XVIII. Continua o A., nas suas alegações e mantendo grande confusão, que a sentença em riste não teve em consideração os valores que reconheceu lhe serem devidos pelo Recorrido, mas valores são os constantes da parte inicial do ponto 2 da matéria de facto assente e, além de terem sido apurados à data de 30 de setembro de 2012, os mesmos nunca integraram o pedido. XIX. Assim, dever-se-á concluir que não existiu qualquer omissão de pronuncia que inquine a sentença proferida com nulidade, dado que nunca a restituição de tais valores integrou o pedido formulado pelo A. XX. Mutatis mutandis o mesmo se refira quanto à alegada nulidade da sentença por contradição entre fundamentação e decisão, já que o Tribunal a quo apenas chamou à colação a conta de depósito à ordem e a conta de depósito a prazo para confirmar que o A. passou a ser Cliente do Banco R., para o qual se transferiram as referidas contas. XXI. Mas, pelo contrário, quanto às obrigações, a responsabilidade pelo reembolso do valor e pelo pagamento dos juros permaneceu no Y, sendo o Banco R. tão só a entidade custodiante das mesmas. XXII. Não existe, assim, qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão proferida pelo Tribunal a quo – decisão essa que absolver o Banco do pedido – sendo, pois, a mesma plenamente válida. XXIII. Nesse seguimento, atendendo a tudo quanto ficou exposto e ao que demais resultar do douto suprimento de V.as Ex.as deve ser negado provimento ao presente recurso e confirmar-se, na íntegra, a aliás mui douta sentença recorrida, assim se fazendo inteira Justiça. Termos em que deve a douta sentença recorrida ser confirmada. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC). No caso vertente, apesar das confusas conclusões apresentadas pelo Recorrente que parte do erróneo pressuposto de que em primeira instância, foi proferido despacho saneador/sentença que absolveu a Recorrida da instância, por alegada falta de legitimidade passiva, dizendo pretender que a Recorrida seja considerada parte legítima na presente ação, quando, na realidade, já o foi, sendo fundamento da decisão recorrida, não a ilegitimidade processual, mas sim a denominada “ilegitimidade substantiva”, que contende com o mérito da ação, conduzindo à absolvição do pedido, apesar disto, dizíamos, com algum esforço percebe-se que aquilo que verdadeiramente o Recorrente pretende é, em última análise, que o tribunal julgue este litígio partindo de um outro enquadramento jurídico dos factos (visando, a final, a procedência do pedido), o que, a assistir-lhe razão, necessariamente, implicará indagar se, para apreciação do mérito, devem os autos prosseguir os seus termos para realização do julgamento. Assim interpretada a pretensão do Recorrente, as questões a decidir são as seguintes: - Saber se a sentença é nula por omissão e por contradição; - Saber se no saneador-sentença proferido se fez opção pela adequada solução jurídica, pondo-se corretamente fim ao processo, ou se, pelo contrário, o correto enquadramento jurídico do quadro factico assente e do mais alegado na petição inicial, implica que os autos prossigam para instrução sobre a matéria que deva ainda considerar-se controvertida. * III. FUNDAMENTOSOs Factos Na primeira instância, foi a seguinte a decisão relativa à matéria de facto provada: Ante a posição assumida pelas partes nos articulados avaliada à luz dos documentos juntos aos autos, concretamente, os extractos bancários anexos à petição inicial e a cópia da deliberação de resolução adoptada pelo Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015, na redacção que lhe foi conferida pela deliberação de 04 de Janeiro de 2017, acompanhada dos seus anexos 3 e 3-A, apresentada pela ré, pode, desde já, dar-se por assente a factualidade seguinte: 1. Em 21 de Maio de 2012, o autor adquiriu seis obrigações da espécie Y 12/19 SUB, com o código ISIN ........., no montante de € 6.000,00 (seis mil euros), operação que ficou registada na conta DO .........77. 2. No extracto de 30 de Setembro de 2012, relativo à conta id. em 1., estão reflectidos os montantes de € 165,76, em depósitos à ordem, € 508,26, em depósitos a prazo, e € 6.000,00, em títulos. 3. No extracto de 1 de Outubro de 2015, relativo à conta id. em 1., está reflectido o montantes de € 6.000,00, relativo a obrigações Y 12/19 SUB. 4. Por escrito, datado de 19 e 20 de Dezembro de 2015, o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou aplicar uma medida de resolução ao Y – Banco Y, S.A., alienando ao Banco X, S.A., os direitos e obrigações, que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, do Y – Banco Y, S.A., descritos no seu anexo 3. 5. Por escrito, datado de 4 de Janeiro de 2017, o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou a “Clarificação, rectificação e conformação dos perímetros de transferência dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Y – Banco Y, S.A. para a K, S.A. e para o Banco X, S.A.”. 6. De acordo com os pontos 1, als. a) e b), subal. i) do anexo 3 id. em 4., são objecto de transferência para o adquirente, X, S.A., os activos, registados na contabilidade, e as responsabilidades do Y perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, com excepção de quaisquer obrigações ou responsabilidades emergentes de instrumentos de dívida subordinada, incluindo, entre outras, as que se encontram identificadas no anexo A. 7. Do anexo A referido em 6. constam, na categoria de dívida subordinada não elegível para fundos próprios, as obrigações 2012-1019 Sub. 8. Nos extractos de 30 de Junho de 2016 e 30 de Setembro de 2016, relativos à carteira 38433877, está reflectido o montante de € 6.000,00, relativo a obrigações Y 12/19 SUB. 9. No extracto consolidado do período compreendido entre 1 e 30 de Outubro de 2016, relativo à conta n.º 008.07020265020, estão reflectidos os montantes de € 287,04, em depósitos à ordem, € 26,00, em depósitos a prazo, e € 6.000,00, em títulos. * O Direito.- Das arguidas nulidades da sentença A primeira questão que importa resolver é a de saber se a sentença recorrida é nula. Defende o Recorrente que a sentença em crise padece de nulidade por omissão de pronúncia relativamente ao pedido do Recorrente quanto aos ativos tidos no Banco X e, por outro lado, que também é nula por se verificar uma manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão proferida pelo Tribunal a quo. Que dizer? A sentença, como ato jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC. De acordo com a primeira parte da alínea c) do nº 1 deste preceito, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Fundamento esse, de nulidade da sentença, que bem se compreende, pois que os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário. Pelo que constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada. A respeito da dita nulidade, explanam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, II vol., pág. 670: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença”. Importa, porém, desde logo advertir que, como se enfatiza no Acórdão da Relação do Porto de 02.05.2016 (Relator – Correia Pinto), tal falha, “enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal – ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente”. Por seu turno, a omissão de pronúncia como causa de nulidade da sentença, prevista na alínea d) do nº 1 do art. 615º, reporta-se “à falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar e não de argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos pelas partes, aos quais não tem de dar resposta especificada ou individualizada» (entre outros, Acórdão do S.T.J. de 04.06.2019, citando Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª ed., pág. 91). Começando pela invocada omissão de pronúncia. Como é bom de ver, a sentença recorrida, não só estatuiu sobre todo o pedido formulado pelo Autor, julgando-o improcedente na sua totalidade, como abordou a questão fundamental colocada pela demanda, qual seja, a de saber se o Réu está obrigado a entregar ao Autor o alegado montante relativo às obrigações que este detém sobre o Y e ainda a indemnizá-lo pelos danos alegadamente causados com a sua recusa, a tal questão tendo respondido negativamente, afigurando-se-nos uma evidência não ter a sentença de pronunciar-se sobre a existência ou não da obrigação, por parte do Réu, de entregar ao Autor os montantes de €165,76, em depósitos à ordem e de €508,26 em depósitos a prazo, na medida em que o Autor não demandou o Banco Réu para que ele procedesse à entrega de tais valores mas sim ao pagamento do valor de 6.323,17 € alegadamente correspondente a obrigações no valor de 6.000,00 €, acrescidas dos respetivos juros no valor de 323,17 €, assistindo, pois, razão ao Réu quando diz que não existiu qualquer omissão de pronúncia que inquine a sentença proferida com nulidade, dado que nunca a restituição de tais valores integrou o pedido formulado pelo A. Por outro lado, inexiste qualquer contradição lógica entre a circunstância de na sentença recorrida se ler “de acordo com o extrato de 30 de setembro de 2012, relativo à conta de depósito nº 38433877, o autor titulava, além da carteira de obrigações em discussão, os montantes de €165,76, em depósitos à ordem e de €508,26 em depósitos a prazo. Estas contas depósito, tratando-se de um ativo do Y, transferiram-se para o BANCO X, conforme dá conta o extrato consolidado do período compreendido entre 1 e 30 de outubro de 2016. Por isso, assiste razão ao autor quando diz que passou a ser cliente do BANCO X” e na decisão final se decidir pela improcedência total da ação, não se condenando a Recorrida à entrega dos aludidos valores, porquanto, no caso concreto, certo que, como se disse, tampouco há qualquer pedido formulado no sentido de tal entrega, nem em abstrato se pode prefigurar qualquer contradição lógica entre aquele segmento da fundamentação da decisão e a absolvição do Réu do pedido. Em conclusão, no caso, a sentença não padece dos arguidos vícios. - Da subsunção jurídica dos factos Considerando que estamos, perante um saneador-sentença, importa, antes do mais, recordar que, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 595º do CPC, o despacho saneador destina-se a conhecer imediatamente do mérito da causa, “sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas”, no que, para o caso interessa, a apreciação total dos pedidos deduzidos. Frisam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in CPC Anotado, pág.´s 696 e 697, que o juiz deve conhecer do pedido sempre que não exista matéria controvertida suscetível de justificar a elaboração de temas de prova e a realização da audiência final, assim sucedendo quando, para além de outras hipóteses que elencam, “seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que permaneçam controvertidos: se o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da ação, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil o prosseguimento da ação para audiência final”, ao que acrescentam que “nem sequer está afastada a possibilidade de apreciação do mérito, apesar da existência de outras soluções plausíveis da questão sustentadas em matéria de facto ainda controvertida, desde que o juiz esteja ciente da segurança da sua decisão, embora neste caso deva avaliar os riscos de uma posterior anulação pela Relação, com fundamento na necessidade da sua ampliação da matéria de facto (art. 662º, nº 2, in fine); na verdade, a sua eventual revogação (no âmbito do recurso interposto nos termos do art. 644º, nº 1, al. b)) pode prejudicar o efeito de aceleração emergente da antecipação parcial da apreciação do mérito da causa; é aqui que a utilização do prudente critério do juiz pode servir para selecionar os casos em que, apesar das divergências, se justifica o julgamento antecipado, no confronto com aqueles em que será preferível a enunciação dos temas da prova e a posterior atividade instrutória, com vista ao apuramento dos factos que interessem à correta e completa integração jurídica; como critério geral de atuação deve o juiz optar entre proferir a decisão do mérito da causa ou relegá-la para depois da audiência final, depois de fazer um juízo de prognose acerca da relevância ou não dos factos ainda controvertidos”. Assim parece também entender Lebre de Freitas (in “A ação declarativa comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª Ed., 2013, pág. 217, e nota de rodapé nº 20). Especificamente no que toca às consequências que destas posições advêm para o julgamento do recurso do saneador-sentença, defende Paulo Ramos de Faria nas conclusões exaradas no artigo da Revista Julgar Online, publicado em outubro de 2019, denominado “Relevância das (outras) soluções plausíveis da questão de direito”, pág. 52, que “sendo interposto recurso do saneador-sentença, e estando efetivamente assentes todos os factos essenciais relevantes respeitantes à solução de direito adotada na decisão impugnada, o processo só deve prosseguir no tribunal a quo quando o tribunal da Relação, depois de afirmar (à luz dos factos alegados) que o direito aplicável ao caso não é o definido pelo tribunal recorrido, conclui que permanece controvertida a factualidade alegada idónea para constituir a base da decisão que aplica o direito adequado”, prosseguindo o processo “para as fases de instrução e discussão da causa”. Por outras palavras, “a existência de outras soluções plausíveis, continuando controvertida a factualidade que as sustenta, não tem uma utilidade operativa autónoma, não constituindo um critério suficiente de procedência do recurso. O fundamento decisivo da cassação é a adoção errada (…) pelo tribunal a quo de um certo enquadramento jurídico sobre o mérito da causa (…). Este erro obriga à instrução da causa (salvo se o enquadramento adotado pelo tribunal ad quem também assentar em factos assentes).” Feitas estas breves considerações genéricas sobre a legalidade e oportunidade de prolação de saneador-sentença, importa, agora, considerar o caso concreto. In casu, como de seguida se explanará, independentemente dos diversos enquadramentos jurídicos possíveis da situação fáctica considerada assente pela primeira instância (que não se mostra impugnada) e da controvérsia que ainda persista sobre a restante factualidade alegada na petição inicial, sempre a ação estaria votada ao insucesso e, assim sendo, é de concluir que o presente é efetivamente um dos casos em que é inútil o prosseguimento dos autos para audiência final, tendo a primeira instância procedido corretamente ao antecipar a formulação do juízo de improcedência da ação, absolvendo o Réu do pedido na fase do saneador. Senão vejamos. O Autor assentou a sua pretensão de condenação do Réu no pagamento do valor investido, acrescido dos respetivos juros, e, ainda, de indemnização pelos danos que elenca no facto de, após a aquisição do Banco Y por parte do Réu, ter o Autor continuado a receber no seu domicílio comunicações enviadas pelo Réu – Banco X, nomeadamente extratos dos instrumentos financeiros, onde constavam resumos da carteira de títulos n.º 38433877, relativamente à titularidade de obrigações no valor de €6.000,00 (seis mil euros), acrescida de juros, o que perfaz um montante total disponível no valor de €6.323,17 (seis mil trezentos e vinte e três euros e dezassete cêntimos), comunicações essas que, segundo o mesmo, sempre referiram e assumiram a existência desse valor depositado no Réu, conforme se pode comprovar pelos extratos datados de 30-06-2016 até 28-06-2019. Tentando colorir juridicamente o alegado, o Autor afirma resultar o seu direito do facto de nunca ter sido informado da desresponsabilização por parte do Réu sobre as ações por si tituladas (…), mas, acima de tudo pelo Réu sempre ter agido como se os valores continuassem à disposição do Autor,(…) isto é, ao assumir em todos os extratos enviados ao Autor que este possuía um saldo positivo, onde se contabilizava sempre o valor investido em carteira de títulos, o Réu torna-se automática e indubitavelmente responsável, não só por essas informações prestadas, como pela própria titularidade do instrumento financeiro em si (sic), mais dizendo que a partir do momento em que a instituição bancária contabiliza e considera mensalmente os valores relativos à carteira de títulos supra mencionada, o cliente passa a ser credor dessa mesma instituição bancária, pretendendo, pois, desse modo, responsabilizar o Réu por comportamentos por este diretamente assumidos. Nas conclusões de recurso, insiste o Recorrente na violação de deveres a que a Recorrida está contratualmente vinculada (…) sendo que a violação desses deveres, como sejam os deveres de informação, veracidade, clareza e transparência, é idónea a comprometer diretamente a relação de clientela em causa. Que dizer? Em primeiro lugar, não há dúvida de que, face ao alegado, o Réu, a partir do momento em que assumiu o depósito das obrigações do Autor por via de transferência da carteira de títulos daquele junto do Y, passou a, na qualidade de intermediário financeiro, estar vinculado aos deveres a que alude o Autor, por força, no que para o caso importa, de um contrato para registo e depósito das obrigações, regulado pelo art. 291º, al. a) e art. 343º do CVM, na modalidade de simples custódia, consistente na simples guarda dos instrumentos financeiros depositados e na cobrança dos respetivos rendimentos – art. 405º CCom. e art. 1187º, al. c) do CC, em que o intermediário financeiro se obriga fundamentalmente a manter o registo e o depósito de instrumentos e valores por conta do titular, restituindo-os logo que assim o exija, obrigação essa que se concretiza fundamentalmente na prática do conjunto de atos referidos nos artigos 68º e 85º do CVM, v.g. lançamento a crédito e débito dos instrumentos adquiridos e alienados, bem assim como prestar um conjunto de serviços mínimos relativos à conservação e frutificação corrente daqueles, designadamente, creditação na conta do titular de dividendos, juros, reembolsos, etc. (cfr. José Engrácia Antunes, in Direito dos Contratos Comerciais, pág.’s 604 e 605). A respeito deste contrato e dos deveres de informação do intermediário financeiro a ales associado é elucidativo o Acórdão da Relação de Lisboa de 8.1.19 (Relator - Luís Filipe Sousa), onde se pode ler: “Quanto aos deveres associados a este tipo contratual, o intermediário está sujeito às obrigações de caráter geral bem como a obrigações de carater especial presentes no art. 306º-A, nº 1 do CVM.» (…) No que tange ao dever de informação do intermediário financeiro, há que não confundir a informação com o conselho nem com as recomendações, devendo a informação ser autonomizada da consultoria – Gonçalo Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Almedina, p. 138. Nesta sede, há que separar a informação pré-contratual da informação contratual ou pós-contratual, também designada de informação sucessiva. Refere Gonçalo Castilho dos Santos, Op. Cit., p. 140, que: «Encontramos um conjunto de informações que devem ser disponibilizadas pelo intermediário financeiro no âmbito da execução contratual – portanto, informação sucessiva. Trata-se se deveres acessórios de informação que, pela sua natureza visam permitir a satisfação do interesse do credor (cliente) e assegurar a inexistência de dano. Especificamente, reconduz-se a informação de índole operacional, no sentido que traduzem vicissitudes decorrentes do funcionamento dos sistemas e mercados. A esse propósito, atente-se nos exemplos do intermediário financeiro registador de valores mobiliários escriturais que deve prestar as informações que lhe sejam solicitadas pelos titulares dos valores mobiliários, bem como, independentemente dessa solicitação, extratos das contas e elementos necessário para o atempado cumprimento das obrigações fiscais; ou do intermediário financeiro que deve informar o cliente com quem tenha celebrado um contrato de intermediação financeira acerca da execução dos resultados das operações que efetue por conta deste.» Por sua vez, José Engrácia Antunes, “Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro, - Alguns Aspetos”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 56, 2017, p. 39, afirma que: «Já relativamente aos últimos (informação contratual e pós-contratual), incluem-se os já citados deveres informativos mínimos relativos aos serviços de intermediação efetivamente prestados (arts. 312.º-C e segs. do CVM), ao conteúdo mínimo obrigatório dos contratos de intermediação financeira, seja em geral (arts. 321.º-A e 322.º do CVM), seja relativo aos vários tipos contratuais em particular (arts. 323.º e 323.º-A do CVM), bem assim como os deveres informativos durante a fase de execução do contrato, incluindo a prestação de informações solicitadas pelos clientes (art. 85.º, nº 1, a) e nº 4 do CVM), de posições de risco não cobertas (art. 323.º-B do CVM), e de envio de extratos periódicos e demais informação relevante relativa ao património financeiro do cliente (art. 323.º-C do CVM, arts. 12.º e 28.º do Regulamento CMVM nº 2/2007, de 5 de novembro). De forma algo diversa, encontramo-nos aqui, em regra, diante de deveres acessórios de conduta do serviço ou contrato de intermediação financeira celebrado entre intermediário e cliente, destinados a assegurar o regular desenvolvimento da relação negocial e a plena satisfação dos interesses do cliente, não sendo de excluir, todavia, que alguns desses deveres informativos pós-contratuais possam corresponder a autónomos deveres secundários de prestação cuja violação seja igualmente fonte autónoma de responsabilidade civil para o intermediário (sobretudo, aqueles que visam informar o cliente das vicissitudes e dos resultados das suas operações de investimento, por forma a permitir-lhe tomar atempadamente eventuais decisões de desinvestimento)» (sublinhado nosso). Este dever colhe também fundamento no disposto no Artigo 304º, segundo o qual: «1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado. 2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente.» Os emitentes de valores que se encontram admitidos à negociação em mercado estão também obrigados ao dever de informação sobre factos relevantes – cf. Artigo 248º-A, nº1, do CVM e Marta Alexandra Fialho Portas, O Insider Trading nos Mercados Financeiros, FDUL, 2016, p. 59. Deste acervo de normas e contributos doutrinários infere-se que, na pendência da execução de um contrato de depósito e registo de instrumentos financeiros (como é o caso), o intermediário financeiro e custodiante não pode alhear-se das vicissitudes atinentes à entidade emissora das obrigações bem como à alteração da maturidade dos produtos, fatores suscetíveis de se repercutirem negativamente nos resultados e solidez do produto adquirido (no caso, obrigações), cabendo-lhe informar o investidor de modo a habilitá-lo a poder adotar, tempestivamente, condutas que minimizem ou previnam riscos não despiciendos e conhecidos, que ameacem a normal conservação e frutificação dos instrumentos financeiros.” Aceitando-se, como se aceita, a bondade do enunciado no referido acórdão, urge, porém, não esquecer que, mesmo no que toca à violação dos deveres informativos pós-contratuais que “possam corresponder a autónomos deveres secundários de prestação cuja violação seja igualmente fonte autónoma de responsabilidade civil para o intermediário” e independentemente da posição que se pretenda tomar sobre a questão da natureza jurídica da responsabilidade do intermediário financeiro, “certo é que, nos termos das normas juscivilisticas gerais (arts. 483.º e 798.º do Código Civil) e nos termos da específica norma jusmobiliária do art. 304.º-A do CVM, a responsabilidade civil do intermediário perante o cliente está sujeita aos tradicionais pressupostos da responsabilidade civil (delitual e contratual): a conduta ilícita e culposa (“violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade”), o dano (“obrigados a indemnizar os danos”), e o nexo de causalidade (“causados a qualquer pessoa em consequência” daquela violação).” (José Engrácia Antunes, in “Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro – Alguns Aspetos”, páginas 44 a 49, artigo publicado nos Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários – disponível em www.cmvm.pt). E, a propósito do nexo de causalidade – que para o caso se mostra de particular importância –, recorda-se no Acórdão desta Relação de 17 de dezembro de 2018 (Relatora - Raquel Baptista Tavares): “Como ensina Galvão Telles (citado por Pires de Lima e Antunes Varela, e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume IV, 4º Edição Revista e Actualizada, página 578) “determinada acção será causa adequada de certo prejuízo se, tomadas em conta as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar”. O artigo 563º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa (conforme escreve Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Volume I, 6ª Edição, página 871, por ser a mais criteriosa, deve reputar-se adoptada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada) e consequentemente, o artigo 563º deve interpretar-se “no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz, adequada desse efeito” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume IV, 4º Edição Revista e Actualizada, pág. 579).” De acordo com o referido pressuposto, exige-se, pois, que os danos ou prejuízos sofridos pelo cliente possam ser considerados como provocados ou resultantes da conduta (ativa ou omissiva) ilícita e culposa do intermediário financeiro, sendo, por outro lado, de reconhecer que, no que à responsabilidade no âmbito da intermediação financeira respeita e de acordo com a regra geral vigente, “a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano” (Acórdão da Relação de Guimarães de 21.05.2020, Relator – Jorge Santos, na linha do que, aliás, vem sendo o entendimento do STJ – cfr. Acórdãos do Supremo tribunal de Justiça de 17/3/2016 e de 06/11/2018). Ora, no caso, atendendo, como é forçoso, ao estritamente alegado na petição inicial, é de concluir, não só que o “sinistro” financeiro que ocorreu e que afetou o investimento efetuado pelo Autor é apenas um efeito determinado por uma operação financeira que, como muitas outras, comportava riscos, como também – e este ponto é fulcral – que a desvalorização das obrigações por aquele adquiridas e respeitantes a um banco que entrou em situação de rutura (o Y – Banco Y, S.A.) ocorreu em momento prévio a qualquer das descritas condutas do Banco Réu (o Banco X). Assim sendo, até por razões de ordem cronológica, impossível se torna afirmar que a ocorrência do dito “sinistro” foi provocada pelas condutas do Réu, revelando-se estas, no quadro alegado, mesmo naturalisticamente falando, totalmente alheias ao ocorrido (recorde-se, aliás, que nenhum dever contratual – de informação ou outro – incidia sobre o Réu antes da desvalorização das obrigações em causa se ter verificado, certo que, na altura da rutura financeira do Y, nenhuma relação ligava o Banco Réu ao Autor). Face a isto, independentemente da prova que viesse a produzir-se relativamente ao demais alegado, sempre seria totalmente inviável, por total falha do pressuposto relativo ao nexo de causalidade, a responsabilização do Réu por via de qualquer eventual incumprimento do dever de informação (necessariamente ulterior à redução da esfera patrimonial do Autor), o que torna irrelevante o apuramento de quaisquer outros factos eventualmente controvertidos. A única hipótese que, face à invocada conduta do Réu, se poderia vislumbrar, para efeitos do preenchimento do disposto no artigo 563º do Código Civil, seria a de o Autor ter alegado que caso o Réu, após o sinistro, tivesse inteira e claramente cumprido os seu deveres de informação, teria tomado, tempestivamente, esta ou aquela atitude e, por força delas, logrado reaver parte do investimento em causa, o que só não teria conseguido pela falta de informação alegada, alegação hipotética essa que, porém, nenhuma similitude tem com o quadro alegado pelo Autor para efeito de fundamentação da sua pretensão. Bem distinta da ora em apreço é a situação (essa, sim, similar à hipótese acabada de formular) sobre que versou o citado Acórdão da Relação de Lisboa de 08.01.2019 (Relator - Luís Filipe Sousa), que revogou o saneador-sentença de improcedência da primeira instância e ordenou o prosseguimento dos autos para julgamento, porquanto, no processo em que o mesmo foi proferido, em sintonia com o que acima se explanou a propósito da exigência da alegação e demonstração do nexo de causalidade, para além do mais, se mostrava alegado (e ainda controvertido) que: a.O Réu teve conhecimento da alteração do emitente para Telecomunicações … e que esta tinha uma fortíssima probabilidade de não recuperar o investimento em papel comercial RF., o que geraria, como gerou, perdas de cerca de 900 milhões de euros (152); b. Factos excecionais que originaram uma alteração significativa do risco do produto (153º); c. O N… Banco, enquanto intermediário financeiro, sabia que tinha ocorrido uma alteração do emitente bem como sabia que tinha sido antecipada a maturidade do produto para quem pretendesse exercer esse direito, de 27.7.2016 para 30.6.2015, bem como estava a par da degradação económico-financeira da OI e suas subsidiárias, inclusive da PTIF (173º); d. O Réu também sabia que o autor para usufruir desse direito de antecipação do reembolso do capital teria de manifestar a sua vontade até às 12 h do dia 30.6.2015 (174º); e. O Réu não informou o autor do referido em 173º e 174º (179º); f. Ao omitir tal informação, o Réu impediu o Autor de tomar decisões a que tinha direito, de forma esclarecida e livre (art. 183º). Mas, apesar de excluída a referida via de responsabilização do Banco Réu, poderá aqui falar-se de uma vinculação do mesmo, paralela àquelas que parte da jurisprudência do STJ tem vindo a reconhecer em fase pré-contratual perante declarações efetuadas pelo intermediário financeiro interpretadas como, tal como se entendeu no acórdão do STJ de 17.03.2016 (Relatora – Maria Clara Sottomayor), “a assunção de um compromisso perante o cliente (…) de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade” (uma verdadeira assunção de dívida, ato pelo qual uma pessoa, o assuntor, se vincula perante o credor a efetuar a prestação devida por outrem), podendo, por essa via, dizer-se, tal como no Acórdão da Relação de Coimbra de 02.02.2019 (Relator – Vítor Amaral), que o Banco Réu incorreu em “responsabilidade civil contratual porque o Banco violou o compromisso assumido no acordo feito com o cliente (garantia de restituição do capital e dos juros) e executou o contrato violando os deveres de boa fé (art. 762.º do CC)”? Desde já se dirá que não. Em primeiro lugar, face ao alegado, inexiste qualquer declaração expressa do Banco Réu no sentido da assunção da obrigação de restituição do valor investido. Assim sendo, em causa só poderia estar a assunção de uma tal obrigação de restituição por declaração tácita a ser extraída dos comportamentos do dito Banco. O artigo 217º do Código Civil estipula que a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação, tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam. A este respeito, é esclarecedora a explanação do Acórdão desta Relação de 854/16.9T8VCT.G1, de 23 de novembro de 2017 (Relatora - Raquel Baptista Tavares): “Quanto ao conceito de declaração negocial Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, página 416, 3ª Edição) define-a como o “comportamento que exteriormente observado cria a aparência de um certo conteúdo de vontade negocial, caracterizando depois a vontade negocial como a intenção de realizar certos efeitos práticos com ânimo de que sejam juridicamente tutelados e vinculantes”. Pedro Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 8ª Edição, página 401 a 402) considera a declaração negocial como um “comportamento voluntário que se traduz numa manifestação de vontade com conteúdo negocial feita no âmbito do negócio”; e mais refere, a propósito da distinção entre a declaração expressa e a declaração tácita (Ob. cit. página 406) que “deve ser tido como declaração expressa o finalisticamente dirigido a exprimir ou a comunicar algo” e como declaração tácita “o comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo”. (…) “É necessária por isso a verificação de factos dos quais se possa deduzir, com segurança, a vontade provável de ser emitida certa declaração, os quais devem ser concludentes ou significativos no sentido de se poder afirmar que, segundo os usos da vida, há toda a probabilidade de que o sujeito tenha querido, realmente, o negócio jurídico cuja realização deles se infere (neste sentido Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3ª Edição, página 226 e Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 4ª Edição, página 136). “Na declaração tácita, entre os factos concludentes e a declaração há um nexo de presunção, juridicamente lógico-dedutivo. A declaração não é formada pelos factos concludentes, deduz-se deles” (Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, página 60) cabendo ao juiz apurar se, de certo comportamento, se pode deduzir, de modo indirecto, mas com toda a probabilidade, certa vontade negocial (Carvalho Fernandes, ob. cit., página 328).” “Para haver declaração tácita "basta que o declarante haja praticado factos dos quais se possa deduzir, com segurança, a vontade provável de ele emitir certa declaração" (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3ª ed., 226). Nas conclusões do recurso, a este propósito, defende o Recorrente que a sentença recorrida não considerou as comunicações periodicamente enviadas pela Recorrida ao Recorrente, nem a forma como esta se assumiu contratualmente perante o Recorrente durante toda a vigência da relação entre ambos, que em rigor perdura até à presente data. Sem qualquer razão o faz. Com efeito, na sentença recorrida essas comunicações foram consideradas, sucedendo apenas que do teor de tais comunicações naquela se extraiu conclusão contrária à propugnada pelo Autor/Recorrente, como resulta do excerto que a seguir se reproduz: No entanto, na perspectiva do autor, uma vez que a ré lhe comunicou as operações de pagamento de cupões, mesmo após a aquisição do Banco Y, e uma vez expressos nos extractos bancários que foi recebendo no seu domicílio, os títulos em questão, está obrigada, por força do contrato de depósito celebrado, ao reembolso do investimento. Sempre ressalvado o devido respeito por entendimento em contrário, não lhe assiste razão. De acordo com o extracto de 30 de Setembro de 2012, relativo à conta de depósito n.º 38433877, o autor titulava, além da carteira de obrigações em discussão, os montantes de € 165,76, em depósitos à ordem, e de € 508,26, em depósitos a prazo. Estas contas depósito, tratando-se de um activo do Y, transferiram-se para o BANCO X, conforme dá conta o extracto consolidado do período compreendido entre 1 e 30 de Outubro de 2016. Por isso, assiste razão ao autor quando diz que passou a ser cliente do BANCO X. Todavia, a carteira de títulos, embora esteja registada no mesmo extracto, como não podia deixar de estar, porquanto os títulos existem, enquanto valor nominal, não se pode dar como adquirida pelo BANCO X, por ter ficado excluída da transferência de responsabilidades operada pelo Banco de Portugal, nos moldes já expostos. O que é o mesmo que dizer que, pese embora o BANCO X mantenha o registo dos títulos, conforme está obrigado, enquanto entidade custodiante, não é responsável pelo pagamento do investimento em dívida do Y. Isto sem que daí resulte violação dos seus deveres, enquanto entidade bancária, perante o autor, seu cliente. Efectivamente, o facto de mencionar a carteira de títulos no extracto do autor resulta da obrigação legal de transparência, relativamente a um passivo, que existe, registado nas operações do Y. O que não constitui a ré, que não adquiriu esse passivo, em devedora do autor. E, por ser assim, e pelo facto de mencionar nos extractos a carteira de títulos, não podia a ré ter inculcado no autor a convicção de que assumia a responsabilidade pela dívida subordinada do Y.(…) E, na verdade, sabendo-se que, como se afirma na sentença recorrida, resulta da leitura conjugada da dita deliberação (medida de resolução aplicada ao Y) com as deliberações de 20 de Dezembro de 2015 e de 4 de Janeiro de 2017, que foram transferidos para o BANCO X os direitos e obrigações, que constituem os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, do Y – Banco Y, S.A., descritos no seu anexo 3, entre eles, os activos, registados na contabilidade, tal como as contas/cliente, e as responsabilidades do Y perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, com excepção de quaisquer obrigações ou responsabilidades emergentes de instrumentos de dívida subordinada, incluindo, entre outras, as que se encontram identificadas no anexo A (vide, ponto 1, als. a) e b), subal. i) do anexo 3) e que no dito anexo A constam, na categoria de dívida subordinada não elegível para fundos próprios, as obrigações 2012-1019 Sub, detidas pelo autor – o que este último não questiona no presente recurso –, então, perante o quadro assente nos pontos 8. e 9. – onde consta que nos extractos de 30 de Junho de 2016 e 30 de Setembro de 2016, relativos à carteira 38433877, está reflectido o montante de € 6.000,00, relativo a obrigações Y 12/19 SUB e no extracto consolidado do período compreendido entre 1 e 30 de Outubro de 2016, relativo à conta n.º 008.07020265020, estão reflectidos os montantes de € 287,04, em depósitos à ordem, € 26,00, em depósitos a prazo, e € 6.000,00, em títulos –, o que se pode dizer é que, ao registar, como registou, nos extratos mensais (enviados ao cliente) a existência em depósito dos aludidos títulos com o valor correspondente ao investimento nominal efetuado, o Banco Réu, como custodiante, única qualidade em que, relativamente às obrigações em causa e de acordo com a resolução do Banco de Portugal, se encontrava perante o Autor, o fez em cumprimento do supra mencionado dever acessório de envio de extratos periódicos e demais informação relevante relativa ao património financeiro que tinha à sua guarda – dever a que está obrigado todo o custodiante –, sendo, por isso, inviável, a partir de tal comportamento, que nada tem de particular relativamente ao comportamento de qualquer outro custodiante de valores mobiliários, deduzir-se como provável, “segundo os usos da vida”, a existência, da parte do Banco Réu, de uma vontade de emitir uma declaração no sentido de pretender vincular-se perante o Autor à restituição do montante correspondente ao valor nominal daqueles títulos constante dos extratos, o que exclui a possibilidade de exigir tal restituição. Nessa medida, mais uma vez, se torna irrelevante o apuramento de quaisquer outros factos, bem tendo procedido a primeira instância ao conhecer do pedido no saneador, sem inutilmente avançar para a fase de julgamento. Em face do exposto, improcede, pois, integralmente a apelação. * Sumário:I – Sendo interposto recurso do saneador-sentença, “o processo só deve prosseguir no tribunal a quo quando o tribunal da Relação, depois de afirmar (à luz dos factos alegados) que o direito aplicável ao caso não é o definido pelo tribunal recorrido, conclui que permanece controvertida a factualidade alegada idónea para constituir a base da decisão que aplica o direito adequado”; II – Quando, face ao alegado pelo próprio autor para efeito de obtenção de uma indemnização, a desvalorização das obrigações respeitantes a um banco que entrou em situação de rutura ocorreu em momento prévio a qualquer das descritas condutas do réu, impossível se torna afirmar que a ocorrência do “sinistro” foi provocada pelas condutas do último, revelando-se estas, no quadro alegado, mesmo naturalisticamente falando, totalmente alheias ao ocorrido; III – Nessas circunstâncias, independentemente da prova que viesse a produzir-se relativamente ao demais alegado, sempre seria totalmente inviável, por total falha do pressuposto relativo ao nexo de causalidade, a responsabilização do réu por via de qualquer eventual incumprimento do dever de informação (necessariamente ulterior à redução da esfera patrimonial do autor), o que torna irrelevante o apuramento de quaisquer outros factos eventualmente controvertidos; IV – Por outro lado, ao registar nos extratos mensais (enviados ao cliente) a existência em depósito dos aludidos títulos com o valor correspondente ao investimento nominal efetuado, o banco réu, custodiante das obrigações, está a cumprir o dever acessório de envio de extratos periódicos e demais informação relevante relativa ao património financeiro que tem à sua guarda – dever a que está obrigado todo o custodiante –, sendo, por isso, inviável, a partir de tal comportamento, que nada tem de particular relativamente ao comportamento de qualquer outro custodiante de valores mobiliários, deduzir-se como provável, “segundo os usos da vida”, a existência, da parte do mesmo, de uma vontade de emitir uma declaração no sentido de pretender vincular-se perante o cliente à restituição do montante correspondente ao valor nominal daqueles títulos constante dos extratos, o que exclui a possibilidade de exigir tal restituição; V – Num tal quadro, é de concluir que, face ao direito aplicável, se torna irrelevante o apuramento de quaisquer factos ainda controvertidos, devendo conhecer-se do pedido – dele absolvendo o réu – no saneador, sem inutilmente se avançar para a fase de julgamento. IV. DECISÃO: Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando o saneador-sentença. Custas pelo Recorrente. Guimarães, 12.11.2020 Margarida Sousa Afonso Cabral de Andrade Alcides Rodrigues |