Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ANTÓNIO SANTOS | ||
| Descritores: | ARRENDAMENTO ARTICULADOS DESENTRANHAMENTO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 02/25/2016 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I) Apresentando uma parte - em acção judicial - um articulado para responder a excepções invocadas pela parte contrária na respectiva contestação, e, bem assim, para exercer também o contraditório no tocante a prova documental, a impertinência/impossibilidade da prática do referido acto processual para efeitos de resposta a excepção não justifica inapelavelmente a prolação de despacho do seu imediato desentranhamento dos autos; II ) É que, por aplicação da regra vertida no artº 195º, nº2, in fine, do CPC [utile per inutile non vitiatur], inspirada no princípio da conservação dos actos jurídicos, se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito (in casu, servir o acto para responder a excepções), mas, por outro lado, possibilitar a produção de um outro efeito diverso, não se vê como não lhe aplicar também a figura da conversão/redução dos negócios jurídicos, impondo-se a redução e o aproveitamento do acto processual na parte em que é ele lícito. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Guimarães * 1.Relatório. Em acção judicial que vem correndo termos no tribunal da Comarca de Vila Real, intentada por J e esposa S, contra D e Outros, e no âmbito da qual peticionam v.g. a resolução de contrato de arrendamento e a condenação dos Réus a entregar o locado livre de pessoas e bens, após os RR terem junto aos autos concreto articulado, pelo Exmº Juiz titular foi proferido – em 24/3/2015 - o seguinte despacho : “(…) Estabelece o artigo 5840 do CPC, que "Só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção. Nas acções de simples apreciação negativa, a réplica serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu. " Nestes termos, não se verificando qualquer das situações a que alude o citado artigo, não é admissível a dedução de resposta à contestação, nem, tão pouco, de resposta à resposta à contestação. Nestes termos, determina-se o desentranhamento da resposta à contestação e do requerimento de resposta à resposta à contestação e a sua devolução aos respectivos apresentantes. Custas do incidente anómalo que se fixa em 1 UC para cada uma das partes. Notifique e após conclua”. 1.2.- Notificados do despacho indicado em 1, e do mesmo discordando, vieram os AA J e esposa S interpor a competente apelação, o que fizeram aduzindo as seguintes conclusões : I - As partes podem exercer o contraditório relativamente a documentos apresentados com o último articulado da parte contrária em requerimento autónomo e nele requerer a produção de prova (arts° 444°, nº 1, e 445°, nº 1, ambos do Cód. Proc. Civil). II - Se em tal articulado, de forma distinta, perceptível e autónoma, a parte responder a excepções deduzidas na contestação, o tribunal pode, ou não, considerar a matéria ali alegada nesse sentido (art°. 6°, n º 2, do Cód. Proc. Civil). III - Se entender que não, a matéria de resposta às excepções deduzida de forma distinta, perceptível e autónoma no mesmo articulado de resposta aos documentos não pode ser considerada, o tribunal deve considerá-la como não escrita ou, em alternativa, convidar a parte a apresentar novo articulado expurgado de tal matéria. IV - Não é legalmente admissível na situação supra descrita o tribunal ordenar o desentranhamento puro e simples de todo o articulado, privando a parte que o apresentou do exercício dos direitos previstos nos art°s. 444°, nº 1, e 445°, nº1, ambos do Cód. Proc. Civil, impossibilitando também desse modo o exercício do direito ao contraditório dos documentos apresentados pela outra parte. V - Ao não entender assim, violou o Meritíssimo Tribunal a quo o disposto nos art°s. 444°, nº l, 445°, nº 1, 6°, nº 2 e 3°, nº 3, todos do Cód. Proc. Civil. Nestes termos e mais de Direito que V. Exªs. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, por via disso, ser revogada a douta decisão recorrida, sendo substituída por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências. 1.3.- Tendo sido apresentadas contra-alegações, nelas vieram os apelados AA dizer que a decisão recorrida deve ser confirmada, concluindo da seguinte forma : 1. Os recorrentes, louvam-se no douto Despacho que ordenou o desentranhamento do requerimento inominado, mas que encobria descaradamente uma Réplica; 2. Tal requerimento anómalo, além do mais põe em causa a qualidade de parte da quinta Ré, quando foram eles, recorrentes quem a chamaram à acção, propondo a presente acção contra ela; 3. Os recorrentes tentam por em causa a genuinidade do documento particular, que lhes foi enviado pelos recorridos há cerca de um ano, cuja validade do contrato e da procuração, tanto quanto a qualidade de cessionária, não foi posta em causa, antes, 4. Serviram de base e suporte fáctico fundamental, da causa de pedir e pedidos dos recorrentes, enquanto AA. tendo mesmo junto na sua PI tal contrato e respectiva procuração como Doc. nº 1.; 5. Depois de não se oporem extrajudicial ou judicialmente a tal contrato e procuração, quanto à sua genuinidade enquanto documento particular, confirmando-o expressamente, vêm agora, num 'venire contra factum proprium' tentar pô-lo em causa, o que não deve merecer provimento por parte deste Venerando Tribunal Superior! 6. Como não deve merecer provimento todo o resto alegado naquele 'requerimento de resposta', substancial e formalmente, por a Lei Processual o proibir expressamente conforme a 'ratio legis' e a própria letra da Lei do Novo Código de Processo civil, pelo que, 7. Por violação expressa dos art°s 583° ('a contrario sensu') 584°, 585°, 586° e 587° do Novo Código de Processo Civil, aquele articulado deve ser declarado inexistente e consequentemente manter-se a douta Decisão da Mª Sra. Dra. Juíza do Tribunal 'a quo', de desentranhamento de tal requerimento e condenação em multa. 8. Termos em que, deve improceder o presente Recurso, pelo exposto e no mais que Va. Exas. Doutamente se dignarão superiormente suprir! Tudo com as legais consequências, nomeadamente no pagamento de custas e multa condigna, por abuso indevido e anormal dos termos do processo. Fazendo como sempre Vas Exas., a mais elevada e sã JUSTIÇA! * 1.4. - Thema decidendum Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º, nº1, ambos deste último diploma legal), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir resume-se em aferir: I - Se a decisão apelada que ordenou o desentranhamento de articulado, deve ser revogada, impondo-se o aproveitamento da referida peça processual pelo menos em sede de exercício do direito ao contraditório dos documentos apresentados pela outra parte. * 2.- Motivação de facto Com interesse para a decisão da apelação, importa atentar, tão só, à factualidade já aduzida em sede de Relatório do presente Acórdão e para o qual se remete. Mais se constata, do expediente junto aos autos, que: 2.1. - Com o articulado/contestação junto aos autos pelos RR, a 11/2/2015, foram juntos 16 documentos; 2.2. - Na sequência e após o articulado identificado em 2.1., os AA atravessaram nos autos em 3/3/2015 um articulado/resposta, no âmbito do qual, e nos primeiros 32º artigos, pronunciam-se sobre o teor da prova documental junta aos autos pelos RR com a respectiva contestação, e, nos respectivos artºs 33º a 62º, tecem considerações com vista ao exercício do contraditório dirigido para as excepções alegadamente invocadas pelos RR na contestação; 2.3.- Ainda no articulado resposta identificado em 2.2., agora no respectivo item 63º, requerem os AA determinadas diligências em sede de instrução do processo (v.g. aditamento do rol de testemunhas, junção de documentos, etc). * 3.Motivação de Direito. Como vimos supra, a única questão em apreciação na presente apelação relaciona-se com a adequação/pertinência/legalidade da apresentação pelos AA de articulado cujo desentranhamento dos autos foi determinado no despacho apelado, ou seja, a ser o mesmo inadmissível, se ainda assim não deveria ele permanecer nos autos, sendo aproveitado tão só em sede de exercício – pelos AA - do direito ao contraditório no tocante aos documentos apresentados pelos RR. Ora bem. Como decorre à saciedade do novo CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6), a regra no processo comum de declaração, que segue a forma única (cfr. artº 548º, do CPC), é a existência de apenas dois articulados (a petição inicial e a contestação – cfr. arºs 552º e 569º), sendo que, já a possibilidade de um terceiro e último articulado (sem prejuízo da possibilidade muito restrita de apresentação de articulados supervenientes), passa a ser excepcionalíssima, ficando doravante circunscrita à eventualidade de o Réu – na contestação – ter deduzido pedido reconvencional. Ou seja, a réplica (terceiro articulado), passa então a ser admissível apenas para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção - não podendo a esta opor nova reconvenção -, servindo e sendo lícita também, nas acções de simples apreciação negativa, para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu (cfr. artº 584º, do CPC). No essencial, o que é indubitável, é que com o novo CPC deixa de ser admitida a apresentação de um terceiro articulado/réplica e com vista ao exercício do contraditório pelos AA das excepções eventualmente deduzidas pelo réu na sua contestação. Para o referido efeito, e com vista a impedir a cominação do artº 587º, nº1, do CPC [nos termos do artº 574º, do CPC, ex vi, artº 587º,nº1, “Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito “], aplica-se então o artº 3º, nº4, do CPC, o qual dispõe que “Às excepções deduzidas no último articulado admissível, pode a parte contrária responder na audiência prévia ou , não havendo lugar a esta, no início da audiência final”. Em suma, para evitar a aplicação do efeito previsto no artigo 574.º do CPC, (admissão por acordo dos factos não impugnados, e, caso integrem os articulados excepções que tenham sido deduzidas em conformidade com o disposto na alínea c) do artigo 572.º, do CPC), não dispõem os AA de um terceiro articulado, antes devem agir em conformidade com o disposto no artº 3º, nº4, do CPC. Destarte, manifestamente, no tocante à utilização/apresentação de um terceiro articulado para a parte/AA deduzir oposição a eventuais excepções deduzidas pelos RR na respectiva contestação, é incontornável que os AA enveredaram pela prática de acto processual que a lei adjectiva de todo não admite, antes veda. Isto dito, prima facie, tudo aponta para que, em rigor, nenhuma censura seja a decisão/despacho apelado merecedor. Sucede que, e sem prejuízo de (cfr. artigos 552.º, n.º 2, e 572.º, alínea d)) todas as provas pelas partes deverem ser indicadas nos articulados, e , bem assim, de o requerimento probatório poder ser aditado ou alterado na audiência prévia (cfr. n.º 1, do artº 598º), quando a esta haja lugar, e de a prova documental poder também ser carreada para os autos fora do articulado em que são alegados os factos correspondentes (cfr. artigo 423.º, n.º 2), a verdade é que, quando uma parte junte um documento com o último articulado ou depois dele, a sua apresentação é sempre notificada à parte contrária, nos termos do artº 427º, do CPC. O artº 427º, do CPC actual, na linha do artº 526º, do pretérito CPC, e porque como o obriga o actual artº 415º (tal como já o determinava o artº 517º, do cpc anterior),salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas, tem assim por desiderato “realizar o princípio do contraditório”, explicando v.g. e avisadamente JOSÉ LEBRE DE FREITAS (1) que, quando “o documento é apresentado com o último articulado ou alegação (...) tem lugar a notificação da parte contrária para o fim específico de o impugnar”. Tal dispositivo, ademais, mostra-se também em consonância com a norma do nº 3 do art 3º do CPC, e com o nº2, do artº 415º, já nosso conhecido, dizendo a primeira que ”O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem“, e , a segunda, que “ relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respectiva admissão como da sua força probatória”. Do acabado de expor, é para nós manifesto que, se impedidos estavam os AA de apresentar um novo articulado com vista a exercerem o contraditório no tocante a pretensas excepções invocadas pelos RR na contestação, já o mesmo não sucede no tocante ao exercício do contraditório dirigido para a prova documental junta com este último articulado. Mas, ao enveredar a primeira instância pelo desentranhamento dos autos do articulado Resposta, qual medida drástica de gestão processual, impedindo e bem a prática de acto que a lei não admite, obsta também, mas agora mal, a prática pela parte de um outro acto que a mesma lei prescreve. Destarte, manifestamente, a decisão recorrida viola a regra do artº 195º, nº2, in fine, do CPC [utile per inutile non vitiatur], inspirada no princípio da conservação dos actos jurídicos, ou seja, se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito (in casu, a resposta a excepções), não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto se mostre idóneo. (2) Em suma, sendo o acto pertinente para determinado efeito, mas desapropriado para outro, não se vê como não lhe aplicar a figura da conversão/redução dos negócios jurídicos, impondo-se a redução e o aproveitamento do acto processual na parte em que é ele lícito. Destarte, e em conclusão, a apelação só pode proceder, como procede, impondo-se a revogação do despacho recorrido na parte em que determina o desentranhamento da resposta à contestação, articulado este que, devendo permanecer nos autos, deve porém ter serventia em sede de exercício do contraditório pelos AA da prova documental junta pelos RR na sua contestação. *** 4- Sumário ( artº 663º, nº7, do CPC ) : I) Apresentando uma parte - em acção judicial - um articulado para responder a excepções invocadas pela parte contrária na respectiva contestação, e, bem assim, para exercer também o contraditório no tocante a prova documental, a impertinência/impossibilidade da prática do referido acto processual para efeitos de resposta a excepção não justifica inapelavelmente a prolação de despacho do seu imediato desentranhamento dos autos; II ) É que, por aplicação da regra vertida no artº 195º, nº2, in fine, do CPC [utile per inutile non vitiatur], inspirada no princípio da conservação dos actos jurídicos, se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito (in casu, servir o acto para responder a excepções), mas, por outro lado, possibilitar a produção de um outro efeito diverso, não se vê como não lhe aplicar também a figura da conversão/redução dos negócios jurídicos, impondo-se a redução e o aproveitamento do acto processual na parte em que é ele lícito. *** 5.- Decisão. Por tudo o exposto supra, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em, concedendo provimento ao recurso de apelação interposto; 5.1.- Revogar a decisão recorrida na parte em que determina o desentranhamento dos autos da resposta à contestação ; 5.2. - Devendo permanecer nos autos o articulado identificado em 5.1., determinar porém que a respectiva serventia mostra-se circunscrita ao exercício do contraditório pelos AA da prova documental junta pelos RR na sua contestação. Custas da Apelação pelos apelados. *** Guimarães, 25/2/2016 António Manuel Fernandes dos Santos (O Relator) Maria Amália Pereira dos Santos (1º Adjunto) Ana Cristina Oliveira Duarte (2º Adjunto) (1) In Código do Processo Civil Anotado, Vol II, Coimbra Editora, pág 428. (2) Cfr. Artur Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina , pág. 111. |