Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
46/19.5T8VRM.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
ILÍCITO CRIMINAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A prova de que o réu cortou 70 eucaliptos e 30 pinheiros em prédio da autora em dezembro de 2013 e a consideração deste facto para condenação do réu no pedido de indemnização feito pela autora quanto ao corte das referidas árvores que julgou ter ocorrido no verão de 2016, não determina a nulidade da sentença (art.615º/1-d) do CPC), nem o erro de julgamento por consideração de facto não alegado (art.5º/1 do CPC), quando o réu, na sua contestação: identificou o facto danoso concreto que lhe foi imputado pela autora; arguiu a exceção de prescrição do direito indemnizatório em relação ao mesmo, por entender ter decorrido o prazo de 3 anos previsto no nº1 do art.498º/1 do CC desde a ocorrência do facto, que alegou reportar-se a dezembro de 2013, data esta que integra um facto essencial da exceção perentória de prescrição, que a si lhe cabe alegar e provar, nos termos dos arts.5º/1 e 572º/c) do CPC e 342º/2 do CC.
2. A falta de prova pela autora que o ilícito civil decorrente dos factos provados correspondeu também a um ou mais ilícitos criminais (através da alegação e da prova dos factos objetivos e subjetivos do crime, em particular, da culpa dolosa, quando o crime não for punível por negligência), impede a autora lesada de aproveitar o prazo de prescrição mais longo do nº3 do art.498º do CC, em referência ao art.118º/1-c) do CPP.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório:

Na presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, movida por AA contra BB, identificados nos autos:

1. A autora:
1.1. Pediu:
a) A declaração que era dona e legítima proprietária do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial.
b) A condenação do réu
b1) A reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o referido prédio rústico e a abster-se de praticar quaisquer atos no prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial.
b2) A pagar à autora: a quantia de valor não inferior a € 6 450,00, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos; a quantia de €1 500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos em consequência da conduta do réu.
1.2. Alegou, para o efeito e, em síntese:
a) Que é dona e legítima proprietária do prédio rústico denominado “...”, composto por Pinhal, Eucaliptal e Mato, sito no lugar de ..., freguesia e concelho ..., com a área de 8.000 m2, a confrontar de Norte com CC, sul com DD, nascente com caminho e poente com EE, inscrito na matriz sob o artigo ...00 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...91, o qual confronta a Norte com um prédio rústico propriedade do réu (art.1º da petição inicial), prédio delimitado por marcos e caminho e que veio à sua posse e aquisição derivada por escritura de partilha por óbito do seu marido, por aquisição originária e presunção de registo (arts.2º a 14º da petição inicial).
b) Que em data que não se pode precisar, mas que julga ser por alturas do verão de 2016:
b1) O réu tomou a opção de proceder ao corte de madeiras no seu terreno, contratando para o efeito a empresa EMP01... Unipessoal, Lda., representada por FF (madeireiro), informando os madeireiros onde deveriam cortar as árvores, não tendo em conta os limites do terreno da autora e os marcos lá existentes ao indicar àquele toda a área para proceder ao corte, que englobava o seu terreno e as madeiras lá existentes, limites que o réu não podia deixar de conhecer, tanto mais que eram bem visíveis os marcos que lá se encontravam (arts.15º e 16º da petição inicial); quando a autora teve conhecimento que estavam a proceder ao corte de madeira no seu terreno, os seus familiares deslocaram-se ao local para mandar parar o corte (dada a sua impossibilidade por ser uma pessoa idosa e padecer das doenças e limitações próprias daquela idade), mas a grande maioria já tinha sido cortada e levada (arts.18º e 19º da petição inicial).
b2) Foram cortados mais de 70 eucaliptos e 30 pinheiros de grande porte que a autora tinha no seu prédio, no valor de € 4 600, 00 (70 * € 40, 00; 30 * € 60, 00) (arts.23º, 27º a 29º da petição inicial).
c) Em consequência de b) supra:
c1) Foram destruídos caminhos e marcos, sofrendo o prédio da autora uma desvalorização e exigindo trabalhos de remarcação, o que lhe causou um prejuízo não inferior a € 750,00 (arts. 20º a 22º, 34º a 38º da petição inicial).
c2) A propriedade da autora ficou cheia de restos inutilizados das árvores, completamente suja, sendo que, para realizar a limpeza da propriedade, teria que gastar valor não inferior a € 800, 00 (arts.24º e 30º da petição inicial).
c3) A autora deixou de ter lenha para aquecer a sua casa, já que o único sistema de aquecimento que tinha era a lareira, tendo que comprar duas toneladas de lenha, no que gastou o valor de € 300, 00 (arts.25º e 39º da petição inicial).
d) A autora sofreu um forte incómodo e abalo, desgosto e consternação por ver a sua propriedade devassada, devendo ser indemnizada em montante não inferior a € 1 500,00 (arts.43º a 49º da petição inicial).
2. Regularmente citado, o réu apresentou contestação, na qual:
2.1. Defendeu-se por exceção, arguindo a prescrição do direito pedir a indemnização, tendo em conta: que os factos a que a autora se reporta não ocorreram no Verão de 2016 mas entre ../../2013 e ../../2013, factos pelos quais apresentou denúncia criminal a 23.12.2013 e embargo do corte de árvores a 26.12.2013; que a presente ação foi intentada a 08.03.2019 e o réu foi citado para a mesma a 14.03.2019 (arts.1º a 17º da contestação).
2.2. Impugnou os factos alegados pela autora nos arts.1º a 14º, 16º a 49º da petição inicial, alegando em síntese: que vendeu, em 31 de outubro de 2013, à firma EMP01... Unipessoal, Lda., pinheiros e eucaliptos da sua ..., denominada “... e ... do ... e ...”, num total de 190 pinheiros e de 60 eucaliptos na parte de ... e 4 pinheiros na parte de cima de ..., de sua propriedade, pelo valor global de € 11.500,00; que não vendeu quaisquer árvores que pertencessem à autora (arts.18º a 40º da contestação).
2.3. Defendeu que a autora litigou de má-fé, uma vez que alterou conscientemente factos pessoais de que tinha conhecimento, para evitar a prescrição de direito, devendo ser condenada em multa e em indemnização não inferior a € 5 000, 00 final (arts.41º a 64º da contestação).
3. A autora respondeu:
3.1. À exceção de prescrição, na qual:
a) Defendeu:
a1) Que o direito à indemnização pelo corte não estava prescrito, uma vez que o comportamento do réu de 2016 era contínuo em relação ao de 2013 e aos atos praticados entre esse período (os atos não se verificaram num único momento): em 2013 o filho da autora iniciou o procedimento, que depois “caiu” por razões de saúde da autora e do filho; depois disso, animais do réu invadiram a horta da autora e danificaram as suas culturas e o réu, ou a alguém a seu mando, entrou diversas vezes no seu prédio, usurpando-o e danificando-o, o que coloca em causa o seu direito de propriedade; no verão de 2016 ocorreu novamente uma invasão do seu prédio pelo réu, com corte de vegetação e árvores, tendo sido nesta altura que teve conhecimento da extensão integral dos danos.
a2) Que apesar do réu ter negado ter entrado no terreno e cortado árvores em 2013, nada disse quanto às árvores cortadas em 2016.
a3) O presente processo visou essencialmente a condenação do réu no reconhecimento da propriedade da autora; 
b) Impugnou os arts.1º, 2º, 3º, 6º e 7º, 9º e 10º, 14º, 15º e 17º (art.10º em referência a 2º a 9º, 11º a 20º da resposta).
3.2. Ao pedido de condenação em litigância de má-fé, recusando que tivesse alterado conscientemente a verdade dos factos que se mostravam relevantes para a decisão da causa, de modo a impedir a descoberta da verdade (arts.21º a 32º da resposta).
4. Realizou-se audiência prévia, na qual: foi fixado à ação o valor de € 7 950, 00; foi proferido despacho saneador tabelar (quanto à competência, a forma do processo, a personalidade, capacidade judiciária e legitimidade, encontrarem-se devidamente patrocinadas e inexistirem outras nulidades, exceções ou questões prévias de que cumprisse conhecer então); foi identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova e designada data para realização da audiência final.
5. Realizou-se a audiência final.
6. A 07.09.2021 foi proferida sentença, na qual se decidiu:
«VI. DECISÃO
Pelo exposto, e decidindo:
Julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acção intentada por AA contra CC e esposa, em consequência:
1) Declaro que a autora é proprietária e legítima possuidora do prédio rústico, denominado “...”, composto por pinhal, eucaliptal e mato, sito no lugar de ..., freguesia e concelho ..., com a área de 8.000 m2, a confrontar de Norte com CC, sul com DD, nascente com caminho e poente com EE, inscrito na matriz sob o artigo ...00, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...91 sito no lugar de ..., freguesia e concelho ...;
2) Condeno o Réu a reconhecer a propriedade da Autora sobre o prédio rústico identificado em 1) e a abster-se de nele praticar quaisquer atos;
3) Condeno o réu no pagamento à autora da quantia de 4.600,00€ (quatro mil e seiscentos euros), a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros, à taxa de 4%, desde a citação e até e fectivo pagamento.
4) Custas da acção a cargo da autora e réu, na proporção do decaimento – art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do NCPC e 6.º, n.º1 do RCP, por referência à Tabela I-A anexa.
5) Julgo improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé;
6) Custas do incidente de litigância de má fé a cargo do réu, que se fixa em 1 (uma) UC – art. 527.º, n.º1 e 2 do NCPC e artigo 7.º, n.º 4 do RCP e Tabela II anexa.
Registe e notifique.».
7. Após documentação do falecimento da autora a ../../2021 e do réu a 13.07.2021, foram habilitados os seus herdeiros:
7.1. Por decisão de 12.06.2022, proferida no incidente nº46/19...., transitada em julgado, foram habilitados como herdeiros da autora GG: HH; II; JJ, KK, LL, MM, netos da autora e filhos de NN pré-falecido em ../../2019.
7.2. Por decisão de 30.03.2023, proferida no incidente nº46/19.... (após prolação de despacho de 29.01.2023, no processo principal, a indeferir pedido de extinção da instância por deserção e a considerar que ainda se estava em prazo para a habilitação de herdeiros do réu), transitada em julgado, foram habilitados como herdeiros do réu: OO; PP; QQ; QQ.
8. As habilitadas do réu, a 21.05.2023, interpuseram recurso da sentença de I-6 supra, no qual apresentaram as seguintes conclusões:
«1. A Autora intentou os presentes autos para que fosse reconhecida a propriedade do prédio rústico identificado no ponto 1 dos factos dados como provados, bem como alegou que, no Verão de 2016, o Réu procedeu ao corte de mais de 70 eucaliptos e 30 pinheiros de grande porte existente no seu terreno daquela, sem ter em conta os limites e os marcos existentes no terreno.
2- Alegou que em resultado do corte a mando do R., a propriedade da A. ficou cheia de restos inutilizados das árvores, completamente suja e com caminhos destruídos, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 6.450,00€ a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos acrescidos da quantia de 1.500,00€, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
3- O réu contestou, arguindo a excepção de prescrição do direito da autora e impugnou os factos alegando que o corte alegado pela Autora ocorreu em Dezembro de 2013 e não no Verão de 2016.
4- A Autora respondeu à excepção de prescrição pugnando pela sua improcedência alegando que o direito à indemnização pelo corte ocorrido em 2016 não está prescrito. Admitindo por acordo a excepção de prescrição quanto aos factos ocorridos em Dezembro de 2013.
5- O Tribunal “a quo” decidiu sobre a da excepção de prescrição julgando-a integralmente improcedente.
6- A sentença na alínea b) dos factos não provados é claríssima quando afirma que não existiu corte das árvores no Verão de 2016.
7- Ora, a prescrição a que o Réu alude na sua contestação serviu apenas para enfatizar e demonstrar que efectivamente existiu um corte de árvores em Dezembro de 2013 e não no Verão de 2016 e que a prescrição era quanto aos factos ocorridos no ano de 2013. 
8- A Autora na causa de pedir e do pedido não alega qualquer facto referente ao corte de 2013 (o que impede o tribunal de o conhecer).
9- A Autora admitiu por acordo que os factos de 2013 já se encontravam prescritos.
10 - Razão pela qual, não podia o Tribunal a quo conhecer dos factos ocorridos em Dezembro de 2013 (factos instrumentais) sob pena de ocorrer excesso de pronúncia, cujas consequências geram nulidade da sentença (art. 615º, nº 1, al d) do CPC.
11- Foi incorrectamente julgada a matéria de excepção, porquanto, apesar de a A. na sua petição inicial não ter alegado nem provado o circunstancialismo factual inerente a integração da conduta ilícita num qualquer tipo de crime, o Tribunal “a quo” aplicou o prazo alargado previsto no art. 498º, nº 3 do Código Civil (5 anos) e não o prazo constante do nº 1 do mesmo artigo.
12 - O Tribunal estava impedido por falta de pedido e causa de pedir da A. de apreciar os factos de 2013, uma vez que apenas foram concretamente alegados, factos ocorridos em 2016.
13- Todavia, o Tribunal a quo decidiu condenar o R. a pagar à Autora a quantia de € 4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros) pelo corte ocorrido em Dezembro de 2013, apesar de tal não ter sido peticionado pela Autora, quer no pedido quer não causa de pedir. 
14- O que manifestamente excedeu a sua pronúncia com as consequências previstas no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, nulidade que ora se invoca e sem prescindir, com todas as consequências legais daí decorrentes.
15- Ainda que a A. tivesse peticionado no pedido e causa de pedir a indemnização dos danos pelo corte ocorrido em Dezembro de 2013, o que se não concede, sempre deveria o Réu ser absolvido do pedido quer por ter sido verificada a excepção de prescrição, quer pela confissão que a Autora faz no seu articulado de resposta nos art. 4º e 5º, quer pelos factos admitidos por acordo.
16- Sem embargo, a sentença recorrida condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de € 4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros) pelo corte dos 70 eucaliptos e 30 pinheiros ocorrido em Dezembro de 2013, absolvendo no mais por não ter sido efectuada prova que o corte efectuado no Verão de 2016 tenha sido efectuado pelo Réu.
17- Ao condenar o Réu no pagamento da quantia de € 4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros) pelo corte dos 70 eucaliptos e 30 pinheiros ocorrido em Dezembro de 2013, sem que tal tenha sido alegado e pedido pela Autora, a sentença recorrida conheceu de questão que não podia conhecer, pelo que padece de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al d) do CPC
18- À luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido (o que sucede nos presentes autos), resultando da limitação do juiz ao princípio do dispositivo, que exprime a liberdade com que as partes definem o objecto do litígio, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada.
19 - Não tendo a Autora invocado como causa de pedir que o corte dos 70 eucaliptos e 30 pinheiros tenha ocorrido em Dezembro de 2013, estava vedado ao Tribunal a quo conhecer dessa questão, pelo que, ao fazê-lo e com base nela julgar parcialmente procedente a acção, a decisão recorrida é nula por excesso de pronúncia, nos termos do art. 609, nº 1 e 615º, nº 1, al d) do CPC.
20 - Nulidade esta que desde já se invoca com as consequências legais daí decorrentes.
Nestes termos e nos melhores de Direito que serão sempre doutamente supridos, deve o presente recurso merecer provimento, proferindo-se Acórdão que declare nula a sentença por excesso de pronuncia e em consequência se absolva o Réu do pedido uma vez que este não procedeu a qualquer corte ou danos na propriedade da Autora no Verão de 2016.  
Assim decidindo, Venerando Desembargadores, farão, como habitualmente, inteira e sã JUSTIÇA!».
9. Não foi apresentada resposta ao recurso.
10. A 06.11.2023 foi proferido despacho de admissão do recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, despacho no qual foi considerado que a sentença recorrida não incorria em nulidade.
11. Subido o presente processo a esta Relação, foi o mesmo recebido.
12. Colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.
Examinando as conclusões de recurso dos recorrentes e o pedido final, verifica-se que estes: nas suas conclusões misturaram fundamentos de nulidade da sentença com fundamentos de existência de erro de julgamento (de facto ou direito); apesar de no seu petitório final pedirem a improcedência da ação por fundamentos menores do que aqueles que indicaram nas suas conclusões (lidas de acordo com as alegações), não se considera que haja elementos para considerar que os recorrentes pretenderam limitar o objeto do recurso previamente definido nas referidas conclusões.

Não estando este Tribunal ad quem adstrito à qualificação feita pelas partes em matéria de direito (art.5º/3 do CPC), nem estando sujeita à ordem por que foram colocadas as questões (art.608º/2 do CPC, ex vi do art.663º/2 do CPC), definem-se como questões a decidir, pela ordem lógica com que as mesmas devem ser apreciadas:

1. Se a sentença é nula por excesso de pronúncia, nos termos do art.615º/1-d) do CPC (conclusões 10, 14, em referência às conclusões 8, 12 e 13, e 17 a 20).
2. Se a sentença do Tribunal a quo, residualmente, padece de erro de julgamento:
2.1. Ao considerar o corte de árvores de dezembro de 2013 na matéria de facto provada (conclusões 8 e 12).
2.2. Ao julgar improcedente a prescrição (conclusões 4 a 6, 9, 11, 15, 16).

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto provada e não provada:
1.1. Matéria de facto provada:
1.1.1. Da sentença recorrida:
«1) O prédio rústico denominado “...”, composto por pinhal, eucaliptal e mato, sito no lugar de ..., freguesia e concelho ..., com a área de 8.000 m2, a confrontar de Norte com CC, sul com DD, nascente com caminho e poente com EE, inscrito na matriz sob o artigo ...00, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...91 está inscrito a favor da autora pela Ap ...99 de 02.01.2009, por sucessão hereditária e partilha.
2) O prédio descrito em 1) confronta a norte com um prédio rustico propriedade do réu.
3) Desde há mais de 1, 10, 20, 30, 40 e 50 anos a autora, por si e antecessores, têm agricultado o referido prédio, plantando e cortando árvores, dele retirando e colhendo os respetivos frutos e utilidades, roçando mato, que acontece de dia e de noite, à vista de toda a gente.
4) Sem entrave ou contestação de ninguém, designadamente do réu, sem qualquer hiato ou interrupção temporal e na convicção de quem exerce um efetivo direito de propriedade sobre o aludido prédio, sem causar prejuízo a quem quer que seja.
5) Os limites do prédio melhor identificado no artigo 1 supra encontram-se bem delimitados e definidos por força dos marcos e caminho lá existentes.
6) No Verão de 2016, após um corte de árvores no prédio referido em 1) o prédio rústico ficou cheio de restos inutilizados das árvores e sujo.
7) Em consequência do referido em 7) a autora deixou de ter lenha para aquecer a sua residência.
8) O valor de cada eucalipto ascendia a 40,00€ e o de cada pinheiro a 60,00€.
9) O custo da limpeza dos restos inutilizados das árvores ascende a 800,00€.
10) Em consequência do referido em 7), o prédio rústico referido em 1) sofreu uma desvalorização cujo valor ascende a 750,00€.
11) Em consequência do referido em 7) a autora teve de comprar 2 toneladas de canhotas para aquecer a casa, cujo valor ascendeu a 300,00€.
12) O referido em 7) provocou na autora desgosto e consternação.
13) Em consequência do referido em 7) a autora sofreu abalo e incómodo.
14)  Em Dezembro de 2013 o réu procedeu ao corte de 70 eucaliptos e 30 pinheiros no prédio rústico descrito em 1).».
1.1.2. Por aditamento deste Tribunal ad quem (art.607º/4- 2ª parte do CPC, ex vi do art.663º/2):
Após o corte de árvores provado em 14) supra de III-1.1. foi aberto o processo de inquérito nº331/13...., por queixa de II na GNR ... de 23.12.2013 (contra FF e CC, por corte de vegetação na sua propriedade, nomeadamente eucaliptos, entre ../../2013 e ../../2013), no qual este, a 14.10.2014, e juntou a seguinte procuração outorgada pela sua mãe AA e autenticada 02.10.2014, para a representar, antecedida do seguinte requerimento:




  
(art.3º, 4º e 11º da contestação, provados e de forma explicitada: por falta impugnação em 20º da resposta do alegado nos referidos arts. 4º e 11º; por prova documental de fls.23, 2/v a 29 da certidão de fls.22 a 32, com força probatória plena, nos termos do art.371º do CC)
1.2. Matéria de facto não provada:
«a) A autora vem pagando contribuições e impostos relativas ao prédio identificado em 1).
b) No Verão de 2016 o réu mandou proceder ao corte de 70 eucaliptos e 30 pinheiros no prédio rústico descrito em 1).
c) Cada uma das árvores, atenta o seu porte pesava cerca de 2 toneladas.».

2. Apreciação do objeto do recurso:
2.1. Arguição de nulidade:

Os recorrentes (herdeiros habilitados em representação do réu) arguiram a nulidade da sentença, por entenderem que esta incorreu em excesso de pronúncia, nos termos do art.615º/1-d) do CPC: por atender a um facto de 2013 não alegado pela autora, uma vez que esta reportou o corte de árvores ao verão de 2016; por condenar em indemnização respeitante a factos não alegados na causa de pedir (conclusões 10, 14, em referência às conclusões 8, 12 e 13, e 17 a 20).
Importa apreciar a arguição, face ao teor da decisão em relação às posições das partes e ao regime de direito aplicável.

2.1.1. Enquadramento jurídico:
A sentença é nula quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;» (art.615º/1-d), ex vi do art.666º do CPC), efeito este referido à inobservância da obrigação do art.608º/2 do CPC, que dispõe que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.».
Estas questões previstas no nº2 do art.608º do CPC, conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, reportam-se «aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às controvérsias centrais a dirimir.» [i].
Estas questões, por sua vez, não se confundem:
a) Com a omissão de apreciação de factos alegados (como fundamentos de pedidos ou de exceções) ou com consideração de factos não alegados (e que não integrem a possibilidade de consideração oficiosa do nº2 do art.5º do CPC), que correspondem a erro de julgamento.
Neste sentido, veja-se, nomeadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, relatado por Tomé Gomes, que sumaria, de forma que se perfilha por inteiro: «I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.»[ii].
b) Com os documentos juntos para prova ou contraprova de factos que tenham sido alegados, documentos estes cuja omissão de apreciação apenas pode ser apreciada como erro de julgamento de facto, em impugnação a decisão de facto (art.640º do CPC) ou em invocação de deficiência ou falta de consideração de factos passíveis de prova documental (arts. 662º/3-c)- parte final e 663º/2 do CPC).
c) Com argumentos jurídicos tecidos para defender o sentido de decisão de uma determinada questão suscitada[iii].

2.1.2. Apreciação da situação em análise:
A sentença recorrida condenou o réu no pagamento à autora da indemnização de € 4 600, 00 pelo dano sofrido por esta com o corte de 70 eucaliptos e 30 pinheiros do seu prédio por aquele (factos 8) e 14) da sentença, em referência aos factos 1) ss), por haver considerado estarem verificados os factos constitutivos do direito indemnizatório invocado pela autora e julgar improcedente a exceção de prescrição arguida pelo réu, com contagem do prazo desde o ato de dezembro de 2013.
Assim, esta condenação incidiu sobre o pedido da autora de condenação do réu no pagamento de € 4 600, 00 pelo dano por si sofrido com corte de 70 eucaliptos e 30 pinheiros do prédio, entre os outros danos patrimoniais (pedido referido em I-1.1.- b2) supra, em referência à alegação sintetizada em I-1.2.-b2) supra), em referencia a data alegada pelo réu, na sua contestação, para a referida ação danosa (em dezembro de 2013), em impugnação motivada da data imprecisa alegada pela autora (data que esta referiu, no art.14º da petição inicial, não poder precisar mas julgar ter sido por alturas do verão de 2016) e como fundamento fático da sua defesa por exceção de prescrição por si arguida (por defender que o prazo prescricional de 3 anos do art.498º/1 do CC deveria contar-se desde a dezembro de 2013 e não desde o versão de 2016, estando assim decorrido).
Desta forma, tendo a sentença apreciado o pedido formulado pela autora e a defesa apresentada pelo réu, não incorreu em qualquer nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do art.615º/1-d) do CPC, em referência ao art.608º/2 do CPC.
A apreciação se a sentença errou por considerar facto não alegado pela parte a quem competia deve ser feita na perspetiva da existência ou inexistência de um erro de julgamento, em III-2.2.1. infra.
Pelo exposto, julga-se improcedente a arguição de nulidade da sentença.

2.2. Invocação de erros de julgamento:
As partes invocaram erro de julgamento quanto à consideração do facto 14 para apreciar o pedido da autora e quanto ao conhecimento da prescrição.
A apreciação destes fundamentos do recurso deve ser feita de acordo com o direito aplicável, que se enunciará na parte relevante em III-2.2.1. infra.

2.2.1. Enquadramento jurídico:
2.2.1.1. Sobre os ónus gerais de alegação e prova de factos e sobre os princípios consideração de factos:
As partes de uma ação encontram-se oneradas com o ónus de alegação e de prova de factos favoráveis às suas pretensões e à sua defesa:
Por um lado, cabe aos autores e aos reconvintes os ónus: de alegar os factos essenciais (art.5º/1 do CPC e art.342º/1 e 2 do CC) em que baseiem as suas pretensões (arts.552º/1-d) e 583º/1 do CPC); e de provar os factos constitutivos do direito que se arroguem nas suas pretensões (art.342º/1 do CC).
Por outro lado, cabe aos réus e reconvindos os ónus: de alegar e provar os factos em que baseiem a sua defesa por exceção (arts.572º/c) e 584º do CPC); de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito contra si invocado e que integre a referida exceção (art.342º/2 do CC).
Por fim, cabe novamente aos autores e reconvintes o ónus de alegar e de provar os factos que impeçam, modifiquem ou extingam as exceções ao direito contra si invocadas (arts.5º/1 do CPC e 342º/2 do CC). Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa referem, a este propósito, «Às exceções que sejam invocadas pelo réu podem ser opostas, por sua vez, outras exceções, na medida em que tal decorra da norma ou normas jurídicas que regulam o concreto litígio, sendo que, em tais casos, é o autor que tem o ónus de invocar os correspondentes factos na réplica (quando seja admissível) ou em momento posterior (art.3º, nº4).»[iv].
O Tribunal, por sua vez, deve apreciar e decidir os factos alegados pelas partes e deve atender, ainda, aos factos instrumentais, complementares, concretizadores ou notórios de que possa ter conhecimento (art.5º/1 e 2-a), b) e c) do CPC), de acordo com a narrativa das partes e com a captação real e histórica dos mesmos, que sejam aptos a preencher facti species das normas, de acordo com todas as soluções plausíveis das questões de direito suscitadas.
Para este efeito, o Tribunal, para além das provas produzidas por cada uma das partes para demonstração dos factos por si alegados como fundamentos das suas pretensões, exceções ou contra-exceções, «deve tomar com conta todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feito por certo interessado.» (art.415º do CPC). Em relação a este princípio sobre os meios de prova e à ressalva respeitante ao prévio ónus de alegação e de prova, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, explicam «O princípio da aquisição processual é absoluto relativamente aos meios de prova. Já quanto à matéria de facto, há que atentar na ressalva da parte final do preceito, quanto aos casos em que apenas se atribui relevo à alegação proveniente da parte que dela beneficia: v.g. anulabilidade (art.287º), prescrição (art.303º), caducidade reportada a direitos disponíveis (art.333º), exceção de não cumprimento (art.428º), resolução (art.436º) ou compensação (art.848º, todos do CC). Em rigor, esta ressalva contende mais com a conjugação entre ónus de alegação das partes e os poderes de cognição do tribunal (art.5º), já que o problema não está tanto na origem da prova, mas na circunstância de a mesma revelar matéria que o juiz só pode considerar mediante a alegação da parte a quem aproveita (cf. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., p.371, nota 865).»[v].

2.2.1.2. Sobre os factos integrativos da exceção de prescrição por responsabilidade extracontratual e da exceção à mesma:
2.2.1.2.1. Estão sujeitos à prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (art.298º/1 do CC).
Esta prescrição é uma exceção perentória, cujo ónus de alegação e prova de cabe a quem a invoca (art.303º do CC), nos termos referidos em III-2.2.1.1. supra e que, em caso de procedência, conduz à absolvição do pedido, nos termos dos arts.576º/3 e 579º do CPC[vi], ainda que, quanto à sua eficácia: uns considerem que é uma causa extintiva da obrigação, sem prejuízo do nº2 do art.304º do CC (v.g, Brandão Proença e Luís Carvalho Fernandes, referidos por Júlio Gomes, considerando-a este extintiva de direitos sem prejuízo de se dever o seu cumprimento como dever de justiça)[vii], e para outros não o seja (v.g. Menezes Cordeiro considera que «A eficácia da prescrição não é extintiva. Ela transforma, quando invocada, a obrigação prescrita numa obrigação natural»[viii]; Júlio Gomes, com referência também a Jacinto Rodrigues Basto, a Heinrich Horster e Pedro Pais de Vasconcelos[ix]).
Os fatores impeditivos ou extintivos da prescrição, por sua vez, correspondem a uma contra exceção, cujo ónus de alegação e prova cabe a quem invocou o direito na ação e contra quem foi invocada a extinção por prescrição. Neste sentido pronunciaram-se, nomeadamente: o Ac. STJ de 31.10.2006, proferido no processo nº06A2596, relatado por Faria Antunes (que sumariou «2-Competia à seguradora apenas arguir a peremptória da prescrição, alegando e provando a data do acidente, presumindo-se que foi nessa mesma data que o autor/lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (mesmo que desconhecesse ainda a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos - ut nº 1 do artº 498º do CC), sendo sobre o autor/lesado que incumbia o ónus da prova de que apesar de ter decorrido o prazo prescricional após o acidente quando intentou a acção, o seu direito não prescreveu (por o início do prazo da prescrição ter sido diferido para ulterior momento, ou por tal prazo se ter interrompido). 3-(…) 4-Há naturalmente excepções à regra, justificando-se a suspensão da contagem do prazo da prescrição sempre que se constate uma situação que se possa classificar de força maior (v.g. o lesado ficou em estado de coma prolongado), mas então caberá ao lesado alegar e provar o respectivo circunstancialismo, por fugir à normalidade das coisas. 5-Provado que se completou o prazo prescricional, qualquer facto que infirmasse a prescrição teria de ser provado pelo lesado como titular do direito indemnizatório, pois tal facto funcionaria como impeditivo da extinção do direito, como elemento constitutivo da existência e sobrevivência desse direito. 6-Relativamente à extensão dos efeitos da interrupção da prescrição, a regra tradicional é a de que tais efeitos se restringem ao direito e às pessoas em relação aos quais a prescrição é interrompida (limites objectivo e subjectivo da interrupção), cingindo-se a causa interruptiva da prescrição a interromper a prescrição dos direitos a que se refere, e não quaisquer outros, donde resulta que, se tal causa for a citação judicial ou qualquer outro acto interruptivo judicial, o direito cuja prescrição fica interrompida é o feito valer por esse acto», com sublinhados nossos); o Ac. STA de 14.10.2021, proferido no processo nº00440/07.4BEPRT, relatado por Margarida Reis (que sumariou: «I. Nos termos do art. 342.º n.º 2 do Código Civil, tendo o devedor invocado a prescrição, incumbia à credora/Administração Tributária provar os concretos factos impeditivos dessa causa extintiva do crédito tributário. II. Não se tendo provado o facto demonstrativo da interrupção do prazo de prescrição há que dar por verificada a prescrição da dívida exequenda, proveniente de contribuições para a Segurança Social.»).
2.2.1.2.2. O prazo de prescrição pode ser um prazo ordinário de 20 anos (art.309º do C. Civil) ou pode ser um prazo curto de prescrição nas situações previstas por lei (v.g. arts.310º e 498º/1 do CC).
De acordo com as regras gerais: o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, sendo que, se o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo prazo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição (art.306º/1 do CC); o prazo de prescrição não começa nem corre entre os sujeitos e nos casos previstos por lei, respeitantes às causas bilaterais de suspensão, à suspensão em favor de militares e pessoas adstritas às forças militares, de menores ou maiores acompanhados, por motivos de força maior ou dolo do obrigado, dos direitos da herança ou contra ela (arts.318º a 322º do CC); o prazo de prescrição interrompe-se por ação do titular do direito, compromisso arbitral e reconhecimento, nos termos previstos por lei (arts.323º a 325º do CC), com perda de todo o tempo decorrido anteriormente e reinicio de novo prazo primitivo de prescrição (art. 326º do CC) e com critérios de duração legais específicos nos casos da interrupção ter resultado de iniciativa do titular ou compromisso arbitral (art.327º do CC, em referência aos arts.323º e 324º do CC); completada a prescrição, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito (art.304º/1 do CC), embora a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda que com ignorância quanto à mesma, não possa ser repetida (art.304º/2 do CC).
De acordo com o regime especial de prescrição do direito indemnizatório por factos ilícitos, o art.498º do CC prescreve: «1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso. 2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis. 3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. 4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.».
Na aplicação da regra prevista no nº1 do art.498º do CC, tem sido sublinhado pela Doutrina e Jurisprudência que releva apenas para a contagem do prazo de prescrição o conhecimento da existência dos pressupostos da obrigação de indemnizar, traduzidos nos seus elementos fáticos, ainda que o lesado não conheça a existência do direito por ignorância da lei ou a qualificação do facto lesivo (sendo que o desconhecimento da pessoa responsável no final do prazo de prescrição, sem culpa do lesado, pode gerar a aplicação o art.321º do CC)[x].
A aplicação do nº3 do art.498º do CC, de acordo com a Doutrina e Jurisprudência maioritárias:
- Apenas se aplica aos casos em que estiverem provados os factos objetivos e subjetivos integrativos de um crime (a que caiba prazo de prescrição mais longo).
Gabriela Páris Fernandes, a este propósito, refere «2. O disposto no n.º3 do artigo 498.º só é aplicável, segundo o entendimento que tem prevalecido, nos casos em que se demonstre que o facto ilícito que fundamenta o pedido constitui, no caso concreto, crime para o qual a lei estabelece prazo mais longo de prescrição: o lesado que pretenda beneficiar deste prazo mais longo terá de provar que se mostram, em concreto, preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime em referência, designadamente a culpa efetiva, não bastando a alegação desses factos nem de uma presunção legal de culpa (v.g., a prevista no n.º3 do artigo 503.º) (neste sentido, cfr. Acs. STJ 07.12.1983 e 23.10.2012; com referência expressa à necessidade de prova da culpa efetiva, cfr. Acs. STJ 24.10.1975, 02.12.2004 e 07.04.2005; na doutrina, cfr. VAZ SERRA, 1974-1975ª: 85-86, e ANTUNES VARELA, 1991-1992: 31, nt.1, 2000:628, nt.1)»- e, mesmo que o procedimento criminal tenha sido arquivado[xi].
Pires de Lima e Antunes Varela, por sua vez, referiam, em relação a este nº3 do art.498º do CC: «Se a prescrição do crime estiver sujeita a um prazo mais longo, mas o crime for entretanto amnistiado, manter-se-á a regra do nº3 , tendo porém o lesado de provar, se quiser prevalecer-se desse prazo mais longo, que o facto ilícito constituía crime.»[xii].
_ Apenas se aplica o prazo mais longo do procedimento criminal, quando estiverem verificados os pressupostos, mas já não os demais aspetos, designadamente o momento em que a contagem do prazo se inicia e as causas de interrupção[xiii].
Nesta mesma aplicação do nº3 do art.498º do CC já tem sido discutido (nalguns casos, sem uniformidade):
_ Se pode ser aplicado o prazo mais longo, quando se tratar de crime que dependia de queixa, no caso de esta não ter sido tempestivamente deduzida (com acórdãos em ambos os sentidos, citados por Gabriela Páris Fernandes)[xiv].
_ Se a instauração de inquérito criminal impede a instauração de ação cível nos termos do art.306º/1 do CC e/ou se constitui causa de interrupção do prazo prescricional, nos termos do art.323º/1 do CC. A este propósito pode ver-se, entre outros: Doutrina e Jurisprudência citada por Gabriela Páris Fernandes[xv]; em relação ao art.306º/1 do CC, Ac. STJ de 22.05.2018, proferido no processo nº5844/13.0TBBRG.P1.S1, relatado por Alexandre Reis (que sumariou «I- No caso em apreço, uma vez iniciado o procedimento criminal com a notícia do crime (de ofensa à integridade física por negligência previsto no art. 148.º, n.º 1, do CP), o prazo de prescrição de 5 anos (aplicável por força das disposições conjugadas dos arts. 498.º, n.º 3, do CC, e 118.º, n.º 1, al. c), do CP) apenas começou a correr, nos termos do art. 306.º, n.º 1, do CC, com o desfecho do inquérito, portanto, com a dedução da acusação contra o arguido em tais autos, momento a partir do qual o direito pôde ser exercido na acção civil. II - Com efeito, curando da responsabilidade civil conexa com a criminal, o art. 71.º do CPP consagra o princípio da adesão da acção civil à acção penal que, mais do que uma mera interdependência das acções, arrasta o pedido de indemnização civil de perdas e danos para a jurisdição penal. III - Não obstante as diversas salvaguardas à obrigatoriedade de o direito à indemnização ser exercido no procedimento penal, plasmadas no art. 72.º do CPP, assiste ao lesado o direito de aguardar o termo do inquérito criminal, com o seu arquivamento ou com a dedução da acusação, se, perante qualquer das situações abarcadas em tais ressalvas, não quiser recorrer, logo, à acção cível em separado. IV - Contudo, deduzida a acusação no inquérito, uma vez que o direito à indemnização tem de ser aí exercido nos prazos peremptórios cominados no art. 77.º do CPP, sob pena de ficar definitivamente encerrada a possibilidade do exercício da acção cível em conjunto com a penal, cessa o impedimento para o exercício do direito na instância cível e passa a verificar-se a inércia do respectivo titular, em que se funda a extinção inerente à prescrição, iniciando-se o cômputo do prazo desta a partir de então.»); em relação ao art.323º do CC, o Ac. STJ de 22.05.2013, proferido no processo nº2024/05.2TBAGD.C1.C1, relatado por Tavares Paiva, que conclui que «II - Considerando o princípio da adesão consagrado no art. 71.º do CPP, a pendência de processo crime representa uma interrupção contínua ou continuada (art. 323.º, nos 1 e 4 do CC) do prazo de prescrição contemplado no art. 498.º, n.º 1 do CC.»), e Ac. RC de 08.05.2019, proferido no processo nº4637/17.0T8LRA-B.C1, relatado por Emídio Santos (que concluiu « I - A abertura do inquérito pelo Ministério Público em consequência de acidente de viação não constitui causa de interrupção da prescrição prevista no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil.»).

2.2.2. Apreciação da situação em análise:
2.2.2.1. Arguição de erro por consideração de facto não integrativo da causa de pedir:
A sentença recorrida julgou provado no facto 14 (referido em III-1 supra) que o réu cortou 70 eucaliptos e 30 pinheiros no prédio da autora, em dezembro de 2013.
Os recorrentes/habilitados do réu defenderam que o Tribunal a quo não poderia ter considerado o corte de árvores de dezembro de 2013, uma vez que a autora os reportou o ato e os danos ao ano de 2016 (conclusões 8 e 12).
Todavia, examinando os atos processuais do processo relatados em I-1 e 2 supra e os factos provados em III-1. supra, em conjugação com o regime legal aplicável exposto em III-2.2.1.- 2.2.1.1. supra, verifica-se que não se pode reconhecer que exista um erro de julgamento por consideração indevida do facto provado em 14, face às regras do art.5º do CPC.
De facto, e por um lado, verifica-se que a autora e o réu identificaram o mesmo facto com relevância jurídica na causa de pedir e na defesa sobre a mesma (o corte de, pelo menos, 70 eucaliptos e 30 pinheiros): a autora, na sua petição inicial, alegou que este corte ocorreu no seu prédio e por ordem do réu (art.23º da petição inicial, em relação aos arts.14º ss), facto constitutivo essencial do seu direito; o réu, na sua defesa em relação a este mesmo corte concreto de árvores, arguiu a exceção de prescrição do direito de indemnização e impugnou que o corte tivesse sido feito na propriedade da autora, por considerar que ocorreu apenas no seu prédio (arts.1º ss e 18º ss da contestação).
Por outro lado, verifica-se, em relação à localização no tempo do facto danoso alegado, e como se referiu em III-2.1. supra: que a autora apresentou uma referência temporal imprecisa para os atos que imputou ao réu (referiu no art.14º da sua petição que não podia precisar a data dos factos mas julgava que tinham ocorrido por alturas do verão de 2016), imprecisão esta que não foi objeto de convite ao aperfeiçoamento (art.590º do CPC), presumivelmente por não se ter considerado essencial para delimitar o facto danoso, face à posição assumida pelo réu na sua defesa em relação ao evento alegado e por si claramente identificado e à exceção por si arguida; que o réu afirmou inequivocamente que os factos que lhe foram imputados reportaram-se a dezembro de 2013, data esta que correspondeu não apenas a uma impugnação motivada da data (imprecisa) indicada pela autora mas correspondeu sobretudo à alegação de um facto essencial integrativo da sua defesa por exceção (de prescrição), por depender deste facto a contagem desde ../../2013 do prazo de prescrição de 3 anos do art.498º/1 do CC, por si invocado como tendo decorrido na data da sua citação para a presente ação de 2019.
Desta forma, a prova do facto 14 e a consideração do mesmo para apreciar o pedido de indemnização de danos causados à autora com o corte de 100 árvores (70 eucaliptos e 30 pinheiros) não violou o art.5º/1 do CPC, por respeitar ao facto essencial alegado pela autora como fundamento da sua pretensão (a ação concreta de corte de árvores) e ao facto essencial alegado pelo réu como fundamento da sua exceção de prescrição (ocorrência do facto em dezembro de 2013).
Pelo exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso.

2.2.2.2. Erro de julgamento da exceção da prescrição:
A sentença, mediante a exceção arguida pelo réu, considerou que o direito indemnizatório não estava prescrito, nos seguintes termos:
«Prevê o disposto no art. 498.º, n.º 1 CC que prescreve no prazo de 3 anos o direito de indemnização a contar da data em que o lesado teve conhecimento de tal direito.
Todavia, se os factos ilícitos constituírem crime para o qual a lei penal preveja prescrição mais alargada é esse prazo que se aplica (n.º 3 daquele normativo).
Os principais fundamentos da prescrição são: a probabilidade de ter sido feito o pagamento; a presunção de renúncia do credor; a sanção da negligência do credor; a consolidação de situações de facto; a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; a necessidade de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; a necessidade de promover o exercício oportuno dos direitos[1].
Ora, o crime de ameaça acha-se previsto no art. 153.º CP e é punível com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias. O prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos (art. 115.º, n.º 1 al. c) CP) e o crime tem natureza semi-pública posto que o procedimento criminal depende de queixa (n.º 2 do art. 153.º CP).
Embora em processo penal vigore o princípio da adesão (art. 71.º CPP), a dedução do pedido cível em separado pode ocorrer quando o procedimento criminal depender de queixa ou de acusação particular (art. 72.º, n.º 1 al. c) CPP).
Para que funcione a regra do disposto no art. 498.º, n.º3 CC (prazo de prescrição do direito a indemnização superior a três anos), é apenas necessário que, em abstrato, os factos invocados pelo autor na petição inicial sejam suscetíveis de integrar a facti species criminal, independentemente da existência de processo criminal.
Porém, a instauração e subsequente tramitação do processo-crime tem consequências jurídicas sobre o início da contagem do prazo prescricional ou sobre a sua interrupção, uma vez que o art. 306.º, n.º 1 CC, estabelece que O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
Assim, A pendência do processo crime (inquérito) como que representa uma interrupção contínua ou continuada («ex vi», do art.º 323.º n.ºs 1 e 4, do C. Civil), quer para o lesante, quer para aqueles que com ele são solidariamente responsáveis pela reparação dos danos, interrupção esta que cessará naturalmente quando o lesado for notificado do arquivamento (ou desfecho final) do processo crime adrede instaurado (Ac. STJ, de 22.1.04, Proc. 03B4084).
Instaurado inquérito criminal por crime público, arquivado que seja por qualquer motivo, não obstante a verificação de pressupostos da dedução do pedido cível em separado, o prazo de prescrição do respectivo direito de indemnização só se inicia depois do conhecimento pelos interessados daquele arquivamento. (Ac. STJ, de 31.1.07, Proc. 06A4620).
Com a participação dos factos (em abstracto criminalmente relevantes) ao Ministério Público ou às entidades policiais competentes, se interromperá o prazo de prescrição contemplado no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil, não começando, de resto, este a correr enquanto se encontrar pendente o processo penal impeditivo da propositura da acção cível em separado (Ac. de 22.1.04, Proc. 03B4084).
Daqui decorre que a autora participou criminalmente contra o réu em 23 de Dezembro de 2013, por factos susceptíveis de integrarem em abstracto a prática dos  crimes de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.º do CP e dano, p. e p. pelo artigo 212.º do CP.
O prazo de prescrição de cada um destes crimes é de dois anos e cinco anos, respectivamente, sendo este o prazo de prescrição aplicável pois, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 498.º, n.º 3 é o prazo mais longo.
Ora, consta dos autos que em 28.05.2015 foi proferido despacho final de arquivamento no processo crime instaurado contra o réu (331/13...., que correu termos no DIAP de ...), tendo sido posteriormente notificado à autora (desconhecendo-se a data da notificação, porquanto dos autos nada consta). 
É então a partir da data deste despacho de arquivamento – 28.05.2015 – que se inicia a contagem do prazo prescricional, in casu, 5 anos.
Ora, tendo o réu sido citado para a acção em 14 de Março de 2019, o direito à indemnização peticionado pela autora não está prescrito.
Neste segmento, julgo não verificada a excepção de prescrição invocada pelo réu.».
Os recorrentes defenderam que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente a prescrição, tendo em conta: que a autora admitiu por acordo a exceção de prescrição quanto aos factos ocorridos em dezembro de 2013 e confessou na sua resposta os arts.4º e 5º da resposta que no ano de 2013 o procedimento foi iniciado pelo filho da autora e que mais tarde a autora e o filho deixaram “cair” o procedimento; que não existiu corte de árvores no verão de 2016 (face à al. b) dos factos não provados); que a autora na sua petição inicial não alegou nem provou circunstancialismo factual integrativo de um crime (para que o tribunal aplicasse o prazo alargado do art.498º/3 do CC); (conclusões 4 a 6, 9, 11, 15, 16).
Impõe-se reapreciar a decisão recorrida quanto à prescrição, face às posições assumidas pelas partes nos seus articulados, aos factos provados e fundamentos da decisão, de acordo com o direito aplicável.
Numa primeira ordem de apreciação, verifica-se que os argumentos dos recorrentes da existência de confissão da exceção de prescrição quanto aos factos ocorridos em dezembro de 2013 e da desistência do processo face ao referido nos arts.4º e 5º supra da resposta são impertinentes para assacar erro de julgamento à decisão recorrida, tendo em conta: que não existe confissão de uma exceção mas apenas de factos que tivessem sido alegados como integrativos da mesma (arts. 352º ss do CC), factos esses que os recorrentes não identificaram; que a alegação vaga e conclusiva de “deixar cair o procedimento” não corresponde a matéria de facto passível de prova, nomeadamente por confissão, por se tratar de matéria conclusiva e vaga, que nem é percetível, nem pode ser interpretada como desistência de um processo, de acordo com as regras dos arts. 236º ss do CC.
Todavia, numa segunda ordem de apreciação, verifica-se que já é relevante a invocação de erro de julgamento por falta de verificação dos pressupostos de um crime.
Por um lado, e preliminarmente, verifica-se, como enquadramento da questão a decidir (embora os recorrentes não tenham assacada erro à decisão nesta exata medida):
a) Que, nos articulados em que se suscitaram e discutiram as questões a decidir: o réu, na sua contestação, arguiu a exceção de prescrição, por decurso do prazo de 3 anos do nº1 do art.498º do CC, entre dezembro de 2013 e a data da instauração desta ação de 8.3.2019 e de citação do réu a 14.03.2019; a autora, na sua resposta à contestação (na qual lhe cabia alegar os factos que impedissem a procedência da exceção arguida pelo réu, conforme referido em III-2.2.1. supra), limitou-se a defender de forma imprecisa que ocorreu uma ação continuada do réu desde 2013 (razão pela qual defendeu que a contagem do prazo prescricional de 3 anos deveria contar-se desde os atos de 2016 e não desde 2013), sem invocar qualquer outra matéria de defesa (nomeadamente: que os factos imputados ao réu integravam a prática de um crime e qual; que o prazo de prescrição do procedimento criminal do referido crime era de 5 anos, nos termos do art.118º/1-c) do CP; que esse prazo deveria ser aplicado nos termos do art.498º/3 do CC, que esse prazo estava interrompido com a queixa criminal e até à notificação do despacho de arquivamento), com alegação de todos os factos integrativos dessa contra-exceção.
b) Que a sentença proferida, quando apreciou a exceção de prescrição: não conheceu o fundamento invocado pela autora para afastar a prescrição (fundamento que, de qualquer forma, não tem suporte de prova na matéria de facto julgada provada e não impugnada neste recurso); conheceu oficiosamente, na apreciação jurídica, de um fundamento de defesa não invocado pela autora, com consideração de factos não alegados pelas partes nos termos do nº1 do art.5º do CPC e que extraiu da certidão junta pelo réu para provar que lhe eram imputados factos de dezembro de 2013 (quando a alegação de factos lhe era exigível, nos termos explicados em III-2.2.1. supra, sendo que os documentos apenas se destinam a provar esses factos, nos termos dos arts.351º ss do CC e dos arts.410º ss e 423º ss do CPC), sem, de qualquer forma, os ter levado à prévia decisão da matéria de facto provada (nos termos do art.607º/3 e 4 do CPC).
Por outro lado, nesta decisão proferida pelo Tribunal a quo, verifica-se que este, para além de ter considerado factos não alegados pelas partes nos termos do art.5º/1 do CPC (nomeadamente o termo do processo crime), julgou provados factos insuficientes para julgar provado que o réu praticou um crime, ao qual fosse aplicável um prazo mais longo de prescrição, nos termos do nº3 do art.498º do CC, em referência ao art.118º/1-c) do CPP («1 - O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: (…) c) Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos;»).
Estes factos provados, por sua vez, não foram impugnados por qualquer uma das partes- nem pelos habilitados do réu (sem interesse na impugnação do art.640º do CPC, nomeadamente, em relação ao facto 14), nem pelos habilitados da autora, em ampliação do objeto do recurso, nos termos do art.636º do CPC (ampliação que os habilitados da autora poderiam ter pedido em resposta ao recurso- para o caso de o Tribunal ad quem dar razão aos habilitados do réu quanto à falta de prova de factos integrativos de um crime-, ampliação que poderia, em particular, ser feita através da impugnação de matéria de facto provada ou da petição de ampliação do julgamento de factos alegados e que não tivessem sido apreciados, com vista a serem provados para comprovar a prática de crime).
Nestes factos provados, verifica-se que a matéria provada, em particular no facto 14) em relação ao facto 1) («Em Dezembro de 2013 o réu procedeu ao corte de 70 eucaliptos e 30 pinheiros no prédio rústico descrito em 1)»), não é suficiente para preencher um tipo legal de crime (que carece da verificação dos factos objetivos do ilícito criminal e de factos subjetivos integrativos da culpa , nos termos dos arts.1º ss do CP, 1º ss do CP, arts.13º ss do CP), em particular, em relação aos crimes que aqui poderiam ser equacionados: o crime doloso de dano previsto e punido pelo art.212º do CP e com referência aos requisitos da culpa por dolo dos arts.13º e 14º do CP, punível com pena superior a 1 ano («1 - Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. 2 - A tentativa é punível. 3 - O procedimento criminal depende de queixa. 4 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 206.º e 207.º»); o crime doloso de furto, previsto no art.203º do CP («1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. 2 - A tentativa é punível. 3 - O procedimento criminal depende de queixa.»).
De facto, para este efeito, teria sido necessário que a autora tivesse alegado e provado: que o réu, ao cortar as árvores provadas em 14) no prédio 1), que confronta com o seu prédio, quis destruir ou inutilizar as árvores de propriedade da autora (ou representou como necessário ou como de ocorrência possível), com conhecimento desta propriedade alheia (no ac. RG de 17.02.2014, proferido no processo nº140/10.8GAPTL.G2, relatado por Fernando Monterroso, sumariou-se « I – O dano é um crime doloso, sendo bastante o dolo eventual. No caso de dano “simples” o agente tem de saber ou representar (conformando-se com o resultado) que a sua ação sacrifica coisa alheia. Já no dano qualificado tem também de ter conhecimento de todos os elementos ou circunstâncias que determinam a qualificação.»); e/ou que o réu, após o corte das árvores, teve intenção de apropriação destas árvores (dolo específico), e com conhecimento que eram alheias.
A falta de prova de factos que permitam reconhecer que o ilícito civil correspondeu também a um ilícito criminal, impede a aplicação do prazo de prescrição criminal mais longo (de 5 anos), nos termos do art.498º/3 do CC, em referência ao art.118º/1-c) do CPP, aplicado oficiosamente na sentença recorrida.
Assim, o prazo de prescrição do direito de indemnização decorrente de responsabilidade civil por factos ilícitos corresponde a 3 anos, nos termos da regra do nº1 do art.498º do CC, contado desde a data em que o lesado teve conhecimento dos pressupostos fáticos essenciais do direito que lhe compete, nos termos já referidos em III-2.2.1.2. supra.
Na presente situação em análise, este conhecimento da autora não pode deixar de ter ocorrido, pelo menos, a 10.10.2014, quando o seu filho juntou ao processo crime de inquérito (aberto a 23.12.2013 com a sua denúncia de corte de vegetação no seu prédio, nomeadamente eucaliptos), no contexto da liquidação de danos sofridos pela mesma (nomeadamente, com o corte de árvores), a procuração que a autora/sua mãe lhe outorgara e que fora autenticada a 02.10.2014.
A contagem do prazo de 3 anos, feita pelo menos desde esta data do conhecimento essencial do ato gerador de danos, implica que este prazo se considere decorrido em 10.10.2017.
Ainda que a autora tivesse alegado e provado que o processo-crime de inquérito esteve pendente entre a abertura a 23.12.2013 e a data de prolação de despacho de arquivamento de 28.05.2015 (conforme considerou o Tribunal a quo, sem que os factos tivessem sido alegados, sem os indicar como provados na parte respeitante à matéria de facto e sem que, de qualquer forma, a certidão junta pelo réu na sua contestação estivesse completa para os considerar provados e passíveis de consideração na parte relevante para apreciar o termo do processo, uma vez que a certidão não continha a parte dispositiva do despacho de encerramento de inquérito, a data efetiva de prolação e a data da notificação) e se entendesse que esse facto integrava a previsão do art.306º/1 e/ou do art.323º do CC e que o prazo de prescrição se devia contar apenas desde essa data de 28.05.2015, não se chegaria a conclusão diferente quanto ao decurso do prazo de prescrição de 3 anos na data de 14.03.2019 em que o réu foi citado para esta ação instaurada a 08.03.2019 (data essa que interromperia o prazo prescricional, caso o mesmo estivesse ainda a correr, nos termos do art.323º/1 e 2 do CC), uma vez que, contado o prazo de 3 anos desde ../../2015, o mesmo teria terminado a 29.05.2018.
Desta forma, tendo decorrido o prazo de prescrição do direito indemnizatório decorrente do facto danoso provado em 14) da sentença recorrida antes da data de 14.03.2019 (em que o mesmo se poderia ter interrompido por iniciativa da autora na instauração da presente ação, se estivesse em curso), reconhece-se o erro de direito da decisão recorrida neste segmento de improcedência da exceção de prescrição.
Assim, procedendo a exceção de prescrição, deve ser revogada a decisão de condenação do réu a pagar à autora a indemnização arbitrada para reparação de factos danosos cujo direito se encontra prescrito, nos termos dos arts.304º/1 e 498º/1 do CC e 576º/3 do CPC. 

IV. Decisão:

Pelo exposto, os Juízes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação de Guimarães acordam:

1. Julgar improcedente o pedido de nulidade da sentença.
2. Julgar procedente a exceção de prescrição arguida pelo réu e, consequentemente, revogar a condenação de IV-3 e 4 da sentença recorrida de 10.09.2021
*
Custas da ação e do recurso pela autora (art.527º/1 do CPC), que decaiu quanto aos pedidos indemnizatórios que determinaram a fixação do valor da ação.
Guimarães, 16 de maio de 2024
Assinado eletronicamente pelos Juízes integrativos do coletivo

Alexandra M. Viana P. Lopes (Juiz Desembargadora Relatora)
José Carlos Pereira Duarte (Juiz Desembargador 1º Adjunto)
Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade (Juiz Desembargadora 2ª Adjunta)




[i] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol.. I, 2ª Edição, Fevereiro de 2021, Almedina, nota 7 ao art.608º, pág.753.
[ii] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível in dgsi.pt
[iii] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 7 ao art.608º, pág.753.
[iv] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 6 ao art.579º do CPC, págs.683 e 684.
[v] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 2 ao art.415º, págs.507 e 508.
[vi] António Menezes Cordeiro, in Código Civil Comentado, I- Parte Geral, CIDP e Almedina, nota 2, pág.884, refere que «A prescrição funciona como contra-direito: permite, ao beneficiário, bloquear a pretensão do credor, designadamente por exceção. Trata-se de uma exceção perentória, que conduz à absolvição do pedido (art.576.º/3, do CPC), mas que depende da invocação do beneficiário (579.º, do CPC)».
Rita Canas da Silva, in Código Civil Anotado, coordenado por Ana Prata, Almedina, 2ª edição revista e atualizada, nota 1 ao art.304º, pág.411, refere, em relação ao art.304º- «Por conseguinte, o único efeito decorrente desta norma é que, decorrido o prazo prescricional, o cumprimento da obrigação deixa de ser exigível, podendo o devedor opor-se legitimamente ao cumprimento (n.º1), não se admitindo, porém, a repetição do que tenha sido prestado (n.º2).
[vii] Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil- Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, anotação 4 ao art.304º, pág.748.
[viii] António Menezes Cordeiro, in Código Civil Comentado, I- Parte Geral, CIDP e Almedina, 2020, pág.884.
[ix] Júlio Gomes, in obra citada, anotação 4 ao art.304º, pág.748.
[x] Gabriela Páris Fernandes, in Código Civil Comentado, Direito das Obrigações, UCP, dezembro de 2018, anotação 4-II ao art.498º do CC, págs.375 e 376.
[xi] Gabriela Páris Fernandes, in obra citada, anotação 4- V- 2, pág.379.
[xii] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª Edição revista e atualizada com a colaboração de Henrique Mesquita, 1987, Coimbra Editora, Lda., nota 3 ao art.498º do CC, pág.504.
[xiii] Gabriela Páris Fernandes, in obra citada, anotações 4- V-1, pág.379.
[xiv] Gabriela Páris Fernandes, in obra citada, anotação 4- V- 2, pág.379.
[xv] Gabriela Páris Fernandes, in obra citada, anotação 4- VI, pág. 381.