Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2553/21.0T8GMR.G3
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: REFORMA DE ACÓRDÃO
RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS NAS DIVERSAS INSTÂNCIAS
CUSTAS DA ACÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Como regra, a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no princípio da vantagem ou do proveito processual: um processo não deve causar prejuízos à parte que tem razão, sendo por isso as custas pagas pela parte vencida, e na medida em que o for; ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito da demanda.
II. Sendo os recursos considerados processos autónomos para efeitos de custas, e integrando a decisão em matéria de custas o acórdão, deve a mesma ser proferida de acordo com as regras comuns nesta matéria, na certeza de que o resultado pode não ser equivalente ao que foi assumido na sentença precedente.
III. Revogando o acórdão, total ou parcialmente, a decisão recorrida, justifica-se que seja redefinida a responsabilidade global pelas custas nas diversas instâncias, de acordo com as regras gerais; e, não o tendo sido feito, justifica-se a reforma do acórdão original quanto a custas, por forma a colmatar essa omissão.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO (reforma quanto a custas)

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., em ..., ..., propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, residente na Rua ..., em ..., ..., e contra CC, residente na Rua ..., ... ..., em ..., ..., pedindo que os Réus fossem solidariamente condenados

· a reconhecerem que ele próprio realizou benfeitorias necessárias e úteis, não passíveis de levantamento sem detrimento do prédio delas objecto, no valor global de € 252.012,00;

· a reconhecerem que lhe assiste o direito de receber deles um crédito por ter realizado as ditas benfeitorias, no mesmo valor global de € 252.012,00, segundo as regras do enriquecimento sem causa;

· e a reconhecerem que lhe assiste o direito de retenção sobre o prédio onde foram realizadas as ditas benfeitorias, até pontual, efectivo e integral pagamento da quantia de € 252.012,00.

Alegou para o efeito, em síntese, serem os Réus (BB e CC) comproprietários de um prédio (que melhor identificou), parte do qual destinado a habitação e outra a escritório; e, sendo seus pais e estando divorciados entre si, ser actual intenção dos mesmos procederem à partilha dos bens comuns.
Mais alegou que os Réus (BB e CC) lhe comodataram, por tempo indeterminado, parte do dito prédio, inicialmente o seu ... andar e, mais recentemente e em substituição daquele espaço, o ..., nele exercendo ele próprio a sua profissão de advogado; e que, com autorização e conhecimento dos Réus, cedeu, temporária e precariamente, o seu uso à Sociedade de Advogados que entretanto constituiu.
Alegou ainda que, na vigência dos sucessivos comodatos, realizou uma série de significativas intervenções no imóvel (que discriminou), autorizadas pelos Réus (BB e CC), despendendo para o efeito € 252.012,00; e que as benfeitorias assim realizadas foram necessárias ou úteis, não podendo ser levantadas sem detrimento do imóvel, influenciando significativamente o seu valor de mercado, de € 350.000,00.
Por fim, o Autor (AA) alegou que os Réus (BB e CC) não se entendem quanto ao montante concreto das benfeitorias em causa e não anuem ao seu reconhecimento extrajudicial, pese embora ainda não lhe tenham pedido a devolução do imóvel sobre o qual foram realizadas, e ele próprio não pretenda ser de imediato indemnizado do crédito que aqui invoca.

1.1.2. Pessoal e regularmente citados, os Réus (BB e CC) não apresentaram contestação.

1.1.3. Foi proferido despacho, considerando confessados os factos articulados pelo Autor (AA).

1.1.4. Apenas o Autor (AA) alegou por escrito, concluindo pela integral procedência da acção (reiterando para o efeito o já expendido na sua petição inicial).

1.1.5. Foi proferida sentença, julgando verificada nos autos a excepção dilatória de falta de interesse em agir e, em consequência, absolvendo os Réus (BB e CC) da instância.

1.1.6. Tendo o Autor (AA) interposto recurso de apelação desta decisão, onde os Réus contra-alegaram [1], foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães, em 20 de Janeiro de 2022, julgando-o procedente; e, em consequência, declarando «nula a sentença recorrida, por consubstanciar uma decisão-surpresa, devendo o Tribunal a quo anunciar às partes a possibilidade de vir a considerar verificada nos autos a excepção dilatória de falta de interesse em agir do Autor, convidando-as a exercer o respectivo direito de contraditório sobre esse seu possível entendimento, prosseguindo depois a acção os seus normais termos».

1.1.7. Devolvidos os autos à 1.ª Instância, foi proferido despacho, convidando as partes a pronunciarem-se sobre a eventual inexistência de interesse em agir por parte do Autor (AA).

Quer este, quer os Réus (BB e CC), vieram pronunciar-se, defendendo a existência de um inequívoco conflito entre eles; e, por isso, verificado nos autos o interesse em agir do Autor (AA). 

1.1.8. Foi proferido novo despacho, convidando os Réus (BB e CC) a melhor precisarem o teor da pronúncia antes feita, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«Na sequência do despacho de fls. 73, vêm os RR sustentar que, existe de facto e de direito um conflito entre estes e o Autor. Afirmam agora que não negam a existência das obras e o valor com estas o autor despendeu, mas não aceitam que as ditas obras lhe confiram qualquer direito a benfeitorias ou direito de retenção.
Todavia, facto é que não deduziram contestação, da qual resulte a alegação de factos ou a invocação de qualquer instituto jurídico adequado a pôr em causa os direitos de que o autor se arroga titular e que os RR dizem que põem em causa.
Assim, convido os RR a, no prazo de 5 dias, esclarecer o aparente paradoxo da sua posição, sob pena do tribunal continuar a entender que inexiste qualquer litígio real entre as partes e que a ação deverá ter uma qualquer outra insondável finalidade».

1.1.9. Os Réus (BB e CC) esclareceram então não terem contestado a realização das obras invocadas pelo Autor (AA), e o seu valor, por saberem que essa sua alegação corresponde à verdade; e, tendo mais filhos, que não querem prejudicar face ao Autor, recusarem definitivamente o reconhecimento extrajudicial de quaisquer direitos que decorram para ele daqueles factos. 

1.1.10. Foi proferido despacho, convidando as partes a pronunciar-se sobre o eventual e futuro juízo de uso (por elas) anormal do processo, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Em suma, pondera o tribunal concluir pela existência de conluio entre as partes, na vertente de simulação ou fraude processual, criando as partes a aparência de um litígio inexistente, para obter sentença cujo efeito querem apenas relativamente a terceiros (os demais filhos dos RR), enganando estes, criando a aparência de um putativo direito de crédito, que querem ver reconhecido, com a chancela do tribunal, atitude processual por via da qual pretendem esconder uma óbvia
(…)»

1.1.11. Quer o Autor (AA), quer os Réus (BB e CC), vieram pronunciar-se, defendendo inexistir qualquer conluio entre eles para fazerem um uso anormal do processo, requerendo ainda a realização de uma perícia, que documentasse a existência das obras referidas pelo Autor e o seu valor.

Nas mesmas e respectivas pronúncias, o Autor (AA) requereu a «modificação/ampliação do pedido para que sejam ambos os RR. solidariamente e expressamente condenados a pagarem ao A. a quantia peticionada na p.i.», modificação/ampliação que os Réus (BB e CC)  «declararam aceitar»; e por despacho foi deferida esta pretensão, lendo-se no mesmo que «quanto à pretendida ampliação/modificação do pedido e causa de pedir, admite-se a mesma nos termos do art. 264º do CPC»

1.1.12. Foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo os Réus (BB e CC) do pedido formulado contra eles.

1.1.13. Tendo o Autor (AA) interposto recurso de apelação desta decisão, onde os Réus (BB e CC) não contra-alegaram, foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães, em 30 de Junho de 2022, julgando-o procedente; e, em consequência, revogando «a sentença recorrida, ordenando o prosseguimento dos normais termos da acção».

1.1.14.  Devolvidos os autos à 1.ª Instância, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo os Réus (BB e CC) do pedido formulado contra eles, condenado ainda o Autor (AA) nas custas respectivas, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a ação, absolvendo os RR do pedido contra eles formulado.
Custas pelo autor.
(…)»

1.1.15. Tendo o Autor (AA) interposto recurso de apelação desta decisão, onde os Réus (BB e CC) não contra-alegaram, foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães, em 19 de Janeiro de 2023, julgando-o parcialmente improcedente e parcialmente procedente, com custas da apelação a cargo do Autor, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente improcedente e parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor (AA) e, em consequência, em:

§ Revogar parcialmente a sentença recorrida, por forma a declarar e reconhecer que o Autor (AA) realizou benfeitorias necessárias e úteis no prédio dos Réus (BB e CC), que ocupa por contrato de comodato, despendendo para o efeito a quantia de € 252.012,00, benfeitorias essas que não são passíveis de levantamento sem detrimento do dito prédio.

§ Confirmar o remanescente da sentença recorrida (isto é, o seu juízo de improcedência quanto aos demais pedidos formulados pelo Autor).
*
As custas da apelação são a cargo do Recorrente, já que, na parte em que teve vencimento, o proveito foi seu, sem dedução de qualquer oposição pelos Réus (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC).
(…)»
*
1.2. Pedido de reforma

1.2.1. Foi face à última decisão que o Autor (AA) veio pedir a respectiva reforma quanto a custas, defendendo que, «com a revogação parcial da douta sentença, deverão ser fixadas as custas da ação à parte vencida - in casu custas a cargo dos RR., nos termos legais e ao abrigo do disposto no artigo 527.º, n.º 2 do CPC».
*
1.2.2. Os Réus (BB e CC) não apresentaram qualquer resposta nos autos.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

Mercê do exposto, uma única questão é agora submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão Única - Incorreu o acórdão proferido em erro na condenação em custas, nomeadamente por não ter cometido a custas da acção a cargo dos Réus (justificando a sua reforma, nos termos do art. 616.º, n.º 1, do CPC)?
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão única enunciada, encontram-se assentes nos autos (mercê do seu próprio conteúdo) os factos referidos em «I - RELATÓRIO» antecedente, que - por economia - aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Reforma quanto a custas 
4.1.1. Esgotamento do poder jurisdicional - Alteração subsequente da decisão proferida

Lê-se no art. 613.º, n.º 1, do CPC, que, proferida «a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa».
Quer isto significar que, tendo o juiz proferido decisão, não a pode em regra rever, alterando a decisão da causa, ou modificando os seus fundamentos, ficando esta susceptibilidade de modificação reservada para a sede própria, de recursos.
Contudo, apesar de extinto o poder jurisdicional com a prolação da sentença, ressalva-se a possibilidade, a pedido das partes [2]: da sua reforma, nas hipóteses do art. 616.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC; e a reparação de nulidades cometidas, elencadas no art. 615.º, n.º 1, do CPC.
A disciplina contida nos arts. 613.º a 617.º, do CPC, é aplicável aos próprios despachos (por força do n.º 3, do art. 613.º), bem como aos acórdãos (por força do art. 666.º, do mesmo diploma).
           
Precisa-se, porém (e nos termos dos art. 616.º, n.º 1 e 666.º, n.º 2, ambos do CPC), que sendo pedida a reforma do acórdão quanto a custas, caberá à conferência de juízes que inicialmente o proferiu apreciá-la e decidi-la.
Se, porém, a conferência de juízes deferir o pedido de reforma, considera-se a decisão proferida como complemento e parte integrante do prévio acórdão (arts. 617.º, n.º 2 e 666.º, n.º 1, ambos do CPC).
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4.1.2. Reforma (quanto a custas) 

Lê-se no art. 616.º, n.º 1, do CPC, e no que ora nos interessa, que a «parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença [aqui, leia-se acórdão], a sua reforma quanto a custas».
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4.1.2.1. Custas (definição) 
As custas processuais (lato sensu) compreendem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art. 529.º, n.º 1, do CPC).
Do mesmo modo se dispõe no art. 3.º, n.º 1, do RCP, onde se lê que as «custas processuais compreendem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte».
Com efeito, está pacificamente aceite que a garantia constitucional do acesso ao Direito (art. 20.º da CRP) não postula a gratuidade no acesso à justiça: a actividade jurisdicional não é exercida gratuitamente, impendendo sobre os litigantes o ónus de pagar determinadas taxas para que possam pôr em marcha a máquina da justiça; e têm de satisfazer, no final do processo, todas as quantias de que o Tribunal se não haja embolsado por meio daquele adiantamento (conforme José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 1981, pág. 199).
Reconhece-se, assim, uma certa liberdade ao legislador, na determinação dos concretos encargos (espécie e montantes) a suportar pelo utente do serviço [3].

Contudo, importa que o concreto encargo a suportar não se converta numa barreira intransponível, ou excessivamente dificultadora, do acesso aos tribunais, tendo nomeadamente em conta a capacidade económica do vulgar cidadão; e, nesta aferição, são precisamente as imposições constitucionais da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, II parte, do CRP) e da tutela do acesso ao direito e à justiça (art. 20.º, da CRP) que constituem os limites inultrapassáveis da liberdade conformadora do legislador ordinário [4].
Interdita-se, deste modo, a fixação de taxas de tal modo elevadas, desfasadas do custo e da utilidade do serviço prestado, que na prática possam inibir o cidadão comum de aceder à justiça, comprometendo a tutela jurisdicional efetiva dos direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos [5].
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4.1.2.1.1. Taxa de justiça 
Lê-se no art. 529.º, n.º 2, do CPC, que a «taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais».
Do mesmo modo se dispõe no art. 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais [6], onde se lê que a «taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento».
O dito «impulso processual» «é, grosso modo, a prática do ato de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais, designadamente, a ação, a execução, o incidente, o procedimento, incluindo o cautelar, e o recurso» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 2012, 4.ª edição, Almedina, pág. 73).

Mais se lê, no art. 530.º, n.º 1, do CPC, que a «taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais».
Logo, a taxa de justiça é suportada exclusivamente pelo requerente (para promoção de acções e recursos, bem como de determinados incidentes, ou para os contraditar), enquanto impulsionador do processo (isto é, quer do lado activo, quer do lado passivo) e à medida que o faz [7]. A obrigação do seu pagamento não é, por isso, exclusiva da parte vencida: a parte vencedora também está obrigada ao seu pagamento, como contrapartida da prestação de um serviço público [8].

Ora, se o critério do vencimento não releva, em regra, para efeito de pagamento de taxa de justiça [9], encontra-se aqui necessariamente subjacente a noção (há muito aceite na jurisprudência - nomeadamente constitucional - e na doutrina) que a taxa de justiça consubstancia uma verdadeira taxa [10] e não um imposto, nomeadamente por ser contrapartida da prestação individualizada de um serviço, neste caso por parte do Estado que o detém monopolisticamente [11].
Contudo, na intrínseca natureza definidora de uma taxa está ainda implícito o respeito pelo princípio da proporcionalidade (também designado pelo princípio da proibição do excesso, corolário do princípio da confiança ínsito a um Estado de Direito Democrático - art. 2º da CRP) [12] [13].

Ora, sendo a taxa de justiça suportada exclusivamente pelo requerente, enquanto impulsionador do processo, e à medida que o faz, vindo o mesmo a obter vencimento na acção, terá então o direito a ser ressarcido pela parte vencida das custas que teve de suportar (ocorrendo esse ressarcimento precisamente no quadro do regime das custas de parte) [14].
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4.1.2.1.2. Encargos
Lê-se no art. 529.º, n.º 3, do CPC, que são «encargos do processo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa».
«Os encargos são, grosso modo, as despesas que os processos em geral comportam, diversas das taxas de justiça, sobretudo no âmbito da produção de prova dos factos em que o litígio se consubstancia» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 4.ª edição, Almedina, 2012, pág. 342). Sendo originados quer pela condução do processo, quer pela sua tramitação, quer os actos que os originam sejam requeridos pelas partes ou ordenados oficiosamente, encontram-se taxativamente discriminados nos arts. 16.º a 18.º, ambos do RCP.

Mais se lê, no art. 532.º, do CPC, que «cada parte paga os encargos a que tenha dado origem e que se forem produzindo no processo» (n.º 1), exceptuando-se porém «os encargos com a realização de diligências manifestamente desnecessárias e de carácter dilatório», que são «exclusivamente suportadas pela parte requerente, independentemente do vencimento ou da condenação em custas» (n.º 4).
Do mesmo modo se dispõe no art. 20.º, n.º 1, do RCP, onde se lê que os «encargos são pagos pela parte requerente ou interessada, imediatamente ou no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho que ordene a diligência, determine a expedição ou cumprimento de carta rogatória ou marque a data da audiência de julgamento».
Compreende-se, por isso, que se afirme que decorre «da lei que o critério concernente à responsabilidade pelo pagamento dos encargos com o processo, ou seja, das despesas relativas à sua tramitação, é essencialmente o da causalidade» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 4.ª edição, Almedina, 2012, pág. 92).
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4.1.2.1.3. Custas de parte 
Lê-se no art. 529.º, n.º 4, do CPC que as «custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais».
Logo, as custas de parte são integradas pelas despesas que as partes são obrigadas a fazer para garantirem o impulso processual necessário ao desenvolvimento da lide, idónea à prolação de uma decisão que potencialmente as beneficia [15]; e, por isso, no final do pleito, deverão tais despesas ser restituídas, pela parte que tenha decaído à parte que tenha tido ganho de causa (já que, precisamente para o ter, se viu na necessidade de as suportar).

Mais se lê, no art. 533.º, do CPC, que «as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais» (n.º 1), nelas se compreendendo as «taxas de justiça pagas», os «encargos efectivamente suportados pela parte», as «remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas» e os «honorários do mandatário e as despesas por este efectuadas» (n.º 2).
Do mesmo modo se dispõe no art. 26.º, n.º 3, do RCP, onde se lê que nas custas de parte - em que é condenada a parte vencida - se contêm: os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento; os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução; 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação a esta última das despesas com honorários do mandatário judicial, desde que sejam discriminados na nota justificativa e não excedam aquele montante; e os valores pagos a título de honorários de agente de execução [16].
Logo, a parte vencedora pode proceder ao acerto da distribuição das custas em função do vencimento verificado a final, sendo este apenas apurado com o trânsito em julgado da decisão que o defina; e repercutindo-se (v.g. alterando-as) nas custas provisórias das eventuais e anteriores instâncias, inclusive recursivas. Exigirá, então, da parte vencida aquilo que pagou em excesso (face ao dito vencimento).
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4.1.2.2. Responsabilidade pelas custas (critérios de cometimento)
Lê-se no art. 527.º, do CPC, que a «decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito» (n.º 1); e entende-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for» (n.º 2).
Precisa-se, antes de mais, que, envolvendo «o conceito de custas (…) um sentido lato abrangente da taxa de justiça, dos encargos e das custas de parte, e um sentido estrito, este apenas reportado aos encargos e às custas de parte», é este último «o sentido a que o normativo em análise se reporta» (Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 8.ª edição, Almedina, pág. 8, com bold apócrifo).
Prosseguindo, no art. 527.º, do CPC, procura-se uma correspondência entre a responsabilidade pelo pagamento das custas e o resultado da actividade processual dos sujeitos intervenientes no processo: a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta precisamente na ideia de que um processo não deve causar prejuízos à parte que tem razão, sendo por isso as mesmas pagas pela parte vencida, e na medida em que o for [17]; ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito da demanda [18]. Logo, procura-se não se impor um sacrifício patrimonial à parte em benefício da qual a actividade do tribunal se realizou, uma vez que é do interesse do Estado que a utilização do processo não cause prejuízo ao litigante que tem razão.
Compreende-se, por isso, que se afirme que, no regime de custas definido pelo legislador ordinário para o processo civil a responsabilidade pela dívida de custas em sede cível assenta, a título principal, no princípio da causalidade (indiciado pelo princípio da sucumbência), isto é, as custas serão suportadas pela parte que a elas houver dado causa, entendendo-se como tal a parte vencida, na proporção em que o for [19]. Só subsidiariamente a responsabilidade pelas custas apelará ao princípio da vantagem ou do proveito resultante do processo, isto é, só quando, pela natureza da acção, não haja lugar a vencimento por qualquer das partes, as custas serão suportadas por quem do processo tirou proveito (conforme Ac. do TC, publicado no DR n.º 130/2015, Série II, de 02.07.2015) [20].
Compreende-se ainda que, se as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento, se consagre o princípio da justiça tendencialmente gratuita para quem obtém ganho de causa.
Concretizando os critérios referidos, e quanto «à ação, perde-a o réu quando e condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância». Já no «caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento; mas, se o recorrido não tiver contra-alegado e a decisão do recurso, favorável ao recorrente, não se refletir negativamente na esfera jurídica do recorrido, será responsável pelas custas do recurso quem for condenado nas custas da ação no final» [21]. «Se o êxito for apenas parcial, o encargo das custas é repartido entre ambas as partes, na proporção em que cada uma tenha ficado vencida». Por fim, nos «processos cuja decisão não implica o vencimento de qualquer das partes» - v.g. acção de divisão de coisa comum -, «atende-se ao proveito que cada um tenha tirado do resultado do processo, ou seja, ao valor atribuído a cada interessado» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 419 e 420).

Mais se lê, no art. 535.º, n.º 1, do CPC que, quando «o réu não tenha dado causa à acção e a não conteste, são as custas pagas pelo autor». Logo, em «tais circunstâncias, a imputação dos custos da demanda à parte favorecida pressupõe cumulativamente os seguintes requisitos: que o réu não tenha dada causa à acção (causalidade pré-processual) e que a não conteste (causalidade processual)» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 588).
Entende-se nomeadamente que «o réu não deu causa à ação» quando «o autor se proponha exercer um mero direito potestativo, que não tenha origem em qualquer facto ilícito praticado pelo réu», quando «a obrigação do réu só se vencer com a citação ou depois de proposta a ação», quando «o autor, munido de um título com manifesta força executiva, recorra ao processo de declaração» e quando «o autor, podendo logo interpor recurso de revisão, faça uso sem necessidade do processo de declaração» (n.º 2, do art. 535.º citado).

O disposto no art. 535.º, do CPC, faz cessar a aplicação do critério do vencimento previsto no art. 527.º, do mesmo diploma. Compreende-se que assim seja, já que o «critério do vencimento repousa na ideia de que, na normalidade dos casos, a parte vencida dá causa à ação, ou pelo comportamento dentro do processo, peticionando ou contestando sem razão, ou pelo seu comportamento antes do processo, ainda que não contestando a ação contra si proposta. Por isso, deve ser afastado quando o réu nem intervém no processo, contestando, nem teve, antes dele, um comportamento de que resulte ser-lhe imputável a propositura da ação» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 440).   
Contudo, embora se aplique aqui a regra «do proveito ou do beneficio retirado da procedência da ação», a «causalidade não deixa de estar presente nas diversas situações prefiguradas pelo legislador, não sendo já encontrada através do binómio vencimento-decaimento, mas por via de outros fatores: a irresponsabilidade do réu pelos factos invocados pelo autor em apoio de um direito potestativo; a antecipação injustificada da propositura da ação; a desnecessidade da ação declarativa em face ao caminho mais direto e mais eficaz da ação executiva ou do recurso de revisão» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 588, com bold apócrifo).

Concluindo, a matéria de custas judiciais «obedece aos seguintes princípios fundamentais: onerosidade da atividade jurisdicional, responsabilização da parte causadora da demanda pelas custas do processo e proporcionalidade entre o montante global e a natureza, valor e tramitação da ação» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 579) [22].
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4.1.2.3. Conta final de custas
Lê-se no art. 29.º, n.º 1, do RCP, que a «conta de custas é elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1.ª instância no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final, após a comunicação pelo agente de execução da verificação de facto que determine a liquidação da responsabilidade do executado, ou quando o juiz o determine».
A dita conta é elaborada, segundo o art. 30.º do RCP, «de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos» (n.º 1); e deve «elaborar-se uma só conta por cada sujeito processual responsável pelas custas, multas, e outras penalidades, que abranja o processo principal e os apensos» (n.º 2).
Com efeito, integrando a «decisão em matéria de custas (…) a sentença (art. 607º, nº 6), e «devendo o Juiz, quando for o caso, assumir expressamente o modo como serão repartidas as custas», esta «decisão de natureza tributária é extensiva aos recursos de apelação e de revista, devendo nestes ser adotada a posição que resultar das regras comuns, na certeza de que o resultado pode não ser equivalente ao que foi assumido no acórdão ou na sentença precedente. Aliás, quando o acórdão do tribunal superior revogar total ou parcial[mente] [d]a decisão recorrida, justificar-se-á que seja redefinida a responsabilidade global pelas custas nas diversas instâncias, de acordo com as regras gerais» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 580).
  
Reitera-se, porém, que, actualmente, esta conta final do processo já não determina o que as partes devem pagar em função do respectivo vencimento, limitando-se a discriminar o que cada uma das partes deveria ter pago ao longo do processo (em função do dito vencimento), nomeadamente para o impulsionar, apurando-se o saldo dessa relação.
O mesmo será depois reclamado directamente pela parte vencedora à parte vencida, em sede de custas de parte (art. 26.º, n.º 2, do CRP).
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4.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)
Concretizando, tendo AA proposto uma acção declarativa, sob a forma comum, contra BB e CC, pediu na mesma (depois da ampliação do pedido que realizou e que lhe foi deferida) que os Réus fossem solidariamente condenados: a reconhecerem que ele próprio realizou benfeitorias necessárias e úteis, não passíveis de levantamento sem detrimento do prédio delas objecto, da propriedade daqueles, no valor global de € 252.012,00; a reconhecerem que lhe assiste o direito de receber deles um crédito por ter realizado as ditas benfeitorias, no mesmo valor global de € 252.012,00, segundo as regras do enriquecimento sem causa; a reconhecerem que lhe assiste o direito de retenção sobre o prédio onde foram realizadas as ditas benfeitorias, até pontual, efectivo e integral pagamento da quantia de € 252.012,00; e a pagarem-lhe a dita quantia de € 252.012,00.
Mais se verifica que, pessoal e regularmente citados, os Réus (BB e CC) não contestaram (vindo a ser proferido conforme despacho, a considerar confessados os factos articulados pelo Autor).
Verifica-se ainda que foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo os Réus (BB e CC) do pedido formulado contra eles, cometendo ainda as custas da acção ao Autor (AA).
Por fim, verifica-se que, tendo o Autor (AA) interposto recurso de apelação desta decisão, onde os Réus (BB e CC) não contra-alegaram, foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães, em 19 de Janeiro de 2023, julgando-o parcialmente improcedente e parcialmente procedente (nomeadamente, revogando em parte a sentença recorrida, por forma a declarar e reconhecer que o Autor realizou benfeitorias necessárias e úteis no prédio dos Réus, que ocupa por contrato de comodato, despendendo para o efeito a quantia de € 252.012,00, benfeitorias essas que não são passíveis de levantamento sem detrimento do dito prédio); e que, tendo decidido que as custas da apelação eram a cargo do Autor (AA), nada dispôs então quanto à custas da acção.

Ora, assiste efectivamente razão ao Autor (AA) quando afirma que, tendo obtido ganho de causa no recurso de apelação que interpôs, não se poderia manter a condenação em custas da acção, realizada pelo Tribunal a quo, isto é, o cometimento da sua totalidade a ele próprio (então de forma conforme com a total improcedência da lide, mas agora de forma desconforme com a sua parcial procedência).
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Contudo, já não assiste razão ao Autor (AA) quando pretende que as custas da dita acção sejam integralmente cometidas aos Réus (BB e CC), uma vez que a procedência da acção foi apenas parcial: tendo ele próprio deduzido quatro pedidos (três de reconhecimento de direitos e um de condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 252.012,00), só o primeiro procedeu (de condenação daqueles a reconhecerem que ele próprio realizou benfeitorias necessárias e úteis, não passíveis de levantamento sem detrimento do prédio delas objecto, propriedade dos Réus e comodatado a ele próprio, no valor global de € 252.012,00).
Assim, de acordo com o critério da causalidade consagrado no art. 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC, considera-se que as custas da acção deverão ser cometidas a ambas as partes, na proporção dos respectivos decaimentos. Ora, tendo em conta que o Autor (AA) formulou quatro pedidos e viu apenas um deles proceder, considera-se adequado fixar a proporção do seu decaimento em três quartos e a proporção do decaimento dos Réus (BB e CC) no quarto remanescente.
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Importa, assim, decidir em conformidade, pela parcial procedência da reforma quanto a custas pedida pelo Autor (AA).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente e parcialmente improcedente a reforma quanto a custas pedida pelo Autor (AA) e, em consequência, em:

· Alterar o segmento decisório quanto a custas do acórdão proferido em 19 de Janeiro e 2023, por aditamento da condenação de ambas as partes nas custas da acção, na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixa em três quartos para o Autor (AA) e num quarto para os Réus (BB e CC), passando a ler-se no mesmo - «As custas da apelação são a cargo do Recorrente, já que, na parte em que teve vencimento, o proveito foi seu, sem dedução de qualquer oposição pelos Réus (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC); e as custas da acção são a cargo de ambas as partes, na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixa em três quartos para o Autor e num quarto para os Réus (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC)».
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Guimarães, 16 de Março de 2023.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;

1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;

2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.



[1] Os Réus, nas contra-alegações que apresentaram, pediram singelamente que o Tribunal ad quem «julgue a acção procedente ou improcedente conforme o que foi de Lei e que não “atire o assunto para canto” como fez a douta sentença, deixando o assunto por resolver na totalidade».
[2] O juiz não pode, aqui, agir oficiosamente, sob pena de violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional.
Neste sentido, Ac. da RC, de 20.10.2015, Maria Domingas Simões, Processo n.º 231514/11.3YIPRT.C1 (in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
[3] Neste sentido, Ac. do TC, n.º 227/2007, de 28.03.2007, Paulo Mota Pinto (in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, como todos os demais citados deste Tribunal).

[4] Neste sentido, Ac. do TC, n.º 421/2013, de 15.07.2013, Carlos Fernandes Cadilha, onde se lê que, dispondo o legislador de «uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe».

[5] Neste sentido, Ac. do TC, n.º 361/2015, de 09.07.2015, Fernando Vaz Ventura, onde se lê que, dispondo o legislador «de uma larga margem de liberdade de conformação, competindo-lhe repartir os pesados custos do funcionamento da máquina da justiça, fixando a parcela que deve ser suportada pelos litigantes e a que deve ser inscrita no orçamento do Estado», não pode «postergar, porém, a vinculação decorrente da tutela do acesso ao direito e à justiça, direito fundamental consagrado no artigo 20.º da Constituição, incompatível com a fixação de taxas de tal forma elevadas que percam um mínimo de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado e, na prática, impeçam pela sua onerosidade a generalidade dos cidadãos de aceder aos Tribunais.
Assim, e sempre que se pronunciou sobre o domínio de regulação em apreço, o Tribunal não afastou a solvabilidade constitucional, em geral, de critério normativo de fixação do montante da taxa de justiça radicado no valor da causa, enquanto padrão de aferição da correspetividade do tributo. Daí que não tenham merecido censura soluções legais de tributação que, mesmo que determinadas em exclusivo por critérios de valor da ação, não conduziram, nos concretos casos em apreço, à fixação de taxa de justiça evidentemente desproporcionada (cfr. Acórdãos n.ºs 349/2001, 151/2009, 301/2009 e 534/2011). Mas, por outro lado, sempre que o funcionamento do critério tributário assente no valor da ação - maxime a ausência de um teto máximo ou de mecanismos moderadores do seu crescimento linear em ações de maior valor levou a uma manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado no serviço de justiça, o Tribunal considerou as normas que a tal conduziram merecedoras de censura constitucional (cfr. Acórdãos n.ºs 227/2007, 471/2007, 116/2008, 301/2009, 266/2010, 421/2013, 604/2013, 179/2014 e 844/2014)».

[6] O Regulamento das Custas Processuais - doravante aqui RCP - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (e logo rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril).

[7] Neste sentido, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 2012, 4.ª edição, Almedina, pág. 229, onde se lê que, «como regra geral, (…) os interessados directos no objeto do processo, quer quando impulsionem o seu início, quer quando formulem em relação a ele um impulso de sentido contrário, são responsáveis pelo pagamento da taxa de justiça».
 
[8] Compreende-se, por isso, que se afirme que, por «via deste normativo inseriu-se no sistema de custas a mais significativa alteração, ou seja, a autonomização da responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça em relação à responsabilidade pelo pagamento de encargos e de custas de parte»: «o responsável pelo pagamento da taxa de justiça é sempre a parte ou sujeito processual autor do impulso processual, independentemente de a final ser vencedor ou vencido».
Pretendeu-se, assim, «que a taxa de justiça seja o valor que cada interveniente lato sensu deve prestar por cada processo ou parte dele, por referência ao respetivo impulso, como contrapartida relativa ao serviço de justiça envolvente» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais. Anotado e Comentado, 4.ª edição, Almedina, Abril de 2012, págs. 73 e 76).

[9] Com efeito, no regime actual das custas processuais existe uma clara e intencional autonomização entre a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça e a responsabilidade pelo pagamento de encargos e de custas de parte.
Contudo, a lei não deixou de introduzir mecanismos correctores e de reequilíbrio da relação tributária processual (como melhor se detalhará de seguida); e, por isso, se a conta final do processo discrimina, não o que as partes devem pagar em função do respectivo vencimento, mas sim o que cada uma delas deveria ter pago ao longo do mesmo para o impulsionar (em função do dito vencimento), o saldo dessa relação pode, porém e então, ser reclamado da contraparte, em sede de custas de parte (conforme arts. 529.º, n.º 2 e 530.º, n.º 1, ambos do CPC, e arts. 6.º, n.º 1, 13.º, n.º 1, 25.º, n.º 2, al. b), todos do RCP).

[10] O critério base de distinção entre imposto e taxa reside no caráter unilateral do tributo, no primeiro caso, e bilateral, no caso da taxa, isto é, aqui existe uma correspectividade entre a prestação pecuniária a pagar e a prestação concreta de um serviço pelo Estado ou por outra entidade pública, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.

[11] Neste sentido, por todos, Ac. do TC, n.º 227/2007, de 28.03.2007, Paulo Mota Pinto.
Reiterando-o, Ac. do TC, n.º 301/2009, de 22.07.2009, Joaquim de Sousa Ribeiro; ou Ac. do TC, n.º 421/2013, de 15.07.2013, Carlos Fernandes Cadilha.

[12] O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três outros subprincípios: da adequação - «na medida em que qualquer restrição dos direitos, liberdades e garantias deve revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (que passam pela salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos)»; da exigibilidade - «porque tais medidas devem revelar-se necessárias, isto é, os fins visados pela lei não poderiam ser obtidos de forma menos onerosa para os direitos liberdades e garantias»; e da proporcionalidade em sentido estrito - «porque essas medidas e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”» (Ac. do TC, n.º 227/2007, de 28.03.2007, Paulo Mota Pinto).

[13] Compreende-se, por isso, que se afirme que, se não se exige uma correspondência exacta entre o montante da taxa de justiça e o valor ou o custo do serviço prestado, também não pode admitir-se uma manifesta desproporção ou excesso entre uma e outro, isto é, que a taxa seja completamente alheia ao custo do serviço prestado. É, assim, «exigível (…) que, de um ponto de vista jurídico, o pagamento do tributo tenha a sua causa e justificação material, e não meramente formal, na perceção de um dado serviço» (Ac. do TC, n.º 349/2002, de 15.07.2002, Sousa Brito).
Contudo, não se aceita igualmente que haja uma necessária ou automática correspondência entre o valor da causa e a utilidade da acção para o utente da justiça, isto é, «não é forçoso que a utilidade que se pretende retirar do serviço de administração da justiça aumente proporcionalmente ao aumento do valor da acção» (Ac. do TC, n.º 227/2007, de 28.03.2007, Paulo Mota Pinto).

[14] Neste sentido, Ac. da RE, de 18.10.2018, Tomé de Carvalho, Processo n.º 367/10.2T2SNS-F.E1, onde se lê que, não obstante o regime legal da taxa de justiça, a lei não deixou de introduzir «mecanismos correctores e de reequilíbrio da relação tributária processual, podendo» a parte vencedora «reclamar a quota-parte devida pelos outros interessados em sede de custas de parte, conforme resulta da interpretação sistemática das regras presentes nos artigos 529º, nº 2 e 530º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil e 6º, nº 1, 13º, nº 1, 25º, nº 2, alínea b) [5], do Regulamento das Custas Processuais».

[15]  No mesmo sentido, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 4.ª edição, Almedina, 2012, pág. 384, onde se lê que «as custas de parte, terceiro elemento do conceito de custas, em paralelo com os encargos, compreendem, grosso modo, essencialmente, as despesas que as partes são forçadas a fazer com vista à implementação da tramitação do processo».

[16] Precisando (apud Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 4.ª edição, Almedina, 2012, págs. 396 e 397, com bold apócrifo):  a «taxa de justiça prevista neste normativo é aquela que a parte vencedora, independentemente de ter figurado do lado ativo ou do lado passivo, nas acções, nos incidentes em geral, nos recursos ou em outros procedimentos, tenha pago no âmbito do referido processo»; os encargos, «versa, em suma, sobre os montantes que as partes vencedoras pagaram efetivamente a título de encargos, nos termos dos artigos 20º e 23º deste Regulamento»; e quanto aos honorários de mandatário efectivamente constituído, «a parte vencedora, no todo ou em parte, que tenha pago ao seu mandatário judicial os referidos honorários, com base na respectiva nota ou fatura elaborada pelo último, em conformidade com as respectivas regras estatutárias, deve proceder à junção do respectivo recibo».

[17] «Vencido» é aquele que não viu os seus interesses satisfeitos, em cuja esfera jurídica se repercutem negativamente os efeitos da decisão judicial; e se os ditos interesses ficaram totalmente postergados, o vencimento da parte contrária é total, enquanto se aqueles interesses ficaram parcialmente satisfeitos, este vencimento é parcial.

[18] Tira proveito da demanda a parte cuja esfera jurídica se mostre favorecida em face da decisão de mérito proferida.

[19] Com efeito, «existindo um vencedor, por princípio e natureza, não lhe pode ser imputada a responsabilidade pela obrigação do pagamento das custas por ser de afastar, naturalmente, a causalidade. Ou seja, por regra, o vencedor é aquele que obteve ganho de causa» (Ac. da RL, de 22.01.2019, Micaela Sousa, Processo n.º 45824/18.8YIPRT-A.L1, inédito).

[20] Na aplicação destes princípios e critérios, a diferentes fases processuais, veja-se o Ac. da RC, de 17.10.2018, Vasques Osório, Processo n.º 128/15.2T9CDN.C2, o Ac. da RL, de 06.02.2020, Carlos Castelo Branco, Processo n.º 2775/19.4T8FNC-A.L1-2, e o Ac. da RG, de 23.04.2020, Lígia Venante, Processo n.º 4/16.1T8VRL.G1.

[21] Contudo, Salvador da Costa, in Blogue IPPC (https://blogippc.blogspot.com), Notas, entrada de 31.10.2020 insurge-se contra condenações em sede de recurso de apelação de decisões interlocutórias que diferem as custas respectivas para a decisão que vier a ser proferida a final na acção, por entender que esse entendimento contraria a lei, nomeadamente o art. 527.º, d CPC (aplicável quer aos recurso de mérito, quer aos recursos de decisões de forma lato sensu) e o art. 1.º, n.º 2, do RCP (que expressamente considera os recursos como processos autónomos para efeito de custas).
Assim, e ainda que o recorrido não tenha contra-alegado, podendo porém tê-lo feito, desde que a decisão de procedência da Relação lhe seja potencialmente desfavorável, deverá ser responsabilizado pelo pagamento das custas do recurso, mas estas em sentido estrito (isto é, abrangendo apenas eventuais encargos e as custas de parte liquidandas, estas nos termos do art. 26.º, n.ºs 1 e 3, als. a) e c), do RCP), uma vez que a taxa de justiça devida pela interposição o recurso se encontra necessariamente já paga.
Defende, por isso, que nestes casos o «segmento relativo às custas do acórdão devia expressar: “Condena-se o recorrido no pagamento das custas do recurso, na vertente das custas de parte liquidandas”».

O entendimento exposto (de que as custas do recurso não podem ser deferidas para a decisão a proferir na acção) já tinha sido defendido pelo mesmo Autor, no mesmo blogue, em Notas, com entrada de 13.07.2020, desta feita a propósito de acórdão da Relação que, anulando a sentença recorrida (que julgara improcedente a acção) e determinando o prosseguimento dos autos, decidiu que as custas do recurso  (onde os réus tinham contra-alegado, pugnando pela manutenção da decisão impugnada) seriam pela parte que viesse a ficar vencida a final.
Defende Salvador da Costa que, neste caso, a «decisão da Relação sobre as custas, na sequência imediata da pertinente justificação de facto e de direito, devia ter sido no sentido de condenar os recorridos no pagamento das custas do recurso na vertente das custas de parte, nos termos do artigo 26.º, nºs 1 e 3, alíneas a) e c), do Regulamento das Custas Processuais».

Ainda do mesmo Autor, no mesmo local, e relativo a custas em recursos, podem ver-se com interesse a entrada de 03.07.2020 (quanto a custas no recurso que revoga o indeferimento liminar de procedimento cautelar e em que a parte contrária não foi citada para os termos do recurso e da causa, tendo aquelas sido cometidas ao recorrente) e a entrada de 28.11.2020 (quanto a custas no recurso que revoga o indeferimento liminar de acção de divisão de coisa comum e em que a parte contrária não foi citada para os termos do recurso e da causa, tendo aquelas sido cometidas ao recorrido).
Defende Salvador da Costa, em ambos os casos, que o recurso não justificaria o pagamento de custas em qualquer uma das suas vertentes (lendo-se, no primeiro, que o «segmento decisório do tribunal da Relação quanto às custas do recurso (…) devia declarar que na espécie não havia dívidas de custas» e, no segundo, que o «segmento decisório da Relação quanto às custas do recurso devia ser no sentido de que o recurso não justificava o pagamento de custas em qualquer das suas duas vertentes»).

[22] No mesmo sentido, mas invocando expressamente o princípio da proporcionalidade,  Ac. do TC, n.º 608/99, de 09.11.1999, Paulo Mota Pinto, onde se lê que o mesmo exigirá, em matéria de custas: o «equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício»; a «responsabilização de cada parte pelas custas, de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional»; e o «ajustamento entre os quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes».