Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | NULIDADE DA DECISÃO SUPRIMENTO DA NULIDADE AUTORIZAÇÃO DO AUXÍLIO DA FORÇA PÚBLICA SUSPENSÃO PRECÁRIA DA EXECUÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/06/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1- O recurso pelo agente de execução ao auxílio da força pública para proceder à entrega de prédio ao adquirente depende da verificação de uma das seguintes situações: a) ter sido deduzida (já deduzida) oposição ao ato de entrega; b) existir receio justificado de que essa oposição se irá verificar (na data que vier a ser designada para a diligência de entrega); ou c) a recusa em abrir as portas do prédio a entregar, ou este se encontrar deserto, com as respetivas portas fechadas, sendo, por isso, necessário arrombar as portas e mudar as respetivas fechaduras para que se possa proceder à sua entrega ao adquirente/exequente. 2- O “receio justificado” do agente de execução de que vai ser oposta resistência ao ato de entrega daquele prédio pressupõe a verificação de factos concretos e objetivos que, atento um cidadão médio, de são critério, quando colocado na situação do real agente de execução, o leve a perspetivar com elevado grau de certeza que essa oposição irá acontecer na data que vier a ser designada para o ato de entrega do prédio. 3- A suspensão precária da execução relativamente à entrega de prédio que constitua a casa de habitação principal do executado, prevista nos arts. 861º, n.º 6 e 863º, n.ºs 3 a 5 do CPC, é um mecanismo processual de caráter excecional (que se funda no valor superior da vida humana comparativamente ao direito de propriedade do adquirente/exequente sobre o prédio a entregar) e temporária (que apenas pode ser determinada até ao termo do prazo indicado no atestado médico em que ocorre a situação de perigo para a vida do doente). 4- Essa suspensão depende do preenchimento dos seguintes pressupostos cumulativos: a) o prédio a entregar/despejar constitua a casa de habitação principal do executado; b) no ato de entrega daquela casa ser apresentado atestado médico em que seja certificado que o executado, um familiar ou outra pessoa que com ela reside em economia comum se encontra doente; c) nele se certifique tratar-se de doença aguda, isto é, súbita, inesperada, de evolução rápida e de curta duração; d) e que a realização da diligência põe em risco a vida do doente; e e) que nele se indique o prazo durante o qual se deve suspender a diligência. 5- Dado o caráter excecional e temporária da referida suspensão, onde estão dois direitos fundamentais constitucionalmente tutelados em confronto (direito à vida e direito de propriedade), compreende-se que o referido mecanismo processual comporte duas fases processuais: Fase liminar: em que o agente de execução, perante a apresentação de atestado médico que satisfaça os requisitos legais antes referidos, deve suspender o ato de entrega/despejo, lavrar certidão da ocorrência, juntar os documentos que lhe foram exibidos, e advertir a pessoa que se encontra no local, de que a execução prossegue, salvo se, no prazo de dez dias, for apresentado requerimento ao juiz, com a prova da facticidade nele alegado, requerendo a confirmação do ato de suspensão da diligência; e Fase de apreciação judicial: em que perante aquele requerimento e provas, uma vez ouvido o exequente, o juiz tem de proferir, no prazo de cinco dias, decisão em que mantenha a suspensão da execução ou ordena o seu imediato prosseguimento. 6º- Uma doença crónica, ainda que, no ato de entrega do prédio se apresente em estado agudo, dado tratar-se de doença de progressão lenta e com duração prolongada, que viabiliza que o executado proceda ao planeamento da sua vida de modo a que o prédio que constitui a sua habitação principal se encontre livre e devoluto de pessoas e bens na data que vier a ser agendada para a sua entrega ao adquirente/exequente, seu legítimo proprietário, não constitui fundamento legal para que se suspenda precariamente a execução, nos termos dos arts. 861º, n.º 6 e 863º, nºs 3 a 5 do CPC. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO Nos autos de execução para pagamento de quantia certa que EMP01..., Lda., com sede na Avenida ..., ..., ... ..., instaurou contra AA e mulher, BB, residentes no Loteamento ..., ..., ..., ..., ..., em 11/01/2012, foi penhorado o prédio urbano, composto de casa de cave, ..., andar e logradouro, sito em ..., ... (...), ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...73 e inscrito na matriz sob o art ...73º. Em 01/07/2022, a agente de execução ordenou a venda do prédio acabado de identificar por leilão eletrónico. Foi aceite a proposta de aquisição daquele prédio apresentada por EMP02..., Lda., a quem, em 23/01/2023, a agente de execução emitiu título de transmissão. Notificados os executados em 17/01/2023, para que procedessem à entrega voluntária do prédio, requereram a suspensão do ato de entrega, nos termos do disposto no art. 6º-E, n.º 7, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, alegando tratar-se de casa de morada de família e não terem outro imóvel para onde possam ir residir e não possuírem capacidade económica para tomarem um prédio de arrendamento. Por decisão de 14/02/2023, a agente de execução indeferiu o requerido, com fundamento de que o regime excecional previsto na Lei n.º 1-A/2020 tinha sido, entretanto, revogado e determinou que a execução prosseguisse para entrega do imóvel à adquirente. Requereu que, ao abrigo do disposto nos arts. 757º, n.º 4 e 767º, n.º 1 do CPC, fosse deferido o recurso ao auxílio da força pública para realizar a diligência de entrega do prédio à adquirente, com arrombamento, caso fosse necessário. Por decisão do juiz de execução de 09/03/2023, indeferiu-se a pretensão da agente de execução e revogou-se a decisão por ela proferida, determinando-se que ficasse suspensa a diligência de entrega do imóvel à adquirente até que o regime de exceção previsto na Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, se mostrasse revogado. A executada BB interpôs recurso do despacho acabado de referir. Por despacho do juiz de execução de 20/06/2023, ordenou-se a notificação da recorrente (executada BB) para que esclarecesse se mantinha interesse na apreciação do recurso, dado que, no despacho recorrido entendeu o “tribunal que a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, em concreto o art. 6º-E, n.º 7, al. b), ainda se mantém em vigor, não tendo sido revogado, daí que se tenha indeferido a entrega do imóvel que constitui a casa de morada de família dos executados ao exequente. Assim, não se vislumbra qual o interesse em agir dos executados no recurso que interpõem e por via do qual pretendem que o tribunal aplique ao caso a suspensão prevista naquela lei, suspensão essa a que se atendeu já no despacho recorrido, que é precisamente aplicável ao caso concreto e, por isso, se indeferiu a entrega”. Na sequência, em 6/07/2023, a recorrente (executada BB) informou que, da decisão recorrida “não resulta claro que a sua pretensão tenha sido deferida. Com efeito, os executados requereram ao tribunal que, por força do disposto no art. 6º-E, n.º 7, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, fosse declarada a suspensão do ato de entrega do imóvel. Ora, a douta decisão recorrida veio dizer que “é de indeferir o requerido”. Neste sentido a executada esclarece que mantém interesse no recurso”. O recurso vindo a referir não foi admitido por despacho proferido pelo juiz de execução em 05/09/2023, transitado em julgado. Mais se decidiu no referido despacho de 05/09/2023 que, por via da entrada em vigor, em ../../2023, da Lei n.º 31/2023, de 04/07, foi revogado o regime de exceção previsto na Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, e, em consequência, determinou o prosseguimento da diligência de entrega do prédio à adquirente. E deferiu a pretensão da agente de execução de recorrer ao auxílio da força pública, bem como ao arrombamento de portas, na eventualidade destas se encontrarem fechadas ou ser oposta alguma resistência à entrega do imóvel à adquirente, devendo lavrar-se auto de ocorrência. Determinou que, “tratando-se de casa de habitação principal dos executados, caso se suscite sérias dificuldades de realojamento dos executados, cabe à agente de execução comunicar antecipadamente à Câmara Municipal e às entidades assistenciais competentes (cfr. artigo 861º, n.º 6, ex vi, artigo 828º, ambos do Código de Processo Civil)”. A agente de execução, em 08/09/2023, designou o dia 14/09/2023, pelas 09h30m, para a realização da diligência de entrega do prédio à adquirente, com acompanhamento de elementos da autoridade policial. No auto de diligência de 14/09/2023, lê-se que: “Após conversações, quer com os executados, quer com o mandatário dos mesmos, Exmo. Senhor Dr. CC, ficou adiada para o dia 21 do corrente a diligência de entrega do imóvel ao proprietário, representado por DD, porque os executados alegaram não ter para onde ir, dando-se o prazo de oito dias para resolverem a situação” – cfr. auto de diligência junto à execução em 21/09/2023. No dia 21/09/2023, não se realizou a diligência de entrega do prédio à adquirente, porquanto (transcreve-se ipsis verbis o teor do auto de diligência lavrado pela agente de execução): “No dia 21/09/2023, pelas 10h00, na Rua ..., ..., em ..., ..., data agendada para a referida entrega do imóvel na suprarreferida morada, foi exibido atestado médico que atestou que a saída do executado, AA, do imóvel poria em risco a sua vida. Assim, e em virtude de ter sido exibido o referido atestado a signatária suspendeu a diligência e notifica pessoalmente a executada BB, esposa do referido executado AA, que deverá, no prazo de 10 dias, juntar aos autos o atestado exibido”. Em 02/10/2023, a executada BB requereu a junção aos autos de execução o referido atestado médico, que se encontrado datado de 18/09/2023, e cujo teor consta do seguinte (procede-se à sua transcrição parcial ipsis verbis): “(…) o Sr. AA (…), é portador de doença crónica em fase de agudização e com (ilegível) doença do foro ortopédico e do foro pneumológico. Aquando da realização de exames complementares de diagnóstico e estimando-se um período de noventa dias a necessidade de acompanhamento do doente para reavaliação da situação clínica e eventual (ilegível) ortopedia (coluna lombar). O utente neste momento está em fase aguda e deve evitar mobilização fora do leito, por colocar a sua vida em risco. (…)”. Em 16/12/2023, a adquirente do prédio, EMP02..., Lda., requereu que se notificasse a agente de execução para que procedesse à entrega do imóvel que lhe foi adjudicado, com a maior brevidade possível, alegando, em suma, que o atestado médico junto aos autos é forjado e que, por isso, o impugna, e que, em todo o caso, o mesmo não constitui meio bastante para se suspender a diligência de entrega do imóvel. Na sequência, em 30/10/2023, a executada BB requereu que se indeferisse o requerido pela adquirente do prédio, por falta de fundamento legal. Em 17/11/2023, a agente de execução requereu que, “decorridos quase 2 meses, desde a data da tentativa de realização de entrega da posse do imóvel ao comprador, que, entretanto, foi pela signatária suspensa, pelo motivo invocado, venho solicitar a V. Exª se digne proferir despacho a autorizar a entrega efetiva da posse do imóvel”. Em 02/01/2024, o adquirente do prédio reiterou o seu requerimento anterior no sentido de que se notificasse a agente de execução para que lhe entregasse o prédio. Por sua vez, a agente de execução reiterou o pedido que formulou em 17/11/2023, por requerimento de 31/01/2024. Em 18/03/2024, o juiz de execução proferiu o despacho que se segue (procede-se à sua transcrição ipsis verbis): “Autorização do auxílio da força pública: Mostrando-se há muito decorrido o prazo de 90 dias referido no atestado médico junto pela Executada com o requerimento, nos termos do disposto nos artigos 828º, 861º e 863º, todos do C.P.C., determino a requisição do auxílio da força pública, bem como o arrombamento das portas, na eventualidade destas estarem fechadas ou de ser oposta alguma resistência, para entrega do bem ao adquirente EMP02..., LDA (prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... (...) sob o n.º ...65), devendo lavrar-se auto de ocorrência. Frisa-se que, tratando-se de casa de habitação principal do(a) executado(a), caso se suscite sérias dificuldades no realojamento do(a) executado(a), cabe ao(à) Sr.(ª) Agente de Execução comunicar antecipadamente o facto à Câmara Municipal e às entidades assistenciais competentes (cfr. artigo 861º, n.6, ex vi 828º, ambos do Código Processo Civil). Notifique”. Inconformada com a decisão acabada de transcrever, a executada BB interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões: A- A douta decisão recorrida cabe na previsão do artigo 647º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Civil, pelo que deve ser atribuído efeito suspensivo à apelação. B- Tendo-se verificado, no âmbito da diligência de entrega do imóvel realizada no dia 21/09/2023, o circunstancialismo previsto no artigo 863º, n.º 3 do Código de Processo Civil, não foi, até à data, proferida a decisão a que alude o artigo 863º, n.º 5 do mesmo diploma. C- Tendo sido requerida a suspensão das diligências executórias com fundamento no circunstancialismo previsto no artigo 863º, n.º 3 do Código de Processo Civil e estando tal suspensão sujeita a confirmação judicial, o Tribunal a quo não poderia autorizar o auxílio da força pública com vista à entrega do imóvel sem antes proferir decisão quanto à requerida suspensão. D- Deve ser revogada a douta decisão de 18/03/2024, devendo o Tribunal a quo proferir a decisão prevista no artigo 863º, n.º 5 do Código de Processo Civil. E- Face ao teor do artigo 757º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 861º, n.º 1 do mesmo diploma, a autorização do auxílio da força pública não constitui um ato discricionário do Tribunal, dependendo a mesma da verificação de um requisito legal, a saber a existência de resistência à realização da diligência ou de um receio justificação de oposição de resistência. F- A decisão recorrida é totalmente omissa quanto à verificação de tal requisito legal. G- Não se mostra preenchido o pressuposto de que depende a autorização de auxílio da força pública, não estando assim fundamentada a douta decisão recorrida. H- A decisão do Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 757º, n.º 2, 861º, n.º 1 e 863º, n.ºs 3, 4 e 5 do Código de Processo Civil. Nestes termos e nos demais que Vossas Excelências doutamente suprirão será feita Justiça. * Não foram apresentadas contra-alegações.* A 1ª Instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.* Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, neles apreciados, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1]. No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões, atenta a sua precedência lógica: a- se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação (cfr. alíneas E) e F) das conclusões de recurso)? b- se aquela decisão (que deferiu o pedido formulado pela agente de execução para que fosse autorizada a recorrer ao auxílio da força pública, a fim de proceder à entrega do prédio à sua adquirente) padece de erro de direito, uma vez que a diligência de entrega do imóvel realizada no dia 21/09/2023, encontra-se suspensa e ainda não foi proferido despacho judicial confirmando (ou não) essa suspensão (cfr. alíneas B) a D) das conclusões de recurso) e, bem assim, por não se encontrarem verificados os pressupostos legais de que depende a autorização da agente de execução para que possa recorrer ao auxílio da força pública, a fim de proceder à entrega do prédio à adquirente (cfr. alínea G) das conclusões de recurso)? * III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOOs factos que relevam para conhecer das questões que integram o objeto do presente recurso são os que constam do «I-Relatório» supra exarado, que aqui se dão por reproduzidos. * IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICAA- Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação Advoga a recorrente que, “face ao teor do artigo 757º, n.º 2 do CPC, aplicável por força do art. 861º, n.º 1, do mesmo diploma, a autorização do auxílio da força pública não constitui um ato discricionário do tribunal, dependendo da verificação de um requisito legal, a saber: a existência de resistência à realização da diligência ou de um receio justificado de oposição de resistência”, e que “a decisão recorrida é totalmente omissa quanto à verificação de tal requisito”, com o que assaca ao despacho recorrido o vício da nulidade por falta de fundamentação, da al. b), do n.º 1, do art. 615º do CPC (diploma a que se reportam todas as disposição legais que se venham a citar sem menção em contrário). Vejamos se lhe assiste razão. O art. 755º, aplicável à penhora de imóveis, estabelece que, salvo os casos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 757º, o depositário deve tomar posse efetiva do imóvel penhorado (n.º 1), devendo para tal o agente de execução solicitar diretamente o auxílio das autoridades policiais quando seja oposta alguma resistência, ou haja receio de oposição de resistência ao ato de entrega do prédio ao depositário (n.º 2), ou nos casos em que seja necessário o arrombamento da porta e a substituição da fechadura para efetivar a posse do imóvel, lavrando-se auto da ocorrência (n.º 3). Nos termos do n.º 1, do art. 767º, torna-se necessário o arrombamento das portas e a substituição das respetivas fechaduras do prédio a penhorar, e o consequente recurso do agente de execução ao auxílio das autoridades policiais, nos casos em que o executado, ou quem o representa, se recusar a abrir quaisquer portas do prédio, ou se este estiver deserto e as portas se encontrarem fechadas. Por sua vez, nos casos em que o prédio a penhorar constituía o domicílio (do executado ou de terceiro detentor), a solicitação de auxílio das autoridades policiais carece de prévio despacho judicial, autorizando, ou não, esse recurso por parte do agente de execução (n.º 4, do art. 758º). Passado o título de transmissão do prédio ao adquirente, este pode requerer contra o detentor do prédio que adquiriu, na própria execução, a sua entrega, nos casos em que se defronte com dificuldades em entrar na sua posse, nos termos prescritos no art. 861º, devidamente adaptados (art. 828º). À efetivação da entrega do imóvel ao adquirente são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à realização da penhora (n.º 1, do art. 861º). A entrega do prédio ao seu adquirente processa-se mediante a investidura daquele na sua posse, a efetuar pelo agente de execução, que lhe deve entregar os documentos e as chaves do prédio, se os houver, e notificar os executados, arrendatários e quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o direito do adquirente sobre o mesmo (n.º 3, do art. 861º). Decorre do que se vem dizendo que, uma vez vendido o prédio penhorado no âmbito de execução, tendo o adquirente pago integralmente o preço da sua aquisição e feita a prova do pagamento do imposto devido por esse ato aquisitivo ou da isenção do mesmo, cumpre ao agente de execução adjudicar o prédio ao adquirente, sem necessidade de despacho judicial, processando-se o ato de adjudicação mediante a emissão pelo agente de execução de título de transmissão a favor do adquirente, com as menções do n.º 1, do art. 827º. Nos casos em que o adquirente do prédio se depare com dificuldades em entrar na sua posse, assiste-lhe o direito de, com base no título de transmissão, formular nos próprios autos de execução em que o prédio lhe foi adjudicado pedido de entrega daquele contra o detentor (art. 828º), cumprindo então ao agente de execução investi-lo na sua posse, entregar-lhe os documentos e as chaves do mesmo, se os houver, e notificar o executado, os arrendatários e quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o direito de propriedade do adquirente (art. 861º, n.º 3), aplicando-se ao ato de efetivação da entrega as normas da penhora, nomeadamente as relativas ao modo de apreensão (art. 749º, 757º e 764º, n.º 1), ao uso da força pública (arts. 757º, n.ºs 2 a 4 e 6 e 764º, n.º 4), ao depositário (art. 756º, n.º 1), ou ao auto de apreensão (art. 755º, n.º 3 e 766º), conforme é expressamente determinado pelo n.º 1, do art. 861º[2]. No que respeita ao recurso ao auxílio da força pública, quando o prédio a entregar ao adquirente constitua o domicílio dos executados ou de terceiro detentor - como é o caso sobre que versa a presente execução, em que o prédio adquirido pela sociedade EMP02..., Lda. constitui a casa de morada de família dos executados -, o recurso ao auxílio da força pública pelo agente de execução depende de prévio despacho judicial que lha pode conceder, ou não (n.º 4, do art. 757º). O juiz de execução apenas pode deferir o pedido do agente de execução para que seja autorizado o recurso ao auxílio de força pública (no caso de entrega de prédio que constitua domicílio), ou o agente de execução apenas pode a ela diretamente recorrer, isto é, sem necessidade de prévia autorização judicial (no caso de entrega de prédio que não constitua domicílio), em três situações: a) quando os executados e/ou os detentores do prédio ponham “alguma resistência” ao ato de entrega; b) exista receio justificado de que aqueles vão opor resistência a esse ato; ou c) se recusarem a abrir as portas do prédio a entregar ou este se encontre deserto e com as respetivas portas fechadas e em que, consequentemente, é necessário arrombar as portas e substituir as respetivas fechaduras para que se possa proceder à sua entrega ao adquirente[3]. Daí que, conforme bem diz a recorrente, o recurso ao auxílio da força pública para se proceder à entrega do prédio vendido à sua adquirente não é um ato discricionário do juiz (no caso de se tratar de prédio que constitua o domicílio), nem do agente de execução (no caso de não o constituir), posto que aquele apenas pode autorizar que o último a ela recorra, ou o agente de execução apenas pode a ela recorrer diretamente (no caso do prédio a entregar não constituir domicílio dos executados ou de terceiro detentor) quando se verifique uma das situações que se acabam de enunciar (oposição de resistência ao ato de entrega, receio justificado de oposição de resistência a esse ato, ou no caso de o prédio a entregar se encontrar com as portas fechadas e seja recusada abertura destas, ou quando aquele se encontre deserto, existindo, assim, necessidade de se proceder ao arrombamento de portas e à substituição das respetivas fechaduras para que o agente de execução nele possa entrar e proceder à sua entrega ao adquirente). Sempre que não se verifique nenhum dos mencionados fundamentos não é legalmente consentido o recurso ao auxílio da força pública. Posto isto, estabelece o art. 615º, n.º 1, al. b) (aplicável aos acórdãos por força do art. 666º, n.º 1, e aos despachos por via do art. 666º, n.º 3) que: “É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Comina o preceito acabado de referir com o vício de nulidade as sentenças, acórdãos ou despachos em que não sejam especificados os fundamentos de facto e/ou de direito em que se alicerça a decisão constante do seu dispositivo final, ou seja, quando o julgador neles não discrimine nem declare quais os factos que considerou provados, não declare os que julgou não provados, não motive/fundamente o julgamento da matéria de facto que realizou, e/ou, em sede de julgamento da matéria de direito, não identifique as normas jurídicas que aplicou, a interpretação que fez dessas normas jurídicas e/ou o modo como as aplicou aos factos que julgou provados e não provados, de modo que não é possível conhecer quais as concretas razões de facto e/ou de direito que justificam o dictat autoritário que emanou na sua parte dispositiva quanto ao modo como solucionou o litígio entre as partes sobre que versa a ação. O dever de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente é imposto pelo art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) e encontra-se densificado nos arts. 154º e 607º do CPC. Nos termos do art. 154º, as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas (n.º 1), não podendo a fundamentação consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2). Daí que, salvo a exceção que se acaba de referir, a sentença, o acórdão e os despachos têm de ser sempre fundamentados de facto e de direito, de modo que qualquer observador externo possa ter conhecimento sobre os fundamentos de facto e de direito em que se ancorou a decisão neles proferida. Em sede de estruturação da sentença, estabelece o art. 607º que esta começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpra solucionar (n.º 2); seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (n.º 3); na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (n.º 4); o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documento ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (n.º 5º), no final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade (n.º 6). Decorre do exposto que, ainda que o pedido não seja controvertido ou que a questão decidenda não suscite qualquer dúvida, salvo a exceção já referida, todas as decisões judiciais têm de ser fundamentadas de facto e de direito por imposição constitucional e infraconstitucional, dado que, destinando-se aquelas a solucionar um conflitos de direitos ou de interesses entre os litigantes e, assim, promover a paz social, esse objetivo só será alcançado quando o juiz, através da fundamentação logre demonstrar que a decisão que proferiu não é um mero ato arbitrário, mas a concretização da vontade abstrata da lei aplicada ao caso concreto, passando de convencido a convincente. Por outro lado, a fundamentação exerce a função primordial de autocontrolo do próprio julgador, ao forçá-lo a ter de indicar e discriminar os factos que julgou provados, a indicar os que julgou não provados, a ter de exteriorizar e motivar os fundamentos probatórios e o raciocínio que a partir dele fez, ou não fez, para chegar à decisão de facto que proferiu e, bem assim, em sede de julgamento da matéria de direito, ao ter de exteriorizar as normas jurídicas que avocou, a interpretação que fez das mesmas e o modo como as aplicou aos factos que julgou provados e não provados, dando-os as conhecer às partes para que possam ajuizar do bom (ou mau) fundamento do decidido e da viabilidade (ou não) de utilizarem os meios de impugnação que a lei lhes faculta. Em caso de recurso, a fundamentação permite também ao tribunal superior conhecer desses fundamentos para que os possa reapreciar e sindicar, além de que constitui um elemento fulcral de legitimação do próprio poder jurisdicional. Com interesse, citando vários autores, expende Abílio Neto que a fundamentação da decisão judicial “contribui para a sua eficácia, já que esta depende da persuasão dos respetivos destinatários e da comunidade jurídica em geral. (…). Só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, convencer as partes e a sociedade da sua justiça”. Mas a fundamentação “permite, ainda, quer pelas próprias partes, quer, o que é de realçar, pelos tribunais de recurso, fazer o reexame do processo lógico racional que lhe subjaz, pela via do recurso”. E, a fundamentação constitui “um verdadeiro fator de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões”. A fundamentação constitui ainda “uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de direito e no Estado social de direito comum contra o arbítrio do poder judiciário”[4]. No mesmo sentido já ensinava Alberto dos Reis que: “A exigência da motivação é perfeitamente compreensível. Importa que a parte vencida conheça as razões por que o foi, para que possa atacá-la no recurso que interpuser. Mesmo no caso de não ser admissível recurso da decisão o tribunal tem de justificá-la, pela razão simples de que uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. Claro que a força obrigatória da sentença ou despacho está na decisão; mas mal vai à força quando não se apoia na justiça e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer de que a decisão é conforme à justiça. A função própria do juiz é interpretar a lei e aplicá-la aos factos da causa; por isso, deixa de cumprir o dever funcional o juiz que se limita a decidir, sem dizer como interpretou e aplicou a lei ao caso concreto. A decisão é um resultado; é a conclusão dum raciocínio; não se compreende que se enuncie unicamente o resultado ou a conclusão, omitindo-se as premissas de que ela emerge”[5]. Frise-se que o conteúdo da fundamentação não é naturalmente fixo, mas deve ser ajustado ao caso concreto, tendo em conta a complexidade das questões nele suscitadas ou da maior ou menor discussão que exista na jurisprudência ou na doutrina acerca das mesmas, e a sua suficiência ou insuficiência não se mede pelo seu volume ou extensão, mas pelo seu conteúdo substancial[6]. A densidade da fundamentação deve ser suficiente para que se possam dar por satisfeitos os objetivos constitucionais (art. 205º da CRP) e infraconstitucionais (art. 154º) que lhe são imanentes, que são o de permitir aos destinatários exercitar com eficácia os meios de reação legais ao seu dispor e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo, e não apenas impondo. A densidade da fundamentação não é naturalmente tão intensa no âmbito dos despachos interlocutórios, uma vez que neles autoriza-se o juiz a fundamentar a decisão por remissão para os fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, desde que a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade, mas é compreensivelmente mais denso e intenso na sentença, uma vez que é nela que o julgador conhece do mérito da causa e, consequentemente, decide sobre os bens discutidos no processo, dirimindo o modo como o conflito que lhe foi submetido pelas partes é por ele decidido. Por isso, impõe-se que na sentença o juiz cumpra escrupulosamente com os comandos dos n.ºs 3 e 5 do art. 607º em sede de julgamento da matéria de facto e de direito. Em sede de julgamento da matéria de facto o dever de fundamentação impõe que o juiz indique e discrimine na sentença, acórdão ou despacho os factos que julga provados, ou seja, que lhes faça uma referência própria e individualizada, e que indique os factos que julga não provados.[7] Em sede de fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto que realizou, tratando-se de facticidade submetida a regras de direito probatório material (como é o caso daqueles para cuja prova a lei exija formalidade especial, e os que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes), em que não assiste ao julgador qualquer liberdade de decisão, na medida em que tem de julgar a facticidade de acordo com essas normas de direito probatório material que lhe sejam aplicáveis (n.º5, do art. 607º)[8], impõe-se que indique, em sede de fundamentação/motivação o concreto meio de prova em que se fundamentou e o dispositivo legal que lhe aplicou (identificando-o, interpretando-o e aplicando-o ao meio de prova) e que lhe impôs o julgamento de facto que realizou. Tratando-se de facticidade submetida ao princípio geral vigente no direito adjetivo nacional da livre apreciação da prova, porque livre apreciação não equivale naturalmente a arbitrariedade, o julgador tem de especificar, em sede de fundamentação/motivação do julgamento de facto os fundamentos probatórios que foram decisivos para a formação da sua convicção sobre a prova ou falta de prova sobre os factos, explicando “por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos”[9]. Enfim, o juiz deverá exteriorizar “fundamentos suficientes, para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da sua convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado”[10]. A obrigação de fundamentação em sede de julgamento da matéria de facto implica, em suma, que o julgador exteriorize quais os concretos meios de prova que considerou e quais as razões objetivas e racionais pelas quais obtiveram no seu espírito credibilidade, de molde a compreender-se o itinerário cognoscitivo seguido para a consideração de determinado facto como provado ou não provado[11]. Em sede de julgamento da matéria de direito, nos termos do n.º 3, do art. 607º, cumpre ao juiz identificar na sentença (acórdão ou despacho) as normas jurídicas que avocou, a interpretação que delas fez e o modo como as aplicou aos factos que julgou provados e provados. Trata-se agora do enquadramento jurídico da lide, em que vigora o princípio segundo o qual jura novit curia, segundo o qual o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (n.º 3, do art. 5º), e em que, aplicando o direito aos factos que julgou provados e não provados, alcança a decisão relativa ao mérito da causa, julgando-a procedente, parcialmente procedente, ou improcedente. O incumprimento do dever de fundamentação de facto e/ou de direito da sentença (despacho ou acórdão) determina a sua nulidade por falta de fundamentação, uma vez que em face do teor dela não é possível conhecer dos fundamentos de facto e/ou de direito em que assentou o modo como o julgador nela decidiu o litígio que contrapõe os litigantes, que o autor delimitou subjetiva (quanto aos sujeitos) e objetivamente (quanto ao pedido e à causa de pedir) na petição inicial e que apenas foi completado pelas exceções e pela eventual reconvenção deduzida pelo réu na contestação e, bem assim, pelas contra exceções que o autor opôs às exceções invocadas pelo réu ou pelas exceções que opôs à reconvenção. Todavia, impõe-se enfatizar que a nulidade da sentença (acórdão ou despacho) por falta de fundamentação é a total e absoluta falta de fundamentação. Dito por outras palavras, apenas quando o juiz omita totalmente na sentença (acórdão o despacho) a indicação e discriminação dos factos que julgou provados, a indicação dos que julgou não provados, a fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto que realizou, e/ou o enquadramento jurídico que deu aos factos que julgou provados e não provados é que ocorre o vício gerador de nulidade por falta de fundamentação. A fundamentação deficiente, incompleta, sumária ou errada não dita a nulidade da sentença, acórdão ou despacho por falta de fundamentação[12]. Com efeito, não deve confundir-se a falta de fundamentação com fundamentação deficiente, medíocre, sumária, ou errada e menos ainda com fundamentação divergente. “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. E por “falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”[13]. Em suma, apenas a total e absoluta falta de fundamentos de facto e/ou de direito, e/ou a total omissão da motivação do julgamento da matéria de facto, e não apenas uma especificação incompleta, sumária ou errada daqueles, é geradora de nulidade da sentença, acórdão ou despacho. Porque assim é, compreende-se que, padecendo o julgamento da matéria de facto do vício da deficiência, no sentido do julgador não ter julgado como provados ou não provados factos essenciais integrativos da causa de pedir que foram alegados pelo autor na petição inicial, ou integrativos de exceções deduzidas pelas partes e por elas alegados, esse vício não determina a nulidade da sentença, designadamente, por falta de fundamentação (ou por omissão de pronúncia), mas consubstancia erro de julgamento da matéria de facto, na vertente de deficiência, a ser superada pelo Tribunal da Relação sempre que tal seja possível com a necessária segurança recorrendo à prova já produzida constante do processo (art. 662º, n.º 1); de contrário, deverá anular a sentença (acórdão ou despacho) e ordenar a baixa à 1ª Instância para que amplie o julgamento da matéria de facto quanto a essa concreta facticidade em relação à qual omitiu pronúncia (art. 662º, n.º 2, al. c)). E também se compreende que sempre que algum facto essencial não estiver devidamente fundamentado, na al. d), do n.º 2 do art. 662º do CPC, se preveja que a Relação deva determinar a baixa dos autos à 1ª Instância para que o fundamente devidamente, tendo em conta os depoimentos gravados e registados[14]. Revertendo ao caso dos autos, após ter enunciado mostrar-se “decorrido o prazo de 90 dias referido no atestado médico junto pela executada com o requerimento”, em que requereu a confirmação da suspensão do ato de entrega do prédio à sua adquirente, antes determinada pela agente de execução, a Meritíssima juiz a quo limitou-se a consignar que, “nos termos do disposto nos artigos 828º, 861º e 863º, todos do CPC, determino a requisição do auxílio da força pública, bem como o arrombamento das portas, na eventualidade destas estarem fechadas ou de ser oposta alguma resistência, para entrega do bem ao adquirente EMP02..., Lda. (prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... (...) sob o n.º ...65), devendo lavrar-se auto de ocorrência”. Ao assim ter decidido, deferindo o pedido formulado pela agente de execução para que fosse autorizada a recorrer ao auxílio da força pública, a fim de proceder à entrega do prédio adjudicado à adquirente EMP02..., Lda., salvo o devido respeito por entendimento contrário, o tribunal a quo não indicou os fundamentos de facto que viabilizam legalmente o recurso a esse auxílio, os quais apenas podem assentar, relembra-se, num dos seguintes fundamentos fácticos: a) os executados e/ou os detentores do prédio a entregar tenham oposto (já tenham oposto) “alguma resistência” ao ato de entrega do prédio; b) existir receio justificado de que aqueles vão opor (futuramente) resistência a esse ato de entrega; ou c) se tenham recusado (já tenham recusado) a abrir as portas do prédio a entregar, ou este encontrar-se deserto, com as respetivas portas encerradas, havendo, por isso, necessidade de se proceder ao arrombamento de portas e de se substituir as respetivas fechaduras para que se viabilize a entrega. Ao ter omitido os fundamentos de facto que presidiram à decisão tomada de autorizar a agente de execução a recorrer ao auxílio da força pública para entregar o prédio à sua adquirente, o despacho recorrido padece do vício de nulidade da al. b), do n.º 1 do art. 615º, por absoluta e total falta de indicação dos fundamentos de facto que presidiram à decisão de mérito nele contida. Decorre do excurso antecedente, proceder o fundamento de recurso acabado de analisar e, em consequência, declara-se a nulidade do despacho recorrido, por absoluta e total falta de fundamentação de facto, no segmento em que deferiu o pedido da agente de execução para que fosse autorizada a recorrer ao auxílio da força pública, a fim de proceder à entrega do prédio à sua adquirente EMP02..., Lda. B- Superação da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação – erro de direito assacado ao segmento da decisão recorrida em que se determinou o recurso ao auxílio da força pública A nulidade do despacho recorrido no segmento em que nele o tribunal a quo deferiu a pretensão da agente de execução para que fosse autorizada a recorrer ao auxílio da força pública, a fim de proceder à entrega do prédio à sua adquirente, por total e absoluta indicação dos factos que julgou provados em que fundamentou essa decisão, não tem por efeito invariável a remessa do processo à 1ª Instância para que profira nova decisão em que supra o vício em que incorreu, dado que, nos termos do disposto no art. 665º, n.º 1, cabe ao tribunal ad quem, fazendo uso dos seus poderes de substituição, suprir a nulidade cometida, salvo quando não dispuser dos elementos probatórios necessários que o permitam fazer com a necessária segurança. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo[15]. O recurso ao auxílio da força pública apenas pode ter por fundamento, conforme antedito: a) ter sido oposta resistência pelos executados ou por terceiro detentor do prédio ao ato de entrega do mesmo à adquirente; b) existir receio justificado de aqueles venham opor resistência a esse ato de entrega na data que para tanto vier a ser designada; ou c) a recusa dos executados ou de quem se encontre no prédio de abrir as respetivas portas, a fim de se proceder ao ato de entrega do mesmo à sua adquirente, ou o prédio encontrar-se deserto, com as respetivas portas fechadas. No caso sobre que versam os autos interessa convocar o fundamento justificativo do recurso ao auxílio da força pública pela agente de execução relativo ao “receio justificado” de que os executados ou terceiros que com eles residam, ou a seu mando, venham a opor resistência ao ato de entrega do prédio à sua adquirente e legítima proprietária. A circunstância do n.º 2 do art. 757º condicionar o recurso pelo agente de execução ao auxílio das autoridades policiais à circunstância de se verificar uma situação de “receio justificado de oposição de resistência” significa que esse receio ou temor não pode assentar num temor meramente subjetivo daquele de que venha ser oposta resistência ao ato de entrega, na data que vier a ser designada para o efeito, mas é necessária a verificação de factos concretos e objetivos que, atento o critério de um cidadão médio, que se encontrasse na situação do real agente de execução, lhe permitia, fundada e justificadamente, perspetivar com elevado grau de certeza que os executados, quem se encontre no prédio ou terceiros a seu mando, irão resistir ao ato de entrega daquele ao seu adquirente e legítimo proprietário. Dito por outras palavras, não se exige um juízo de certeza de que os executados ou terceiros se irão efetivamente a opor à entrega do prédio, até porque se trata de emitir um juízo de prognose quanto a um comportamento futuro, em relação ao qual nunca será possível emitir semelhante juízo de certeza, mas é necessário que tenham ocorrido já condutas da parte dos executados ou de terceiros que gerem justificadamente e em termos objetivos a emitir um juízo de forte probabilidade de que irão assumir uma conduta de resistência ao ato de entrega do prédio. No caso dos autos, verifica-se que o título de transmissão do prédio foi emitido pela agente de execução à adquirente EMP02..., Lda. em 23/01/2023. Os executados foram notificados pela agente de execução para entregarem voluntariamente o prédio, no prazo de quinze dias, em 17/01/2023, mas a entrega do mesmo à adquirente acabou por ficar suspensa por via do regime de exceção previsto na Lei n.º 1-A/2020, de 19/03. Em ../../2023, a 1ª Instância determinou o prosseguimento da execução com a entrega do prédio vendido à adquirente, EMP02.... Lda., na sequência do que a agente de execução designou o dia 14/09/2023 para se proceder a essa entrega. Acontece que, no identificado dia 14/09/2023, a diligência acabou por ser adiada para o dia 21/09/2012, em virtude de os executados alegarem não terem para onde ir, tendo-lhes então sido concedido um prazo de 8 dias para “resolverem a situação”, isto é, para arranjarem casa para onde se pudessem mudar, deixando o prédio adquirido devoluto de pessoas e bens para que pudesse ser entregue à sua adquirente e legítima proprietária, EMP02..., Lda.. Ocorre que, chegado ao dia 21/09/2023, a diligência de entrega acabou por ser suspensa pela agente de execução, pretensamente nos termos do n.º 4 do art. 863º, em virtude da recorrente e executada BB ter apresentado um atestado médico, datado de 18/09/2023, em que se atestava que a situação aguda de doença crónica que afetava o executado marido reclamava a imobilização deste no leito, sob pena de se colocar a sua vida em risco, estimando-se um período de tempo de noventa dias de acompanhamento daquele e para ser reavaliado. A 1ª ilação a extrair perante os factos que se acabam de enunciar é o de que os executados têm vindo a recorrer a todos os meios de defesa no âmbito da presente execução a fim de a entravarem, dilatando ao máximo no tempo o seu termo final, incluindo a entrega do prédio adquirido pelo EMP02..., Lda., como é bem demonstrativo o facto de terem oposto embargos à execução em 30/01/2015, os quais vieram a ser julgados improcedentes, por sentença proferida em 02/11/2015, confirmada por acórdão desta Relação de 10/11/2016, de que interpuseram recurso excecional de revista, que não foi admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 23/03/2017 (cfr. apenso B); mas igualmente os múltiplos requerimentos que têm apresentado ao longo da presente execução, ora opondo-se à penhora, ora às modalidades de venda determinadas pela agente de execução, ora ao preço de venda a anunciar por aquela fixado, ora à venda dos bens pelo preço oferecido pelos proponentes. A segunda ilação a extrair é a de que os executados não ignoram, nem podem ignorar, que o título de transmissão do prédio que constitui a sua casa de morada de família foi emitido à adquirente EMP02..., Lda. em 23/01/2023, e que os mesmos já tinham sido notificados pela agente de execução para entregarem voluntariamente o prédio, no prazo de 15 dias, em 17/01/2023, e que beneficiaram do regime de exceção decorrente da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, que suspendeu o ato de entrega daquele à adquirente até ../../2023 e que, na sequência da revogação daquele regime de exceção, a diligência de entrega do prédio foi designada pela agente de execução para o dia 14/09/2023, pelo que dispuseram de um período temporal superior a oito meses para arranjar local para onde irem residir, o que não fizeram. A terceira ilação a extrair é de que, apesar de nada terem feito durante aquele período superior a oito meses, no sentido de arranjarem casa para onde irem residir, apesar de terem perfeito conhecimento que a doença que afetava o executado marido era crónica e, por isso, de progressão lenta, tratando-se de doença prolongada, com que aquele irá ver-se confrontado, ao que tudo indica, até ao termo dos seus dias, no dia 14 de setembro de 2023, data agendada pela agente de execução para se proceder à entrega do imóvel à adquirente EMP02..., Lda., os mesmos opuseram efetivamente resistência a esse ato de entrega, alegando “não terem para onde ir”, na sequência do que lhes foi concedido o prazo de oito dias para “resolverem a situação”, ou seja, para saírem do prédio, deixando-o livre e devoluto de pessoas e bens a fim de ser entregue à sua adquirente na data designada para a continuação dessa diligência, o que não fizeram. A quarta ilação a extrair é a de que, no dia 21/09/2023, data designada para a continuação da diligência de entrega do prédio, essa diligência acabou por ser suspensa, em virtude de então ter sido apresentado um atestado médico, datado de 18 de setembro de 2023, em que era atestado que o executado marido se encontrava num estado agudo da doença crónica que o afetava (e que, conforme infra se verá, não constitui fundamento legal para que, à luz dos arts. 861º, n.º 6 e 863º, n.º 4, se tivesse suspenso essa diligência), que reclamava que ficasse imobilizado no leito, sob pena de correr risco de vida, e em que se diz que aquele precisava de um período estimado de 90 dias de acompanhamento e para ser reavaliado. A quinta ilação a extrair é a de que, apesar de não existir fundamento legal para se ter suspendido a diligência de entrega do prédio à sua adquirente no dia 21 de setembro de 2023, e apesar de, em 18/03/2024, data em que foi proferido o despacho recorrido, estar efetivamente há muito decorrido o prazo de 90 dias que vinha mencionado naquele atestado médico, os executados nada fizeram para arranjar casa para onde pudessem ir residir, libertando-a para que pudesse ser entregue à sua legítima proprietária, que a tinha adquirido há mais de um ano (onde, aliás, os mesmos continuam a residir apesar de, presentemente, estarmos no mês de fevereiro de 2025). Em face dos comportamentos dos executados que se acabam de descrever, o qual resulta assacado dos próprios termos do presente processo de execução e seus múltiplos apensos, dir-se-á que qualquer agente de execução médio, que se encontrasse na concreta situação em que se encontrava a real agente de execução, teria o sério, fundado e objetivo receio de que os executados se iriam novamente opor (como, aliás, o fizeram em 14/09/2023) à diligência de entrega do prédio à sua adquirente, posto que, salvo melhor opinião, a sua conduta processual ao longo da presente execução é a de dilatar ao máximo possível o seu termo final, nomeadamente, a entrega do prédio à sua adquirente e proprietária EMP02..., Lda. Daí que tendo já a 1ª Instância, por decisão de 05/09/2023, na sequência de pedidos formulados pela agente de execução para que fosse deferida a entrega do prédio à sua adquirente mediante recurso ao auxílio da força pública, deferido o recurso a esse auxílio, perante o requerimento da mesma agente de execução de 17/11/2023 para que fosse autorizada a entrega efetiva da posse do imóvel (o que naturalmente tinha subjacente que esse requerimento fosse deferido mediante autorização para que pudesse recorrer ao auxílio da força pública) e a reiteração por aquela desse mesmo pedido em 31/01/2024, o tribunal a quo, em 18/03/2024, ao ter deferido aquele pedido, determinado a requisição do auxílio da força pública para que se procedesse à entrega do prédio à sua adquirente EMP02..., Lda., e determinando o arrombamento das portas para essa entrega, na eventualidade delas se encontrarem fechadas, ou de ser oposta alguma resistência ao ato de entrega, não incorreu em nenhum dos erros de direito que a recorrente assaca ao despacho recorrido. Deste modo, supre-se o vício da nulidade por falta de fundamentação de que padece o despacho recorrido pela forma acabada de indicar e, em consequência, julga-se improcedente o erro de direito que a recorrente assaca ao segmento decisório daquele despacho, quando nele se determinou a requisição do auxílio da força pública, bem como o arrombamento das portas, na eventualidade destas se encontrarem fechadas ou de ser oposta alguma resistência à entrega do prédio à sua adquirente EMP02..., Lda.. C- Da suspensão do ato de entrega do prédio Advoga a recorrente que, tendo a diligência de entrega do prédio, realizada no dia 21 de setembro de 2023, sido suspensa, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 863º, estando essa suspensão sujeita a confirmação judicial, não podia o tribunal a quo autorizar o auxílio da força pública com vista à entrega do imóvel “sem antes proferir decisão quanto à requerida suspensão. Existe uma questão prévia que tem necessariamente de ser dirimida”. Sem razão. Estabelece o art. 863º, n.ºs 3 a 5, ex vi, art. 861º, n.º 5 que, nos casos em que o prédio a desocupar constitua a casa de habitação principal do executado, o agente de execução suspende as diligências executórias, quando se mostre, por atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda (n.º 3 do art. 863º), devendo, nesse caso, o agente de execução lavrar certidão da ocorrência, juntar os documentos exibidos e advertir o detentor, ou a pessoa que se encontra no local, de que a execução prossegue, salvo se, no prazo de 10 dias, solicitar ao juiz a confirmação da suspensão, juntando ao requerimento os documentos disponíveis, dando do facto imediato conhecimento ao exequente ou ao seu representante (n.º 4 do mesmo preceito); e dispondo então o juiz de execução, uma vez ouvido o exequente, do prazo de cinco para decidir, podendo essa decisão consistir em manter a execução suspensa ou ordenar o levantamento da suspensão e a imediata prossecução dos autos (seu n.º 5). Preveem os preceitos que se acabam de referir aquilo que a doutrina e a jurisprudência denominam de “suspensão precária da execução”, em que, quando a casa a entregar ao seu adquirente e que, portanto, os executados têm de despejar, constitua a casa de habitação principal daqueles, verificados determinados pressupostos legais, se admite, a título excecional (face ao valor superior da vida humana comparativamente ao direito de propriedade do adquirente sobre o prédio) e temporariamente (até ao termo do prazo mencionado no atestado médico em que ocorre a situação de perigo para a vida do doente) se admite a suspensão do ato de entrega daquele ao adquirente. Os pressupostos legais para que a suspensão precária da execução possa ser determinada reconduzem-se aos seguintes requisitos cumulativos: a) a casa a entregar/“despejar” constituir a casa de habitação principal do executado (n.º 6, do art. 861º); b) ser apresentado, no ato de entrega, atestado médico, em que seja certificado que o executado, um familiar deste ou outra pessoa que com ele resida em economia comum[16] se encontra doente; c) que naquele atestado se refira tratar-se de doença de natureza aguda, isto é, súbita, inesperada, de evolução rápida e de curta duração (v.g. amigdalite, enfarte do miocárdio, enquanto o doente não for estabilizado, etc.)[17]; d) que nele se ateste que a realização da diligência põe em risco a vida da pessoa doente; e, finalmente e) que nele se indique o prazo durante o qual se deve suspender a diligência de entrega do prédio ao seu adquirente. Dada a natureza excecional da referida suspensão precária, porquanto, reafirma-se, aquela implica sempre uma agressão ao direito de propriedade do seu adquirente em benefício do valor superior da vida humana, compreende-se que, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do art. 863º, o seu procedimento seja integrado por duas fases processuais: 1ª - fase de suspensão liminar da diligência de entrega/despejo do prédio, a ser determinada pelo agente de execução, perante a exibição de atestado médico que indique fundadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda, devendo aquele lavrar certidão da ocorrência, juntar os documentos que lhe foram exibidos e advertir o executado, ou a pessoa que se encontra no local, de que a execução prosseguirá, salvo se, no prazo de dez dias, solicitar ao juiz a confirmação da suspensão, juntando ao requerimento os documentos disponíveis, dando do facto imediato conhecimento ao exequente ou ao seu representante; e 2ª- a fase da apreciação judicial, em que perante a apresentação pelo executado do dito requerimento, requerendo a manutenção da suspensão da execução pelo prazo que indica, acompanhado dos documentos destinados a fazerem prova dos factos por ele alegados, o juiz, ouvido o exequente, no prazo de cinco dias, decide manter a execução suspensa ou ordena o levantamento da suspensão e a imediata prossecução dos autos (n.º 3, do art. 863º)[18]. Assente nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, tendo a agente de execução designado o dia 21 de setembro de 2023 para a continuação da diligência de entrega do prédio à adquirente EMP02..., Lda., nesse dia a referida diligência acabou por ser suspensa na sequência de lhe ter sido apresentado pela recorrente e executada BB um atestado médico em que se referia que o executado AA “é portador de doença crónica em fase de agudização e com (ilegível) doença do foro ortopédico e do foro pneumológico. Aquando da realização de exames complementares de diagnóstico e estimando-se um período de noventa dias a necessidade de acompanhamento do doente para reavaliação da situação clínica e eventual (ilegível) ortopedia (coluna lombar). O utente neste momento está em fase aguda e deve evitar mobilização fora do leito, por colocar a sua vida em risco”. Na sequência, a agente de execução notificou a recorrente BB para, no prazo de dez dias, juntar aos autos o atestado médico que lhe tinha exibido, o que aquela fez, em 02/10/2023. Acontece que, em vez de proferir decisão no prazo de cinco dias, confirmando a suspensão da execução durante o período de 90 dias referido no atestado médico exibido à agente de execução e agora junto aos autos, ou ordenando o levantamento imediato da suspensão antes determinada pela agente de execução, com o imediato prosseguimento da entrega prédio à sua adquirente e legítima proprietária, EMP02..., Lda., tal como é determinado pelo n.º 5 do art. 863º, a 1ª Instância apenas veio a tomar decisão em 18/03/2024, em que se limitou (corretamente) a constatar que o prazo de 90 dias de suspensão da diligência de “despejo” do prédio que vinha mencionado no atestado médico já se encontrava há muito ultrapassado, e ordenar o prosseguimento da execução com a entrega do prédio à sua adquirente, recorrendo para o efeito a agente de execução ao auxílio da força pública. Dizemos que essa decisão se mostra correta, porquanto, à data da sua prolação, em 18/03/2024, há muito que se encontrava decorrido o prazo de suspensão de 90 dias mencionado naquele atestado médico, pelo que então já nada mais se impunha decidir (confirmando, ou não, a decisão de suspensão antes determinada pela agente de execução, em 21 de setembro de 2023), por essa questão, em termos materiais e ontológicos, já se encontrar ultrapassada. Ou seja, em 18/03/2024, decorridos quase seis meses sobre a data de 21 de setembro de 2023, em que a agente de execução suspendeu a entrega do prédio à sua adquirente, nada mais restava ao juiz a quo que não fosse ordenar o imediato prosseguimento da execução, com a entrega do prédio pela agente de execução à sua adquirente e legítima proprietária, EMP02..., Lda., e deferindo o pedido insistentemente antes por ela efetuado para que fosse autorizado o recurso ao auxílio da força pública. É isto que qualquer declaratório médio que se encontrasse na situação da recorrente BB, extrairia (e extrai) do teor da decisão recorrida, em que, inclusivamente, se inicia a dita decisão fazendo-se a expressa menção de que: “Mostrando-se há muito decorrido o prazo de 90 dias referido no atestado médico junto pela executada com o requerimento, nos termos do disposto nos artigos 828º, 861º e 863º, todos do CPC, determino a requisição do auxílio da força pública…”, e não a versão infundada por aquela propugnada segundo a qual “estando tal suspensão sujeita a confirmação judicial, entende a recorrente que o tribunal a quo não poderia autorizar o auxílio da força pública com vista à entrega do imóvel sem antes proferir decisão quanto à requerida suspensão. Existe uma questão prévia que tem necessariamente de ser dirimida”. Ao assim propender ignora ou desconsidera a recorrente que, em 18/03/2024, data em que foi proferido o despacho recorrido, há muito que se encontravam decorrido o período de noventa dias de suspensão da diligência de entrega do prédio à sua adquirente indicado no atestado médico, pelo que, tal como foi decidido pela 1ª Instância, então já não existia nada a confirmar (ou a não confirmar) quanto à suspensão da diligência de entrega do imóvel determinada pela agente de execução cerca de meio ano antes e, em que, consequentemente, a apreciação judicial dessa sua decisão era então, material e ontologicamente, impossível de ser feita. Em suma, decorre do que se vem dizendo que, perante a constatação que o prazo de 90 dias referido no atestado médico há muito tinha decorrido (o que inviabilizava então a confirmação judicial, ou não, da suspensão precária da execução que cerca de meio ano antes fora determinada pela agente de execução) e ao determinar o prosseguimento daquela, com a entrega do prédio à adquirente, contrariamente ao propugnado pela recorrente, não existia qualquer questão prévia que se impusesse então, em 18 de março de 2024, ser decidida quanto à confirmação judicial (ou não) da suspensão da execução, pelo que a despacho recorrido não padece de nenhum dos erros de direito que a recorrente lhe assaca. Um último esclarecimento: a situação de doença do executado AA que vem descrita no atestado médico que foi exibido pela recorrente à agente de execução, em 21 de setembro de 2023, e com base na qual esta última suspendeu o ato de entrega do prédio à adquirente EMP02..., Lda., e que a recorrente juntou aos presentes autos de execução, com vista a que, ao abrigo do disposto nos arts. 861º, n.º 6 e 864º, n.ºs 4 e 5, fosse confirmada aquela suspensão, nunca a poderia determinar, por se tratar de uma situação de doença crónica (e não aguda, conforme é exigido por aquelas disposições legais). Decorre do excurso antecedente que, sem prejuízo da procedência da nulidade que afeta o despacho recorrido por falta de fundamentação no segmento em que deferiu o recurso pela agente de execução ao auxílio da força pública para proceder à entrega do prédio à adquirente EMP02..., Lda., e da sua supressão nos termos acima enunciados, impõe-se julgar o presente recurso improcedente e, em consequência, com a presente fundamentação, confirmar o despacho recorrido. * V- DecisãoNesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sem prejuízo da procedência da nulidade que afeta o despacho recorrido por falta de fundamentação (no segmento em que deferiu o recurso pela agente de execução ao auxílio da força pública para proceder à entrega do prédio à adquirente EMP02..., Lda.), e da supressão dessa nulidade nos termos supra determinados, acordam em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam o despacho recorrido com a presente fundamentação. * Custas do recurso pela recorrente dado que nele ficou “vencida” uma vez que a decisão de mérito se manteve inalterada (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).* Notifique.* Guimarães, 06 de março de 2025 José Alberto Moreira Dias – Relator Gonçalo Oliveira Magalhães – 1º Adjunto Maria João Marques Pinto de Matos – 2ª Adjunta [1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396. [2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, pág. 293. [3] Ac. R.L., de 19/04/2007, Proc. 9553/2006-6, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a citar sem menção em contrário. [4] Abílio Neto, “Código de Processo Civil Anotado”, 5ª ed., junho/2020, Ediforum, pág. 298. [5] Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, Coimbra – 1945, págs.172 e 173. [6] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., pág. 199. [7] Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, pág. 321, em que expende. “No plano dos factos (e continuamos a falar de factos essenciais), a sentença tem de indicar tanto os factos provados com os factos não provados, o que releva até para a eventual impugnação da decisão sobre a matéria de facto: nisso consiste a declaração a que alude o n.º 4 do art. 607º. O que sucede é que os factos provados a declarar como tal deve ter uma referência própria e autónoma: aí reside a discriminação dos factos provados imposta pelo n.º 3 do art. 607º”. [8] Abrantes Geraldes, “Sentença Cível”, janeiro de 2014, pág. 20. [9] Paulo Pimenta, ob. cit., pág. 324. [10] Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, pág. 348. [11] Ac. RG. de 22/03/2007, Proc. 173/07-1. [12] Ac. STJ., de 05/05/2005, Proc. 05B839; de 12/05/2005, Proc. 05B840; de 10/07/2008, Proc. 08A2179; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 199; Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 141; José Lebre de Freitas, “Código de Processos Civil Anotado”, vol. 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704; e “A Ação declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª edição, Coimbra Editora, setembro de 2013, pág. 332. [13] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora, pág. 140. [14] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 293 a 298. [15] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 322. [16] Ac. RC., de 20/06/2017, Proc. 2939/14.7T8CBR-E.C1. [17] Ac. R.G., de 21/03/2019, Proc. 153/15.3T8CHV-C.G1, em que se expende: “No âmbito dos arts. 861º, n.º 6 e 868º, n.º 3, ambos do CPC, são requisitos para a suspensão da execução de entrega do imóvel: (i) tratar-se da casa de habitação principal do executado; (ii) apresentar-se atestado médico que indique fundadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução; (iii) e indicar o dito atestado médico que a realização da diligência coloca em risco de vida, por doença aguda, a pessoa que se encontra no local. Doença aguda significa doença súbita e inesperada, isto é, que tem um curso acelerado, terminando com convalescença ou morte num curto espaço de tempo, em regra inferior a três meses; e distingue-se de episódios agudos das doenças crónicas, que são exacerbação de sintomas normalmente menos intensos nessas condições, que não põem em risco, num prazo curto, a vida do doente, não consubstanciando por isso emergência médica. O diferimento de desocupação de imóvel previsto no art. 864º do CPC constitui um meio de tutela excecional, por consubstanciar uma restrição ao direito de propriedade”. Ainda Ac. R.L., de 14/10/2008, Proc. 3870/2008-1: “A doença crónica do ocupante de uma casa, mesmo que possa pôr em risco a vida do doente por uma sua ansiedade agudizante, não é justificativa da sustação da execução de um mandado de despejo, por a lei só prever a situação de risco de vida relacionada com uma doença aguda desse ocupante”. [18] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, págs. 296 e 297. |