Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
668/13.8TBCHV-B.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE PARENTAL
ALIMENTOS
PRESCRIÇÃO
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
ALTERAÇÃO DA PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Logo que a paternidade se mostre estabelecida, o sujeito activo da obrigação alimentícia é o filho. Assim, no caso em apreço, o sujeito passivo da obrigação alimentícia é o progenitor que foi condenado no seu pagamento e o sujeito activo é o filho menor, e não a sua mãe, a quem a prestação alimentícia é entregue.
II- Não se verifica a prescrição das prestações alimentícias vencidas há mais de cinco anos aquando da citação para este incidente de incumprimento, uma vez que o credor dos alimentos é o menor (ainda que representado por sua mãe) e, como tal, o prazo prescricional não se completa antes de decorrido um ano sobre a data em que este complete a maioridade (art.º 320.º n.º1, parte final).
III- O mesmo sucede relativamente ao crédito de juros de mora, uma vez que o citado art.º 320º do CC se aplica a qualquer obrigação de que o menor seja credor.
IV- O incidente de incumprimento previsto no art.º 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível não tem por objecto a falta de pagamento de alimentos ou outras quantias pecuniárias a cujo pagamento a sentença obrigou o incumpridor. Destina-se apenas a outros incumprimentos relativos à situação do menor, nomeadamente relativos a visitas, cujo incumprimento, por se tratar de prestação de facto positivo ou negativo infungível, exige a imposição de outros meios de coerção, nomeadamente sanções de natureza compulsória e indemnizatória.
V- Assim, não carecia a recorrida de ter suscitado o presente incidente, podendo ter recorrido directamente ao incidente previsto no art.º 48º do RGPTC (Lei 141/2015), semelhante ao previsto no art.º 189º da LTM (meios de tornar efectiva a prestação de alimentos) ou ao processo executivo, pois a sentença que condenou o recorrente a pagar os alimentos é título executivo suficiente – cfr. artºs 703º, nº1, al. a) e nº2, e 716º nº 5 do CPC (este último relativamente às despesas da componente variável).
VI- De qualquer forma e tendo sido utilizado este meio processual, certo é que não é no âmbito deste incidente que o requerido, aqui recorrente, pode requerer a alteração da prestação alimentícia.
VII - Para tal terá de requerer a alteração do regime (art.º 49º do RGPTC), Tal alteração constitui um incidente autónomo, processado por apenso – art.º 42º nº 2 al. b) do RGPTC – e não tem efeito retroactivo, ou melhor, apenas retroage à data da propositura do pedido de alteração, não tendo efeito sobre os alimentos anteriormente vencidos, tal como não o tem o pedido de alteração ou cessação da prestação alimentícia, processado por apenso à execução especial por alimentos, previsto no art.º 936º do CPC.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

Nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor F. T., veio a respectiva progenitora, S. T., deduzir incidente de incumprimento contra o progenitor do menor, M. F., alegando, em síntese:

– No dia 9 de Maio de 2014 foi proferida decisão, no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais referentes ao menor F. T., que determinou, designadamente, que o menor ficaria à guarda da mãe e o progenitor ficaria adstrito ao pagamento de €175,00 mensais a título de pensão de alimentos, acrescido do valor correspondente a metade das despesas médicas e de educação
– O requerido nunca procedeu ao pagamento das despesas de educação e saúde, bem como nunca procedeu ao pagamento de quantia superior a €80 mensais a título de pensão de alimentos.
– Encontra-se em dívida a quantia de €8.914,41, a título de pensão de alimentos, acrescida de juros de mora no montante de €1.446,30, bem como a quantia de €377,33, a título de despesas médicas e medicamentosas e €555,36 a título de despesas de educação e actividades. Num total de €11.310,11.
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Notificado para alegar o que tivesse por conveniente nos termos do art.º 41º, n.º3, parte final, do RGPTC, o progenitor apresentou contestação, invocando a prescrição das prestações alimentícias vencidas há mais de cinco anos – todos os valores peticionados até 29 de Março de 2015 deverão ser considerados prescritos (o que engloba pelo menos 3076,24€ a titulo de pensão de alimentos, acrescido das despesas médicas no valor de 171, 96€), bem como os respectivos juros de mora.
Invoca também a prescrição do pagamento de despesas escolares, designadamente as relacionadas com a creche (doc. 18 a 25 juntas com a p.i), prolongamento escolar (doc 9, 10, 12, 14, 15 juntas com a p.i), férias escolares (doc. 13), alimentação escolar (doc. 11), bem como as despesas decorrentes do apoio a tempos livres (doc. 6, 7 e 8 juntos na p.i.), anteriores a 29 Março de 2015.
Alega que, de qualquer forma, nem essas despesas nem as posteriores são devidas, porque a creche não é uma escola (designadamente em idade pré-escolar) e não é de frequência obrigatória. Além de que a alimentação já esta contemplada na pensão de alimentos, não devendo ter um custo duplicado.
Quanto às despesas relativas ao prolongamento, férias e apoio ao ATL, alega que não são despesas de educação, mas apenas complementos à actividade escolar, possivelmente derivados da indisponibilidade de horário da mãe. São despesas derivadas de actividades extracurriculares, que o progenitor não tem de pagar.
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Notificada a requerente para se pronunciar sobre a matéria de excepção, veio esta responder que a prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre seus bens, salvo se respeitar a acto para os quais o menor tenha capacidade e, ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano sobre a maioridade.
Deste modo e estando em causa um menor a excepção da prescrição invocada deve ser julgada improcedente.
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Os autos foram com vista ao Ministério Público, que se pronunciou em termos idênticos à progenitora, pugnando pelo indeferimento da excepção arguida.
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Foi então proferida a seguinte decisão
«(…)Em face do exposto, julgo improcedente a exceção da prescrição arguida pelo requerido, fixando-se o valor dos alimentos em dívida em 8.914,41 €
(…)Em face do exposto:
a) Fixa-se em 8.914,41 € o valor da pensão de alimentos devido pelo requerido ao menor, a que acrescem juros de mora vencidos até à instauração do incidente que ascendem a 1.446,30 € bem como os que, entretanto, se venceram e os que se vier a vencer até efetivo e integral pagamento.
b) Fixa-se em 188,66 € o valor devido a título de 50 % de despesas médicas e medicamentosas;
c) Fixa-se em 17,97 € o valor devido a título de 50% de despesas com as atividades letivas do menor.
Condenando-se o progenitor aqui requerido ao seu pagamento.
Custas pelo requerido.
(…)
Os termos da regulação do exercício das responsabilidades parentais têm de ser cumpridos, nos precisos termos acordados e homologado, nomeadamente no que respeita ao pagamento do montante da prestação de alimentos fixada, enquanto não for judicialmente alterada.
Na situação dos autos não é equacionada nem a fixação de uma multa nem o pagamento de uma indemnização a favor do menor ou da requerente.
A matéria da possibilidade/impossibilidade de suportar o valor da pensão de alimentos fixado extravasa o presente incidente, pelo que, não se conhece da mesma, devendo o requerido, caso o entenda, instaurar a competente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Notifique.»
*
Inconformado, o requerido interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

«1º O Recorrente não se conforma com parte da Douta sentença.
2º Entende que se verifica a prescrição das prestações alimentícias vencidas até cinco anos antes da data da citação para este incidente, já que o mesmo não exerce efetivamente o poder paternal sobre o seu filho, conforme foi decidido judicialmente nos autos principais.
3º A suspensão da contagem da prescrição, com todo o respeito, no caso em apreço não se aplica porque falta um dos pressupostos exigidos pelo artigo 318º alínea b) do C.C., que é o exercício efetivo do poder paternal.
4º O dito preceito legal refere “Entre quem exerça o poder paternal…” e não “Entre quem possa exercer…”.
5º Nesta situação o exercício do poder paternal foi atribuído em exclusivo á progenitora.
6º Por via disso aplicar-se-á o regime normal previsto na alínea f) do artigo 310º do CC relativamente á prescrição da pensão de alimentos.
7º É de entendimento do recorrente que o I. Tribunal ao julgar por não verificada a prescrição invocada referente ao pagamento da pensão de alimentos até cinco anos antes da citação para este incidente violou os artigos 318º alínea b) e 310º alínea f) do C.C.
8º A decisão recorrida também violou o artigo 310º alínea d) do CC ao não ter declarado prescrito os juros de mora vencidos até cinco anos, tendo em conta a data da propositura do presente incidente.
9º Independentemente de se verificar prescrito o pagamento da pensão de alimentos, os juros decorrentes dessa falta de pagamento por imposição legal, encontram-se prescritos.
10º O I. Tribunal a quo entendeu não apreciar os factos, nem as provas indicadas que versavam sobre a possibilidade/impossibilidade do recorrente suportar a pensão de alimentos por entender que ultrapassavam o incidente de incumprimento, devendo para o efeito intentar outra ação.
11º Também o recorrente não pode concordar porque é um direito que lhe assiste ter a possibilidade de provar factos que influenciem o mérito da causa.
12º Não permitir a discussão dos factos e a produção de prova sobre os mesmos diminui o seu direito constitucional de acesso á justiça.
13º Apesar de nestes autos se discutir o incumprimento do pagamento da pensão de alimentos é licito ao recorrente apresentar prova (e sobre ele impende o ónus) que justifique a sua atuação, devendo o I. Tribunal ordenar a sua produção (na nossa humilde opinião e com todo o respeito por opinião contraria).
14º Violou a douta sentença recorrida os artigos 342º do 2 do CC, o artigo 411º do CPC e o artigo 20º da CRP.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso proceder por provado e consequentemente ser revogada na parte recorrida, a douta sentença judicial, devendo dar-se por verificada a prescrição invocada relativamente á pensão de alimentos e aos juros de mora legais e ordenando-se sempre, independentemente da decisão sobre a prescrição invocada, a produção de prova indicada pelo recorrente na sua contestação ao incidente de incumprimento, fazendo-se, aliás, como sempre, JUSTIÇA!.»
*
Foram apresentadas contra-alegações pela requerente e pelo Ministério Público, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
*
O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que assim se sintetizam:

– Se ocorre a prescrição dos alimentos e/ou dos juros vencidos há mais de 5 anos.
– Se deveriam ter sido realizadas diligências e produzida prova em ordem a aferir se o requerido tem possibilidades de pagar as quantias em dívida.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Embora não constem discriminados na decisão recorrida, considera-se assente a factualidade alegada no requerimento inicial e que não foi impugnada, ou seja, a sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais, fixando os alimentos e as despesas que a requerente apresentou, concretamente:
1º No dia 9 de Maio de 2014 foi proferida sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais referentes ao menor F. T., na qual se decidiu, entre o mais, que o menor ficaria à guarda da mãe e o progenitor ficaria adstrito ao pagamento da quantia €175,00 mensais a título de pensão de alimentos, até ao dia 8 do mês a que respeitarem e a actualizar anualmente de acordo com os índices de preços no consumidor (excepto habitação), bem como a suportar, mediante comprovativo, metade das despesas de saúde e de educação do menor,
2º Inconformado com tal decisão, o Requerido interpôs recurso para o Tribunal da Relação Guimarães, que o julgou improcedente, confirmando a sentença.
3º Posteriormente o ora recorrente requereu a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais (apenso A), que foi julgada improcedente.
4º O Requerido limitou-se a pagar, de alimentos devidos ao menor, a quantia de €80,00 mensais.
5º Por isso, foi o Requerido interpelado formalmente para proceder à regularização do pagamento da pensão de alimentos a que está adstrito em relação ao menor e ainda ao pagamento de metade das despesas médicas, medicamentosas e de educação daqueles (cfr. doc. 5 – carta de interpelação ao requerido).
6º Nessa carta são discriminados os valores em dívida relativamente à parte fixa da pensão de alimentos, bem como foram enviadas cópias de todas as facturas de despesas médicas, medicamentosas e de educação do menor (cfr. docs. 6 a 55 – Facturas de despesas médicas, medicamentosas e de educação), pagamento de despesas escolares, designadamente relacionadas com a creche (doc. 18 a 25 juntas com a p.i), prolongamento escolar (doc 9, 10, 12, 14, 15 juntas com a p.i), férias escolares (doc. 13), alimentação escolar (doc. 11), bem como as despesas decorrentes do apoio a tempos livres (doc. 6, 7 e 8 juntos na p.i..

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A)
O Recorrente entende que se verifica a prescrição das prestações alimentícias vencidas até cinco anos antes da data da citação para este incidente, já que o mesmo não exerce efectivamente o poder paternal sobre o seu filho, conforme foi decidido judicialmente nos autos principais.
Alega que a suspensão da contagem da prescrição não se aplica, porque falta um dos pressupostos exigidos pelo artigo 318º alínea b) do C.C., que é o exercício efectivo do poder paternal.
Apreciando.
No caso em apreço, embora na sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais conste “decide-se atribuir o exercício das responsabilidades parentais em relação a todas as questões da vida do menor F. T. (quer as relativas às questões de particular importância, quer as relativas às questões da vida corrente) à sua mãe S. T.”, certo é que o recorrente não foi inibido do exercício das responsabilidades parentais, nem limitado nesse exercício, nos termos do disposto no art.º 1913º e segs. do CC (Código Civil, a quem se reportam todos os artigos abaixo citados sem outra indicação).
De qualquer forma a questão colocada carece de interesse, porquanto, mesmo que aceitemos não se verificar a previsão da 1ª parte no nº 1 do art.º 320º do CC, verifica-se, sem dúvida, a causa de suspensão prevista na 2ª parte desse normativo: “e, ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade”.
Efectivamente, o sujeito passivo da obrigação alimentícia é o progenitor e o sujeito activo é o filho, como resulta claro da letra dos artigos 1874º, 1905º (alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento) ex vi 1912º, e 2009º.
Apenas enquanto a paternidade não estiver estabelecida é que a lei prevê a obrigação de alimentos à mãe do menor (art.º 1884º nº 2).
Logo que a paternidade se mostre estabelecida o sujeito activo da obrigação alimentícia é o filho.

Neste sentido ver, entre outros:
– o acórdão do TRC de 12-10-2004, relatado por Isaías Pádua (proc. 2265/04) em que se refere: “O dever de contribuir para o sustento dos filhos menores constitui uma obrigação dos pais, assumindo estes a posição de devedores e aqueles a de credores, tendo origem na relação biológica da filiação.”.
O acórdão do TRL de 18-6-2009 (proc. 8578-B/1993.L1-6) onde se lê: “Ademais, no caso em apreço, sendo credor da obrigação de alimentos, o menor e não sua mãe, como se referiu, em conformidade com o estatuído no art.º 320º, n.º 1 in fine do CC, ainda que o menor tenha representante legal (como sucede no caso vertente), a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.”
O que se repete no acórdão do mesmo Tribunal de 4-10-2011 (proc. 320-C/2001.L1-1) onde se sumaria: “No âmbito de incidente de incumprimento do exercício do poder paternal, na parte concernente aos alimentos, apesar de o processo ter desencadeado pelo progenitor que tem o menor à sua guarda, tendo o incidente sido deduzido ainda durante a menoridade, «o direito de crédito cujo pagamento a aqui Recorrida pretende ver satisfeito é um direito a alimentos do filho, então menor». Destarte, o prazo de prescrição do direito a alimentos, e porque o respectivo credor é o próprio menor (e não a respectiva mãe, ora Requerente/Apelada), não começa a correr durante a menoridade e não se completará sem ter decorrido um ano a partir do termo da sua incapacidade ( cfr. artºs 310º, f), 318º, alínea b) e 320º, nº 1, in fine , todos do CC ). Todos publicados em www.dgsi.pt.
Consequentemente, não se verifica a prescrição das prestações alimentícias vencidas há mais de cinco anos aquando da citação para este incidente, uma vez que o credor dos alimentos é o menor (ainda que representado por sua mãe) e, como tal, o prazo prescricional não se completa antes de decorrido um ano sobre a data em que este complete a maioridade (art.º 320.º n.º1, parte final). O que ainda não sucedeu.
Pelo exposto, o Tribunal “a quo” não violou o disposto nos artigos 318º alínea b) e 310º alínea f) do C.C., pois, por força do disposto no art.º 320º nº 1 (2ª parte) do CC, o prazo prescricional encontra-se suspenso durante a menoridade do seu filho, que é o credor dos alimentos.
B)
Outra questão suscitada prende-se com a prescrição dos juros de mora.
Sustenta o apelante que “independentemente de se verificar prescrito o pagamento da pensão de alimentos, os juros decorrentes dessa falta de pagamento, por imposição legal, encontram-se prescritos”.
Sucede que tudo quanto se referiu a propósito do crédito de alimentos se aplica também ao crédito relativo à indemnização pela mora, ou seja aos juros à taxa legal para as obrigações civis, uma vez que o citado art.º 320º do CC se aplica a qualquer obrigação de que o menor seja credor.
C)
Insurge-se ainda o recorrente contra a decisão da 1ª instância na parte em que entendeu não apreciar os factos, nem as provas indicadas, que versavam sobre a possibilidade/impossibilidade do recorrente suportar a pensão de alimentos, por entender que ultrapassavam o incidente de incumprimento, devendo para o efeito intentar outra acção.
Em nosso entender o incidente de incumprimento previsto no art.º 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível não tem por objecto a falta de pagamento de alimentos ou outras quantias pecuniárias a cujo pagamento a sentença obrigou o incumpridor. Destina-se apenas a outros incumprimentos relativos à situação do menor, nomeadamente relativos a visitas, cujo incumprimento, por se tratar de prestação de facto positivo ou negativo infungível, exige a imposição de outros meios de coerção, nomeadamente sanções de natureza compulsória e indemnizatória.

A este propósito escreve Andreia Cunha, em “Cumprimento Coercivo das Obrigações Alimentares a Crianças e Jovens” (dissertação de mestrado), págs. 35 e 36, em https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/17870/1/Andreia_Canha.pdf):

– «Uma questão que se coloca quanto a esta matéria é de saber se, atendendo ao incumprimento efetivo de uma obrigação de alimentos a criança ou jovem, partimos imediatamente para o mecanismo previsto no artigo 48.º, ou se, por outro lado, recorremo-nos do artigo 41.º do mesmo diploma legal, que respeita ao incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, sendo que na regulação do exercício das responsabilidades parentais, está incluída a matéria de alimentos, como já se disse.
A par da questão suscitada, urge questionar se, estando previsto o mecanismo do artigo 48.º do RGPTC vocacionado para o incumprimento de alimentos, deverá ser utilizado, para obter o cumprimento coercivo da prestação alimentícia, o mecanismo do artigo 41.º do mesmo diploma legal.
Na senda de REMÉDIO MARQUES, e de modo a dar resposta a ambas as questões, tratando-se de um incumprimento efetivo de uma obrigação de alimentos devida a um menor, aplica-se o processo executivo especialíssimo do artigo 48.º do RGPTC, sem necessidade de incitar o incidente de incumprimento do artigo 41.º do mesmo diploma.
. No mesmo sentido, TOMÉ D’ALMEIDA RAMIÃO diz-nos que se se trata apenas de incumprimento quanto à prestação de alimentos, partimos logo para o artigo 48.º do RGPTC.
Também do mesmo entendimento, HELENA BOLIEIRO e PAULO GUERRA opinam no sentido de que o incidente de incumprimento deve ser incitado independentemente do mecanismo do artigo 48.º85, corroborando jurisprudencialmente a sua opinião através do Acórdão da Relação de Lisboa de 09/02/1988, que proferiu que “o procedimento previsto na alínea a) do artigo 189.º da OTM [correspondente ao artigo 48.º do RGPTC] não tem de ser precedido por notificação ao requerido para dizer o que tiver por conveniente, nem de inquérito sumário, pois não lhe é aplicável o estabelecido no artigo 181.º [que corresponde ao artigo 41.º do RGPTC]; o requerido só tem de ser notificado do despacho que haja ordenado os descontos no seu vencimento, após estes se terem iniciado”
O Tribunal da Relação de Guimarães, de 14/01/2016, disse mesmo, quanto a esta questão, que o credor pode, para obter o cumprimento coercivo do seu crédito de alimentos, decidir-se entre o artigo 48.º do RGPTC e a ação executiva especial por alimentos, deixando de fora o incidente de incumprimento do artigo 41.º por entender que a previsão deste artigo “nem sequer se refere ao incumprimento da obrigação de alimentos”».
Efectivamente, neste acórdão da Relação de Guimarães de 14.1.2016 (citado no texto da dissertação e na nota nº 87), de que fomos relatora, sustentamos que “O credor de alimentos devidos a menor, com vista à cobrança de alimentos vencidos e não pagos, pode optar entre os meios processuais à sua disposição – incidente previsto no art.º 189º da LTM (art.º 48º da Lei 141/2015) ou execução especial por alimentos – não tendo previamente de recorrer ao incidente de incumprimento previsto no artº 181º da LTM (artº 41.º da Lei 141/2015), cuja previsão nem sequer se refere ao incumprimento da obrigação de alimentos” (1).

Entendimento que mantemos.
Assim, não carecia a recorrida de ter suscitado o presente incidente, podendo ter recorrido directamente ao incidente previsto no art.º 48º do RGPTC (Lei 141/2015), semelhante ao previsto no art.º 189º da LTM (meios de tornar efectiva a prestação de alimentos) ou ao processo executivo, pois a sentença que condenou o recorrente a pagar os alimentos (quer a quantia pecuniária fixa de €175/mês, a actualizar anualmente segundo o índice de preços no consumidor, quer a quantia variável correspondente a despesas com a saúde e escolares do menor) é título executivo suficiente – cfr. artºs 703º, nº1, al. a) e nº2, e 716º nº 5 do CPC (este último relativamente às despesas da componente variável).
Ainda se compreende o teor da sentença recorrida, ou a sua utilidade, no que tange aos valores em dívida referentes às quantias não fixadas na sentença (componente variável) e cuja exigibilidade ficou dependente da apresentação de documentos comprovativos.
Na parte restante não passa de acto inútil, pois a sentença de regulação do exercício das responsabilidades parentais já condenou o requerido, aqui recorrente, no seu pagamento, não carecendo de nova sentença para provar que não cumpriu, como nenhuma sentença condenatória carece.
De qualquer forma e tendo sido utilizado este meio processual, certo é que não é neste incidente que o requerido, aqui recorrente, pode requerer a alteração da prestação alimentícia.
Não tinha o Tribunal “a quo” que apurar (produzir prova e decidir) se o devedor tem ou não condições para pagar as quantias em dívida.
Para tal e como recorrente bem sabe, até porque já usou esse meio processual, terá de requerer a alteração do regime (art.º 49º do RGPTC), constituindo jurisprudência uniforme que “a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, nomeadamente no que respeita aos alimentos, só pode ter por fundamento a existência de circunstâncias supervenientes (objectivas ou subjectivas) que justifiquem ou tornem necessária a alteração/redução da prestação alimentar fixada (2)”.
Tal alteração constitui um incidente autónomo, processado por apenso – art.º 42º nº 2 al. b) do RGPTC – e não tem efeito retroactivo, ou melhor, apenas retroage à data da propositura do pedido de alteração, não tendo efeito sobre os alimentos anteriormente vencidos.
Tal como não tem esse efeito o pedido de alteração ou cessação da prestação alimentícia, processado por apenso à execução especial por alimentos, previsto no art.º 936º do CPC.
Em conclusão, além de entendermos que a recorrida podia partir para o incidente de cobrança de alimentos previsto no art.º 48º do RGPTC ou para a execução especial de alimentos, sem necessidade de previamente recorrer a este incidente de incumprimento previsto no art.º 41º, que tem por objecto o incumprimento de outras obrigações que não as pecuniárias, uma vez que a ele recorreu, não carecia o Tribunal de, no âmbito deste incidente, efectuar quaisquer diligências com vista a apurar se o requerido tem possibilidades de pagar os alimentos.
Pelo contrário, é ao requerido que compete, não tendo possibilidades de pagar a quantia fixada a título de alimentos, instaurar o pertinente processo de alteração, por apenso à acção onde foi fixada essa obrigação e cujo resultado nunca contenderia com os montantes que na sentença recorrida foram julgados estar em dívida.
Improcedem assim as conclusões do apelante.
.
V – DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Guimarães, 28-01-2021

Eva Almeida
António Beça Pereira
Ana Cristina Duarte



1. Processo nº 809/15.0T8VCT.G1, publicado em dgsi.pt
2. Acs. Do TRE de 9.3.2017 (926/10.3TBBRR-B.E1), in dgsi.pt e do TRL de 07-06-2018 (9217/15.2T8LRS-A.L1) in PGDL.