Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO SANTOS | ||
Descritores: | PLURALIDADE DE RÉUS FALTA DE CONTESTAÇÃO COMINAÇÃO REVELIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/05/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1- Em caso de pluralidade de réus, basta que um deles conteste para que, e relativamente aos factos que o mesmo impugnar, os factos articulados pelo autor não possam considerar-se como confessados/provados, mesmo em relação aos RR que nenhuma oposição deduziram. 2.- É que, como decorre do disposto na alínea a), do artº 485º, do CPC, a impugnação do contestante vem a aproveitar/beneficiar os demais RR, tornando-se a revelia destes últimos inoperante. 3.- E, a ineficácia da apontada revelia, vem a manter-se operante, mesmo que, relativamente ao único RR contestante, venha a respectiva instância a extinguir-se , v.g. em consequência de homologação de desistência do pedido. 4.- É que, até em razão do princípio da confiança - intrinsecamente ligado aos princípios da segurança jurídica e do Estado de Direito - os efeitos da única contestação apresentada devem perdurar até à decisão final do processo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães 1.Relatório. M… e esposa F…, intentaram acção declarativa de condenação sob a forma sumária contra: J… e esposa A…; J… & Filho, Lda. , e F…, pedindo que, reconhecendo-se como ilegais e abusivas determinadas obras e inovações efectuadas, sejam os primeiro e segundos RR condenados a: - remove-las no prazo razoável de sessenta dias contados da data de prolação da sentença ; - em igual prazo procederem ás reparações necessárias em consequência da retirada das inovações, designadamente a reparação integral e ás suas custas da cobertura sita sobre a fracção habitacional dos AA, correspondente ao oitavo andar esquerdo de modo a obstar á infiltração das águas pluviais para o interior da fracção; - em igual prazo procederem á reparação dos danos no interior da fracção enunciados nos item 22º da petição inicial . Mais peticionaram a condenação de todos os RR : - no pagamento solidário da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de indemnização pela impossibilidade objectiva de utilização e consequente arrendamento do imóvel desde Junho de 2007, até á data de propositura ; - no pagamento da quantia de € 6.66, correspondente ao valor locativo diário da fracção habitacional por cada dia de atraso no cumprimento do supra peticionado, a iniciar-se após a data da prolação da sentença. Para tanto, alegaram os AA, em síntese, que: - são donos e legítimos proprietários das fracções autónomas designadas pelas letras “D” e “AAG”, correspondentes a um armazém sito na cave e ao 8º andar esquerdo destinado a habitação, do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Av…, Valença, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valença, sob o nº ../Valença, correspondendo as fracções às descrições …/D e …/AAG - Valença, ali registadas a favor dos AA ; - Por sua vez, sendo os primeiros RR. donos e legítimos proprietários das fracções autónomas designadas pelas letras AH, AI e AJ, nas quais inicialmente instalaram um estabelecimento de restaurante designado por “Restaurante…”, o certo é que procederam eles à colocação de duas chaminés, que subindo ao longo da fachada nascente do prédio, passam por cima da varanda da fracção dos AA, até aterrarem na cobertura do prédio, sita por cima da fracção habitacional dos AA.,onde foram instaladas as máquinas extractoras dos fumos e cheiros de cozinha do restaurante ; - Sucede que, as apontadas “obras”, devido à deterioração que provocaram das telas e coberturas asfálticas existentes, não toleram ainda o constante pisar, calcar e colocar de ferramentas, peças, etc., sobre aquelas, fruto das várias intervenções de pessoas para proceder á reparação do sistema de extracção de fumos e cheiros, o que tudo provoca a infiltração das águas pluviais e levou ao apodrecimento de tectos e paredes. 1.1. - Citados todos os RR , apenas o réu F… contestou, o que fez por excepção (dilatória e peremptória) e impugnação, e , após resposta, foi designado dia para a Audiência Preliminar, sendo que, antes da respectiva realização e na sequência do óbito do primeiro réu ( J… ), procedeu-se à habilitação dos respectivos sucessores. 1.2. - Já no âmbito da Audiência Preliminar ( a 31/5/2012 ), vieram os AA, por requerimento “dirigido” para a acta, a desistir do pedido que deduziram contra o Réu F… ( por sinal o único Réu que contestou a acção), desistência que foi pela Exmª Juiz titular homologada por sentença, vindo de imediato a Audiência Preliminar por ser dada sem efeito. 1.3.- De seguida, conclusos os autos à Exmª Juiz titular, foi de imediato proferido despacho saneador/sentença que pôs termo à acção, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor : “ (…) Nos termos do disposto nos artigos 795º ex vi 784º ex vi 464º, todos do Código de Processo Civil e face à não contestação dos réus, considero reconhecidos e dessa forma provados os factos articulados pelos autores. Assim sendo, e aderindo aos fundamentos alegados pela autora, condeno os réus a: -reconhecer como ilegais e abusivas as obras e inovações supra enunciadas ; - serem condenados a remove-las no prazo razoável de sessenta dias contados da data de prolação da sentença; - em igual prazo procederem ás reparações necessárias em consequência da retirada das inovações, designadamente a reparação integral e ás suas custas da cobertura sita sobre a fracção habitacional dos AA, correspondente ao oitavo andar esquerdo de modo a obstar á infiltração das águas pluviais para o interior da fracção; - em igual prazo procederem á reparação dos danos no interior da fracção enunciados no artigo 22º da petição inicial; - no pagamento solidário da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de indemnização pela impossibilidade objectiva de utilização e consequente arrendamento do imóvel desde Junho de 2007, até á data de propositura; - a condenação de todos os RR ao pagamento da quantia de € 6.66 ( seis euros e sessenta e seis cêntimos), correspondente ao valor locativo diário da fracção habitacional por cada dia de atraso no cumprimento do supra peticionado, a iniciar-se após a data da prolação da sentença. Custas a cargo dos réus - artigo 446º n.º1 e 2 do Código de Processo Civil. Registe e notifique.” 1.4.- Inconformados com a referida decisão ( a indicada em 1.3. ), de imediato e em tempo atravessaram nos autos os RR J…(os respectivos herdeiros) e J… & Filho, Lda., requerimento de interposição de apelação, tendo na respectiva peça recursória formulado as seguintes conclusões : 1. Salvo o devido respeito que é muito a douta sentença é nula nos termos do disposto no artigo 668º, n.º 1 aliena b) do CPC e viola de forma flagrante o disposto nos artigos 463º e 485º ambos do CPC. 2. Os presentes autos seguem a forma de processo declarativo SUMÁRIO dado que têm um valor de 10.000€ (dez mil Euros). 3. O Réu F… contestou a presente acção. 4. E fê-lo impugnando a generalidade (quase a totalidade) dos factos alegados pelo Autor (cfr artigo 23º, 24º, 25º e 26º, da contestação a fls…). 5. Em audiência preliminar posterior à fase dos articulados veio o Autor desistir do pedido que havia formulado contra o Réu F…. 6. Face a esta desistência considerou o meritíssimo juiz a quo nos termos do disposto nos artigos 795º ex vi 784º ex vi 464º, todos do Código de Processo Civil e face à não contestação dos réus, considerou reconhecidos e dessa forma provados os factos articulados pelos autores. 7. Salvo o devido respeito que é muito errou de forma flagrante o meritíssimo juiz a quo e por várias razões: 8. Desde logo porque fundamenta essa decisão nos termos do disposto nos artigos 795º, ex vi 784º ex vi 464º do CPC, ora essas disposições legais dizem respeito ao processo declarativo com a forma sumaríssima, quando os presentes Autos seguem a forma sumária. 9. Em segundo lugar porque faz tábua rasa do disposto nos artigos 463º e 485º ambos do CPC. 10 .O artigo 463º expressamente remete para as disposições do processo ordinário. 11.O artigo 485º do C.P.C. de forma clara e expressa refere as excepção à revelia. 12.No caso dos presentes Autos os efeitos da revelia, nos termos do disposto no 484º, não têm qualquer aplicabilidade em face do disposto no artigo 485º do CPC. 13. Salvo, uma vez mais o devido respeito, errou o meritíssimo juiz a quo ao considerar provados todo os factos alegados e violou o disposto nos artigos 463º e 485º ambos do CPC. 14. Em primeiro lugar porque face à contestação apresentada pelo Réu F… onde expressamente impugna a generalidade dos factos alegados pelos AA os mesmos não podem ser dados como provados; 15. Em segundo lugar porque parte dos factos alegados apenas poderiam ser provados por documento, nomeadamente através da junção aos Autos da escritura de propriedade horizontal para se aferir qual o destino das fracções cujo uso se pretende fazer cessar.16.Ou seja a mera junção de certidões da conservatória do registo predial não são suficientes para dar como provado o alegado em 3º, 4º e 39º. 17.Em terceiro lugar por que o alegado pelo AA é ineficaz para produzir os efeitos jurídicos pretendidos. 18.Os próprios AA no artigo 4º da douta PI alegam expressamente que desconhecem a legalidade das obras realizadas e se as fracções se destinam a comércio. 19.Os AA apenas alegam que o restaurante foi ampliado para as fracções AD, AF e AC que supostamente se destinam a escritório. 20.Contudo não alegam que tipo de utilização os RR fazem dessas fracções. 21.De recordar que o Restaurante também precisa de escritórios para tratar de toda a parte administrativa que acarreta. 22.Nada é alegado que se possa subsumir a uma utilização indevida destas fracções, apenas genericamente se diz que o “o Restaurante foi ampliado…” nada mais!!!! 23.A douta sentença é nula nos termos do disposto no artigo 668º, n.º 1 aliena b) e c) do CPC. 24. A sentença é nula por absoluta falta de fundamentação de facto e sobretudo de direito. 25. O meritíssimo juiz a quo estribando-se no disposto nos artigos 795º, ex vi 784º ex vi 464º todos CPC limita-se tão só a aderir à fundamentação. 26. Repete-se por ser absolutamente importante que os presentes autos seguem a forma de processo SUMÁRIA. 27.No entanto a douta sentença está (mal, salvo o devido respeito) elaborada ao considerar que os presentes autos seguem a forma sumaríssima. 28.E estribando-se nas disposições legais acima referidas limita-se tão só e apenas a aderir aos fundamentos alegados. 29.Contudo e dada a forma de processo sumário devia ter aplicação o disposto nos artigos 795º, 484º ex vi do 463º todos do CPC. 30.Ou seja ao invés de pura e simplesmente aderir aos fundamentos dos AA deveria a douta sentença pronunciar-se sobre os factos alegados e (erradamente) dados como provados. 31.Ou seja pronunciar-se sobre se os factos alegados determinam ou não a procedência da acção. 32.E pronunciar-se de forma fundamentada. 33.Os presentes autos não revestem uma manifesta simplicidade ; 34.E por outro lado os factos (mal) reconhecidos por falta de contestação não determinam a procedência da acção, ou pelo menos essa matéria deveria ter sido objecto da devida fundamentação de direito. 35.Ora a sentença é absolutamente omissa limitando-se a (mal) a aderir aos fundamentos alegados na P.I. Nestes termos e nos doutamente supridos deverá: Deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos Autos. Ou caso assim se não entenda deverá a douta sentença ser declarada nula e consequentemente revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos Autos; Ou ainda que a douta sentença seja revogada e os RR absolvidos dos pedidos. O que representará um acto de JUSTIÇA 1.5.- Em sede de contra-alegações, os apelados vieram impetrar a manutenção da decisão recorrida, considerando mostrar-se estar ela elaborada com acerto e perfeita observância dos factos constantes dos autos e da lei aplicável, não padecendo de resto de qualquer nulidade e, por isso, entendem dever negar-se provimento ao recurso. * Thema decidendum Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem] da alegação do recorrente (cfr. artºs. 684º, nºs 2 e 3, e 685º-A, nº 1 ambos do Cód. de Proc. Civil ) e sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do Código de Processo Civil, as questões a decidir resumem-se a saber : I - Se a sentença recorrida se encontra ferida de nulidade , nos termos da alínea b), do artº 668º, do CPC ; II - Se a sentença recorrida incorreu em error in judicando, ao considerar como reconhecidos e dessa forma provados todos os factos articulados pelos autores. III- Se a sentença recorrida incorreu em error in judicando, ao julgar a acção in totum como procedente. *** 2.Motivação de Facto. Para além da matéria a que se alude no relatório que antecede, no que à tramitação dos autos concerne, recorda-se que no âmbito da factualidade provada , e alegadamente com base no disposto nos artigos 795º ex vi 784º ex vi 464º, todos do Código de Processo Civil , considerou o a quo, em sede de saneador/sentença, que “ considero reconhecidos e dessa forma provados os factos articulados pelos autores “. * 3.Motivação de direito. 3.1.- Se o saneador/sentença recorrido se encontra ferido de nulidade, nos termos da alínea b), do artº 668º, do CPC . Na respectiva peça recursória, invocam os apelantes a nulidade da sentença recorrida, alegando para tanto que a mesma padece do vício a que alude a alínea b), do artº. 668° do CPC , pois que , em rigor, não podia nela o julgador , e tal como o fez, limitar-se a aderir aos fundamentos de facto (e de direito) alegados pelos autores na respectiva petição, antes estava obrigado, e de resto de uma forma fundamentada, a indicar quais os factos - dos alegados pelos AA - provados . Adiantando desde já o veredicto a propósito do vício da sentença pelos apelantes invocado, é nossa convicção de que, manifestamente, não se verifica ele, de todo, olvidando no essencial a aplicação in casu, e porque de acção com processo sumário se trata, do disposto no artº 784º, do CPC . Senão, vejamos. Inquestionável é, que do disposto no artº 158º, do CPC (nº1), resulta claro que as decisões proferidas sobre um qualquer pedido controvertido são sempre fundamentadas, e, bem assim (nº2), que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. Em causa está, em rigor, a consagração na Lei adjectiva do princípio constitucional vertido no artº 205º da Lei Fundamental, no sentido de que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Aludindo a tal exigência constitucional, diz-nos v.g. Jorge Miranda e Rui Medeiros (1) que, em causa não está uma mera exigência formal, pois que, a fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objectivo - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjectivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários, sendo que, para a cumprir, há-de a “ fundamentação ser expressa, clara e coerente e suficiente, ou seja, não deve ser deixada ao destinatário a descoberta das razões da decisão; os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos ; a fundamentação deve ser adequada à importância e circunstância da decisão.” Já José Alberto dos Reis (2), referindo-se à referida exigência, explica que importa que a parte vencida conheça as razões por que o foi, para que possa atacá-las no recurso que interpuser. E, adianta ainda José Alberto dos Reis (3), “ Mesmo no caso de não ser admissível recurso da decisão, o tribunal tem de justificá-la , pela razão simples de que uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valeram os seus fundamentos. Claro que a força obrigatória da sentença ou despacho está na decisão ; mas mal vai à força quando não se apoia na justiça e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer de que a decisão é conforme à justiça”. Concluindo, e ainda como o refere José Alberto dos Reis (4), sendo a função própria do Juiz a de interpretar a lei e aplicá-la aos factos da causa, “ (…) deixa de cumprir o dever funcional o Juiz que se limita a decidir, sem dizer como interpretou e aplicou a lei ao caso concreto “. Em suma, manifesto é que o nosso legislador, e como regra, proíbe a fundamentação passiva, maxime por simples adesão/remissão, impondo que o julgador/decisor enuncie as razões subjacente ao comando decisório que emite, o que deve fazer/expor num discurso próprio, ancorado numa análise e ponderação também próprias. É assim que, e no que à sentença diz respeito [ recorda-se que, como dispõe o nº3, do artº 510º, do CPC, o despacho saneador que conheça imediatamente do mérito da causa, fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença ] , é o artº 659º , do CPC, expresso em dizer/exigir que , após a identificação das partes e o objecto do litígio - fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar - , seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final ( cfr. nº2 ), sendo que, no seguimento das apontadas exigências de fundamentação, mais adiante diz-nos o art.º 668, n.º 1, b), do mesmo diploma legal, que é nula a sentença (5) quando não especifique ela os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Finalmente, e no que concerne ao vício de nulidade de sentença, por ausência de fundamentação, importa atentar que, como é jurisprudência uniforme sobre tal matéria, apenas a falta absoluta de motivação o integra, ou seja, verificar-se-á ele quando ela - a motivação - não existe de todo, já não padecendo ela de nulidade quando, existindo tal fundamentação, é porém ela escassa, deficiente ou mesmo pobre (6). Do mesmo modo, e a propósito do apontado vício, é a doutrina também unânime em considerar que importa (7) distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada . É que, adverte Alberto dos Reis (8), o que a lei considera nulidade é “(…)a falta absoluta de motivação ; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. Chegados aqui, e analisada a decisão/sentença que é objecto da apelação, manifesto é que não integra ela, em rigor, os fundamentos de facto e de direito, nos termos exigidos pelo artº 659º, do CPC, limitando-se nela o julgador a aderir aos fundamentos alegados na petição inicial, o que como vimos já contraria o disposto no artº 156º, nº2, do CPC. Sucede que, estando em causa uma acção com processo comum e sob a forma sumária, é o artº 784º, do CPC, expresso em admitir/permitir que, “ Quando os factos reconhecidos por falta de contestação determinem a procedência da acção, pode o juiz limitar-se a condenar o réu no pedido, mediante simples adesão aos fundamentos alegados pelo autor na petição inicial.”, sendo que, in casu e em rigor, foi o que o a quo se limitou a fazer no âmbito da decisão apelada. É que, como decorre da citada disposição legal, e com a reforma de 1995 ( que eliminou o efeito cominatório pleno), institui-se no âmbito das acções com processo sumário a possibilidade de o julgador enveredar por uma forma de julgamento simplifi¬cado/aligeirado, bastando para tanto que não tenha a acção sido contestada , e , a matéria de facto reconhecida em conse¬quência da revelia operante do réu, determine - com segurança - a procedência da acção. E, ao enveredar por uma tal possibilidade legal , e como refere Lopes do Rego (9), não está o julgador a incorrer numa qualquer falta de fundamentação do decidido, em colisão com o princípio constitucional proclamado pelo art. 205º, n.° 1, da Lei Fundamental, antes está ele a servir-se de uma excepção ( existindo assim uma regra especial, que escapa à previsão do artº 659º, do CPC ) à regra procedimental constante do n.º 2 do art. 158.°, e a qual lhe permite, maxime em face da simplicidade da questão de direito e a ausência de controvérsia , a adesão aos fundamentos alegados pelo autor. Destarte, no seguimento do acabado de expor, e mais não se justifica dizer, não enferma portanto a sentença apelada de um qualquer vício formal de nulidade, por falta de fundamentação, antes se limita nela o julgador servir-se de prerrogativa que a lei adjectiva lhe confere . Improcedem, assim, as conclusões da apelação atinentes à nulidade por falta de fundamentação, sendo que a invocada - pelos apelantes - alínea c), do nº1, do artº 668º, do CPC, só pode compreender-se à luz de um qualquer lapso, desde logo porque, a existir uma falta de fundamentação, e por arrastamento, não podem obviamente os fundamentos (porque não existem) estar em oposição com a decisão. 3.2- Se a sentença recorrida incorreu em error in judicando, ao considerar como reconhecidos, e dessa forma provados, todos os factos articulados pelos autores. Não obstante um dos três RR ( o Réu F…) ab initio demandados ter deduzido oposição à acção, contestando, o que fez por excepção e impugnação, veio o tribunal a quo, no âmbito do saneador/sentença apelado, a considerar como reconhecidos e dessa forma in totum provados, os factos articulados pelos autores, o que fez , como o refere, ao abrigo e nos termos do “ disposto nos artigos 795º ex vi 784º ex vi 464º, todos do Código de Processo Civil “. A anteceder o saneador-sentença apelado, descobre-se no processado dos autos que, no tocante ao contestante ( o Réu F…) , e em sede de audiência preliminar, os AA declararam desistir do pedido deduzido contra o contestante e, tendo tal desistência sido homologada por sentença , de imediato a Exmª Juiz titular deu a mesma por encerrada, seguindo –se então ( após conclusão ) a prolação do saneador-sentença. Tudo aponta, portanto, que para o a quo, a desistência do pedido direccionado para o único réu contestante – em acção intentada contra vários réus - , e a consequente extinção da instância e do direito no tocante ao mesmo ( cfr. artºs 287º,alínea a), e 295º,nº1, ambos do CPC), vem a desencadear o afastamento no tocante aos demais RR que não contestaram a acção da excepção a que alude a alínea a), do artº 485º, do CPC. A nosso ver, e tal como o sustentam os apelantes, nada obriga/permite sufragar o entendimento do a quo, sendo ele de afastar. Senão, vejamos. Como decorre da conjugação do disposto nos artºs 463º,nº1 e 464º, ambos do CPC, é inquestionável que a revelia (absoluta ou relativa) operante (aquela que produz efeitos quanto à composição da acção e/ou decisão da causa) é afastada (passando a inoperante) quando se verificam concretas situações excepcionais, estando as mesmas expressamente previstas no CPC, e sendo elas comuns ao processo ordinário, sumário e sumaríssimo, pois que, na falta de uma regulamentação específica, vale para os dois últimos o que se encontra estipulado para o processo ordinário . E, de entre as apontadas excepções, destaca-se precisamente a prevista na alínea a), do artº 485º, do CPC, rezando tal disposição legal que não se aplica o disposto no artigo anterior ( ou seja, não são os factos articulados pelo autor considerados confessados pelo réu não contestante e citado regularmente na sua própria pessoa ) “quando havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar “. Ou seja, não obstante um réu ter sido ou devendo considerar-se como estando regularmente citado, e apesar de não ter contestado, estando reunidos todos requisitos necessários para o funcionamento da revelia, não vem porém a cominação fixada na lei para a revelia do réu a aplicar-se, o que equivale a dizer que não se impõe que se consideram confessados os factos articulados pelo autor. E, tal como o entende a doutrina de uma forma praticamente uniforme (10), a apontada excepção ( a da al. a), do art. 485º), abrange todos os casos de pluralidade de réus, seja ela de litisconsórcio necessário (art. 28º), seja voluntário (art.º 27º) ou até a coligação de RR ( cfr. artº. 30), pois que, no entender do legislador, nenhum sentido faria que, numa mesma acção, os mesmos factos pudessem ser considerados como não provados em relação a um dos réus, porque os impugnou, e como provados em relação aos restantes, que não ofereceram contestação. Por fim, importa atentar que, e agora como o foi já decidido por diversas vezes em sede de segunda instância (11), “os factos impugnados pelo réu contestante terão de se ter como impugnados qualquer que seja a sorte da acção em relação ao contestante “, ou seja, a revelia, de inoperante, não regride para operante se, por uma qualquer razão ( designadamente pela desistência do pedido dirigida pelo autor ao Réu contestante) , vem a extinguir-se o direito que o autor pretendia fazer valer perante o único contestante. É que, importa não olvidar, para além de a norma da al. a) do art. 485º do CPC, ter como desiderato afastar a “solução chocante” contida até à revisão de 1995-1996, nas formas de processo sumário e sumaríssimo, de poderem ficar provados, relativamente a alguns réus (revéis) certos factos que permaneciam controvertidos relativamente aos restantes contestantes, pretende e compreende-se outrossim em ordem a “ facilitar aos réus a possibilidade de delegarem, expressa ou tacitamente, em algum ou alguns deles, o ónus de contestar no interesse de todos” (12),razão porque não deve retirar-se aos réus a possibilidade de delegarem em um deles o encargo de contestar no interesse de todos (13). Ora, a assim não se entender, e como bem se chama a atenção no citado Ac., do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/3/2009, estar-se-ia a colocar seriamente em crise o princípio da confiança, “(…) já que os Réus não contestantes podiam, expressa ou tacitamente, ter delegado no contestante a tarefa de impugnar os factos no interesse dos demais”. E, sendo assim como se justifica que deva ser, há-de a situação de revelia e os efeitos da mesma aferirem-se à data e momento da apresentação da contestação, e mantendo-se eles até à decisão final do processo, razão porque (14), se “ Por exemplo, numa situação de pluralidade de réus, em litisconsórcio voluntário, apenas um deles contesta, mas impugna todos os factos articulados pelo autor, quer os que lhe são imputados que os que são imputados ao seu co-réu. A contestação do réu contestante aproveita ao réu não contestante, por força da citada al. a) do art.º 485.º do C.P.Civil. Se posteriormente o autor desiste do pedido que formulou contra o réu contestante, e ele é, por isso, absolvido do pedido, a situação de revelia não operante do réu não contestante perdura nos autos, tendo o autor de provar, em sede de audiência de julgamento, os factos que lhe imputa.” Dito isto, porque inquestionavelmente o reú F…, em tempo, apresentou contestação, nela impugnando diversos factos alegados pelos apelados na petição inicial, sendo muitos deles constitutivos do direito alegado pelos AA ( razão porque o ónus da respectiva prova lhes incumbe - cfr. artº 342,nº1, do CC), tal implica forçosamente ( cfr. artº 485º,alínea a), do CPC ) que a situação de revelia dos RR J… ( herdeiros) e J… & Filho, Lda., é inoperante, aproveitando a referida contestação ( no tocante aos factos impugnados) a estes últimos. Destarte, procedendo as conclusões dos apelantes, impõe-se a revogação do saneador-sentença apelado, devendo a acção prosseguir os normais termos após a prolação da decisão que, sem fundamento pertinente e algo precipitada, deu sem efeito a audiência preliminar designada para o dia 31/5/2012. 4.- Concluindo ( cfr. nº 7, do artº 713º, do CPC): 4.1- Em caso de pluralidade de réus, basta que um deles conteste para que, e relativamente aos factos que o mesmo impugnar, os factos articulados pelo autor não possam considerar-se como confessados/provados, mesmo em relação aos RR que nenhuma oposição deduziram. 4.2.- É que, como decorre do disposto na alínea a), do artº 485º, do CPC, a impugnação do contestante vem a aproveitar/beneficiar os demais RR, tornando-se a revelia destes últimos inoperante. 4.3.- E, a ineficácia da apontada revelia, vem a manter-se operante, mesmo que, relativamente ao único RR contestante, venha a respectiva instância a extinguir-se , v.g. em consequência de homologação de desistência do pedido. 4.4.- É que, até em razão do princípio da confiança - intrinsecamente ligado aos princípios da segurança jurídica e do Estado de Direito - os efeitos da única contestação apresentada devem perdurar até à decisão final do processo. *** 5.- Decisão. Em face do supra exposto, acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em, com base nos fundamentos expostos, revogar o saneador-sentença recorrido, a fim de os autos prosseguirem com a selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, nos termos do art.º 511.º do Código de Processo Civil. * Custas da apelação pelos apelados. *** (1) In CRP , Anotada, Tomo III, pág. 73. (2) In Comentário ao Código de Processo Civil, 1945, Volume 2º, págs. 172 e segs. (3) In Comentário ao Código de Processo Civil, 1945, Volume 2º, pág. 172 . (4) Ibidem , pág. 172. (5) “ acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresentar a estrutura de uma causa “ - cfr. artº 156º,nº2, do CPC. (6) Cfr. o Ac. do STJ de 5/5/2005, in www.dgsi.pt. (7) Cfr. J.O.Cardona Ferreira, in “ Guia de Recursos em Processo Civil, 5ª Edição, pág. 71. (8) Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, 1984, anotado, Volume V, pág. 140. (9) In Comentários ao Código do Processo Civil, 1999, pág. 523. (10) Cfr., de entre vários outros, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. 2, 2ª ed., pág. 299 ; José Lebre de Freitas, “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código Revisto”, Coimbra, Editora, 2000, pág. 77 e José Alberto dos Reis , in C.P.C. , Anotado, vol. 3º, 3ª ed., pág.12. (11) Vide, de entre outros, v.g. os Acs. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/3/2009, do Tribunal da Relação do Porto, de 21/9/2010 e do Tribunal da Relação de Évora, de 6/7/2004 , todos disponíveis in www.dgsi.pt. (12) Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, 2ª ed., pág. 348. (13) Cfr. José Augusto Pais do Amaral, in Direito Processual Civil, Almedina, 8ª ed., pág. 241 (14) Cfr. Ac. citado do Tribunal da Relação do Porto, de 21/9/2010. *** Guimarães, 5/2/2013 António Manuel Fernandes dos Santos António Manuel Figueiredo de Almeida Ana Cristina Oliveira Duarte |